Associação de ultra-sonografia, urografia excretora e vaginocistografia no diagnóstico de ectopia ureteral em fêmea canina

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Transcrição:

Associação de ultra-sonografia, urografia excretora e vaginocistografia no diagnóstico de ectopia ureteral em fêmea canina Association of ultrasonography, excretory urography and vaginography for diagnosis of ectopic ureter in a bitch GRÜN, Ricardo Luis uis Médico Veterinário Residente do Setor de Diagnóstico por Imagem da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) TEIXEIRA, Márcio Aurélio da Costa Doutor, Professor Adjunto da Disciplina de Diagnóstico por Imagem no Curso de Medicina Veterinária da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) ALVES, Luis uis Cardoso Doutor, Professor Adjunto das Disciplinas de Diagnóstico por Imagem, Semiologia e Clínica I, no Curso de Medicina Veterinária da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) WITZ, Maria Inês MSc., Professora Adjunta das Disciplinas de Cirurgia e Odontologia no Curso de Medicina Veterinária da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) GEHLEN, Karine MSc., Professora Adjunta da Disciplina de Cirurgia no Curso de Medicina Veterinária da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) SILVA, A, Gabriela Klein Médica Veterinária Residente no Setor de Clínica e Cirurgia no Curso de Medicina Veterinária da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) OLIVEIRA, Maria Eugênia Menezes Médica Veterinária Residente no Setor de Cirurgia no Curso de Medicina Veterinária da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) NORTE, Diego M. Médico Veterinário Residente no Setor de Cirurgia no Curso de Medicina Veterinária da Universidade Luterana do Brasil (ULBRA) Data de recebimento: janeiro 2007 Data de aprovação: maio 2007 Endereço para correspondência: Prof. Luis Cardoso Alves Av. Farroupilha n 8001 Hospital Veterinário, Prédio 25, ULBRA Canoas/RS. CEP: 92420-280. E-mail: vetcardoso@pop.com.br Veterinária em em Foco Foco - v.4, n.2, Canoas jan./jun. 2007 v. 4 n.2 jan./jun. 2007 p.159-167 159

RESUMO Ureter ectópico é uma anormalidade congênita na qual um ou ambos ureteres não terminam no trígono vesical, sendo a anormalidade congênita mais comum do ureter. A ocorrência da ectopia ureteral é mais comum em cães do que em gatos, sendo mais freqüente nas fêmeas de ambas as espécies. O grau de hereditariedade deste distúrbio ainda não foi estabelecido. Os sinais clínicos normalmente começam a ser observados desde o nascimento até o desmame. Os ureteres não podem ser visualizados em radiografias simples, sendo essencial a utilização de meios contrastados para alcançar o diagnóstico preciso. O objetivo deste trabalho visa demonstrar o diagnóstico da ectopia ureteral, utilizando diferentes técnicas de exames por imagem, ultra-sonografia, radiografias contrastadas, servindo como diagnóstico auxiliar, definitivo e comparativo, demonstrando radiograficamente após dois meses a viabilidade do ureter reimplantado cirurgicamente. Palavras-chave: ureter ectópico, ultra-sonografia, vaginocistografia, urografia excretora, cães. ABSTRACT Ectopic ureter is a congenital abnormality in which one or both ureters are not ending on the bladder trigone, being the most common ureter congenital disturbance. The ocurrence of ectopic ureter is more frequent in dogs than it is in cats, in females of both species. It is still unknown the level of heredity. Clinical signs usually are observed on newborn or weaned animals. The ureters are not seen on routine radiography, being necessary the use of contrast medium. The objective of this work is demonstrate the ectopic ureter diagnosis by means of different radiographic techniques, as auxiliary diagnostic tools, showing radiographically the viability of reimplanted ureters two months after surgery. Key ey words: ectopic ureter, ultrassound, vaginocistografia, excretory urography, dogs. INTRODUÇÃO A ectopia ureteral é uma anormalidade congênita na qual um ou ambos ureteres não terminam no trígono vesical, e se deve à diferenciação anormal dos ductos mesonéfricos e metanéfricos (CRAWFORD, 1993; BJORLING e CHRISTIE, 1998; FORRESTER e LEES, 1998). Pode ser unilateral ou bilateral e estar associado a outras anomalias congênitas do trato urinário e também acompanhar desordens adquiridas como: hidronefrose, hidroureter, 160 v.4, n.2, jan./jun. 2007 - Veterinária em Foco

