Introdução à Topologia Diferencial

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Transcrição:

Introdução à Topologia Diferencial Notas de aula em construção Fernando Manfio ICMC USP

Sumário 1 Superfícies 1 1.1 Superfícies............................. 1 1.2 O espaço tangente........................ 5 1.3 Aplicações diferenciáveis..................... 7 1.4 O teorema da aplicação inversa................. 10 1.5 As formas locais......................... 11 1.6 Subvariedades........................... 13 1.7 Transversalidade......................... 17 1.8 Exercícios............................. 21 1.9 Apêndice 1: O teorema da invariância do domínio....... 25 2 Superfícies orientáveis 26 2.1 Superfícies orientáveis...................... 26 2.2 Superfícies com fronteira..................... 31 2.3 Orientação em superfícies com fronteira............ 35 2.4 O teorema de Sard........................ 38 2.5 O teorema do ponto fixo de Brouwer.............. 43 2.6 Exercícios............................. 45 2.7 Apêndice 2: Superfícies conexas de dimensão 1........ 48 Referências Bibliográficas 49 i

Capítulo 1 Superfícies 1.1 Superfícies Nesta seção estudaremos o conceito de superfície em R n. Intuitivamente, superfícies em R n são subconjuntos homeomorfos a algum espaço Euclidiano que, em cada ponto, está bem definida uma estrutura de espaço tangente. Definição 1.1.1. Uma superfície de dimensão m em R n é um subconjunto M tal que, para todo ponto p M, existem um aberto V R n, com p V, e um homeomorfismo ϕ : U M V, definido num aberto U de R m, tal que ϕ é diferenciável e, em cada ponto x U, a diferencial dϕ(x) é injetora. A aplicação ϕ chama-se uma parametrização de M, o subconjunto M V é uma vizinhança coordenada de M e o número n m é a codimensão de M em R n. No caso particular em que n m = 1, M será chamada uma hipersuperfície de R n. Na Definição 1.1.1 estamos considerando M com a topologia induzida de R n. Assim, toda superfície é uma variedade topológica. Além disso, a condição de dϕ(x) ser injetora equivale ao conjunto {dϕ(x) e i : 1 i m} ser linearmente independente ou, de forma equivalente, a matriz Jacobiana dϕ(x) ter posto m. Exemplo 1.1.2. Qualquer subespaço vetorial E de dimensão m em R n é uma superfície de dimensão m. De fato, seja T : R m E um isomorfismo linear. Munindo E com a topologia induzida de R n, T torna-se um difeomorfismo e, portanto, é uma parametrização global para E. Exemplo 1.1.3. Todo aberto U R n é uma superfície de dimensão n em R n, imagem da única parametrização id : U U. Reciprocamente, seja M 1

uma superfície de dimensão n em R n. Assim, para todo p M, existem um aberto V R n, com p V, e um homeomorfismo ϕ : U M V, onde U é um aberto de R n. Pelo teorema da invariância do domínio (cf. Apêndice 1), segue que a vizinhança coordenada M V é aberta em R n. Portanto, o conjunto M, reunião das vizinhanças coordendas M V, é aberto em R n. Exemplo 1.1.4. O gráfico de uma aplicação diferenciável f : U R n m, definida num aberto U de R m, é uma superfície de dimensão m em R n. De fato, denotando por Gr(f) o gráfico de f, basta mostrar que a aplicação ϕ : U R n, dada por ϕ(x) = (x, f(x)), é uma parametrização global para Gr(f). Como f é diferenciável, o mesmo ocorre com ϕ. Cada ponto (x, f(x)) Gr(f) é imagem pela ϕ do único ponto x U, logo ϕ é injetora. Como ϕ 1 é a restrição ao gráfico de f da projeção de R n sobre R m, segue que ϕ 1 também é contítuna. Isso mostra que ϕ é um homeomorfismo. Finalmente, como dϕ(x) tem posto m em todos os pontos x U, segue que ϕ é uma imersão. O resultado seguinte é uma recíproca local para o Exemplo 1.1.4. Teorema 1.1.5. Toda superfície de dimensão m em R n é, localmente, o gráfico de uma aplicação diferenciável. Mais precisamente, dado um ponto p da superfície M, existem abertos Z R m e V R n, com p V, e uma aplicação diferenciável f : Z R n m tais que M V = Gr(f). Demonstração. Dado p M, considere uma parametrização ϕ : U ϕ(u) de M, com p = ϕ(x). Como E = dϕ(x)(r m ) é um subespaço vetorial de dimensão m de R n, existe uma decomposição em soma direta R n = R m R n m tal que a projeção π : R m R n m R m transforma E isomorficamente sobre R m. Considere a aplicação η = π ϕ : U R m. Como dη(x) = π dϕ(x) é um isomorfismo linear, segue do teorema da aplicação inversa que existe um aberto W de R m, com x W U, tal que η W : W η(w ) = Z é um difeomorfismo. Defina ξ = (η W ) 1 : Z W e ψ = ϕ ξ. Temos que ψ é uma parametrização de M e π ψ = id. Disso decorre que a primeira coordenada de ψ(x), em relação à decomposição R n = R m R n m, é x. Denote por f(x) a segunda coordenada. Assim, ψ(z) = ϕ(w ) = {(x, f(x)) : x Z} para alguma aplicação diferenciável f : Z R n m. Como ϕ é aberta, tem-se ϕ(w ) = M V = Gr(f), para algum aberto V de R n, com p V. 2

Exemplo 1.1.6. Seja M R 3 o cone de uma folha, i.e., M = {(x, y, z) R 3 : x 2 + y 2 = z 2, z 0}. Observe inicialmente que a projeção π : R 2 R R 2, π(x, y, z) = (x, y), define um homeomorfismo entre M e R 2. No entanto, M não é uma superfície em R 3. De fato, caso fosse existiriam, em virtude do Teorema 1.1.5, abertos U R 2 e V R 3, com 0 V, e uma função diferenciável g : U R tal que M V = Gr(g). Observe que M V não pode ser um gráfico em relação a uma decomposição da forma R 3 = R 2 R, no qual o segundo fator seja o eixo-x ou o eixo-y. Assim, tem-se necessariamente g = f U, onde f(x, y) = x 2 + y 2. No entanto, f não é diferenciável em (0, 0). Seja f : V R n uma aplicação diferenciável, definida no aberto V de R m. Um ponto x V é chamado ponto regular para f se a diferencial df(x) é sobrejetora. Um ponto q R n é chamado valor regular se a pré-imagem f 1 (q) contém apenas pontos regulares para f. Um ponto x V para o qual a diferencial df(x) não é sobrejetora será chamado ponto crítico para f. Proposição 1.1.7. Seja f : V R n m uma aplicação diferenciável, onde V é um aberto de R n. Se q R n m é valor regular para f, com f 1 (q), então M = f 1 (q) é uma superfície de dimensão m em R n. Demonstração. Em virtude do Exemplo 1.1.4, é suficiente mostrar que, localmente, M é gráfico de aplicação diferenciável. Dado um ponto p M, com p = (x 0, y 0 ), podemos assumir que f y (p) 0. Assim, pelo teorema da aplicação implícita, existem um aberto Z = U W, onde U é um aberto de R m contendo x 0 e W é um aberto de R n m contendo y 0, e uma aplicação diferenciável g : U R n m tais que f(x, g(x)) = q, para todo x U. Isso mostra que M Z = Gr(g). Exemplo 1.1.8. Podemos usar a Proposição 1.1.7 para mostrar que a esfera unitária S n = {x R n+1 : x = 1} é uma hipersuperfície de R n+1. De fato, considerando a função f : R n+1 R, definida por f(x) = x, x, temos que S n = f 1 (1). Note que f é diferenciável e, para todo ponto x R n+1 e todo vetor v R n+1, tem-se df(x) v = 2 x, v. Isso implica que 0 R n+1 é o único ponto crítico de f. Como f(0) = 0 1, concluimos que 1 é valor regular para f. Lembremos que uma matriz quadrada X M(n) é chamada simétrica se X t = X e anti-simétrica se X t = X, onde X t denota a transposta de X. As matrizes simétricas e anti-simétricas formam subespaços vetoriais de M(n), denotados por S(n) e A(n), respectivamente, tal que M(n) = S(n) A(n). 3

