Programa manos e minas: praticas culturais criativas na ressignificação dos territórios periféricos



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RESOLUÇÃO Nº 3259 RESOLVEU:

Transcrição:

Programa manos e mnas: pratcas culturas cratvas na ressgnfcação dos terrtóros perfércos Rosana Martns & Clauda Garrocn CIMJ - Centre for Meda and Journalsm Research, New Unversty of Lsbon UNESP - Unversdade Estadual Paulsta Júlo de Mesquta Flho E-mal: rosanasantosposse@yahoo.com.br / garrocn@gmal.com Resumo Este ensao busca compreender as relações entre hp-hop e mída, tendo como base para análse o programa Manos e Mnas, da TV Cultura de São Paulo, canal de propredade estatal. O programa é um espaço destnado para apresentação dos prncpas elementos do hp-hop no Brasl, rap, dança break, DJ, Grafte, e de outras artes realzadas por moradores das perferas brasleras. Este artgo se propõe a uma análse de reflexão sobre o processo de produção, conteúdo e recepção do programa de TV, buscando reconhecer elementos que representem a dentdade perférca. O ensao está teorcamente ancorado na perspetva pós-estruturalsta dos Estudos Culturas. Estamos falando de novas crcunstâncas nas quas o bnarsmo ponto de vsta homogenzante, não mas faz frente às cratvas estétcas perfércas e seu dálogo horzontal, partcpatvo, dnâmco e cratvo. Este ensao contrbu para o entendmento de concetos como dentdade, representação e dferença, esfera da vsbldade públca e luta por reconhecmento. Desta forma, estabelecese a base para uma metodologa de análse da arte e estétca perfera e de suas nstâncas de produção e dfusão. Palavras-chave: Perfera, hp-hop, meda, estudos culturas, dentdade, representação socal. Estudos em Comuncação nº 18, 123-146 Mao de 2015

124 Rosana Martns & Clauda Garrocn Abstract Ths essay seeks to understand the connecton between hp-hop and meda based analyss of the state-owned channel of São Paulo, TV Cultura, on Manos and Mnas program. The TV program s a space dedcated to presentng the man elements of hp-hop n Brazl, rap, break dancng, DJ, Grafft, and other arts performed by resdents of Brazlan perpheres. Ths artcle proposes an analyss of reflecton on the process of producton, content and recepton of the TV program, tryng to recognze elements that represent the perpheral dentty. The essay s theoretcally anchored n the poststructuralst Cultural Studes perspectve. We are talkng about new crcumstances n whch the homogenzng bnary pont vew, no longer makes front creatve perpheral aesthetc and yours horzontal, partcpatory, dynamc and creatve dalogue. Ths paper contrbutes to the understandng of concepts such as dentty, representaton and dfference, the sphere of publc vsblty and struggle for recognton. It s establshed the bass for a methodology of analyss of "art and aesthetcs perphery"and ts nstances of producton and dssemnaton. Keywords: perphery, hp-hop, meda, cultural studes, dentty, socal representaton. Introdução D URANTE algum tempo, as pesqusas e os estudos desenvolvdos no campo da comuncação e da nformação analsavam os processos comuncaconas a partr de uma compartmentação de seus elementos consttutvos, a saber: produtores, textos e receptores e momentos produção, crculação e recepção/consumo. (Escosteguy, 2007). Todos esses elementos, que ntegram o processo em sua totaldade, eram estudados parcalmente, gerando uma vsão fragmentada e também reduconsta do fenômeno. Tratando especfcamente dos estudos de recepção, vê-se que tal esquema reflete na assocação do receptor à dea de passvdade. Logo, tomando como exo teórco de análse os Estudos Culturas, nota-se que estamos dante de uma nova artculação e renvenção da cultura, marcada pela dessencalzação da dea de uma tradção autogerada. No processo atual, numa cena caracterzada pelas dsjunções entre dferentes espéces de fluxos

Programa manos e mnas: pratcas culturas cratvas na ressgnfcação dos terrtóros perfércos 125 globas e os panoramas ncertos crados na contemporanedade através dessas dsjunções (Appadura, 2004), nos faz pensar o espaço da pluraldade demográfca e a questão das negocações fronterças, não mas vstas como demarcações fxas, mas que apontam para novas formas de pertencmento múltplas e não mas monolítcas. A ntensfcação da mobldade humana nsere-se em um panorama de transformações maor, no qual emergem concetos como os de globalzação, multculturaldade, nterculturaldade e hbrdsmo cultural, para os quas tanto a ntensfcação do fluxo de pessoas quanto o de nformações, parece central. A prolferação da dferença confgura, nessa compreensão, um espaço estratégco para a resstênca, a ntervenção e a tradução. A dversdade representa uma retórca radcal da separação de culturas totalzadas, que se fundamentam na utopa de uma memóra mítca de uma dentdade coletva únca. Nesta dreção, Hom Bhabha (1994) convda-nos a ultrapassar o âmbto das barreras para um amplo entendmento não unversalzante da cultura. Relatvamente, no que dz respeto à cultura, e graças a nfluênca das novas tecnologas comuncaconas, o prncpal mpacto desse movmento vem sendo dscutr a lnguagem lgada às prátcas de representação, sendo dada à lnguagem uma posção prvlegada na construção e crculação do sgnfcado. E o que se vê é uma profunda mudança na produção e crculação do dscurso, na manera como este vem sendo produzdo, e que passa a redmensonar a cultura na sua ambênca medadora. É mportante consderar que estamos dante de novos paradgmas que estão ganhando fôlego, ultmamente, nos estudos sobre comuncação e cultura, que reconhecem a mportânca destes novos sujetos enquanto medadores e atvstas nterconectados, demandando uma nova escuta socal. Cra-se toda uma nova atmosfera comuncaconal, por meo dos quas se narra, reflete sobre s mesmas e se renventa, tornando dscursos sstematcamente nvsblzados, se façam agora notáves publcamente. É neste ângulo de reflexão que chamamos o teórco Leandro Mendonça (2013), no entendmento desse novo modo de produção perférco correspondente a um modo de produção específco, hstorcamente determnado, e que traz para o centro do debate novas relações que os homens estabelecem em seu processo socal e condção de vda. As atvdades de produção desenvolvdas pelas ndústras cratvas perfércas estão consttuídas para revndcação da dversdade cultural e da dvers-

