LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFBA: pressupostos e princípios filosóficos e pedagógicos

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Transcrição:

1 LICENCIATURA EM EDUCAÇÃO DO CAMPO DA UFBA: pressupostos e princípios filosóficos e pedagógicos Edilson Fortuna de Moradillo Maria Bernadete de Melo Cunha Celi Neuza Zulke Taffarel Terezinha de Fátima Perin Abraão Félix da Penha Bárbara Carine Pinheiro da Anunciação Hélio da Sila Messeder Neto Lucas Vivas de Sá Universidade Federal da Bahia edilsonfmoradillo@gmail.com Resumo Esse trabalho trata da implantação do curso de Licenciatura em Educação do Campo da Universidade Federal da Bahia - UFBA, no segundo semestre de 2008, destacando os pressupostos e princípios filosóficos e pedagógicos que estão norteando o curso. A Licenciatura em Educação do Campo UFBA é um curso organizado para formação de professores que irão atuar na educação do campo, em especial do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e no ensino médio, estruturando componentes curriculares por áreas de conhecimento: Ciências da Natureza e Matemática, Ciências Agrárias, Ciências Humanas e Sociais, Linguagens e Códigos, Tecnologias da Informação e Comunicação. A formação integral é o ponto de partida de qualquer projeto político pedagógico que tem como objetivo a emancipação humana. Assim também concebemos a educação do campo. O Projeto Político Pedagógico deste curso está baseado em princípios filosóficos como a educação pelo trabalho como um processo de formação humana, visando a transformação social e princípios educacionais através da organização dos componentes curriculares por área de conhecimento, tendo o trabalho como princípio educativo, buscando a auto-organização dos estudantes, e a realidade como base da produção do conhecimento. O trabalho pedagógico está organizado alternando-se um Tempo Escola e um Tempo Comunidade por semestre letivo, considerando a prática social como pontos de partida e chegada. Trabalhando com base numa abordagem histórico-crítica,, esperamos avançar no sentido de contribuir para a emancipação humana.

2 Palavras-chaves: educação do campo, projeto político pedagógico, formação por área Introdução Partimos do pressuposto de que a educação como um direito de todos e dever do Estado, deve ser garantida também aos que vivem no campo e que, esta educação, é diferenciada daquela praticada nas zonas urbanas, extrapolando a mera noção de espaço geográfico. Entendemos que as necessidades culturais são outras, devendo a escola ser estruturada de acordo com o modo de viver, se relacionar, pensar e produzir das pessoas do campo, sem abrir mão dos conhecimentos socialmente relevantes que foram universalizados pela humanidade, a exemplo da filosofia, arte e ciência. É isto que denominamos Educação do Campo (FACED/UFBA, 2008). A desigualdade estrutural da sociedade atual, fruto da estrutura classista que está materializada na propriedade privada dos meios de produção e subsistência, repercute tanto na cidade como no campo, sendo que no campo, os indicadores socioeconômicos mostram uma assimetria maior ainda. Na educação, por exemplo, os índices mostram que 25,8% da população rural adulta (de 15 anos ou mais) é analfabeta, enquanto na zona urbana essa taxa é de 8,7%. (FACED/UFBA, 2008, p.10). Outras variáveis comprovam isso: sobrecarga de trabalho e baixo nível de escolaridade dos professores 1 do campo, dificuldade de acesso e locomoção muitas vezes chegam a caminhar longas distâncias para chegar às escolas, além de salários geralmente inferiores aos da zona urbana. Na Bahia esse quadro tem sido agravado ao longo da história devido ao atraso e conservadorismo político das elites baianas, repercutindo de forma constante e intensa na ausência de políticas sociais. Os índices de analfabetismo são alarmantes, um dos piores do Brasil, ampliando, dessa forma, a exclusão social, configurada na exclusão escolar. A formação integral é o ponto de partida de qualquer projeto político pedagógico que tem como objetivo a emancipação humana. Assim também concebemos a educação do campo. Neste contexto, a escola tem um papel importante como espaço possível de apropriação dos conhecimentos filosóficos, estéticos, artísticos e técnico-científicos produzidos ao longo do processo histórico do homem produzir-se homem. O homem não nasce homem, se faz homem (SAVIANI, 1995; LEONTIEV 2004). O projeto da Licenciatura em Educação do Campo, proposto para as Instituições de Ensino Superior (IES) pelo MEC/SESU, foi elaborado a partir das demandas históricas dos 1 As expressões que se referem a indivíduos ou coletivos humanos, tipo professor(es), aluno(s), serão grafadas no masculino sem que isso represente ignorar o discurso de gênero, nem desprezo pelo gênero feminino.