Exemplo 1.1.9. O grupo ortogonal O(n), definido por O(n) = {X M(n) : XX t = I}, é uma superfície de dimensão n(n 1) 2 em R n2. De fato, considerando a aplicação f : M(n) S(n) dada por f(x) = XX t, temos que O(n) = f 1 (I), onde I denota a matriz identidade. Assim, devemos provar que I S(n) é valor regular para f. A aplicação f é diferenciável e sua diferencial é dada por df(x) H = XH t + HX t. Finalmente, dados X O(n) e S S(n), tome V = 1 2 SX. Um cálculo simples mostra que df(x) V = S, ou seja, df(x) é sobrejetora, logo O(n) é uma superfície de dimensão n(n 1) 2 em M(n) R n2. Observação 1.1.10. A imagem inversa f 1 (q) pode ser uma superfície sem que q seja valor regular para f. Por exemplo, seja f : R 2 R dada por f(x, y) = y 2. Note que f 1 (0) coincide com o eixo-x, o qual é uma curva de classe C em R 2. No entanto, 0 R não é valor regular para f, pois df(x, 0) = 0, para todo ponto (x, 0) f 1 (0). O resultado seguinte é uma recíproca local para a Proposição 1.1.7. Teorema 1.1.11. Toda superfície de dimensão m em R n é, localmente, imagem inversa de valor regular. Ou seja, dado um ponto p da superfície M, existem um aberto V de R n, com p V, e uma aplicação diferenciável f : V R n m tais que M V = f 1 (0), onde 0 R n m é valor regular para f. Demonstração. Pelo Teorema 1.1.5, existe um aberto V R n, com p V, tal que M V = Gr(g), onde g : U R n m é uma aplicação diferenciável definida num aberto U de R m. Defina a aplicação f : V R n m pondo f(x, y) = y g(x). Por construção, temos M V = Gr(g) = f 1 (0). Resta provar que df(x, y) é sobrejetora em todo ponto (x, y) f 1 (0). De fato, dados (x, y) f 1 (0) e (u, v) R n, temos: df(x, y) (u, v) = df(x, y) (u, 0) + df(x, y) (0, v) = Id(0) dg(x) u + Id(v) dg(x) 0 = v dg(x) u. Portanto, dado v R n m, tem-se df(x, y) (0, v) = v, e isso prova que 0 é valor regular para f. 4

O conceito de superfície, dado na Definição 1.1.1, pode ser visto da seguinte forma equivalente. Teorema 1.1.12. Um subconjunto M de R n é uma superfície de dimensão m se, e somente se, para todo p M, existem um aberto V R n, com p V, e um difeomorfismo ξ : V ξ(v ) tal que ξ(m V ) = ξ(v ) R m. Demonstração. Suponha que M seja uma superfície de dimensão m em R n. Dado um ponto p M, segue do Teorema 1.1.11, que existe uma aplicação diferenciável f : Z R n m, definida num aberto Z R n contendo p, tal que M V = f 1 (0), onde 0 R n m é valor regular para f. Como a diferencial df(p) : R n R n m é sobrejetora, o conjunto {df(p) e 1,..., df(p) e n } gera R n m. Assim, podemos escolher vetores e i1,..., e in m tais que o conjunto {df(p) e i1,..., df(p) e in m } seja uma base de R n m. Considere a decomposição em soma direta R n = R m R n m tal que R n m = span{e i1,..., e in m } e R m gerado pelos demais vetores canônicos. Assim, df(p) R n m é um isomorfismo linear. Defina uma aplicação ξ : Z R n = R m R n m pondo ξ(x, y) = (x, f(x, y)), para todo (x, y) Z. Temos que ξ é uma aplicação diferenciável e dξ(p) é um isomorfismo. Assim, pelo teorema da aplicação inversa, existe um aberto V R n, com p V Z, tal que ξ V : V ξ(v ) é um difeomorfismo. Podemos supor que ξ(v ) = U W R m R n m, onde W é um aberto contendo 0 R n m. Assim, (x, y) M V ξ(x, y) = (x, f(x, y)) ξ(x, y) = (x, 0), ou seja, ξ(m V ) = ξ(v ) R m. Reciprocamente, dado um ponto p M, considere o difeomorfismo ξ : V ξ(v ) tal que ξ(m V ) = ξ(v ) R m. Como ξ(v ) é aberto em R n, o subconjunto U = ξ(v ) R m é aberto em R m. Defina, então, ϕ : U R n pondo ϕ = ξ 1 U. Assim, ϕ é uma parametrização de M, com ϕ(u) = M V. 1.2 O espaço tangente Nesta seção discutiremos a noção de espaço tangente a uma superfície. Veremos que este conjunto admite uma estrutura natural de espaço vetorial, induzida do espaço Euclidiano através das parametrizações da superfície. Seja M uma superfície de dimensão m em R n. Fixado um ponto p M, dizemos que um vetor v R n é tangente a M no ponto p se existe uma curva λ : ( ɛ, ɛ) M, diferenciável em t = 0, tal que λ(0) = p e λ (0) = v. 5

O conjunto de todos os vetores tangentes a M no ponto p será chamado o espaço tangente a M em p e será denotado por T p M. Exemplo 1.2.1. Se U é um subconjunto aberto de uma superfície M, então T p U = T p M para todo p U. De fato, claramente temos T p U T p M. Se v T p M, existe uma curva λ : ( ɛ, ɛ) M, diferenciável em t = 0, com λ(0) = p e λ (0) = v. Podemos restringir o intervalo ( ɛ, ɛ) de modo que λ( ɛ, ɛ) U, logo v T p U. Em particular, se V é um subconjunto aberto de R n, então T p V = T p R n = R n. Proposição 1.2.2. Seja f : U V uma aplicação diferenciável entre os abertos U R m e V R n, e suponha que existam superfícies M e N tais que M U, N V e f(m) N. Então, df(p)(t p M) T f(p) N para todo p M. Em particular, se f é um difeomorfismo, com f(m) = N, então df(p)(t p M) = T f(p) N para todo p M. Demonstração. Dados um ponto p M e um vetor v T p M, considere uma curva λ : ( ɛ, ɛ) M, diferenciável em t = 0, com λ(0) = p e λ (0) = v. A curva α : ( ɛ, ɛ) N, dada por α(t) = f(λ(t)), é diferenciável em t = 0. Além disso, temos α(0) = f(p) e α (0) = df(p) v, ou seja, df(p) v T f(p) N. Logo, df(p)(t p M) T f(p) N. A última afirmação segue-se aplicando f 1 à parte já provada. Corolário 1.2.3. O espaço tangente T p M é um subespaço vetorial de dimensão m em R n. Demonstração. Do Teorema 1.1.12, existem um aberto Z R n, com p Z, e um difeomorfismo ξ : Z ϕ(z) tais que ξ(m Z) = ξ(z) R m. Então, pela Proposição 1.2.2, temos: dξ(p)(t p M) = dξ(p)(t p (M Z)) = T ξ(p) (ξ(z) R m ) = T ξ(p) R m = R m, ou seja, T p M = dξ(p) 1 (R m ) é um subespaço vetorial de dimensão m. Corolário 1.2.4. Dado um ponto p M, considere uma parametrização ϕ : U ϕ(u) de M, com p = ϕ(x). Então, T p M = dϕ(x)(r m ). Em particular, uma base para T p M é dada por {dϕ(x) e i : 1 i m}. Demonstração. Pela Proposição 1.2.2, temos: dϕ(x)(r m ) = dϕ(x)(t x U) T p ϕ(u) = T p M. Assim, em virtude do Corolário 1.2.3, segue que T p M = dϕ(x)(r m ), uma vez que ambos são subespaços vetoriais de dimensão m em R n. 6