126 Rosana Martns & Clauda Garrocn dade de formas de produzr, e de entender a produção com o ntuto de contrbução socal (Austn et al, 2006). Ao propor uma nova relação com a cdade as produções perfércas estmulam, por parte dos seus cradores/produtores, possbldades de apropração possíves do espaço públco urbano de forma múltpla, ntensa e reflexva. Hp-Hop como pratca cultural de produções de sentdo A cultura hp-hop surgu nos guetos nova-orqunos, nos Estados Undos, na década de 1970. Trata-se de um empreendmento coletvo, e abarca manfestações artístcas nos campos da músca (rap, sgla dervada de rhythm and poetry rtmo e poesa, uma espéce de canto falado ou fala rítmca), das artes vsuas (grafte), da dança (break), dj (dsc-joque) e o qunto elemento que sera o engajamento do uso da cultura hp-hop em poltcas publcas locas. Com forte nfluênca dos movmentos negros da década de 1960 e da cultura de rua, o hp-hop construu étca e estétca novadoras para a juventude pobre, moradora das perferas das cdades, com o ntuto de se colocar como alternatva ao modo de vda dos jovens, valorzar a cultura popular e as dferenças étnco-racas. Para Martns (2005) o hp-hop é a síntese radcal de uma produção cultural de base afrcana que traz novas análses propostvas do real através da denúnca do racsmo. É novador como estétca de manfestação polítca. O fenómeno do hp-hop dexou de ser um fenómeno de barro, especfcamente do barro do Bronx, e passou a ser um fenómeno mundal. Temos, portanto, a abertura ao meo exteror como a prmera grande mudança no fenómeno (Smões, 2006). No Brasl, as enormes desgualdades, a exclusão, materal e smbólca, dos dretos de cdadana (trabalho, educação, vda saudável, frução cultural, etc.), a dscrmnação sofrda pela maora dos ndvíduos, pela cor da pele, a aparênca físca ou a forma de se vestr, pelo lugar de morada ou, smplesmente, pela sua condção de mulher, seram questões levantadas pelos jovens das perferas lgados a cultura hp-hop. Os hp-hoppers na prátca da arte revndcam o reconhecmento socal, bem como formas novadoras de nserção nas esferas da vda socal; dada sua presença marcante nas socedades contemporâneas, contrbuem decsvamente para a produção e renovação do repertóro de valores e prátcas socas. Enquanto manfestação

Programa manos e mnas: pratcas culturas cratvas na ressgnfcação dos terrtóros perfércos 127 polítco-cultural a cultura hp-hop se sustenta em suas expressões artístcas e em momentos de dscussão e debates promovdos entre os própros ntegrantes, ou em momentos em que revndcam dretos junto ao poder públco (Martns, 2005). O hp hop consste num conjunto de prátcas que se encontram, desde as suas orgens, ntmamente relaconadas com o contexto do barro, da rua, de espaços que apresentam para os seus pratcantes e segudores um elevado smbolsmo e que se consttu como um elemento agregador de dentdades e sentmento de pertença uma cultura fruto da experênca da dáspora afrcana uma cultura que poltza a dentdade negra e a de morador das áreas pobres. Logo, ao fazer referênca às representações socas, a partr das contrbuções de Serge Moscovc (2003), evdenca-se que o dscurso dos hp-hoppers comportam formas de sgnfcação da realdade ao mesmo tempo em que são produzdas por esta(s) realdade(s), não consderando os sujetos socas somente como reprodutores dos sgnfcados presentes na cultura, mas também produzndo novos sentdos. Estas representações acabam por nvadr o campo mdátco, polítco e econômco, nterferndo nas construções denttáras que se fazem dos perfércos. Nesse ponto, é precso acentuar algo muto mportante, examna-se hoje a lgação entre as novas tecnologas de nformação e comuncação e as formas de nteração socal urbana dos jovens hp-hoppers das perferas brasleras. De acordo com Castells (1999), o mundo vve uma revolução tecnológca de proporções globas, a qual é caracterzada pela facldade de acesso à tecnologa e pela aplcação do conhecmento na novação e uso de meos tecnológcos de comuncação. Para o autor, esses meos eram prmeramente novados por ntermédo de seu uso e, atualmente, ngressamos num estágo de apreender e contrbur para o progresso da novação tecnológca pela própra confecção desta, como se percebe na Internet com a construção de blogs, etc. Os sentdos que o popular urbano atrbu a s mesmo se dá, entre outros modos, pela sua reartculação constante com dstntos modelos de comuncação proporconado pelas novas mídas, e, nos das hoje, em especal com as mídas dgtas. A perfera, a partr do momento em que captura e faz uso de ferramentas mdátcas, tende a falar de s. O modo como os dscursos das perferas (no seu plural já que fala-se aqu de dferentes sngulardades presentes no espaço perférco) vem sendo produzdo, redmensona a cultura na sua ambênca

128 Rosana Martns & Clauda Garrocn medadora na nvenção de novas prátcas comuncaconas que atravessam a condção molar da chamada comuncação de massa. Nos tempos atuas, é notável que os ndvíduos contem com essas novas formas de expressão e que eles tenham acesso a estes "espaços"de produção e dstrbução de nformação, que em épocas anterores foram reservados para a mprensa convenconal em larga escala. Com o surgmento da tecnologa socal, temos assstdo a númeras ncatvas da socedade cvl que têm procurado ferramentas de gramátca e comuncação adequadas, a fm de defender suas respectvas vsões de mundo e dretos (Cadma, 2011; Castells, 2009). Gumuco-Dragon (2001, apud Navarro Díaz, 2010), entende que qualquer processo que é chamado de "comuncação para a mudança socal"deve prorzar o dálogo horzontal. Um dos resultados desse processo é a noção de espaço públco como um exemplo de regeneração e cratvdade, de re-apropração e produção de sentdo com base em experêncas ndvduas contextualzadas em grupos socas. Essa redstrbução das vozes trouxe esperança para mutos defensores da comuncação horzontal e partcpatva (Castells, 2009). Manos e Mnas está no ar! O programa Manos e Mnas, exbdo no níco das notes de sábado (18h) e reapresentado nas madrugadas de qunta-fera (00h30) pela TV Cultura, emssora de São Paulo, captal, tem como prncpal proposta dar vez e voz à produção artístca e cultural realzada por jovens moradores das perferas das metrópoles brasleras, prncpalmente do exo Ro São Paulo. No que se refere aos partcpantes que compõem o palco do programa, além do apresentador, cada um é representante de um dos elementos consttuntes do unverso do hp-hop, seja por um grupo de dança de rua (break) que nterage com o cenáro; um graftero, que apresenta ao fnal do programa um quadro de grafte (cujo tema é o de sua escolha) que fcará exposto na parede do audtóro; um DJ que embala a trlha sonora de toda a programação; dos rappers convdados; e/ou entrevstados lgados a cultura hp-hop e/ou unverso perférco. Sendo assm, o programa se destaca por dar a voz à perfera na mída televsva, o papel de dvulgar, valorzar e possbltar o conhecmento do ponto de vsta dos própros sujetos que partcpam e promovem prátcas

