AMOR E EDUCAÇÃO EM TOMÁS DE AQUINO: UM ESTUDO NO CAMPO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MEDIEVAL

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Transcrição:

AMOR E EDUCAÇÃO EM TOMÁS DE AQUINO: UM ESTUDO NO CAMPO DA HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO MEDIEVAL SANTIN, Rafael Henrique (UEM) OLIVEIRA, Terezinha (Orientador/UEM) Agência Financiadora CAPES Introdução Para iniciarmos nossas reflexões, consideramos importante destacar alguns dos pressupostos teórico-metodológicos que embasam nossa pesquisa. Nossos estudos desenvolver-se-ão sob o método da História Social, que encontrou grande divulgação com o movimento dos Annales, sistematizado na revista fundada por Marc Bloch e Lucien Febvre em 1929 (BURKE, 1997). Assim, Bloch (1965) propunha uma nova maneira de entender a produção historiográfica que tendia a uma visão interdisciplinar, isto é, apontava uma tendência de convergir estudos de diversas disciplinas para compreender a história. Um importante estudioso deste método historiográfico é Cardoso. Em Os Métodos da História (1979), este autor aponta algumas características da História Social. Dentre elas, destaca a concepção de que o objeto próprio dos estudos históricos é o homem em sociedade. Por isso o emprego do termo social para definir esta nova perspectiva. Ora, o homem em sociedade é algo profundamente complexo. Por isso, Cardoso (1979) afirma que os fundadores dos Annales instauraram uma proposta interdisciplinar para a compreensão da história como síntese do diálogo entre as diversas ciências que têm o homem e as relações sociais como foco de investigação. 1

Assim, a História Social primaria por uma síntese do saber sobre o homem e a civilização. Ao fazer isso, não afirmam que o historiador deve estabelecer uma história universal durante sua trajetória, ao contrário, valorizam o trabalho conjunto para que esse intento se realize. Assim, em nossa pesquisa realizamos um recorte sobre a História da Educação Medieval, a fim de focalizar apenas um aspecto, qual seja, o amor na Suma Teológica de Tomás de Aquino. No tocante à escolha das fontes para nossa pesquisa, concordamos com Bloch (1965) que afirma a necessidade de buscarmos o passado por meio dos vestígios que deixou à posteridade. Concordamos com alguns estudiosos do período em discussão, como Nunes (1979), Gilson (1995) e Le Goff (1995), que consideram a Suma Teológica de Tomás de Aquino a mais importante da produção intelectual medieval. Constitui-se, portanto, num documento fecundo para entendermos como esse pensador concebia o sentimento do amor. Ainda sob a influência de Bloch (1965, p. 35-36) e dos Annales, procedemos com o estudo de autores que já analisaram a Idade Média, a fim de conhecermos um pouco melhor o contexto em que a filosofia cristã e o pensamento de Tomás de Aquino se desenvolveram, bem como o andamento da pesquisa contemporânea sobre o tema. Neste sentido, podemos afirmar que a análise de nosso objeto pelo viés da História Social se constitui o caminho para alcançarmos os objetivos por nós estabelecidos. Com efeito, a concepção tomasiana de amor e suas relações com a educação na Idade Média estão imbricadas no processo histórico de desenvolvimento da sociedade medieva, sendo, portanto, importante estudar nosso objeto considerando as circunstâncias históricas. * Acreditamos que os estudos em História da Educação Medieval se justificam principalmente pela necessidade de retomarmos a leitura de obras clássicas, como as de 2

Tomás de Aquino, para a reflexão acerca da natureza humana e da formação do homem 1. As relações educativas na atualidade preocupam demasiadamente pais, educadores e pesquisadores, pois acreditam viver um momento de crise na educação, em que os envolvidos não parecem se preocupar com o crescimento de crianças e jovens. Assim, partimos do princípio de que os autores clássicos nos ajudam a pensar sobre o que é fundamental para a educação do homem enquanto ser que nasce por fazer-se. Uma das coisas importantes que os escritos de Tomás de Aquino nos ensinam é a necessidade de formar o homem para que este reflita sobre sua ação, tendo em vista o bem-comum. Parece-nos que amor, bem-comum e formação humana estão intrinsecamente relacionados no pensamento deste mestre do século XIII. Com efeito, sendo a cidade, para o teólogo/filósofo, a comunidade perfeita, segundo Oliveira (2008), os homens que vivem nela necessitam de certos valores que servem para manter a coesão social, como o amor, a tolerância, a caridade e a justiça: Desse modo, a complexidade que se estabelece no ambiente das cidades requer novos modos de relacionamento e novos sentimentos, que vão além daqueles oriundos das relações de parentesco e de linguagem. A partir de então, na medida em que os homens têm que conviver em determinado espaço, apesar dos interesses divergentes, é preciso, para se viver em comum, o amor, a tolerância, a aceitação ao próximo. Tomás de Aquino ensina que a coluna vertebral em torno da qual se estruturam todas as relações humanas é a virtude da justiça; mas o mesmo autor reconhece a insuficiência da fria justiça, que deve ser complementada pela caridade: iusticia sine misericordia crudelitas est; misericordia sine iusticia, dissolutio ( Car. Aur in Matheus, cap. 5, 1. lc. 5, apud LAUAND, 2008). Assim, a justiça e a caridade são indispensáveis ao convívio dos homens, tal como os demais sentimentos que precisam ser dirigidos e sentidos, senão por todos, ao menos pela maioria, para que a comunidade exista e sobreviva (OLIVEIRA, 2008, p. 68). 1 Oliveira (2009) tratou das contribuições de Tomás de Aquino para a reflexão acerca da formação humana em A importância da leitura de escritos tomasianos para a formação docente. Nesse artigo, a autora parte de um questionamento feito por uma aluna do curso de Pedagogia para evidenciar de que modo os textos de mestre Tomás contribuem para a formação de professores. OLIVEIRA, T. A importância da leitura de escritos tomasianos para a formação docente. Notandum, São Paulo, n. 21, p. 75-83, 2009. 3