Exemplo 1.2.5. Sejam f : U R n m uma aplicação diferenciável, definida no aberto U R n, e q R n m um valor regular de f. Então, o espaço tangente a M = f 1 (q) num ponto p é dado por T p M = ker df(p). De fato, basta provar que T p M ker df(p), já que ambos são subespaços vetoriais de dimensão m em R n. Então, dado um vetor v T p M, seja λ : ( ɛ, ɛ) M uma curva diferenciável em t = 0 tal que λ(0) = p e λ (0) = v. A curva α : ( ɛ, ɛ) R n m, dada por α(t) = f(λ(t)), é constante, igual a q para todo t ( ɛ, ɛ). Assim, df(p) v = df(λ(0)) λ (0) = d dt (f λ)(0) = α (0) = 0, ou seja, v ker df(p). Exemplo 1.2.6. Uma situação particular do Exemplo 1.2.5 pode ser vista no grupo ortogonal O(n). Lembre que O(n) pode ser considerado como a imagem inversa O(n) = f 1 (I) da aplicação diferenciável f : M(n) S(n) dada por f(x) = XX t (cf. Exemplo 1.1.9). Como a diferencial de f é dada por df(x) H = XH t + HX t, segue do Exemplo 1.2.5 que T I O(n) = ker df(i) = {H M(n) : H t + H = 0}, ou seja, o espaço tangente ao grupo ortogonal O(n) na matriz identidade é o subespaço das matrizes anti-simétricas. 1.3 Aplicações diferenciáveis A noção de diferenciabilidade até agora só faz sentido quando o domínio da aplicação é um subconjunto aberto de algum espaço Euclidiano. O que faremos agora é estender este conceito, abrangendo aplicações definidas em superfícies. A fim de reduzir a notação, uma superfície M de dimensão m em R n será denotada simplesmente por M m. Dados duas parametrizações ϕ : U ϕ(u) e ψ : W ψ(w ) de uma superfície M, com Z = ϕ(u) ψ(w ), a aplicação ψ 1 ϕ : ϕ 1 (Z) ψ 1 (Z) (1.1) é chamada de mudança de coordenadas entre ϕ e ψ. Proposição 1.3.1. A mudança de coordenadas (1.1) é um difeomorfismo. 7

Demonstração. Dado um ponto p Z, considere um aberto Ũ de Rm, com ϕ 1 (p) Ũ U. Assim, se ξ : V ξ(v ) é o difeomorfismo dado pelo Teorema 1.1.12, tem-se (ξ ϕ)(ũ) Rm. Da mesma forma, se W é um aberto de R m, com ψ 1 (p) W W, tem-se (ξ ψ)( W ) R m. Assim, no aberto ϕ 1 ( Z), onde Z = ϕ(ũ) ψ( W ), temos ψ 1 ϕ = ψ 1 ξ 1 ξ ϕ = (ξ ψ) 1 (ξ ϕ). A composta ξ ϕ é diferenciável. Como d(ξ ψ)(x) é um isomorfismo linear, segue do teorema da aplicação inversa que ξ ψ é, possivelmente num aberto menor, um difeomorfismo. Disso decorre, em particular, que (ξ ψ) 1 é diferenciável e, portanto ψ 1 ϕ é diferenciável. Analogamente se prova a diferenciabilidade de ϕ 1 ψ. Definição 1.3.2. Uma aplicação f : M N é dita diferenciável no ponto p M se existem parametrizações ϕ : U ϕ(u) de M e ψ : V ψ(v ) de N, com p = ϕ(x) e f(ϕ(u)) ψ(v ), de modo que a aplicação seja diferenciável no ponto x U. ψ 1 f ϕ : U V (1.2) Em virtude da Proposição 1.3.1, segue que a aplicação (1.2) está bem definida, e esta será chamada a representação de f em relação às parametrizações ϕ e ψ, e será denotada por f ou f ϕψ. Observação 1.3.3. No caso particular em que f é da forma f : M m R k, segue que f é diferenciável no ponto p M se existe uma parametrização ϕ : U ϕ(u) de M, com p = ϕ(x), tal que a aplicação é diferenciável no ponto x = ϕ 1 (p). f ϕ : U R k Proposição 1.3.4. Toda parametrização ϕ : U ϕ(u) de uma superfície M m em R n é um difeomorfismo. Demonstração. Por definição, a aplicação ϕ : U ϕ(u) é um homeomorfismo diferenciável. Resta mostrar que a inversa ϕ 1 : ϕ(u) U é diferenciável. Escrevamos f = ϕ 1. Note que a aplicação f : ϕ(u) R m está definida num aberto da superfície M. Assim, segundo a Observação 1.3.3, devemos mostrar que, para todo p ϕ(u), existe uma parametrização ψ : W ψ(w ) de ϕ(u), com ψ(x) = p, tal que f ψ : W R m seja diferenciável. Basta considerar a própria parametrização ϕ : U ϕ(u), pois f ϕ = ϕ 1 ϕ = id é a aplicação identidade em R m, que é diferenciável. 8

Dado uma aplicação f : M m N n, diferenciável no ponto p M, a diferencial de f no ponto p é a transformação linear df(p) : T p M T f(p) N definida do seguinte modo. Considere uma parametrização ϕ : U ϕ(u) de M, com p = ϕ(x). Dado um vetor v T p M, temos v = dϕ(x) w, para algum vetor w R m. Definimos, então, df(p) v = d(f ϕ)(x) w. Devemos mostrar que df(p) independe da escolha da parametrização ϕ. De fato, seja ψ : V ψ(v ) outra parametrização de M, com p = ψ(y) e v = dψ(y) u. Sabemos, pela Proposição 1.3.1, que ψ = ϕ ξ, onde ξ : ϕ 1 (ϕ(u) ψ(v )) ψ 1 (ϕ(u) ψ(v )) é um difeomorfismo entre abertos de R m, com ξ(y) = x. Temos: dϕ(x) w = v = dψ(y) u = d(ϕ ξ)(y) u = dϕ(x) dξ(y) u. Como dϕ(x) é injetora, segue que dξ(y) u = w. Assim, d(f ψ)(y) u = d(f ϕ ξ)(y) u = d(f ϕ)(x) dξ(y) u = d(f ϕ)(x) w. Observação 1.3.5. O vetor v T p M é o vetor velocidade λ (0) de uma curva λ : ( ɛ, ɛ) M, diferenciável em t = 0, com λ(0) = p. Assim, df(p) v = d(f ϕ)(x) w = d(f ϕ)(x) (ϕ 1 λ) (0) = (f ϕ ϕ 1 λ) (0) = (f λ) (0), ou seja, df(p) v é o vetor velocidade da curva f λ no instante t = 0. Proposição 1.3.6 (Regra da cadeia). Considere superfícies M, N, P e aplicações f : M N e g : N P tais que f é diferenciável no ponto p M e g é diferenciável no ponto f(p). Então a aplicação composta g f : M P é diferenciável no ponto p e vale a regra: d(g f)(p) = dg(f(p)) df(p). Demonstração. Considere parametrizações ϕ : U ϕ(u), ψ : V ψ(v ) e ξ : W ξ(w ) de de M, N e P, respectivamente, tais que p = ϕ(x) e f(p) = ψ(y). Como f é diferenciável em p M, segue que ψ 1 f ϕ é 9