Programa manos e mnas: pratcas culturas cratvas na ressgnfcação dos terrtóros perfércos 129 socas, culturas, lteráras e muscas vnculadas tanto às comundades da perfera, quanto ao unverso do hp-hop. Assm, o escrtor e agtador cultural, Alessandro Buzo, percorre uma quebrada (vznhanças perfércas) acompanhado de uma lderança local que desvenda a cena cultural exstente al. Já, outra ntervenção vem do quadro do escrtor Ferréz (Regnaldo Ferrera da Slva) um autor, rapper, crítco cultural braslero e atvsta da favela da Zona Sul de Capão Redondo, em São Paulo, Brasl. Ele é membro e líder do grupo lteráro lteratura margnal, que surgu durante a década de 1990 e níco dos anos 2000, nas perferas urbanas de São Paulo -, que recebe na tradconal Barraca do Saldanha no Capão Redondo, um convdado para uma entrevsta tpo papo cabeça (conversa ntelgente sobre assuntos em que as pessoas têm afndade, como polítca, letura, socedade, músca e cultura). Não chega a ser uma novdade, verdade seja dta, pos Regna Casé e Hermano Vanna, como exemplo de produtores de sucesso do gênero, vêm desenvolvendo projetos nessa mesma lnha pelo menos desde meados da década de noventa e o semanal e sazonal Esquenta, atualmente sendo exbdo nas tardes de domngo pela TV Globo, é a mas recente cra dessa parcera. Essa semelhança, entretanto, fca apenas nas aparêncas. Os programas da dupla Casé/Vanna têm suas bases assentadas sobre aspectos artístcos e culturas de uma dentdade notadamente braslera, o que os faz percorrer, mutas vezes, um camnho que leva o seu espectador até as orgens bércas e afrcanas, ou mesmo orentas, do produto que é o povão braslero ; neles o telespectador é apresentado a personagens arquetípcos, grosso modo, e já assmlados pela cultura das classes domnantes do país, como o bom malandro, a mulata gostosona, o poeta do samba, etc., todos gente-boa, bons bebedores de cerveja, e o públco-alvo desses programas já está acostumado a vê-los, prncpalmente durante o Carnaval, em propagandas nas quas consomem um ou outro produto de grande apelo popular. Neste ensao, busca-se analsar o programa Manos e Mnas, usando uma abordagem polítca, cultural e tecnológca de Esensten (2002), cuja argumentação repousa em verfcar que a sequênca de magens em um programa de televsão, quando alterados, podem crar ressgnfcações de mportânca polítca. Nessa perspetva, na reflexão sobre o papel dos meda para a construção da cdadana, um dos pontos fundamentas é a dea de que as tecnologas de

130 Rosana Martns & Clauda Garrocn nformação e comuncação podem servr como ponto de alavancagem para promover o protagonsmo do receptor e a sua nclusão socal. Entretanto, ressalta-se que até pouco, os meda foram encarados sobretudo sob o ponto de vsta da capacdade domnadora exercda sobre os receptores. Fez-se questão de nocentar e vtmzar as massas e os públcos da comuncação, com explcações que am do ngênuo ao excessvamente preconcetuoso, mas partndo sempre do prncípo que os efetos conhecam uma dreção unlateral que se traduza na metáfora da agulha hpodermca. A descrção do processo de refcação do mundo empreendda pela Escola de Frankfurt tornou-se exemplo de um pensamento fascnado pelo seu própro negatvsmo. A contrbução frankfurtana 1 para o estudo das formas de subjetvação frente aos meos de comuncação é extremamente sgnfcatva, prncpalmente quando se remeta à defesa da autonoma de escolha e da auto-afrmação humana. A cultura dos meos de comuncação é hoje um lugar de ntensa luta entre os dferentes dnamsmos socas e, por consegunte, um terreno de dsputa às vcsstudes da hstóra do que apenas um campo de domnação. Com a emergente fragmentação e segmentação da audênca, a televsão não poda mas ser pensada como um sstema monolítco 2. Assm, ocorre a necessdade de promover o dálogo como fonte de mudança socal, com ênfase na produção atva, ao nvés de seu consumo passvo. Para Slverstone (2002), a cdadana no século XXI requer do ndvíduo a letura crítca dos produtos da mída e a capacdade de questonar suas estratégas. Ele consdera que conhecer o processo mdátco é fundamental para a construção de dentdades, o senso de nós mesmos no mundo e nossa capacdade de agr dentro dele. De qualquer forma não podemos dexar de reconhecer que estamos vvendo num contexto de mudanças vertgnosas, onde percebemos que novas formas de socabldade estão emergndo neste fnal de século. É precso salentar, por outro lado, que a ordem mundal não está sendo dtado apenas por necessdades de mercado, porém por uma nova conscênca que está marcando a construção de um novo tpo de soldaredade socal. Por consegunte, o consumo mdátco aparece hoje como um sstema de comuncação, um códgo de sgnos contnuamente emtdos, que compõe estlos de vda, deas e attudes a partr do qual defnmos a dentdade e nsttuímos sua consstênca. 1. Cf. Adorno & Horkhemer, 1985. 2. Cf. Kellner, 2001.