3 movimentos de luta pela terra, de suas experiências educacionais e de projetos desenvolvidos entre Universidades e Movimentos Sociais do Campo (BRASIL, 2006; 2007). A Universidade Federal da Bahia (UFBA), juntamente com a Universidade de Brasília (UnB), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e Universidade Federal de Sergipe (UFS), compõem o bloco inicial de universidades que aceitaram o desafio de implantar e pesquisar, como projeto piloto, a formação de professores do campo. A Universidade Federal da Bahia (UFBA), contando com a colaboração da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), tem as ações da Licenciatura em Educação do Campo implementadas e coordenadas pela Faculdade de Educação (FACED). O currículo e o trabalho pedagógico desse curso devem estar em consonância com os princípios filosóficos e educacionais fundamentais que dizem respeito à visão de mundo e às concepções mais gerais em relação à pessoa humana, à sociedade e à educação para transformação (BRASIL, 2006; 2007). Na II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, em 2004, foram retirados pontos para concretização da educação do campo, tais como: a universalização do acesso à Educação Básica de qualidade para a população brasileira que trabalha e vive no e do campo, por meio de uma política pública permanente, garantindo-se o oferecimento de cursos fundamental e médio, além de Educação de Jovens e Adultos (EJA) adequada à realidade do campo, no próprio campo, com políticas para a elaboração de currículos, escolha e distribuição de material didático-pedagógico, que levem em conta a identidade cultural dos povos do campo e o acesso às atividades de esporte, arte e lazer; ampliação do acesso e permanência da população do campo à Educação Superior, por meio de políticas públicas estáveis; valorização e formação específica de educadoras e educadores do campo por meio de uma política pública permanente; e por fim, respeito à especificidade da Educação do Campo e à diversidade de seus sujeitos (FACED/UFBA, 2008, p. 15). Desta forma, a UFBA, através da Faculdade de Educação, mobilizou-se para implantar o seu primeiro curso de Licenciatura em Educação do Campo, considerando as especificidades das escolas do campo e dos alunos selecionados para o curso, com suas demandas regionais, conhecimentos, valores e crenças. Para isso foram convocados professores, pós-graduandos, estudantes de graduação em estágio final de curso, profissionais e colaboradores interessados na temática, para elaborar e executar um projeto político pedagógico pautado em uma proposta inovadora - projeto piloto -, que levasse em consideração uma nova forma de tratar e organizar o conhecimento, e consequentemente o currículo, proporcionando aos educandos do campo uma visão crítica de mundo - para além do campo, superação do cotidiano -, capaz de

4 propiciar um agir e pensar de acordo com as categorias da totalidade e da contradição dialética, mediadas pelo ato educativo. Tudo isso sem perder de vista os limites históricos, individuais e sociais, que estamos imersos nesse momento atual de relações capitalistas de produção e reprodução da nossa existência. O objetivo é formar professores para o campo de acordo com princípios e diretrizes estabelecidos pelo MEC para a política de Educação do Campo, os quais incluem: Formação de profissionais para a educação fundamental (anos finais) e média, consoante com a realidade social e cultural específica de cada região. Apresentação de propostas político-pedagógicas que contemplem uma sólida formação do educador do campo, nos princípios éticos e sociais, próprios para a compreensão teórica e prática dos processos de formação humana e na área de conhecimento escolhida, para sua atuação docente. Organização dos componentes curriculares por áreas do conhecimento e estímulo ao trabalho docente multidisciplinar. Ênfase na pesquisa, como processo desenvolvido ao longo do curso, culminando com elaboração de trabalho monográfico com defesa pública. Processos, metodologias e postura docente que permitam a necessária dialética entre educação e experiência, garantindo um equilíbrio entre rigor intelectual e valorização dos conhecimentos já produzidos pelos educandos em suas vivências sócio-culturais. Estágios curriculares incluindo experiências de exercício profissional docente na área de conhecimento escolhida, na gestão de processos educativos escolares e em projetos de desenvolvimento comunitário junto às populações do campo. Criação de condições teóricas, metodológicas e práticas, para que os educandos possam refletir e construir o projeto político-pedagógico, planejamento e gestão da escola. Participação nas ações pedagógicas de estudantes e formadores. Realização de avaliação interna e externa, planejadas e construídas em conjunto com os estudantes. O projeto do curso deverá contemplar todas as áreas de conhecimento previstas para a docência multidisciplinar, optando o estudante pelo aprofundamento em uma delas. Organização curricular em regime de alternância, com etapas presenciais permitindo o acesso, a permanência e a relação prática-teórico-prática, vivenciada no próprio ambiente social e cultural dos estudantes, com carga horária mínima de 3.200 horas, distribuídas em até nove (09), etapas presenciais de curso.

