Polioma vírus e Transplante Renal Arthur Heinz Miehrig Médico Nefrologista UNIFESP/EPM! INTRODUÇÃO Polioma vírus é um pequeno vírus de DNA que infecta uma variedade de animais, incluindo humanos (1). Exemplos de polioma vírus são BK e JC vírus. Os poliomas vírus são altamente soroprevalentes (60-80%) em humanos mas causam doença clínica somente em pacientes imunocomprometidos, sendo que BKV causa nefrite túbulo-intersticial e estenose ureter em receptores de transplante renal (nefropatia por BKV) e cistite hemorrágica em receptores de transplante de medula óssea. Primoinfecção tende a ocorrer na infância por via oral ou respiratória sendo que vírus persiste preferencialmente no epitélio renal (epitélio de transição, tubular renal parietal e cápsula de Bowman)(2-4). Replicação intermitente BKV manifesta-se como viriúria assintomática pode ocorrer em imunocompetentes; nos transplantados, a hipótese que a intensidade da imunossupressão, ao invés do tipo de imunossupressor, determina o risco de replicação BKV e progressão para doença clinicamente significativa. Prevalência de infecção BKV nos transplantados varia de 1-10%, média 5%(5,6). FATORES DE RISCO E PATOGÊNESE O grau de imunossupressão é principal fator de risco para replicação BKV e doença clinicamente significativa(7). Alguns autores consideram replicação de BKV como marcador de excesso de imunossupressão. Nenhum imunossupressor específico ou combinação de ISS apresenta associação definitiva com infecção pelo BKV (6-9). Alguns fatores de risco (questionáveis) são: idade avançada, sexo masculino, trauma ureteral, Diabetes Mellitus, DGF, uso anticorpo antilinfócitos, infecção CMV, tratamento rejeição aguda, caucasianos, uso de corticoides na manutenção, HLA e ABO mismatches (pelo risco aumentado de rejeição e uso de mais imunossupressão)(6,10,11). Rejeição e isquemia podem resultar em aumento risco BKV pois BKV raramente ocorre em rins nativos de pacientes submetidos transplantes de órgãos sólidos não renais apesar de imunossupressão similar(12). MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
Nos transplantados renais, BKV causa primariamente nefrite túbulointersticial e raramente estenose uretra(13). Cistite hemorrágica ocorre no TMO e raramente nos transplantados renais. Outras manifestações raras de BKV são: vasculopatia, meningoencefalite, retinite, pneumonite, Guillain-Barré(14). Nos transplantados renais, a principal manifestação da infecção pelo BKV é elevação progressiva creatinina, já que não há sinais clínicos ou sintomas da infecção. O tempo médio de aparecimento é 10-13 meses, porém pode apresentar-se mais precoce ou tardiamente quanto 5anos. Achados laboratoriais da infecção BKV, consistem em elevação creatinina e exame de urina 1 que pode ser normal ou pode apresentar leucocitúria, hematúria, cilindros celulares ou células inflamatórias consistente com nefrite intersticial(6, 15,16). DIAGNÓSTICO O diagnóstico de infecção pelo BKV pode ser suspeitado pela identificação das células Decoy (Figura 1) na citologia urinária e/ou PCR quantitativo na urina ou plasma. As células Decoy são células infectadas pelo BKV e são caracterizadas por núcleo alargado com inclusão intracelular basofílica grande e única. Sensibilidade e especificidade do PCR depende do método e deve ser interpretada no contexto clínico; sabe-se que replicação viral urina precede viremia BKV em aproximadamente em 4semanas. Diagnóstico definitivo é feito pela análise tecido obtido pela biópsia renal, porém mesmo pela bíopsia renal, o diagnóstico pode ser perdido já que muitas vezes as lesões pelo BKV são focais e desiguais(17,18). BKV é trópico pela medula e não pelos túbulos corticais, por essa razão uma boa técnica de biópsia enxerto deve constar de 2 fragmentos, preferencialmente incluindo medula renal(19). Diagnóstico definitivo BKV é feito pelo achado de características citoptológicas específicas associada imunohistoquímica positiva para SV40, SV40 apresenta quase 100% especificidade porém pode ser confundido com JCV. Dos outros métodos, a sorologia BKV não é útil no diagnóstico e cultura viral não é usada fora do ambiente de pesquisa. Um método ainda não estabelecido mas que inicialmente parece ser promissor é microscopia eletrônica urina; esse método revela presença de agregados tipo cilindros tridimensionais do polioma-virus chamados Haufen. Sensibilidade 100%, especificidade 99% e correlaciona-se com viremia. Utilidade prática ainda precisa ser determinada porém pode se tornar uma forma não invasiva de diagnóstico de BKV. Ainda é método de análise sofisticada e necessita interpretação patologista especializado (20,21). A análise histológica apresenta achados característicos porém não há achados patognomônicos pois muitas alterações podem ser vistas nas infecções por CMV, adenovírus, herpes simples. Alterações histológicas encontradas nas infecções BKV: inclusões virais intranucleareas basofílicas
sem halo ao redor; anisonucleose, hipercromasia e agrupamento cromatina nas células infectadas; infiltrado intersticial mononuclear ou polimorfonuclear nas áreas de dano tubular; lesão tubular, caracterizada por apoptose celular tubular, descolamento celular, descamação e achatamento epitelial; tubulite manifestada por permeio linfócitos na membrana basal tubular (se extenso, difícil diferenciar de rejeição enxerto). Microscopia eletrônica evidencia inclusões virais intranucleares (diâmetro 30-50nm), lesão tubular com necrose celular tubular, inclusões lisossômicas proeminentes, proteína luminal e cilindros celulares. Os achados da infecção BKV são semelhantes a rejeição celular, geralmente a diferenciação é feita pelas inclusões BKV e imunohistoquímica ou hibridização in situ das células infectadas. O diagnóstico diferencial mais importante é rejeição aguda celular (22,23). RASTREIO E PREVENÇÃO O tratamento preemptivo é possível pois infecção BKV progride por estágios bem caracterizados, sendo a sequência DNA BKV urina, seguida plasma e seguida infecção renal/enxerto. Como especificidade e sensibilidade dos ensaios PCR BKV variam, as estratégias de rastreio e tratamento preemptivo somente devem ser feitas por centros especializados. Vários esquemas de rastreio, uma opção é rastreio coleta citologia urinária para pesquisa de células decoy ou PCR BKV na urina mensalmente do 1º ao 6ºmês seguida de coleta nos no 9º, 12º, 18º e 24º mês. Se a suspeita laboratorial existir, biópsia renal para diagnóstico definitivo deve ser realizada. TRATAMENTO O tratamento é baseado em pequenas séries de casos. A base do tratamento é redução da imunossupressão, já que não existe terapêutica antiviral específica. Geralmente nos esquemas baseados em regimes triplos, deve-se suspender antimetabólico (micofenolato ou azatioprina) com redução do inibidor de calcineurina(19,22). Algumas opções terapêuticas não estabelecidas para uso são: imunoglobulina, antivirais (cidofovir, brincidofovir), leflunomida, ácido retinóico. Nos casos de re-transplante deve-se documentar ausência de replicação BKV(24). Figura 1
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