Programa manos e mnas: pratcas culturas cratvas na ressgnfcação dos terrtóros perfércos 131 Vale ressaltar, que a dvulgação e valorzação das prátcas perfércas, e sobretudo do hp-hop, pelo Manos e Mnas, se dá não apenas em função da mera presença desses sujetos no programa de TV, mas também, e prncpalmente, na forma como são conduzdos os dálogos verbas afm de preservar uma certa dentdade perférca, algo autentco, legtmo daquele terrtóro. O programa se estrutura por meo dos elementos que tende a dar voz a exemplos de sucesso da perfera, aos desempregados, aos artstas apenas localmente conhecdos; também explcta as dfculdades váras vvencadas pelos sujetos e o descudo/abandono do(s) governo(s) com relação à realdade dessas comundades. Manos e Mnas, em vsta das temátcas presentes, não se caracterza por ser apenas um programa televsvo de entretenmento, tal como assnala Granato (2011), mas atua como um formador de opnão sobre váras temátcas socas. Além do mas, o programa como observa o mesmo autor, vsualmente e sonoramente desde a vnheta até o cenáro, o fundo muscal, tem como objetvo mostrar a perfera e a sua cultura do ponto de vsta dos própros sujetos que a consttuem. Para Domnque Wolton (2006: 281) para ocorrer o processo comuncatvo, é precso que haja dentdade construída, uma vontade de ntercâmbo, uma nteração, uma lnguagem e valores comuns. O autor argumenta que a televsão se consttu como laço socal no fato de que o telespectador, ao assstr TV, agrega-se a um públco menso e anônmo, que a assste smultaneamente, estabelecendo uma espéce de laço nvsível. Compartlha-se da premssa ao afrmar que a dentdade seja construída quando o sstema de representação resultar em uma dentfcação do telespectador com o sgnfcado produzdo (Woodward, 2000). Dto de outra forma, o produto veculado pelas emssoras de televsão atualmente faz com que o telespectador se dentfque com a TV porque esta transmte exatamente aqulo que os espectadores querem assstr; ela trabalha com o desejo. Arte, Cultura Polítca e Perfera No programa Manos e Mnas, cuja temporada atual é apresentada pelo rapper Max B. O. e pela cantora e compostora Anels Assumpção (flha de Itamar Assumpção), a temátca centra-se em um segmento da juventude que

132 Rosana Martns & Clauda Garrocn se dentfca com um estlo de vda cada vez mas vsível nas metrópoles do mundo todo, prncpalmente, mas não exclusvamente, em suas perferas e cujos sujetos centras são os garotos e as garotas antenados e conectados com o que os outros Manos e Mnas estão realzando em outras cdades do planeta, tendo como elemento aglutnador a cultura hp-hop. Muto provavelmente como ocorreu com os jovens que se dentfcavam com o estlo de vda rock and roll em seus prmórdos, anda no níco da década de 1950, há pessoas nos setores mas conservadores da socedade braslera que anda acredtam que uma emssora de televsão como a TV Cultura, vetusta e tão dedcada à promoção da chamada cultura erudta, não devera expor em sua grade de horáros programas com pessoas que propagam subprodutos da ndústra cultural norte-amercana. Essa talvez tenha sdo a razão que fez o Manos e Mnas ser retrado do ar, entre os meses de agosto e novembro de 2010, durante a gestão de seu então recém-empossado presdente da Fundação Padre Ancheta, controladora da TV Cultura, o ex-mnstro do Planejamento João Sayad. O fato é que, naquele mesmo ano e somente após a moblzação de seus fãs, va redes socas, e os protestos públcos manfestados por personaldades da cena alternatva braslera, como os rappers Kamau e Emcda, alguns membros dos Raconas MC s, e os de outras personaldades de projeção naconal, como fo o caso do senador do Partdo dos Trabalhadores (PT) por São Paulo, Eduardo Suplcy, o programa voltou a ser exbdo. A bomba chega pela nternet. No blog do jornalsta Danel Castro: TV Cultura va cortar programas e demtr até 1.400. João Sayad, recentemente empossado presdente, declara que rá reduzr os custos da emssora. Para sso, o quadro de funconáros pode ser cortado em até 80% e as produções própras podem reduzr-se a apenas 30% da grade de programação, segundo as nformações dvulgadas. É a partr daí que sndcatos e funconáros começam a se mexer. Declarado o fm de alguns programas, smpatzantes se moblzam [...] Pouco antes, contudo, em attude evasva, um fax de Sayad que fo convdado, mas não compareceu à audênca envado durante a tarde a Ganazz anunca a volta dos manos, porém, reformulado. Na ocasão, Mara Améla Rocha Lopes, edtora-chefe do programa, chega a declarar que

Programa manos e mnas: pratcas culturas cratvas na ressgnfcação dos terrtóros perfércos 133 a TV Cultura [com o Manos e Mnas ] estava tratando a perfera com o devdo respeto que ela devera ser tratada. (Zoccho, 2010: 20) O programa Manos e Mnas voltou ao ar em 27 de novembro de 2010, quase cnco meses depos da sua últma exbção. Esse ncdente fo emblemátco, pos revelou um fato novo, que é o extraordnáro poder de moblzação à dsposção de jovens do mundo todo após o advento e a consoldação de certas mídas socas como dfusores, expressos e rrefreáves, de opnões, como são o twtter, o facebook, e outras mídas de menor expressão. Esta atvdade, pratcamente organzada, remeteu em algumas semelhanças com que ocorreu em alguns países árabes do Norte da Áfrca a partr de 2011. 3 Pode-se dzer que o rápdo crescmento da nformátca estara levando a socedade a um novo patamar, cuja globalzação assume um caráter comuncaconal-nformaconal. A evolução dos meos de comuncação e das tecnologas permtu que os fluxos de bens, servços, pessoas, cultura e nformação se ntensfcassem, possbltando uma maor ntegração entre os países e a socedade ao redor do mundo. No caso do programa Manos e Mnas, nota-se como bem salenta Manuel Castells (2013), ao enfatzar que, o mas mportante é a dea de artculação dos meos de comuncação tradconal de massa com os novos espaços socas oferecdos pela nternet. Nota-se com sso, um claro processo de convergênca tecnológca nteratva, e mplca a renúnca a qualquer controle vertcal que anda resta à comuncação. Dante dsso, é possível perceber que em um mundo cada vez mas tecnológco, a tendênca para que tudo se dê nesse ambente é muto grande. O acesso às dtas novas tecnologas de nformação tem permtdo que os jovens das perferas brasleras utlzem estas ferramentas de nformação e de 3. As revoltas do mundo árabe de 2011 expressaram exatamente a nsatsfação pela falta de perspectvas para o futuro em um unverso em que o desemprego predomnava, a população vva margnalzada e sem perspectvas. Assm ao se fazer uso das novas tecnologas e das mídas socas, como telefones celulares, mensagens de texto, redes socas e da nternet o Twtter era usado para a marcação de encontros pelos atvstas e para a dssemnação de nformações sobre o protesto; o Facebook era utlzado para debates, dvulgação de locas e hora dos protestos, fotos e vídeos; o YouTube serva como ferramenta de armazenamento de vídeos, a população jovem árabe alertava ao mundo péssmas condções de vda mpostas pelas polítcas públcas de governos dtatoras que há anos vnham domnando o poder. Cf. Castells, 2013.