5 Possibilitar a participação de estudantes em estudos curriculares; projetos de iniciação científica, monitoria; extensão; vivências nas mais diferentes áreas do campo educacional, estágio curricular, bem como ações que visem a mobilização e sensibilização da comunidade acadêmica para a permanência com sucesso dos estudantes do campo na universidade. Realização do curso por meio de parcerias das IES públicas com Secretarias Municipais de Educação e Movimentos Sociais (FACED/UFBA, 2008). Concordamos com Caldart (2008), ao concluir, após tratar dos pressupostos para uma educação do campo emancipadora e pontuar as exigências dessa escola do campo, quando diz: Esta exigência implica por sua vez em um alargamento da função social da escola e na superação de currículos pobres, assépticos, sem vida social, cultural, política. Ensinar a ler, a escrever, a fazer contas, continua sendo tarefa social da escola básica, mas não como habilidades em si mesmas ou meramente preparatórias à entrada no mercado de trabalho, não como aquela educação rudimentar que historicamente se considerou suficiente para os trabalhadores e sim como dimensão de um processo formativo que se exige cada vez mais amplo, complexo, social e humanamente rico. Assim, pensar a educação e escola do campo requer uma ação político-pedagógica que rompa, dentre outras coisas, com a perspectiva dominante na formação de professores calcada numa concepção pedagógica de cunho idealista ou inativista e de ciência empírico-analítica. O projeto estrutura pedagógica e alguns pressupostos filosóficos e pedagógicos gerais Na Universidade Federal da Bahia (UFBA), a criação do Curso de Licenciatura em Educação do Campo, oferecido pela Faculdade de Educação (FACED), como curso de graduação em licenciatura plena, em parceria com a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), data de agosto de 2008, contando com uma turma-piloto de estudantes/professores, tendo como pressuposto assegurar o direito universal dos povos do campo à educação pública de qualidade e socialmente referenciada. Desse modo, a Licenciatura em Educação do Campo UFBA é um curso organizado para formação de professores que irão atuar na educação do campo, em especial do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e no ensino médio, estruturando componentes curriculares por áreas de conhecimento: Ciências da Natureza e Matemática, Ciências Agrárias, Ciências Humanas e Sociais, Linguagens e Códigos, Tecnologias da Informação e Comunicação. O trabalho pedagógico em desenvolvimento considera a realidade como base da produção do conhecimento - a prática social como pontos de partida e chegada - alternando um Tempo Escola e um Tempo Comunidade por semestre letivo, sendo constituído por licenciandos que,