hipoplasia da vesícula urinária e infecção do trato urinário (OWENS e BIERY, 1993; BJORLING e CHRISTIE, 1998; FORRESTER e LEES, 1998; HOSKINS, 2004; KEALLY e McALLISTER, 2005). O acometimento bilateral é mais freqüente em cães, enquanto que em gatos, os ureteres ectópicos unilaterais e bilaterais ocorrem com mesma freqüência (BJORLING e CHRISTIE, 1998; KEALLY e McALLISTER, 2005). Na fêmea, um ureter ectópico pode se abrir no interior da vagina, na uretra, no colo da bexiga, no corpo ou colo uterino, e nos machos, os ureteres ectópicos terminam na uretra pélvica (CRAWFORD, 1993; BJORLING e CHRISTIE, 1998; FORRESTER e LEES, 1998; KEALLY e McALLISTER, 2005). O ureter ectópico pode ter uma única abertura num local anormal, ou pode ter abertura alongada para a bexiga (calha ureteral), uma abertura dupla, ou pode terminar num fundo cego (BJORLING e CHRISTIE, 1998). Os ureteres ectópicos podem ser extraluminais desviando-se completamente da bexiga ou intraluminais, correndo pela submucosa da bexiga, abrindose na uretra ou vagina (FOSSUM, 2002). Em alguns casos, o ureter permanece completamente extramural, contornando totalmente a bexiga antes de terminar na uretra, vagina ou útero. Ureteres ectópicos intramurais são mais difíceis de observar radiograficamente (WALDRON, 1998). Comumente encontra-se na presença da ectopia ureteral a incontinência urinária intermitente ou contínua, vaginite em decorrência de queimaduras com urina e eliminação normal da urina em alguns animais (CRAWFORD, 1993; STONE, 2003). O diagnóstico de ureter ectópico pode ser confirmado pela radiografia contrastada (urografia excretora, vaginocistografia), vaginoscopia ou laparotomia exploratória (WALDRON, 1998). Os ureteres não podem ser visualizados em radiografias simples, sendo essencial à utilização de meios contrastados para alcançar o diagnóstico preciso (FEENEY e JOHNSTON, 1994; STONE, 2003; KEALLY e McALLISTER, 2005). A ectopia ureteral somente pode ser detectada através da ultra-sonografia se houver dilatação do ureter, ureterite ou obstrução. Alguns achados sonográficos ajudam a confirmar a presença do ureter ectópico, como a ausência do jato ureteral (pelo modo Doppler) e a visibilização do ureter ectópico passando caudalmente pelo trígono vesical e inserindo-se na uretra próxima ao colo da bexiga urinária ou na uretra prostática (NYLAND et al., 1995; CARVALHO, 2004). O diagnóstico diferencial de ectopia ureteral deve ser feito de micção inapropriada, incompetência do mecanismo esfinctérico uretral, desobstrução uracal, incontinência paradoxal, infecção no trato urinário e poliúria grave associada com insuficiência renal, causada por nefropatia congênita ou pielonefrite grave (STONE, 2003). O tratamento cirúrgico freqüentemente corrige a incontinência associada Veterinária em Foco - v.4, n.2, jan./jun. 2007 161

ao ureter ectópico em gatos, mas até 50 a 60% dos cães tratados cirurgicamente podem apresentar algum grau de incontinência (posicional, de esforço, noturna, ou de outro tipo) (BJORLING e CHRISTIE, 1998; FOSSUM, 2002). Deve-se realizar uma neoureterostomia em casos de ureteres ectópicos intramurais. Caso seja extramural, dever-se-á resseccioná-lo e reimplantá-lo no lúmen vesical. O tratamento com agonistas dos receptores alfa-adrenérgicos podem aumentar o tônus do esfíncter uretral e diminuir a incontinência pós-cirúrgica (FOSSUM, 2002). A nefrectomia deve ser realizada apenas em casos de comprometimento renal e quando o rim contralateral tiver plena capacidade funcional (KOSACHENCO et al., 1994). O objetivo deste trabalho visa demonstrar o diagnóstico da ectopia ureteral, através de técnicas de exames radiográficos contrastados diferentes, servindo como diagnóstico auxiliar e definitivo na detecção do ureter ectópico, bem como, visualizar a funcionalidade do órgão após correção da anomalia congênita cirurgicamente. RELATO DE CASO Uma fêmea com três meses de idade, da raça Poodle, foi atendida no HV- ULBRA apresentando incontinência urinária. O animal estava recebendo antibioticoterapia há duas semanas, sem melhora clínica, as fezes estavam normais, havia recebido duas doses de vacina polivalente e vermífugo. Ao exame clínico constatou-se temperatura retal (TR) 38,5 C, mucosas rosadas, freqüência cardíaca (FC) de 132 bpm, ausculta respiratória normal, hidratação e tempo de preenchimento capilar (TPC) normais. Foi constatada presença de urina nos pêlos da região perineal, não sendo possível a palpação da vesícula urinária. A suspeita clínica inicial era de cistite ou anormalidade congênita. Foi coletado sangue e urina para exames, os quais apresentaram-se sem alterações dignas de nota. Foi solicitada ultra-sonografia abdominal com ênfase no trato urinário. Durante a realização do exame de ultra-som foi constatada uma linha não ecogênica contígua à bexiga sugerindo um ureter ectópico dilatado, conforme ilustra a Figura 1. Para melhor definição do diagnóstico foi solicitado que o paciente fosse submetido a um jejum total de 24 horas e enema para realização de urografia excretora. 162 v.4, n.2, jan./jun. 2007 - Veterinária em Foco