134 Rosana Martns & Clauda Garrocn comuncação para dssemnar suas crações 4. Tal condção, salenta Jaguarbe (2006) enfraquece o domíno de grandes setores do mercado no controle de produção e dstrbução. Já a luta dos jovens brasleros é mas prosaca: eles buscam maor vsbldade, reconhecmento e também um espaço dedcado no mercado compettvo e lucratvo de entretenmento para os jovens de perferas. Estes mesmos jovens, alás, já são um ncho de mercado heterogêneo, formado em grande parte por flhos de uma classe econômca que começou a sar da pobreza absoluta há apenas alguns anos atrás. O uso das tecnologas comuncaconas parece pressupor um tpo de descentralzação da arte na medda em que os ndvíduos podem ter uma maor facldade para dsponblzar suas obras. De acordo com Santaella (2002) as mídas são nseparáves das formas de socalzação e cultura que elas promovem. Neste novo cenáro, destaca a autora, produtores de mída e consumdores nteragem de manera mprevsível e ocupam lugares não mas dstntos, como fora anterormente. Acontece, portanto, uma alteração na forma como encaramos as nossas relações com as mídas. Sendo assm, as novas mídas estaram estabelecendo um cclo cultural própro caracterzado pela nteratvdade e partcpação coletva, al processo pressupõe um novo regme polítcoeconômco onde o consumdor passa a ser também produtor, um agente atvo e que traz novos elementos ao valor econômco, e que se remete ao fortalecmento das dentdades na promoção da dversdade cultural condção está essencal para o desenvolvmento sustentável. Uma nova manera de fazer e pensar a TV A TV Cultura é reconhecda como uma emssora que se preocupa com a qualdade de sua programação, menos voltada para o entretenmento e o lazer e mas nteressada em dvulgar produções centradas em valores culturas e educaconas. TV Cultura é uma rede de televsão braslera com sede em São Paulo, captal do estado homônmo. Emssora de televsão públca e comercal fo fundada em 20 de setembro de 1960 pelos Dáros Assocados e 4. O movmento denomnado de free software, no qual o Brasl acumula algum avanço, é outra excelente evdênca de uma possível descentralzação na base do processo produtvo cratvo, propcada pelo uso de novas tecnologas. Cf. www.fsf.org.

Programa manos e mnas: pratcas culturas cratvas na ressgnfcação dos terrtóros perfércos 135 renaugurada em 15 de junho de 1969 pela Fundação Padre Ancheta, uma fundação sem fns lucratvos que recebe recursos públcos, através do governo do estado de São Paulo, e prvados, através de propagandas, apoos culturas e doações de grandes corporações. De acordo com Leal Flho (1997), as emssoras da Fundação Padre Ancheta defnem-se como nem entdades governamentas, nem comercas. São emssoras públcas cujo prncpal objetvo é oferecer à socedade braslera uma nformação de nteresse públco e promover o aprmoramento educatvo e cultural de telespectadores e ouvntes, vsando a transformação qualtatva da socedade. Dferentemente de outras de suas congêneres, como as TVs Futura e Escola, por exemplo, o snal da TV Cultura é aberto, o que lhe confere uma abrangênca terrtoral consderável e uma audênca ampla e heterogênea. Essas característcas (qualdade e abrangênca), conjugadas com o fato de ser mantda pelo governo do Estado de São Paulo, através da Fundação Padre Ancheta, faram da TV Cultura um excelente canal para a dvulgação de produções com conteúdo naconal e, enfoque em temas em torno dos problemas socas, a partr de documentáros, curtas-metragens, etc... Há mutas décadas, as perferas, favelas, subúrbos fazem parte das cdades brasleras, prncpalmente das maores, nserdas nos processos de crescmento urbanístco da moderndade. No entanto, os anos 1970 e 1980, de consoldação da televsão no Brasl, nota-se relatva nvsbldade da pobreza e da volênca nas telas da TV. A partr dos anos 1990, percebe-se que esta "ocultação"da perfera e de seus cdadãos converte-se na necessdade de "escancarar"o unverso das favelas e subúrbos, prncpalmente em notcáros que passam a nvestr na lnha sensaconalsta, como o programa Aqu, Agora, do canal de TV braslero, SBT (Sstema Braslero de Televsão). Revendo estudos acerca da representação de moradores das perferas na cultura mdátca, o que se encontra é um vasto materal que aponta para a construção de um magnáro que prvlega a margnaldade e o bandtsmo (Alvm & Pam, 2000). De acordo com Kellner (2001), a mída tende a crar, através de suas veculações, ambentes smbólcos nos quas as pessoas efetvamente vvem e se artculam. Nesse caso: magens, sons e espetáculos ajuda a urdr o tecdo da vda cotdana, domnando tempo de lazer, modelando opnões polítcas

136 Rosana Martns & Clauda Garrocn e comportamentos socas, e fornecendo o materal com que as pessoas forjam sua dentdade (Kellner, 2001: 9) Na cultura contemporânea pautada pela mída, os meos domnantes de nformação e entretenmento são uma profunda fonte e mutas vezes não percebda de pedagoga cultural: contrbuem para nos ensnar como nos comportar e o que pensar e sentr, em que acredtar o que temer e desejar. Ao longo dos anos 2000, observa-se que as experêncas na TV braslera de representação da perfera e de seus cdadãos em obras que enfatzavam dscursos menos negatvos e mas assocados a deas de dversdade cultural. Percebe-se que a manera de representar a esses terrtóros mudou com as relações entre quem produz, quem é representado e quem processa a representação. Segundo Esther Hamburger (2005; 2007), a perfera já não é mas representada uncamente como forma alegórca, até porque em mutas produções, os própros moradores de perfera partcpam como atores. No caso, o programa Manos e Mnas, exbdo pela TV Cultura, emerge como espaço de cratvdade e de produção cultural dos jovens das perferas que de uma forma passam a ganhar um status, passando de sujetos nvsíves a agentes de consumo, dvulgando roupas, músca, dança, etc. Afnal, a perfera, aqu, não tem o sentdo meramente geográfco. Trata-se da nomeação de uma dentdade construída nos últmos anos e que tem efetos nos estlos, estétcas, vínculos socas e laços afetvos das trajetóras de uma parcela dos jovens brasleros de hoje. 5 Quando a perfera ganha o centro Manos e Mnas estreou no palco do Teatro Franco Zampare em abrl de 2008, época em que a Fundação Padre Ancheta anda era presdda pelo jornalsta Paulo Markun e o seu prmero apresentador fo o rapper Rappn Hood. Nesse programa de estrea a atração prncpal fo o sambsta caroca Jorge Aragão, o que, pode-se dzer, até lhe conferu certo caráter eclétco; esse ecletsmo também era amparado pela partcpação de dos contngentes de dançarnos (crews), um formado por mennos (manos) e outro por mennas (mnas), a produção, em tempo real, de um panel do graftero Bnho, uma entrevsta 5. Cf. Novaes, 2006.