diferenciável em x, e como g é diferenciável em f(p), ξ 1 g ψ é diferenciável em y. Assim, ξ 1 (g f) ϕ = (ξ 1 g ψ) (ψ 1 f ϕ) é diferenciável no ponto x, como composta de aplicações diferenciáveis entre abertos Euclidianos logo, por definição, g f é diferenciável em p. Para a segunda parte, temos: como queríamos. dg(f(p)) df(p) = d(g ψ)(y) d(f ϕ)(x) = d(g ψ)(ψ 1 (f(p))) d(f ϕ)(x) = d(g f ϕ)(x) = d(g f)(p), 1.4 O teorema da aplicação inversa Um difeomorfismo entre superfícies M e N é uma bijeção diferenciável f : M N, cuja inversa f 1 também é diferenciável. O resultado seguinte mostra que só existe difeomorfismo entre superfícies de mesma dimensão. Proposição 1.4.1. Se f : M m N n é um difeomorfismo então, para cada ponto p M, a diferencial df(p) : T p M T f(p) N é um isomorfismo. Decorre, em particular, que m = n. Demonstração. Das igualdades f 1 f = id M e f f 1 = id N, decorre da regra da cadeia que df 1 (q) df(p) é a identidade em T p M e df(p) df 1 (q) é a identidade em T q N, onde q = f(p). Portanto, df 1 (q) = df(p) 1, ou seja, df(p) : T p M T q N é um isomorfismo linear para todo p M, cujo inverso é df 1 (q). Decorre, em particular, que m = dim(t p M) = dim(t q N) = n. A fim de concluir que m = n basta que a diferencial df(p) : T p M T q N seja um isomorfismo em apenas um ponto p M. O resultado seguinte é uma recíproca local para a Proposição 1.4.1. Teorema 1.4.2 (Teorema da aplicação inversa). Considere uma aplicação diferenciável f : M n N n e um ponto p M tal que a diferencial df(p) : T p M T q N seja um isomorfismo linear, onde q = f(p). Então existe um aberto W M, com p W, tal que f(w ) é aberto em N e f W : W f(w ) é um difeomorfismo. 10

Demonstração. Sejam ϕ : U ϕ(u), ψ : V ψ(v ) parametrizações de M e N, respectivamente, com p = ϕ(x) e f(ϕ(u)) ψ(v ). A representação f de f é diferenciável e, pela regra da cadeia, segue que d(ψ 1 f ϕ)(x) = dψ 1 (q) df(p) dϕ(x) é um isomorfismo linear. Assim, pelo teorema da aplicação inversa entre abertos Euclidianos, existe um aberto W em R n, com x W U, tal que f( W ) é aberto em R n e f W é um difeomorfismo. Tome W = ϕ( W ). Segue então que W é aberto em M, com p W, f(w ) = ψ( f( W )) é aberto em N e f W é um difeomorfismo, como composta de difeomorfismos. Vejamos uma aplicação simples do Teorema 1.4.2. Exemplo 1.4.3. Dado uma superfície M m R n, denotemos por x 1,..., x n as funções coordenadas usuais de R n, ou seja, a i-ésima função coordenada x i : R n R é dada por x i (x) = x i, para todo x = (x 1,..., x n ) R n. Afirmamos que m dessas funções coordenadas constituem uma parametrização local para M. De fato, denotemos por φ 1,..., φ n a base dual de R n, i.e., φ i (e j ) = δ ij, onde e 1,..., e n denota a base canônica de R n. Note que, a linearidade das funções coordenadas x i implica que dx i (x) = φ i, (1.3) para quaisquer x R n e 1 i n. Além disso, como T p M é um subespaço m-dimensional de R n, existem inteiros i 1,..., i m tais que φ i1,..., φ im são linearmente independentes quando restritos a T p M. Considere então a aplicação ϕ = (x i1,..., x im ) : M R m. Em virtude de (1.3), segue que a diferencial de ϕ no ponto p coincide com a restrição dos funcionais φ i1,..., φ im em T p M. Como tais funcionais são linearmente independentes, segue que dϕ(p) : T p M R m é um isomorfismo e o teorema da aplicação inversa implica que ϕ é um difeomorfismo local sobre uma vizinhança de p. 1.5 As formas locais Nesta seção estudaremos alguns resultados que descrevem a estrutura local de aplicações diferenciáveis de posto máximo entre superfícies. Dizemos que uma aplicação diferenciável f : M m N n é uma imersão no ponto p M se a diferencial df(p) : T p M T f(p) N é uma aplicação linear injetora. Se f é imersão em todo ponto p M, diremos simplesmente que f é uma imersão. Neste caso, devemos ter, necessariamente, m n. 11

Exemplo 1.5.1. Considere a aplicação inclusão f : R m R m R n, dada por f(p) = (p, 0). Como f é linear, segue que df(p) = f para todo p R m. Assim, f é uma imersão de classe C. Exemplo 1.5.2. Uma curva diferenciável α : I R n, definida no intervalo aberto I R, é uma imersão se, e somente se, α (t) 0 para todo t I. Isso significa que a imagem α(i) possui, em cada ponto α(t), uma reta tangente. Exemplo 1.5.3. Uma imersão pode não ser injetora. Um exemplo simples é a curva α : R R 2 dada por α(t) = (t 3 t, t 2 ). Um cálculo simples mostra que α (t) = (3t 2 1, 2t) (0, 0) para todo t R e, além disso, α(1) = (0, 1) = α( 1). O teorema seguinte afirma que, em vizinhanças coordenadas apropriadas, qualquer imersão f : M N se comporta, localmente, como a inclusão canônica do Exemplo 1.5.1. Teorema 1.5.4 (Forma local das imersões). Seja f : M m N n uma aplicação diferenciável que é uma imersão num ponto p M. Então, dado uma parametrização ϕ : U ϕ(u) de M, com p = ϕ(x), existe um difeomorfismo ξ : Z U W, onde Z N é um aberto contendo f(ϕ(u)) e W R n m é um aberto contendo 0, tais que para todo x U. (ξ f ϕ)(x) = (x, 0) R m R n m, Demonstração. Sejam ϕ : U ϕ(u) e ψ : V ψ(v ) parametrizações de M e N, respectivamente, com p = ϕ(x) e f(ϕ(u)) ψ(v ). Como df(p) é injetora, segue que d(ψ 1 f ϕ)(x) também é injetora. Pela forma local das imersões em espaços Euclidianos, restringindo os domínios, se necessário, existe um difeomorfismo h : V U W, onde W R n m é um aberto contendo 0 R n m, tal que é a aplicação inclusão, i.e., h (ψ 1 f ϕ) : U U W [h (ψ 1 f ϕ)](x) = (x, 0) para todo x U. Agora, basta definir ξ = h ψ 1 e fazer Z = ψ(v ). Dizemos que uma aplicação diferenciável f : M m N n é uma submersão no ponto p M se a diferencial df(p) : T p M T f(p) N é uma aplicação linear sobrejetora. Se f é submersão em todo ponto p M, diremos simplesmente que f é uma submersão. Neste caso, tem-se m n. 12