Figura 1 Ultra-sonografia evidenciando uma linha não ecogênica contígua à bexiga (seta), sugerindo ureter ectópico dilatado. O animal foi anestesiado com infusão contínua de propofol, inicialmente foi realizada uma radiografia abdominal lateral simples (Figura 2) na qual não foram constatadas alterações. Após foi injetado 10 ml de contraste iodado por via endovenosa repetindo-se a radiografia látero-lateral (Figura 3). Neste exame foi possível constatar os rins, pelve renal com dilatação no lado direito e os ureteres com o direito mais calibroso, foi ainda observado presença de contraste na bexiga, não sendo possível visibilizar a inserção dos ureteres na bexiga. Realizou-se então uma vaginocistografia, injetando-se 10 ml de contraste iodado através de uma sonda de foley n 4 inserida no vestíbulo, com o bulbo inflado. O volume de contraste injetado foi suficiente para distender a vagina, penetrar no ureter ectópico (direito) atingindo até a pelve renal. O contraste também penetrou no útero permitindo também a identificação dos cornos uterinos. Somente após este exame foi possível confirmar com maior precisão o diagnóstico de dilatação do ureter direito e ectopia do mesmo com inserção na parede dorsal da vagina, conforme ilustram as figuras 4 e 5. Figura 2 Radiografia abdominal látero-lateral simples sem alterações visíveis. Veterinária em Foco - v.4, n.2, jan./jun. 2007 163

Figura 3 Radiografia látero-lateral após urografia excretora com o contraste já na bexiga (seta), inconclusiva para o diagnóstico da ectopia ureteral. D Figura 4 Radiografia ventrodorsal logo após vaginocistografia evidenciando o preenchimento de contraste da bexiga, do corno uterino esquerdo (seta larga) e dos ureteres na saída da pelve (seta estreita). Figura 5 Radiografia látero-lateral após vaginocistografia, evidenciando dilatação do ureter (seta larga) e ectopia ureteral na parede dorsal da vagina (seta estreita). 164 v.4, n.2, jan./jun. 2007 - Veterinária em Foco

Foi realizado procedimento cirúrgico de neoureterostomia do ureter ectópico no local anatômico normal, e foi solicitado que o animal retornasse para realização de vaginocistografia controle após 30 dias. Na data prevista o proprietário retornou com o animal, que se apresentava ativo, alimentando-se bem e sem sinais de incontinência urinária. Repetiuse a urografia excretora injetando-se 10 ml de contraste iodado por via endovenosa seguida de vaginocistografia com aplicação de 15 ml de contraste iodado através de uma sonda uretral n 6, refazendo as mesmas posições radiográficas anteriores. Neste exame pode-se observar que o contraste preencheu a bexiga, identificam-se os ureteres junto ao trígono vesical, porém não se observa mais a imagem do mesmo inserido na vagina o que confirma sua funcionalidade (Figura 5). Figura 6 Radiografia látero-lateral controle 30 dias de pós-operatório após urografia excretora e vaginocistografia com contraste apenas na bexiga. DISCUSSÃO Confirmou-se no relato descrito a vagina como órgão preferencial para a localização do ureter ectópico, conforme relatos de Bjorling e Christie (1998), Stone (2003), Keally e Mcallister (2005). Também se pode observar que o local mais comumente descrito dos ureteres ectópicos em relação à bexiga é a posição intramural, no interior da parede da bexiga, comumente entre a muscular e a submucosa descrito por Bjorling e Christie (1998). Existem muitas limitações para o diagnóstico de ureter ectópico pelo ultrasom, confirmando a solicitação de um exame complementar mais específico (CARVALHO, 2004). Os transdutores de alta resolução e uma experiência considerável em ultra-sonografia são necessários para alcançar o diagnóstico (KEALLY e McALLISTER, 2005). O método de escolha pela maioria dos autores para diagnosticar o ureter ectópico é a urografia excretora, que fornece informações acerca das dimensões das pelves renais e dos ureteres, podendo identificar o local de desembocadura dos ureteres (WALDRON, 1998). No presente estudo esta Veterinária em Foco - v.4, n.2, jan./jun. 2007 165