6 na sua maioria, têm formação em magistério a nível médio e lecionam nas primeiras séries do ensino fundamental, o que lhes fazem estudantes e professores (CUNHA et al, 2010a; CUNHA et al, 2010b). A organização do curso, portanto, é diferenciado em relação às disciplinas regularmente oferecidas pelos departamentos, pois alterna um Tempo Escola, em que os estudantes freqüentam as aulas na UFBA, e um Tempo Comunidade, em que os estudantes voltam para suas comunidades e são acompanhados pelos professores e bolsistas, no desenvolvimento das atividades indicadas, tendo encontros na forma de seminários, videoconferências, visitas técnicas e oficinas, ao longo desse período. O curso está organizado em nove semestres letivos, sendo os cinco primeiros comuns aos 46 estudantes e os quatro últimos semestres referentes a uma área específica, onde se pretende aprofundar determinados conhecimentos. Das cinco áreas iniciais, que fazem parte do núcleo comum, apenas duas foram escolhidas para aprofundar os estudos a partir do sexto semestre letivo. O curso da Licenciatura em Educação do Campo UFBA, tem se pautado não somente nas diretrizes da política nacional de educação, mas também na história dos movimentos de luta do campo por igualdade e justiça social. Nesse sentido, entre os princípios filosóficos deste curso, que dizem respeito à visão de mundo e as concepções mais gerais em relação a educação, sociedade e ser humano, está a educação pelo trabalho 2 como um processo de formação humana, visando a transformação social. Como princípios educacionais, leva-se em consideração a organização dos componentes curriculares por área de conhecimento, trabalhando de forma a buscar a interdisciplinaridade 3 de conteúdos formativos socialmente relevantes, através do sistema de 2 Educação pelo trabalho considera o trabalho como princípio educativo, compreendendo o trabalho como o intercambio entre o homem e a natureza, em que os conteúdos escolares devem expressar o modo pelo qual o homem dominou e domina a natureza para produzir sua humanidade, diferentemente de educação para o trabalho em que se pressupõe uma formação profissional para atuação no mercado de trabalho (KUENZER, 2005; PISTRAK, 2000). Desse modo, a educação pelo trabalho, como possibilidade, passa a ser princípio educativo e ponto focal de qualquer processo educativo que tem como pressuposto a emancipação humana, visto somente ser possível de acontecer de forma plena superando a sociedade burguesa. 3 A interdisciplinaridade aqui é compreendida como interpenetração de método e conteúdo entre disciplinas que se dispõe a trabalhar conjuntamente um determinado objeto de estudo ocorrendo a integração durante a construção do conhecimento, de forma conjunta, desde o início da colocação do problema a ser estudado; sendo assim, o conhecimento é gerado em um nível qualitativo diferente do existente em cada disciplina auxiliar (FREITAS, 2008). Para este autor, a interdisciplinaridade está relacionada ao uso das categorias e leis do materialismo dialético, no campo das ciências não podendo ser separada do conjunto da moderna teoria do conhecimento marxista. Dessa forma, no atual quadro do desenvolvimento científico, ela deve ser mais uma bandeira de luta, ressaltando-se a sua importância dentro do marco de contestação da ideologia dominante. A interdisciplinaridade tem, pois, como pressuposto a teoria do conhecimento que toma a realidade como totalidade e radicaliza na análise da realidade social, dentro do referencial teórico-metodológico baseado no materialismo histórico e dialético (MORADILLO, 2010). Buscar a interdisciplinaridade deve, então, ser compreendido como um esforço para tornar o conhecimento menos fragmentário, retratado na compartimentalização das disciplinas, o que é uma das características da produção do conhecimento na atual formação capitalista.

7 complexos temáticos proposto por Pistrak (2006; 2009), tendo o trabalho como princípio educativo, buscando a auto-organização dos estudantes, e a realidade como base da produção do conhecimento (idem, 2006; FACED/UFBA, 2008). O sistema de complexos temáticos foi apresentado por Pistrak (2006; 2009), educador do período pós-revolução russa, como a organização sintética de todo o ensino não apenas uma técnica metodológica de organização do programa tendo como objetivo ajudar o aluno a compreender a realidade atual de um ponto de vista marxista, isto é, estuda-la do ponto de vista dinâmico e não estático. Desse modo, propunha a organização do trabalho pedagógico através de um sistema que garante a compreensão da realidade atual de acordo com o método dialético, através de aproximações sucessivas e procurando desenvolver a autoorganização dos estudantes. Na prática educativa, a explicitação e execução de ações que levam em consideração a educação pelo trabalho conseguem colocar em evidência as contradições relativas aos conflitos sociais, políticos, éticos, ambientais e filosóficos que permeiam a sociedade atual, a partir do referencial teórico-metodológico do materialismo histórico e dialético (MORADILLO, 2010). Os complexos temáticos gerais escolhidos para trabalhar no curso, são: Educação, Trabalho, Sociedade e Natureza. Os pressupostos da formação docente, acima mencionados, implicam em um currículo onde se discuta o trabalho como fundante do ser social; correntes epistemológicas e sua consequência na produção do conhecimento científico; o papel da história no ensino de ciências; relações entre ciência, tecnologia e sociedade; discussões sobre ética e ambiente na sociedade contemporânea; a geopolítica mundial dominante, com sua dualidade estrutural: campo x cidade; as relações entre as formas de produzir conhecimento, bens materiais e relações sociais. Um currículo desta natureza tem como objetivo superar a matriz curricular de base empírico-analítica que tem predominado nos cursos de formação de professores (MORADILLO, 2010). De acordo com o materialismo histórico-dialético, o homem se faz humano através de sua relação com a natureza, tendo como categoria fundante o trabalho e o conhecimento não está no objeto propriamente dito nem no sujeito que procura conhecer, mas sim na relação histórica entre eles (objeto-sujeito) mediada pelo trabalho. Assim é que a educação toma como princípio educativo o trabalho e almeja-se contribuir para a transformação da sociedade.