Exemplo 1.5.5. Uma função diferenciável f : M R é uma submersão se, e somente se, df(p) 0 para todo p M. Isso decorre do fato de que um funcional linear é sobrejetor ou é nulo. Exemplo 1.5.6. Dado uma decomposição em soma direta da forma R m+n = R m R n, seja π a projeção sobre o primeiro fator, π(x, y) = x. Como π é linear, segue que dπ(x, y) = π para todo (x, y) R m+n, logo π é uma submersão. A matriz jacobiana de π tem como linhas os m primeiros vetores da base canônica de R m+n. Da mesma forma podemos concluir que a projeção sobre o segundo fator também é uma submersão. O teorema seguinte mostra que o Exemplo 1.5.6 é, localmente, o caso mais geral de uma submersão. Teorema 1.5.7 (Forma local das submersões). Seja f : M m N n uma aplicação diferenciável que é uma submersão num ponto p M. Então, dado uma parametrização ψ : V ψ(v ) em N, com f(p) ψ(v ), existe um difeomorfismo ξ : V W Z, onde W é um aberto de R m n e Z M é um aberto contendo o ponto p, com f(z) ψ(v ), tal que para todo (x, y) V W. (ψ 1 f ξ)(x, y) = x, Demonstração. Considere uma parametrização ϕ : U ϕ(u) de M, com p ϕ(u) e f(ϕ(u)) ψ(v ). Como f é submersão em p, segue que ψ 1 f ϕ também é uma submersão no ponto a = ϕ 1 (p). Assim, pela forma local das submersões em espaços Euclidianos, restringindo os domínios, se necessário, existe um difeomorfismo h : V W U, onde W R m n é um aberto contendo a 2, onde a = (a 1, a 2 ) R m n R n, tal que [(ψ 1 f ϕ) h](x, y) = x para todo (x, y) V W. Assim, basta considerar ξ = ϕ h e Z = ϕ(u). 1.6 Subvariedades Definição 1.6.1. Um subconjunto M de uma superfície N n é dito ser uma subvariedade de dimensão m se, para cada ponto p M, existem um aberto V de N, com p V, e um difeomorfismo ξ : V ξ(v ), onde ξ(v ) é um aberto de R n, tais que ξ(m V ) = ξ(v ) R m. 13

Decorre do Teorema 1.1.12 que toda subvariedade de dimensão m em uma superfície N é, em si, uma superfície de dimensão m. O número n m é chamado a codimensão da subvariedade M na superfície N. Todo subconjunto aberto de uma superfície N n é uma subvariedade de codimensão 0 em N, e todo ponto pode ser visto como uma subvariedade de codimensão n. Se M e N são superfícies, podemos considerar a superfície produto M N, como no Exercício 1.1.4. Assim, quaisquer que sejam os pontos p M e q N, os subconjuntos {p} N e M {q} são subvariedades de M N. Sabemos que toda imersão f : M N é, localmente, um mergulho. Mais precisamente, dado um ponto p M, existe um aberto U de M, com p U, tal que f U é um homeomorfismo sobre a imagem f(u) (cf. Exercício 1.5.1). Por outro lado, a imagem f(m) de uma superfície através de uma imersão f : M N não é, necessariamente, uma subvariedade de N, como mostra o exemplo seguinte. Exemplo 1.6.2. Seja f : R R 2 a aplicação dada por f(t) = ( 2 cos t + t, sin t ). Claramente f é uma imersão e, devido às auto-interseções, f(r) não é uma subvariedade de R 2. O resultado seguinte fornece uma condição necessária para que a imagem de uma superfície seja uma subvariedade. Teorema 1.6.3 (Teorema do mergulho). Se f : M m N n é um mergulho, definido entre duas superfícies, então a imagem f(m) é uma subvariedade de dimensão m de N. Demonstração. Dados um ponto arbitrário p M e uma parametrização ϕ : U ϕ(u) de M, com p = ϕ(x), para algum x U, considere o difeomorfismo ξ : V ξ(v ) dado pelo Teorema 1.5.4, onde V é um aberto de N, com f(ϕ(u)) V. A aplicação f, por ser um mergulho, define um homeomorfismo de M sobre f(m), onde f(m) está munido da topologia induzida de N. Assim, como f(ϕ(u)) é aberto em f(m), podemos escrever f(ϕ(u)) = f(m) Z, onde Z é um aberto de N. Restringindo ξ, se necessário, podemos supor que V Z. Assim, ( ξ (f ϕ) ) (x1,..., x m ) = (x 1,..., x m, 0,..., 0), de modo que ξ(f(m) Z) = ξ(z) R m. Como isso pode ser feito em qualquer ponto f(p) de f(m), concluimos que f(m) é uma subvariedade de N. 14

Decorre, em particular, que toda subvariedade de uma superfície N é a imagem da inclusão canônica, que claramente é um mergulho. Dado uma aplicação diferenciável f : M N, queremos saber quando que a pré-imagem f 1 (q) é uma subvariedade de M. Analogamente como no caso Euclidiano, dizemos que um ponto p M é ponto regular para f se a diferencial df(p) é uma transformação linear sobrejetora. Um ponto q N é chamado valor regular para f se a pré-imagem f 1 (q) contém apenas pontos regulares para f. Se a diferencial df(p) não é sobrejetora, diremos que p é um ponto crítico para f. A proposição seguinte é o análogo da Proposição 1.1.7. Proposição 1.6.4. Considere uma aplicação diferenciável f : M m N n e um valor regular q N para f, com f 1 (q). Então o conjunto S = f 1 (q) é uma subvariedade de M, com dimensão m n. Além disso, para todo p S, tem-se T p S = ker df(p). (1.4) Demonstração. Dados um ponto p S e uma parametrização ψ : V ψ(v ) de N, com ψ(0) = q, segue da forma local das submersões (cf. Teorema 1.5.7), que existe um difeomorfismo ξ : V W Z, onde W é aberto em R m m e Z é um aberto em M, com p Z, tal que para todo (x, y) V W. Temos: (ψ 1 f ξ)(x, y) = x, ξ 1( f 1 (q) Z ) = ( ψ 1 f ξ ) 1 (0) = (V W ) ( R m n {0} n). Seja T : R m R m um isomorfismo linear que transforma o subespaço R m n {0} n sobre R m n R m. Então, T ξ 1 : Z T (ξ 1 (Z)) é um difeomorfismo tal que (T ξ 1 ) ( f 1 (q) Z ) = T ( (V W ) ( {0} n R m n)) = T (V W ) R m n. Ou seja, T ξ 1 transforma o aberto S Z difeomorficamente sobre o aberto T (V W ) R m n, mostrando que S é uma subvariedade de M, com dimensão igual a m n. A prova da segunda parte é inteiramente análoga ao Exemplo 1.2.5. Dado um vetor v T p S, seja λ : ( ɛ, ɛ) S uma curva diferenciável em t = 0 tal que λ(0) = p e λ (0) = v. A curva α(t) = f(λ(t)) é constante e igual a q, para todo t ( ɛ, ɛ). Assim, df(p) v = α (0) = 0, ou seja, v ker df(p). Isso mostra que T p S ker df(p). Como ambos são subespaços de T p M de dimensão m n, a igualdade (1.4) está provada. 15

Corolário 1.6.5. Sejam f : M n N n uma aplicação diferenciável, onde M é uma superfície compacta, e q N um valor regular para f. Então, S = f 1 (q) é um subconjunto finito de M. Demonstração. Pela Proposição 1.6.4, S é uma superfície de dimensão 0, logo é um conjunto discreto. Além disso, como S é fechado em M, e M é compacta, S também é compacta e, portanto, finito. Dados uma aplicação diferenciável f : M n N n, com M compacta, e q N um valor regular para f, denotemos por #f 1 (q) a cardinalidade do conjunto f 1 (q), que é finita em virtude do Corolário 1.6.5. Lema 1.6.6. A função #f 1 (q) é localmente constante quando q percorre o conjunto dos valores regulares q de f. Demonstração. Denotemos por p 1,..., p k os pontos do conjunto f 1 (q). Pelo teorema da aplicação inversa, existem abertos U 1,..., U k M, com p i U i, que podemos supor dois a dois disjuntos, que são transformados difeomorficamente por f sobre abertos V 1,..., V k em N. Considere então o subconjunto V = ( ) ( V 1... V k \f M\{U1... U k } ) de N, com q V. Para cada y V, tem-se #f 1 (y) = #f 1 (q). Podemos usar o Lema 1.6.6 para provar o teorema fundamental da Álgebra. A prova apresentada aqui é, essencialmente, aquela de Milnor [6]. Teorema 1.6.7 (Teorema fundamental da Álgebra). Todo polinômio nãoconstante P : C C admite uma raiz. Demonstração. A ideia da prova consiste em transferir o problema do plano complexo C para a esfera S 2 R 3, que é uma superfície compacta. Para isso, considere a projeção estereográfica π N : S 2 \{N} R 2 relativa ao polo norte N = (0, 0, 1), onde identificaremos R 2 C com o subespaço R 2 {0} R 3. Escrevendo P (z) = a n z n +... + a 1 z + a 0, com a n 0, denotemos por f o levantamento de P à esfera S 2, i.e., f : S 2 S 2 é a aplicação dada por { ( π 1 f(x) = N P π N) (x), x N N, x = N. Observe que f é diferenciável em todo ponto x N. Mostremos que f também é diferenciável no ponto N. Para isso, considere a projeção estereográfica π S : S 2 \{S} R 2 relativa ao polo sul S = (0, 0, 1). Note que π S é 16