técnica não foi satisfatória possivelmente pela sobreposição na região hipogástrica, houve necessidade de acrescentar outro exame contrastado para visualização da ectopia ureteral, concordando com os autores que descrevem o uso combinado da urografia excretora associada com a vaginocistografia (BJORLING e CHRISTIE, 1998; RUBIN, 2002; HUDSON et al., 2003). No caso relatado o animal retornou após dois meses, não apresentando sinais de incontinência urinária. Na repetição da urografia excretora e vaginocistografia, constatou-se a ausência do ureter ectópico, que associada à avaliação clínica permitiu concluir pela normalização do quadro clínico. A avaliação repetida após alguns meses é importante, já que 50 a 60% das cadelas permanecem incontinentes após serem tratadas cirurgicamente, provavelmente devido a fatores iatrogênicos (STONE, 2003). CONCLUSÃO A associação da ultra-sonografia com duas técnicas radiográficas contrastadas foi útil para melhorar o grau de precisão na identificação e localização da ectopia ureteral, visibilizando-se o trato urinário superior através da urografia excretora e sendo possível delimitar a inserção na parede dorsal da vagina a partir da vaginocistografia. REFERÊNCIAS BJORLING, J. D.; CHRISTIE, G. Ureteres. In: SLATTER, D. Manual de Cirurgia de Pequenos Animais. 2.ed. São Paulo: Manole, 1998. p.1714-1720. CARVALHO, C. F. Sistema Urinário: Rins, Ureteres, Bexiga Urinária e Uretra. In: Ultra-Sonografia em Pequenos Animais. São Paulo: Roca, 2004. p.130-133. CRAWFORD, M. A. O Sistema Urinário. In: HOSKINS, J. D. Pediatria veterinária Cães e Gatos até Seis Meses de Idade. São Paulo: Manole, 1993. p.304. FEENEY, D. A.; JOHNSTON, G. R. The Kidneys and Ureters. In: THRALL, D. E. Textbook of Veterinary Diagnostic Radiology. 2.ed. Philadelphia: W. B. Saunders Company, 1994. p.442-450. FORRESTER, S. D.; LEES, G. E. Nefropatias e Ureteropatias. In: BIRCHARD, S. J.; SHERDING, R. G. Manual Saunders Clínica de Pequenos Animais. São Paulo: Roca, 1998. p.923. FOSSUN, T. W. Ureteres Ectópicos. In:. Cirurgia de Pequenos Animais. São Paulo: Roca, 2002. p.526. HOSKINS, J. D. Defeitos Congênitos do Cão. In: ETTINGER, S. J.; 166 v.4, n.2, jan./jun. 2007 - Veterinária em Foco

FELDMAN, E. C. Tratado de Medicina Interna Veterinária Doenças do Cão e do Gato. 5.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2004. p.2921. HUDSON, J. A. et al. Sistema Urinário. In:. Radiologia Abdominal para o Clínico de Pequenos Animais. São Paulo: Roca, 2003. p.130-150. KEALY. J. K.; McALLISTER, H. O Sistema Urinário. In:. Radiologia e Ultra-Sonografia do Cão e do Gato. 3.ed. São Paulo: Manole, 2005. p.96-109. KOSACHENCO, B. G. et al. Reimplantação de Ureter Ectópico em Cadela. In: Ciência Rural. Santa Maria, Brasil, v.24, n.1. p.197-199, 1994. NYLAND, T. G.; MATTOON, J. S.; WISNER, E. R. Ultrasonography of the Urinary Tract and Adrenal Glands. In: NYLAND, T. G.; MATTOON, J. S. Veterinary Diagnostic Ultrasound. Philadelphia: W. B. Saunders Company, 1995. p.118. OWENS, J. M.; BIERY, D. N. The Genitourinary System. In:. Radiographic Interpretation for the Small Animal Clinician. Missouri: Ralston Purina Company, 1993. p.175-180. RUBIN, S. I. Exame Clínico do Sistema Urinário Cães e Gatos. In: RADOSTIS, O. M.; MAYHEW, I. G.; HOUSTON, D. M. Exame Clínico e Diagnóstico em Veterinária. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2002. p.373-375. STONE, E. A. Ureteres Ectópicos. In: TILLEY, L. P.; SMITH, F. W. K. Consulta Veterinária em 5 Minutos Espécies Canina e Felina. 2.ed. São Paulo: Manole, 2003. p.642. WALDRON, D. R. Bexiga. In: SLATTER, D. Manual de Cirurgia de Pequenos Animais. 2.ed. São Paulo: Manole, 1998. p.1723-1735. Veterinária em Foco - v.4, n.2, jan./jun. 2007 167