Em síntese, defende-se uma abordagem contextual das ciências dentro da perspectiva sóciohistórica (SAVIANI, 1995, 2006) visto ser esta uma abordagem educacional que tem como propósito o avanço social das classes populares, tendo o trabalho como princípio educativo (PISTRAK, 2006) resignificando a atividade dos professores para a formulação de uma metodologia de ação apropriada (SANTOS, 2005). Saviani (1995; 2006) e Santos (2005) apresentam passos para o desenvolvimento de uma pedagogia para o ensino de ciências e Pistrak (2006) propõe o sistema de complexos temáticos para a organização do ensino, todos propondo articular, no seu fundamento, o geral com o singular/particular (específico), ou seja, propõem partir de um social caótico para o social rico de determinações por ser uma totalidade articulada (o geral com o particular). Sendo assim, o ensino de ciências deve problematizar a prática social em que o educando está inserido - o imediato, o singular - ou seja, o cotidiano, que se apresenta de forma sincrética, aparentemente caótica. A partir desse ponto cabe ao processo educativo trazer as mediações necessárias - conhecimentos e instrumentos do pensamento - para a apropriação da realidade social na sua totalidade, na sua concretude, o concreto-pensado. Para a instrumentação, é necessário tratar o conhecimento científico escolar dentro da abordagem contextual da ciência (MATTHEWS, 1995; FREIRE JR, 2002). Não basta tratar os produtos da ciência, é preciso tratar dos processos, isto é, não basta somente o ensino de ciências, mas também o ensino sobre a ciência. A problematização permite colocar em evidência os problemas a serem solucionados e suas contradições que só podem ser resolvidas a partir de uma ação teórica consubstanciada em uma concepção de realidade que a entenda como histórica, contingente e transitória e que só pode ser abordada do ponto de vista material ou da luta dos seres humanos pela existência, isto é, tendo o trabalho como fundante do ser social (MARX, 2007; LESSA, 2007; apud MORADILLO, 2010). A partir desses pressupostos, o desafio foi posto para nós da UFBA. Como bem diz Taffarel e Colavolpe (2003), ao tratarem da aplicação dos complexos temáticos de Pistrak no currículo da Educação Física: Transformar essas idéias e princípios em práticas concretas é uma tarefa a exigir ações que vão muito além dos espaços das salas de aula, dos gabinetes e dos fóruns acadêmicos. A educação não pode ser encerrada no terreno estrito da pedagogia, mas tem de sair às ruas, para os espaços públicos e se abrir para o mundo. A proposta dos complexos temáticos vai nesta linha de ação e por isto temos que ter a coragem e a determinação política de experimentar esta possibilidade de essência para alterar o currículo e contribuir para a alteração do modo de vida na sociedade em geral. E assim tem sido. A Licenciatura em Educação do Campo da UFBA está, no momento, no VI Tempo Escola/Comunidade (o que corresponde ao sexto semestre letivo). Neste VI Tempo os 8

9 estudantes fizeram a opção por duas áreas: Linguagens e Códigos e Ciências da Natureza e Matemática, em que os conhecimentos específicos deverão ser tratados de forma mais apropriada. Dos 46 estudantes, 31 optaram pela primeira (Linguagens e Códigos) e 15 pela segunda (Ciências da Natureza e Matemática). O projeto político pedagógico: postura crítico-prática Aqueles que tratam o trabalho como constitutivo do humano e como fundante das relações sociais, reconhecem a dificuldade, no plano prático-político, para transformar o atual estágio da história da humanidade, determinada pelas relações capitalistas de produção, onde a desumanização tem sido a tônica. Os velhos discursos travestidos de modernos têm predominado em todos os cantos, inclusive na Universidade. Através da ideologia neoliberal, que tem o mercado, com sua mão invisível, como fundante das relações sociais, a posição conservadora tem predominado. É preciso também reconhecer que, por outros caminhos e de uma forma mais complexa, as teses e posturas pós-modernas têm ampliado e alimentado o debate, não necessariamente chegando às mesmas teses conservadoras do mercado, porém diluindo ou negando o papel transformador dos sujeitos sociais, ainda mais daqueles que são obrigados a vender sua força de trabalho para sobreviver. Dessa forma, acabam também reforçando as relações mercantis. Pensar a educação e a formação universitária, tendo o trabalho, no seu sentido ontológico e epistemológico como princípio educativo, continua sendo uma tarefa nada fácil. Os problemas vão desde questões filosóficas mais profundas: o trabalho é fundante do ser social? Passando pela confusão entre trabalho e outras atividades humanas e trabalho e emprego, até chegar à questão educacional: educação para o trabalho ou educação pelo trabalho? Na conjuntura atual, com a crise do emprego, há uma tendência mais acentuada para adaptar a educação e a Universidade às necessidades do mercado. É preciso mais uma vez afirmar-se que as necessidades do mercado, com relação à mão de obra, mudam com uma velocidade diferente do processo educativo. Não cabe formar pessoas ao sabor do vento do mercado e o mais importante, as pessoas não são mercadorias. A ciência, que se tornou uma verdadeira religião na contemporaneidade, é ensinada, em geral, de forma dogmática nas Universidades. É fundamental que os docentes saiam da posição de abstenção crítica e avaliem as conseqüências do seu ensino e das suas pesquisas para o futuro da humanidade e assumam uma posição com relação ao sentido da transformação social que se almeja.