uma parametrização para S 2. Assim, f será diferenciável no ponto N se, e somente se, a representação π S f π 1 S de f em relação a π S for diferenciável em z = 0. Para z 0, e usando o Exercício 1.6.3, temos e ( πs f π 1 ) z n S (z) = a n +... + a 1 z n 1 + a 0 z n (1.5) ( πs f π 1 ) S (0) = 0. (1.6) Note que (1.5) também está definida em z = 0, pois a n 0. Isso mostra que f é diferenciável no ponto N, pois (1.5) é diferenciável. Observe agora que f tem somente um número finito de pontos críticos. De fato, a aplicação f deixa de ser um difeomorfismo local, em virtude da regra da cadeia, somente nos zeros da derivada de P, P = ka k z k 1, e estes zeros são em quantidade finita, pois P não é identicamente nulo. Denotemos por X o conjunto dos pontos críticos de f e seja Y = f(x). Assim, o conjunto dos valores regulares de f, S 2 \Y, é conexo. Portanto, em virtude do Lema 1.6.6, a função localmente constante #f 1 (q) é constante em todo o conjunto S 2 \Y. No entanto, esta constante não pode ser a identicamente nula, pois o polinônio P não é constante. Disso decorre que S 2 \Y f(s 2 \X) e, portanto, f é sobrejetora. Logo, existe z C tal que P (z) = 0, provando o teorema. 1.7 Transversalidade Nesta seção estudaremos sob que condições a pré-imagem de uma subvariedade, através de uma aplicação diferenciável, também é uma subvariedade. No caso particular em que a subvariedade reduz-se a um ponto basta, em virtude da Proposição 1.1.7, que este ponto seja valor regular para a aplicação. O que faremos agora é estender essa noção de regularidade. Definição 1.7.1. Sejam f : M N uma aplicação diferenciável e P uma subvariedade de N. Dizemos que f é transversal à subvariedade P se, para todo ponto p f 1 (P ), tem-se T f(p) N = df(p)(t p M) + T f(p) P. (1.7) A equação (1.7) significa que todo vetor tangente à superfície N em f(p) se expressa como soma de um vetor tangente à subvariedade P em f(p) e um vetor tangente à imagem de M através de df(p). 17

Casos triviais de transversalidade ocorrem, por exemplo, quando P = N ou f(m) P =. Por outro lado, a transversalidade impõe algumas restrições nas dimensões das superfícies. Por exemplo, se dim M < dim N dim P, então f não pode ser transversal a P, a menos que f(m) P =. O resultado seguinte é uma extensão da Proposição 1.6.4. Teorema 1.7.2. Sejam f : M m N n uma aplicação diferenciável e P k uma subvariedade de N n, com f 1 (P ). Se f é transversal a P, então f 1 (P ) é uma subvariedade de M m, cuja codimensão é n k. Demonstração. A ideia da prova é escrever f 1 (P ) como a pré-imagem de valor regular de uma outra aplicação diferenciável. A menos de parametrizações, podemos assumir que f é da forma f : R m R n, e P é uma superfície de dimensão k em R n. Fixemos um ponto p P e seja x f 1 (p). Assim, existe um aberto V de R n, com p V, e um difeomorfismo ξ : V ξ(v ) tais que ξ(p V ) = ξ(v ) R k, ou seja, ξ(p V ) = R k {0} n k. Seja π : R n R n k a projeção canônica sobre o segundo fator. Note que π transforma o aberto ξ(p V ) no ponto 0 R n k e sua diferencial, no ponto ξ(p), anula-se em T p P dξ(p)(t p P ). Considere agora a aplicação h : R m R n k definida por h = π (ξ f). Pela regra da cadeia e o fato que π é linear, temos dh(x)(r m ) = π ( dξ ( p)(df(x)(r m ) )) A condição de transversalidade diz que = π ( dξ(p) ( df(x)(r m ) + T p P )). df(x)(r m ) + T p P = R n, para todo x f 1 (P ). Isso implica que dh(x) é sobrejetora, mostrando que 0 R n k é valor regular para h. Como f 1 (P V ) = h 1 (0) concluimos, através da Proposição 1.1.7, que f 1 (P ) é uma subvariedade de R m, cuja codimensão é n k, que coincide com a codimensão de P em R n. Considere agora duas subvariedades M e P de uma superfície N. Dizemos que M e P são transversais se T p M + T p P = T p N, (1.8) para todo p M P. Note que a condição (1.8) é justamente a Definição 1.7.1 aplicada entre a inclusão i : M N e a subvariedade P. 18

Corolário 1.7.3. A interseção não-vazia M P de duas subvariedades transversais M e P de N também é uma subvariedade de N. Além disso codim (M P ) = codim M + codim P. Demonstração. O fato de que M P é subvariedade de N decorre do fato que M e P são subvariedades de N. Se m, k, n, l denotam as dimensões de M, P, N e M P, respectivamente, segue do Teorema 1.7.2 que m l = n k, logo n l = (n m) + (n k). Exemplo 1.7.4. Em R 2, considere M como sendo o gráfico da função f(x) = x 3 a e P como sendo o eixo-x. Neste caso, M e P são transversais se, e somente se, a 0. No resultado seguinte veremos que se M e N são superfícies e P é uma subvariedade de N, então quase todas as aplicações diferenciáveis f : M N são transversais a P. Teorema 1.7.5 (Teorema da transversalidade). Considere superfícies M, N e S e uma aplicação diferenciável f : M S N, transversal a uma subvariedade P de N. Então, o conjunto de todos os pontos s S, tais que f s = f(, s) : M N é transversal a P, é denso em S. Demonstração. Pelo Teorema 1.7.2, tem-se que f 1 (P ) é uma subvariedade de M S. Denotemos por π a restrição à subvariedade f 1 (P ) da projeção de M S sobre o segundo fator. Mostremos que se s S é valor regular para π, então f s é transversal a P. Fixemos um ponto x M tal que f s (x) = p P. Como f(x, s) = p P e f é transversal a P, temos df(x, s) ( T (x,s) (M S) ) + T p P = T p N. Como s S é valor regular para π, e π é linear, tem-se π ( T (x,s) f 1 (P ) ). Disso decorre, em particular, que T (x,s) (M S) = ker π + T (x,s) f 1 (P ), ou seja, Assim, T (x,s) (M S) = T (x,s) (M {s}) + T (x,s) f 1 (P ). df(x, s) ( T (x,s) (M {s}) ) + df(x, s) ( T (x,s) f 1 (P ) ) + T p P = T p N, 19

e usando o fato que df(x, s) ( T (x,s) f 1 (P ) ) T p P, tem-se df s (x)(t x M) + T p P = T p N, ou seja, f s é transversal a P. A densidade do conjunto de tais pontos s S segue do teorema de Sard. 20