Programa manos e mnas: pratcas culturas cratvas na ressgnfcação dos terrtóros perfércos 137 realzada com uma socóloga, o depomento de um ex-detento desempregado e algumas matéras gravadas nas ruas das quebradas de São Paulo, atrações daquela note de estrea. Rappn Hood é o nome artístco de Antôno Luz Júnor, rapper paulstano nascdo no Barro do Lmão, em 1972, e crado na Vla Arapuá, Helópols, uma área perférca da cdade de São Paulo, e um dos maores expoentes da chamada cena hp-hop paulstana dos últmos tempos. Seu trabalho solo de estrea, o dsco Sujeto Homem, fo lançado em 2001, pela gravadora Trama, época na qual anda era membro do grupo Posse Mente Zulu, um dos mas mportantes grupos de rap dos anos 1990. Em 2004, Rappn Hood lançou Sujeto Homem 2, trabalho que mescla estlos muscas que vão do reggae ao samba, sem esquecer, evdentemente, do rap mas raz, e que contou com as partcpações de nomes consagrados, por públco e crítca especalzada, da músca popular braslera, como Jar Rodrgues, Caetano Veloso e Glberto Gl, para menconar alguns, e dos múscos norte-amercanos Doug Wmbsh e Wll Calhouns, da banda Lvng Colours. Outro dado mportante de sua bografa é a sua partcpação, anda na década de 1980, na equpe de bales Chc Show, como cantor, a qual ajudou a projetar o grupo Raconas MC s, reconhecdamente um dos grupos mas nfluentes do movmento e que crou uma certa aura popular, entre os ouvntes de rap, em função de letras com forte apelo socal e polítco. Segundo o ste Clquemusc, do UOL 6 : Não é o que se dz, é (prncpalmente) como se dz. Essa deve ter sdo a luznha que acendeu na cabeça do rapper paulstano Rappn Hood ao gravar seu prmero álbum, Sujeto Homem, dsco que coroa uma carrera de mas de dez anos dedcada ao hp hop. Líder do grupo Posse Mente Zulu na lnha de frente do cenáro "pós-raconas MC s"no rap paulsta Rappn Hood desfa em seu dsco todo o conhecdo rosáro de crôncas da perfera que caracterza os grupos mas engajados do estlo. O que não sgnfca que o rapper é apenas uma voz a mas a clamar por justça 6. Unverso Onlne (conhecdo pela sgla UOL) é um provedor de conteúdo e um provedor de acesso à Internet braslera, crado pela empresa Folha da Manhã, que edta o jornal Folha de S. Paulo. O UOL é atualmente o portal de nternet braslero com maor índce de audênca, sendo superado em número de acessos no Brasl somente pelo Google, pelo Facebook e pelo YouTube.

138 Rosana Martns & Clauda Garrocn socal: o mano RH tem o poder da músca a seu lado. (Barbosa, 2001) A mportânca de Rappn Hood para a vsbldade medátca do hp-hop comprova-se, também, pelo fato de ter sdo ele o apresentador de um dos prmeros quadros fxos a abordar esse gênero muscal. O quadro Mano a Mano, dentro do programa Metrópols, da TV Cultura, pode ser consderado o embrão do qual se orgnou o Manos e Mnas. Em Manos e Mnas, o rapper Rappn Hood, logo na sua prmera edção mostrou a que veo. Com todo o seu carsma e habldade na relação com o públco. Em um dos programas, anunca as caravanas, agta a platea, coloca os b-boys e b-grls (dançarnos de break) para dançarem. Ao anuncar a próxma reportagem, esta feta pela própra equpe do programa, faz uma enquete entre os presentes: Quem aqu está desempregado?, pergunta. Um monte de braços se levanta como se fosse uma ola. George Yúdce (2004), em seu lvro A Convenênca da Cultura, parte da centraldade da cultura para fundamentar a tese segundo a qual ela deve ser entendda como um recurso, como algo que é utlzado para fnaldades dversas, sobretudo em expedentes que envolvem desenvolvmento econômco, promoção da cdadana e lutas por justça socal. Manos e Mnas, aborda a perfera sem espetacularzação, além de colocar os própros artstas da perfera em cena. Isso dá uma autentcdade ao programa que o dstngue de outras ncatvas. Outro ex-apresentador do programa Manos e Mnas (abrl-dezembro de 2009), que também desfruta de grande prestígo junto ao hp-hop, responde pelo nome artístco de Thaíde, cujo verdadero nome é de Altar Gonçalves; além de apresentador, Thaíde é ator e rapper, tendo começado a fazer parte do unverso hp-hop anda nos anos 80, como dançarno de break, época em que conheceu o seu parcero de mutos projetos, o DJ Hum. O prmero trabalho exlusvamente dessa parcera, e que é lembrado em das atuas por ter feto parte da hstóra dessa cultura no país, fo o dsco Pergunte a Quem Conhece, de 1989, mas o prmero trabalho da dupla fo a nclusão de duas múscas suas em uma coletânea de nome Hp Hop Cultura de Rua, lançada um ano antes, em 1988. Thaíde atuou na sére Antôna, produzda pela Rede Globo, e no flme Caxa dos, produção de 2007 drgda por Bruno Barreto, e desde 2010 é um dos ntegrantes do programa A Lga, exbdo nas notes