10 A sociedade burguesa nega a possibilidade de sua própria superação ao tomar o egoísmo burguês como essência insuperável do homem. Egoísmo esse que tem sua materialidade expressa através da propriedade privada. Esquecem de dizer que, do ponto de vista da ontologia do ser social, a história nos mostra, desde o surgimento das classes sociais há 15 mil anos atrás, no período neolítico, que a essencialidade humana coincide sempre, em determinado contexto sócio-histórico, com a da classe dominante: foi senhor de escravo, foi senhor feudal e agora é burguesa: proprietário privado. Do ponto de vista ontológico nada impede a superação das classes sociais rumo a uma sociedade comunista, onde a práxis humana através do trabalho emancipado (o trabalho associado) - livre, coletivo, consciente, universal - seja elevada a um outro patamar, que como diria Marx: o comunismo é a forma necessária e o princípio dinâmico do futuro imediato, mas o comunismo não é em si mesmo a meta da evolução humana - a forma da sociedade humana (MARX, 2005, 2006, p. 114). Por isso, para nós, o conhecimento só tem sentido se for transformador, libertador. Transformação que não se contente com a mudança do objeto, através de um sujeito social petrificado, mergulhado numa realidade social que é tomada como estática e eterna. A transformação que historicamente se tem observado e que se quer é de ambos, do sujeito e do objeto. Para isso é necessário agir no sentido de dignificar a vida em sociedade, superando a atual fase histórica das relações capitalistas de produção. Acredita-se que é na Universidade que os estudantes poderão perceber que o conhecimento, hoje, se faz dentro de Instituições (universidades, indústrias, centros de pesquisas, etc.) que têm uma gênese histórica e que faz parte de uma totalidade. Que o conhecimento, como criação humana, dentro de determinados contextos, responde por necessidades materiais: naturais e sociais, diferentes. Que a problemática ambiental não pode ser vista de um ângulo reducionista com o tripé ciência/ambiente/poluição. Que o trabalho do cientista, hoje, não pode deixar de estar vinculado a outras formas de relações sociais mais amplas. Enfim, os cursos universitários devem oportunizar aos estudantes encararem o conhecimento científico não como algo transcendente, não como algo que está posto na natureza à procura de um cientista dedicado que, em determinado momento, utilizando um método adequado irá descobrir verdades eternas. Defende-se aqui, uma formação sólida, sintonizada com a contemporaneidade, mas sem perder de vista a sistematização de conhecimentos, dentro de uma perspectiva crítica que deve ser buscada através do currículo. Deve-se assumir como ponto fundamental de um projeto educativo que visa à emancipação humana, que a Universidade brasileira, através da ação