1.8 Exercícios 1.1 1. Use a projeção estereográfica para mostrar que a esfera unitária S n é uma hipersuperfície de R n+1. 2. Mostre que um subconjunto aberto de uma superfície M R n também é uma superfície em R n. 3. Mostre que um subconjunto M R n é uma superfície de dimensão 0 se, e somente se, M é um conjunto discreto. 4. Sejam M 1 R n 1 e M 2 R n 2 superfícies de dimensão m 1 e m 2, respectivamente. Prove que o produto cartesiano M 1 M 2 R n 1+n 2 é uma superfície de dimensão m 1 + m 2. Conclua, daí, que o toro T 2 = S 1 S 1 é uma superfície de dimensão 2 de R 4. 5. O grupo linear GL é o subconjunto aberto de M(n) formado pelas matrizes inversíveis. O grupo linear especial, SL(n) = {X GL : det X = 1}, é um subgrupo de GL. Prove que SL(n) é uma hipersuperfície de M(n). 6. Considere a função f : R 3 R dada por f(x, y, z) = z 2. Mostre que 0 não é valor regular para f, embora f 1 (0) seja superfície de R 3. 1.2 1. Mostre que o espaço tangente à esfera S n R n+1 num ponto p é dado por T p S n = {v R n+1 : v, p = 0}. 2. Mostre que o espaço tangente a SL(n), na matriz identidade, é o subespaço das matrizes de traço nulo. 3. Seja f : U R n uma aplicação diferenciável, definida no aberto U R m. Mostre que o espaço tangente ao gráfico de f no ponto (p, f(p)) é o gráfico da diferencial df(p) : R m R n. 4. Dados uma superfície M e um ponto p M, considere parametrizações ϕ : U ϕ(u) e ψ : V ψ(v ) de M, com p = ϕ(x) = ψ(y). Dado um vetor 21

v T p M, suponha que suas expressões, nas bases de T p M associadas a ϕ e ψ, sejam dadas por v = n i=1 a i (p) e v = x i n i=1 b i (p), y i onde x i (p) = dϕ(x) e i e y i (p) = dψ(y) e i. Mostre que as coordenadas de v estão relacionadas por n y j b j = a i, x i i=1 onde y j = y j (x 1,..., x n ) são as expressões da mudança de coordenadas entre ϕ e ψ. 1.3 1. Mostre que toda aplicação diferenciável f : M N, entre as superfícies M e N, é contínua. 2. Se U é um aberto de uma superfície M m, mostre que a aplicação inclusão i : U M é diferenciável. 3. Se f : M N é uma aplicação diferenciável, mostre que a restrição de f a qualquer aberto U de M também é diferenciável. 4. Considere o produto cartesiano M = M 1 M 2 das superfícies M 1 e M 2. (a) Mostre que as projeções π i : M M i são aplicações diferenciáveis. (b) Se N é outra superfície, mostre que uma aplicação f : N M é diferenciável se, e somente se, as aplicações coordenadas π i f são diferenciáveis, i = 1, 2. 5. Mostre que o gráfico de uma aplicação diferenciável f : M N é difeomorfo à superfície M. 6. Mostre que o espaço tangente ao gráfico de uma aplicação diferenciável f : M N em um ponto (p, f(p)) coincide com o gráfico da diferencial df(p) : T p M T f(p) N. 7. Sejam L : R n R n uma aplicação linear e M R n uma superfície invariante em relação a L, i.e., L(M) M. Mostre que a restrição L M é uma aplicação diferenciável e dl(p) v = L(v), para quaisquer p M e v T p M. 22

1.4 1. Dado uma superfície compacta M m, mostre que não existe um difeomorfismo local f : M R m. 2. Dê exemplo de um difeomorfismo local f : R 2 R 2 que não é um difeomorfismo. 1.5 1. Prove que toda imersão f : M N é, localmente, um mergulho, ou seja, para cada ponto p M, existe um aberto U de M, com p U, tal que f U é um homeomorfismo sobre a imagem. Além disso, se f é injetora e M é compacta, então f é globalmente, um mergulho. 2. Prove que qualquer submersão f : M N, com M compacta e N conexa, é sobrejetora. 3. Seja M n uma superfície compacta. Prove que não existe uma submersão f : M R k, para qualquer k 1. 4. Prove que a composição de imersões também é uma imersão. 5. Seja f : M N uma submersão. Se M é compacta e N conexa, mostre que f é sobrejetora. 1.6 1. Seja f : M R uma função diferenciável, onde M é uma superfície compacta. Mostre que f tem, pelo menos, dois pontos críticos. 2. Seja f : X R uma função localmente constante, definida num subconjunto conexo X R n. Mostre que f é constante. 3. Determine as expressões das projeções estereográficas π N e π S, e mostre que ( π N π 1 ) S (z) = 1 z = ( π S π 1 ) N (z) para todo z C. 1.7 1. Verifique se as seguintes subvariedades são transversais: (a) O plano-xy e o eixo-z em R 3. (b) O plano-xy e o plano gerado pelos vetores {(3, 2, 0), (0, 4, 1)} em R 3. 23

(c) O plano gerado pelos vetores {(1, 0, 0), (2, 1, 0)} e o eixo-y em R 3. (d) R k {0} e {0} R l em R n. (e) V {0} e a diagonal em V V. (f) Os conjuntos das matrizes simétricas e anti-simétricas em M(n). 2. Se M e P são subvariedades transversais de uma superfície N, mostre que, em todo ponto p M P, tem-se T p (M P ) = T p M T p P. 3. Sejam f : M N uma aplicação diferenciável e P uma subvariedade de N. Se f é transversal a P, mostre que, em todo ponto p f 1 (P ), tem-se T p (f 1 (P )) = df(p) 1 (T f(p) P ). 4. Considere duas aplicações diferenciáveis f : M N e g : N W, e uma subvariedade P de W de modo que g seja transversal a P. Mostre que f é transversal a g 1 (P ) se, e somente se, g f é transversal a P. 24

1.9 Apêndice 1: O teorema da invariância do domínio Um problema básico da topologia dos espaços Euclidianos é determinar se dois subconjuntos X R m e Y R n são ou não homeomorfos. Não existe uma resposta geral para este problema. A fim de garantir que X e Y são homeomorfos é necessário exibir um homeomorfismo entre eles. Quando se suspeita que X e Y não são homeomorfos, a ideia é estudar invariantes topológicos, como a compacidade, a conexidade e o grupo fundamental. Exemplo 1.9.1. Considere o intervalo fechado X = [a, b] R e a bola fechada Y = B[p; r] R 2. Ambos são compactos e conexos. No entanto, seja qual for o ponto q Y, o conjunto Y \ {q} ainda é conexo enquanto que, para qualquer ponto a < x < b, o conjunto X \ {x} é desconexo. Assim, se existisse um homeomorfismo f : X Y, escolheríamos um ponto x (a, b), escreveríamos q = f(x) e teríamos, por restrição, um homeomorfismo g : X \ {x} Y \ {q}, g = f X\{x}, entre um conjunto conexo e um conjunto desconexo, o que é uma contradição. Se tentarmos repetir esse raciocínio para provar que uma bola fechada X = B[p; δ] R 2 não é homeomorfa a uma bola fechada Y = B[q; ɛ] R 3 não chegaremos a lugar nenhum, pois X e Y permanecem conexos depois da retirada de qualquer um de seus pontos. É intuitivo que uma bola aberta de R m só é homeomorfa a uma bola aberta de R n quando m = n. Isso é verdade, e a demonstração desse fato faz uso de um importante teorema de Topologia, cuja demonstração o leitor pode encontrar em [8, Theorem 36.5]. Teorema 1.9.2 (Invariância do domínio). Seja f : U R n uma aplicação injetora e contínua, definida no aberto U R n. Então f(u) é aberto em R n e f é um mergulho. Corolário 1.9.3. Se uma bola aberta de R m é homeomorfa a uma bola aberta de R n, então m = n. Demonstração. Como uma bola aberta de R n é homeomorfa a R n, podemos supor que as bolas abertas sejam os espaços R m e R n. Suponha, por absurdo, que m > n, e considere o homeomorfismo ϕ : R m R n entre os espaços Euclidianos. Denotando por i : R n R m o mergulho canônico (x 1,..., x n ) R n (x 1,..., x n, 0,..., 0) R m, obtemos um mergulho ξ = i ϕ : R m R m que a cada ponto x R m associa o ponto ξ(x) = (ϕ(x), 0) R m. No entanto, a imagem de R m pelo mergulho ξ não é um aberto em R m, contradizendo o Teorema 1.9.2. 25