Programa manos e mnas: pratcas culturas cratvas na ressgnfcação dos terrtóros perfércos 139 de terça-fera pela Rede Banderantes de Televsão, um programa que mstura jornalsmo-denúnca e doses de humor ácdo, fazendo com que os seus apresentadores vvencem a realdade dos personagens de suas matéras. Um dos atuas apresentadores do Manos e Mnas é o rapper Max B. O., nome artístco de Marcelo Slva. Esse nome fo adqurdo na época em que Max era ntegrante do grupo de rap Boletm de Ocorrênca (B.O.), meados dos anos 1990, mas o atual sgnfcado para as ncas B. O. sera Brasl Orgnal. Max B.O. também é repórter, havendo ncando essa atvdade em 2008, no programa Brothers, da Rede TV. Fo nesse programa, nclusve, que Max vu sua fama tomar proporções naconas, ao apresentar um quadro em que encarnava o personagem MC Repórter, quando se drga aos seus entrevstados usando rmas e mprovsos, como em uma performance muscal, e de mprovsar raps a partr da letura de dados pessoas de ntegrantes da platea, contdos em suas cédulas de dentdade. Em função desse reconhecdo talento, Max é consderado um dos maores expoentes de um subgênero do rap conhecdo como freestyle. Esse talento o levou a realzar parceras com alguns dos nomes do cenáro da músca mas engajada produzda no país, como Marcelo D2, O Rappa, Nação Zumb, assm como com Afrka Bambaataa, consderado um dos nomes mas mportantes do hp-hop de todos os tempos. Como o seu antecessor Thaíde, Max também partcpou da produção Antôna, a qual também contou com as partcpações do rapper Kamau e das rappers Negra L e Lelah Moreno, estas últmas também ntegram o elenco do flme. Sobre a sua partcpação na atual versão do Manos e Mnas, Max declarou: [...] Eu só exerço a função de apresentador do Manos e Mnas. As pessoas vêm me entregar CD, querem que eu leve para o programa. Mas eu vejo que alguns se aproxmam só porque eu sou o apresentador. Para não ser ndelcado com alguém na rua, eu prefer ser só o apresentador. O programa tem uma dreção muscal que decde para quem os artstas envam o materal e essa rapazada tem seus crtéros de avalação. Na reunão de pauta a gente conversa, se eu conheço, dou mnha opnão. É uma responsabldade captanear o Manos e Mnas, mas é uma cosa muto boa e quando me chamaram para fazer eu já me senta preparado. (Nascmento, 2012: s.p.)

140 Rosana Martns & Clauda Garrocn Anels Assumpção é a outra apresentadora da atual temporada do Manos e Mnas. Essa paulstana, natural do barro da Penha, é também cantora e compostora e o seu prmero regstro como artsta solo, Sou Suspeta, Estou Sujeta, não Sou Santa, fo lançado, tanto em cd como em vnl, em 2011, pela Scubdu Records e conta com a partcpação das cantoras Karna Buhr e Céu, bem como da atrz e cantora Thalma de Fretas. Os apresentadores do programa demonstram algumas qualdades muto mportantes para um comuncador, pos usam o mesmo lnguajar de seu públco, têm expressão artístca e fazem com que os convdados sntam-se como se estvessem na casa de um amgo. Talvez os hp-hoppers se preocupem em passar essa mensagem, para que a comuncação aconteça naturalmente, uma vez que a comuncação torna-se mas efcente, também, a partr do nteresse do públco na mensagem transmtda. Prncpalmente por que representam o programa, esses apresentadores são como a própra magem do programa, que permanece durante as exbções, crando um vínculo com o telespectador. Essa relação entre o programa e o públco, através da magem dos apresentadores, certamente, representa um elevado percentual de seu sucesso. O programa Manos e Mnas já é uma referênca naconal, e de qualdade, em seu segmento. Ao fazer a crônca de uma expressva parcela da população braslera que anda se vê muto pouco na televsão, o programa desfruta de uma consderável credbldade junto à sua audênca e um de seus dferencas mas sgnfcatvos, e o que pode explcar esse status, é o fato de que todos os seus apresentadores, até a presente data, são membros destacados da cena hp-hop paulstana, uma legtmação essencal quando se sabe que uma parcela sgnfcatva dessa audênca é exgente e atenta ao que ocorre nessa cena, reflexo da própra postura crítca que o movmento busca dfundr. O pluralsmo cultural e o acolhmento de deas dferentes são característcas marcantes do programa Manos e Mnas. Lá não há apenas o enaltecmento de elementos puramente hp-hop, como é comum se ver quando a questão da autoafrmação está presente. Vsão Técnca O que se pode observar no programa Manos e Mnas é que a lumnação recra os ambentes onde os jovens se encontram para ouvr o seu som. Não

Programa manos e mnas: pratcas culturas cratvas na ressgnfcação dos terrtóros perfércos 141 é um programa totalmente lumnado, mas trabalhando a falta de luz, provoca nuances no vídeo, de cores e formas não muto claras. Por recrar o ambente da rua, a platea do programa percebe-o de forma mas ntmsta e, talvez, fazer parte dessa platea seja uma experênca puramente sensoral, da qual os espectadores da exbção televsva não poderão partcpar. Ao analsar as questões relatvas ao cenáro do programa, entra-se certamente em um dos já menconados plares da cultura hp-hop, que neste caso é o grafte. O própro logotpo do programa é estlzado, com o tpo de letra que mutos grafteros utlzam em suas ntervenções. No programa podem ser vstas dversas matéras sobre a arte do grafte, assm como algumas entrevstas com grafteros. Essas matéras têm uma acetação bastante nteressante entre a audênca mas jovem e, não é raro, é possível se perceber essa lnha de lnguagem audovsual em trabalhos unverstáros. Alunos do curso de Comuncação Socal, com habltação em Rádo e TV, do Centro Unverstáro de Belas Artes, em São Paulo, desenvolveram no ano de 2012 uma pesqusa sobre o grafte para a produção de mcro vídeos de um mnuto, para serem exbdos em três tpos de telas: TV, nternet e celular. A proposta fo fazer um vdeoclpe ndvdual, com o trabalho de um graftero por epsódo. Anda no curso de Rado e TV, um aluno desenvolveu um documentáro sobre grafte, como Trabalho de Conclusão de Curso. Ambos os projetos vsam analsar academcamente não só as bases do grafte e a cultura hp-hop, mas as possbldades de utlzação da lnguagem audovsual. Por serem uma expressão artístca bdmensonal, quando da flmagem de obras do grafte, pode-se fazer necessára a utlzação de movmentos de câmera que proponham uma varredura vsual da cena, como no travellng ea panorâmca, ou a sensação de aproxmação e afastamento, própros dos zoom n e zoom out. Outra possbldade de cração da lnguagem audovsual baseada no grafte é o tratamento de quadros, partes de um todo que podem ser montadas sucessvamente, geralmente com os planos organzados de acordo com os compassos da trlha sonora. Quando se trata de uma obra audovsual é mportante se levar em consderação que, apesar do áudo e do vídeo causarem percepções dferentes em sentdos dferentes, os dos juntos, em uma mesma obra, devem sgnfcar anda uma outra letura. Segundo Ensensten:

142 Rosana Martns & Clauda Garrocn Ao se combnar magem e som, pode-se chegar à sncronzação que preenche todas estas potencaldades, ou ela pode ser construída com base numa combnação de elementos não afns, sem tentar gnorar a dssonânca resultantes entre os sons e as magens [...] É mportante ter em mente que nossa concepção de sncronzaçãonão presume concdênca. Nessa concepção exstem plenas possbldades para execução de ambos, movmentos correspondentes e não correspondentes, mas em qualquer um dos casos a relação deve ser controlada composconalmente. É evdente que qualquer uma das abordagens de sncronzação pode servr como o fator prncpal, determnante da estrutura, dependendo da necessdade. (2002: 55) Ao se observar, separadamente, os quadros do programa Manos e Mnas, e ao se estudar, prncpalmente os quadros que tratam do tema grafte, pode-se notar que a composção vdeográfca tem relação dreta com esta sncrona a que se referu Ensensten. As magens das entrevstas, ou as dos grafteros em ação, são dferencadas pela lusão da tercera dmensão e por proporconarem uma maor movmentação da câmera. No entanto, quando o objetvo é mostrar o grafte, a câmera passa a se enquadrar nos concetos dscutdos acma. Como uma das possbldades de arte públca, em um recorte metropoltano, o grafte, a prncípo, perdera em possbldades magétcas de um trdmensonal, por conta, justamente, dessa dferença do olhar e dos dferentes modos de contemplação. Mas o grafte é tão pleno de sgnfcados, trabalha traços e cores de forma tão nteressante, que a composção vdeográfca pode não perder o movmento, mas sm ganhar um rtmo adequado à produção que se pretende fazer. Conclusão O programa Manos e Mnas, do ponto de vsta formal, não chega a se consttur em um produto totalmente nédto na televsão braslera, como fo possível nferr da pesqusa realzada. Por ser um programa produzdo pela TV Cultura, a sua qualdade técnca, assm como a credbldade de seus apresentadores, quase todos ntegrantes do movmento hp-hop, são nquestoná-

Programa manos e mnas: pratcas culturas cratvas na ressgnfcação dos terrtóros perfércos 143 ves. Por terem vvencado a realdade da perfera e por serem protagonstas da cultura hp-hop no Brasl, os apresentadores representam o ponto de vsta dos moradores da perfera, caracterzando, assm, mas um traço novador do programa. É possível se constatar que a produção cultural das mnoras perfércas tem um tratamento dferente da produção padronzada pelas grandes empresas de comuncação. Trata-se da cdadana comuncatva, que sera o reconhecmento da capacdade de ser sujeto de dretos no campo da comuncação. O aumento de vsbldade que o programa Manos e Mnas vêm conferndo a rostos e vozes da perfera e, suas prátcas culturas, sua nclusão socal tanto na nteração, que torna possível a coletvzação de nteresses, necessdades e propostas, quanto na promoção de oportundades, para que esses sujetos se representem a s mesmos, uma vez que o programa abre a possbldade de deslocar sentdos fortemente arragados e, com sso, promover transformações reas. O sucesso do programa Manos e Mnas demonstra que a ntegração entre dferentes classes socas, econômcas, etnas, gerações, etc. é possível de ser alcançada, e não de forma servl ou carcata, mas respetando-se as dferenças, ntegrando-as em seus pontos de tangênca e se reconhecendo o valor do outro, anda que o outro aparente ser dferente. As dscussões que envolvem dentdade e dferença estão hoje no centro da teora socal e da prátca polítca. Assm, a partr das perspectvas dos Estudos Culturas, o capítulo buscou enfatzar que a dentdade do programa Manos e Mnas se dá no processo de nteração entre o que é ser da perfera na sua nterlgação com as prátcas dscursvas da socedade 7. Ao propor fugr de concetos homogenezantes, reconhecemos a mportânca de enchegar os dstntos modos de nserção dos jovens perfércos na vda socal e cultural, que estão caracterzados pela dversdade de socabldades e pela vontade poltca de se comuncar. Procurou-se enfatzar a pluraldade dessas redes como meo de dálogo e ntervenção socal, que ao projetar demandas e questões para além de seus contextos de orgem buscam endereça-las a um públco amplado a ponto de estabelecerem redes de soldaredade e vínculos estmulados pela reflexão coletva e crítca. 7. Cf. Hall, 2003.

144 Rosana Martns & Clauda Garrocn A mportânca da partcpação da perfera em Manos e Mnas se faz neste contexto não apenas para ocupar espaços antes domnados por representantes de nteresses econômcos, mas de estabelecer um dálogo dreto na elaboração de saberes a partr de suas experêncas. Acredta-se que através das trocas comuncatvas com as culturas perfércas urbanas é que será possível colocar em prátca competêncas, que desafando preconcetos poderão alterar percepções estgmatzantes. Referêncas Bblográfcas Adorno, T. & Horkhemer, M. (1985). A Dalétca do Esclarecmento. Ro de Janero: Jorge Zahar. Alvm, R. & Pam, E. (2000). Os jovens suburbanos e a mída: concetos e preconcetos. In R. Alvm & P. Gouvea. (Eds.), Juventude anos 90: concetos, magens, contextos (pp.13-33). Ro de Janero: Contra Capa. Appadura, A. (2004). Etnopasagens globas: notas e perguntas para uma antropologa transnaconal, n Dmensões culturas da globalzação (pp.45-68). Lsboa, PT: Teorema. Austn, J.E. et al. (2006). Socal and commercal entrepreneurshp: same, dfferent, or both?. Entrepreneurshp Theory and Practce, 30(1), Jan., 1-2. Barbosa, M.A. (2001, 29 Feverero). Mensagens numa batda dferente. Retreved from http://clquemusc.uol.com.br. Bhabha, H.K. (1994). The Locaton of Culture. London, UK: Routledge. Cadma, F.R. (2011). A Televsão, o Dgtal e a Cultura Partcpatva. Lsboa: MedaXXI. Castells, M. (2009). Communcaton Power. New York: Oxford Unversty Press. Castells, M. (2013). Redes de ndgnação e esperança: movmentos socas na era da nternet. (C. A. Mederos, Trans.). Ro de Janero, RJ: Zahar. (Orgnal work publshed, 2012). Ensensten, S. (2002). O sentdo do Flme. (T. Otton, Trans.). São Paulo: Zahar. (Orgnal work publshed, 1942).

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