11 criativa e transformadora do ser humano em sociedade, supere a concepção de escolas profissionais e resgate seu objetivo maior: o conhecimento. Compreender que a sociedade humana não é uma estrutura rígida, que cada etapa histórica não é permanente e que o seu sucesso está na possibilidade de mudança, isto é, que o presente não é seu destino final (HOBSBAWN, 2000), leva a acreditar que é preciso um outro projeto de sociedade e de educação que, pela postura crítico-prática, possa criar condições e adotar posições de concretizar um porvir que supere esse presente de exclusão para mais de dois terços da população mundial. No Projeto Político Pedagógico do curso de Licenciatura em Educação do Campo da UFBA, defendemos o trato com o conhecimento e a organização do mesmo a partir das categorias da totalidade social e da contradição dialética. Dessa forma, procuramos relacionar a educação com questões políticas, econômicas, éticas, sócio-ambientais e epistemológicas, isto é, trazendo como pano de fundo o contexto sócio-histórico em que, para nós, só é possível conhecê-lo, de forma radical, através de um método que incorpore o lógico e o histórico como dimensões do real. Dito de uma outra forma: o Projeto Político Pedagógico do curso tem como pano de fundo a relação reflexiva da educação com a sociedade, compondo uma unidade indissolúvel, e que foi perdida em muitos cursos de formação de professores. o projeto princípios e objetivos do projeto político pedagógico De acordo com os pressupostos estabelecidos na II Conferência Nacional por uma Educação do Campo, com os princípios e diretrizes estabelecidos na minuta do MEC para a política de Educação do Campo, com os nossos pressupostos filosóficos e pedagógicos gerais e nossa postura crítico-prática, podemos sintetizar os seguintes princípios filosóficos e pedagógicos do Projeto Político Pedagógico da Educação do Campo na UFBA: 1- O ato pedagógico é carregado de intencionalidade, presume interesses, valores, caminhos a percorrer, enfim, é um ato político. Em sua práxis, o professor pode e deve ter claro para que tipo de prática social está formando os indivíduos, qual o projeto histórico de sociedade que almeja. O professor tem que ter clareza de que a constatação que se faz da realidade precisa ser interpretada, precisa ser julgada. É preciso ter um juízo de valor. Aqui comparece a questão de classe. Não tem como, numa sociedade que se estrutura na distinção de classes sociais, entre aqueles que produzem a riqueza e aqueles que se apropriam da riqueza, o professor deixar de se posicionar eticamente. Ao valorar, ele também projeta, toma posição de classe e

12 propõe a sociedade e o homem que se quer formar e que se almeja. Por isso, o projeto político-pedagógico expressa essa intencionalidade, é uma ação interessada, deliberada, compõe estratégias transformativas ou conservadoras. Os conteúdos a serem ensinados, a relação com os alunos, os referenciais científico-culturais e a metodologia que se adota expõem, além do máximo desenvolvimento cultural da humanidade, o compromisso de classe (SOARES, 1992). 2- A educação só tem sentido se for transformadora, já que, a cada momento do desenvolvimento social, o homem - o ser social -, para dar conta da sua existência, transforma a si e ao entorno. A educação como um complexo social (LUKÁCS, 2007; LESSA, 2007), que tem como função a reprodução social - através da apropriação da realidade social -, está compelida a cada instante a lidar com a tensão dialética entre o momento da conservação e da transformação, sendo que o pólo da transformação põe em evidencia a relação entre outras duas categorias fundamentais para uma educação crítica: necessidades e possibilidades. As necessidades e possibilidades produzidas em cada momento da história social da humanidade, tanto ao nível do individuo como da totalidade social, põe sempre novas determinações e movimento na esfera da reprodução social, fazendo com que o pólo da transformação esteja sempre presente no ato educativo. A necessidade e a possibilidade da revolução comunista, na busca da superação da reprodução do capital, estão hoje, mais do que nunca, justificadas do ponto de vista ontológico. A educação emancipadora desempenha um papel importante, no sentido de disponibilizar para a massa trabalhadora os conhecimentos socialmente relevantes, sem a qual a consciência de classe tende a se amesquinhar e se alienar. 3- A formação integral pressupõe a categoria da totalidade social e da contradição dialética. A categoria da totalidade social tem o trabalho como fundante do ser social. Por isso mesmo, o trabalho no seu sentido ontológico e epistemológico, passa a ser princípio educativo e ponto de destaque nesse currículo. Defendemos a educação pelo trabalho - emerge aí a história social do homem -, com o fim de proporcionar aos sujeitos sociais vida produtiva - para o trabalho -, e não o inverso. 4- A organização pedagógica dos componentes curriculares do currículo foi feita por áreas de conhecimento, tendo como foco o trabalho interdisciplinar. Entendemos que a organização por área de conhecimento propicia aos educandos vivenciar o método no qual estão sendo formados e preparados para atuar no campo. Dentro dessa perspectiva metodológica a realidade social é ponto de partida e de chegada do conhecimento.