Capítulo 2 Superfícies orientáveis 2.1 Superfícies orientáveis Seja E um espaço vetorial real de dimensão n. Dizemos que duas bases E e F definem a mesma orientação em E se a matriz de passagem de E para F tem determinante positivo. Neste caso, escrevemos E F. Esta propriedade define uma relação de equivalência no conjunto de todas as bases de E, e cada classe de equivalência, segundo esta relação, chama-se uma orientação no espaço vetorial E. Além disso, a relação possui duas classes de equivalência, ou seja, o espaço vetorial E admite duas orientações. Definição 2.1.1. Um espaço vetorial orientado é um par (E, O), onde E é um espaço vetorial e O é uma orientação em E. Fixada uma orientação O em E, a outra orientação de E será chamada orientação oposta e será denotada por O. As bases pertencentes a O serão chamadas positivas, enquanto as outras de negativas. Um isomorfismo linear T : E F entre os espaços vetoriais orientados E e F é dito ser positivo se transforma bases positivas de E em bases positivas de F. Exemplo 2.1.2. O espaço Euclidiano R n será considerado orientado exigindo-se que a base canônica seja positiva. Assim, em relação à base canônica de R n, um isomorfismo T : R n R n é positivo se, e somente se, det T > 0. Observação 2.1.3. Seja T : E F um isomorfismo linear e suponha que um dos espaços, digamos E, é orientado. A exigência de que T seja positivo determina, univocamente, uma orientação em F : as bases que definem a orientação em F são as imagens das bases positivas de E por T. 26

Estenderemos agora a noção de orientabilidade a cada espaço tangente de uma dada superfície. Dizemos que duas parametrizações ϕ : U ϕ(u) e ψ : V ψ(v ) de uma superfície M são coerentes se ϕ(u) ψ(v ) = ou, se ϕ(u) ψ(v ), a matriz Jacobiana J(ψ 1 ϕ)(x) tem determinante positivo em todos os pontos x ϕ 1 (ϕ(u) ψ(v )). Observação 2.1.4. Se ϕ(u) ψ(v ), a mudança de coordenadas ψ 1 ϕ : ϕ 1 (ϕ(u) ψ(v ) ψ 1 (ϕ(u) ψ(v ) tem determinante jacobiano diferente de zero em todos os pontos x ϕ 1 (ϕ(u) ψ(v )). Como det J(ψ 1 ϕ)(x) é uma função contínua de x, seu sinal é constante em cada componente conexa do aberto ϕ 1 (ϕ(u) ψ(v ) R m. Um atlas numa superfície M é uma coleção A de parametrizações cujas imagens constituem uma cobertura para M. Um atlas A é chamado coerente quando quaisquer duas parametrizações ϕ, ψ A são coerentes. Além disso, um atlas coerente numa superfície M chama-se maximal se não está contido propriamente em nenhum outro atlas coerente em M. Note que todo atlas coerente A está contido num único atlas coerente maximal, basta considerar o atlas constituído de todas as parametrizações de M que são coerentes com todas as parametrizações de A. Definição 2.1.5. Uma superfície M é chamada orientável se existe um atlas coerente em M. Uma superfície orientada é um par (M, A), onde M é uma superfície e A é um atlas coerente maximal. Neste caso, o atlas A é chamado uma orientação para a superfície M. As parametrizações ϕ A são chamadas positivas. Assim, uma superfície orientada é uma superfície orientável no qual se fez a escolha de uma orientação. Exemplo 2.1.6. O espaço Euclidiano R n é uma superfície orientável, pois o atlas em R n determinado pela aplicação identidade é coerente. A orientação definida por este atlas é chamada a orientação canônica de R n. Exemplo 2.1.7. Todo subconjunto aberto U de uma superfície orientável M também é orientável. De fato, fixado um atlas coerente A em M, o atlas em U definido pelas restrições a U das parametrizações positivas de M também é um atlas coerente, logo define uma orientação em U, chamada de orientação induzida. Proposição 2.1.8. Uma orientação em uma superfície M determina uma orientação em cada espaço tangente. Reciprocamente, suponha que seja dada uma orientação O p em cada espaço tangente T p M de modo que exista uma 27

parametrização ϕ : U ϕ(u) em M, com p ϕ(u), tal que dϕ(x) preserva orientação, para todo x U. Então, M é orientável. Demonstração. Seja A uma orientação em M. Dado um ponto p M, considere uma parametrização ϕ A, com p = ϕ(x), e definimos uma orientação O p em T p M exigindo-se que a base {dϕ(x) e i : 1 i m} seja positiva. Se ψ é outra parametrização em A, com p = ψ(y), temos: dψ(y) = d(ϕ ϕ 1 ψ)(y) = dϕ(x) d(ϕ 1 ψ)(y). O isomorfismo d(ϕ 1 ψ)(y) preserva orientação, pois ϕ e ψ são coerentes, e dϕ(x) preserva orientação por hipótese, logo {dψ(y) e i : 1 i m} também é uma base positiva de T p M. Reciprocamente, denotemos por A o atlas em M formado por todas as parametrizações dadas como no enunciado. Se ϕ : U ϕ(u) e ψ : V ψ(v ) são parametrizações em A, satisfazendo ϕ(u) ψ(v ), então, a mudança de coordenadas ψ 1 ϕ tem determinante jacobiano positivo em todos os pontos do domínio, pois d(ψ 1 ϕ)(x) é a composta de dois isomorfismos que preservam orientação. Um difeomorfismo local f : M N, entre duas superfícies orientadas M e N, é dito ser positivo se df(p) : T p M T f(p) N é um isomorfismo positivo, para todo p M. Diremos que f é negativo quando, para todo p M, o isomorfismo linear df(p) é negativo. Se M é desconexa, é bem possível que um difeomorfismo local f : M N não seja positivo nem negativo. No entanto, isso não ocorre quando M é conexa. Proposição 2.1.9. Seja f : M N um difeomorfismo local entre duas superfícies orientadas, M e N. Então, o conjunto é um aberto em M. A = {p M : df(p) preserva orientação} Demonstração. Sejam A, B as orientações em M e N, respectivamente. Dado p A, considere parametrizações ϕ : U ϕ(u) em A e ψ : V ψ(v ) em B, tais que p = ϕ(x) e f(ϕ(u)) ψ(v ). Como df(p) preserva orientação, o mesmo ocorre com a mudança de coordenadas d(ψ 1 f ϕ)(x). Por continuidade da função determinante, existe um aberto W R m, com x W U, tal que d(ψ 1 f ϕ)(y) preserva orientação, para todo y W. Portanto, df(q) preserva orientação para todo q ϕ(w ) ϕ(u). Isso mostra que ϕ(w ) é um aberto em M tal que p ϕ(w ) A, i.e., A é aberto. 28