13 5- Disponibilizar instrumentos de pensamento suficientes para propiciar aos educandos perceber, entender, explicar e executar a indissociabilidade do ensino, da pesquisa e da extensão. 6- A auto-organização dos estudantes e a gestão participativa em todo o processo formativo é outro ponto que merece destaque. Esses princípios visam formar professores que irão atuar na educação do campo, em especial do 6º ao 9º ano do ensino fundamental e no ensino médio, levando em conta a realidade do campo - do ponto de vista social e cultural -, através de ações pedagógicas que explicitem a educação como um direito das pessoas que vivem no campo e como ferramenta de desenvolvimento e transformação social. De modo mais específico, procura-se através dessa proposta pedagógica: habilitar professores para a docência multidisciplinar do 6º ao 9º ano do ensino fundamental, assim como no ensino médio nas escolas do campo, nas áreas de conhecimentos citadas anteriormente; formar educadores capazes de fazer a gestão escolar vinculadas a um projeto de sociedade alternativo, buscando, para isso, novas formas de desenvolvimento no campo, no país e no mundo; atuar por área de conhecimento, na busca da articulação dos conhecimentos, fundamentando-se em uma teoria do conhecimento que tem a totalidade social como categoria axial; manter a formação continuada dos professores do campo, através da constante interação com as Instituições de Ensino Superior, buscando articular ensino, pesquisa e extensão. Conclusão O curso de formação de educadores para o campo é hoje uma realidade na UFBA. O projeto está em andamento e neste momento estamos executando o sexto semestre, faltando três para o termino do mesmo. Podemos afirmar que essa já é uma experiência exitosa, apesar dos contratempos relativos à estrutura de funcionamento e de financiamento do curso. Podemos notar que os referenciais teórico-metodológicos do materialismo histórico e dialético, da pedagogia histórico-critica, da psicologia histórico-social e do trabalho como princípio educativo, transformaram-se em realidade, qualificando de outra maneira a formação de professores em Educação do Campo e superando o referencial empírico-analítico predominante nos cursos de licenciatura. Temos clareza que estamos interferindo diretamente na formação de professores, mudando qualitativamente esta formação, alterando a sua essência, porém, essa mudança se dá em um contexto sócio-histórico de essência predominantemente capitalista, impondo restrições à prática efetiva dos professores nas escolas. Por isso, entendemos que existem limitações

14 postas na realidade capitalista que estamos vivendo e que, por exemplo, separa trabalho manual do intelectual, impondo restrições à própria possibilidade da interdisciplinaridade. As contradições possíveis de serem superadas, via processo educativo, são aquelas provenientes do trato com o conhecimento e seu desdobramento na ação. Podemos e devemos a partir do ato educativo, dominar os conhecimentos socialmente relevantes, resgatar a consciência de classe, desenvolver a formação política e atuar socialmente através das organizações sociais existentes (Partidos, sindicatos, etc.), na busca da emancipação humana. Ao trazer a abordagem histórico-crítica, ao trabalhar a perspectiva historicizadora do homem e da realidade social no currículo, acreditamos que estamos avançando no sentido de realizar, em outro contexto sócio-histórico, as possibilidades de essência para a emancipação humana. Referências Bibliográficas BRASIL. Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Média e Tecnológica (Semtec). Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino médio. Brasília: MEC/Semtec, 1999. BRASIL. Resolução CNE/CP1,18/02/2002. Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para a Formação de Professores da Educação Básica, 2002. BRASIL. Secretaria de Educação Básica. Orientações Curriculares Nacionais. vol.2. Brasília: MEC/SEB, 2006. BRASIL, Ministério da Educação (MEC), Secretaria de Educação Continuada Alfabetização e Diversidade. Educação do Campo: diferenças mudando paradigmas. Cadernos SECAD 2. Brasília, 2007. CALDART, R. S. Síntese produzida para exposição sobre a Licenciatura em Educação do Campo, projeto UnB/Iterra, no XIV ENDIPE, POA, 29 de abril de 2008. CUNHA, M. B. M.; MORADILLO, E.F.; PENHA, A.F.; PIMENTEL, H.; FRAGA, M. PINHEIRO, B.C. Trabalhando conceitos químicos na Licenciatura em Educação do Campo: primeiras aproximações. XV Encontro Nacional de Ensino de Química. Resumos... Brasília, 2010a. CUNHA, M. B. M.; MORADILLO, E.F.; PENHA, A.F.; PIMENTEL, H.; FRAGA, M. PINHEIRO, B.C. Os conceitos químicos no curso de Licenciatura em Educação do Campo. 8º Simpósio Brasileiro de Educação Química. Resumos... Natal, 2010b. FACED/UFBA Curso de Licenciatura em Educação do Campo. Projeto Político-Pedagógico. Salvador, 2008 (não publicado). FREIRE JR, O. A relevância da filosofia e da história da ciência para o ensino de ciência. In: Epistemologia e ensino de ciências. Org. Waldomiro. J. Silva Filho. Salvador: Arcádia, 2002, p.13-30.

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