Embora enfatize a caridade em seu artigo, como podemos observar na passagem acima, Oliveira (2008) ressalta que o amor, na concepção do teólogo/filósofo, figura entre os elementos necessários ao bem viver na cidade, na qual existe uma grande diversidade de interesses. Além disso, sabemos que a área de História da Educação Medieval está em expansão. Nesse sentido, nossa proposta pode contribuir com o desenvolvimento desta área de estudos que consideramos essencial, devido às possibilidades de análise e reflexão sobre a educação humana que podem ajudar os educadores do presente a pensarem sua ação. O amor em Tomás de Aquino: algumas reflexões inicias O amor, segundo Schoepflin (2004), constituiu-se como tema de reflexão em todos os períodos da filosofia Ocidental. Esse autor destaca que o ato de amar foi considerado, ao longo da História da Filosofia, como princípio fundamental para a compreensão da natureza humana. Dentre os principais pensadores que discutiram o amor figuram Platão, Santo Agostinho, São Boaventura, Tomás de Aquino, Rousseau, Schopenhauer, Sartre e outros. Em comum, estes teóricos tiveram a preocupação de compreender este sentimento como um dos fundamentos das relações do homem consigo mesmo, com os outros, com o mundo e com o divino. Acreditamos que a concepção tomasiana de amor guarda uma complexidade sobre a qual podemos refletir tendo em vista alguns pressupostos essenciais da teoria desenvolvida por mestre Tomás. As questões sobre o amor estão presentes na primeira seção da segunda parte (I a II ae ) da Suma Teológica (q. 26 à 28). Existem, também, Questões em outras partes dessa mesma obra que remetem à discussão do amor, como as Questões sobre a caridade (q. 23) e a amizade (q. 114), presente na segunda seção da segunda parte (II a II ae ). 4

Tomás de Aquino (1225-1274) foi membro da pequena aristocracia seu pai e um de seus irmãos eram da corte de Frederico II, dedicou-se a pregação e aos estudos filosóficos e teológicos. Ingressou na Ordem dos Dominicanos, sob forte oposição da família, e nela foi mestre em várias cidades, como Paris e Roma. Contudo, foi em Paris que realizou suas reflexões mais importantes (LAUAND, 1999). Desse modo, precisamos considerar as ideias tomasianas sobre o amor no contexto do século XIII, pois fazem parte da compreensão que mestre Tomás elaborou sobre seu tempo histórico. Em primeiro lugar, consideramos importante ressaltar que Tomás de Aquino viveu um período de muitas mudanças, evidenciadas por alguns historiadores da contemporaneidade. O século XIII, de acordo com Le Goff (2006), foi o tempo em que as cidades renasceram, impulsionadas pela retomada das atividades comerciais e pelo surgimento das corporações de ofício, que refletiam o processo de organização da vida citadina. Neste contexto, os homens passaram a se relacionar de maneira diferente. Impôs-se a eles a necessidade de serem mais tolerantes, já que na cidade deviam relacionar-se com uma considerável diversidade de pessoas (OLIVEIRA, 2008a). Ainda neste século, nasceram as Universidades, a partir da reunião de escolas numa corporação de mestres e estudantes (VERGER, 2006). Estas novas instituições trouxeram, conforme Verger (2006), uma grande contribuição para as cidades e para os citadinos, na medida em que procuravam corresponder as demandas intelectuais daquela sociedade. Tomás de Aquino envolveu-se com a Universidade e o desenvolvimento da cidade. De acordo com Nunes (1979) e Torrell (2004) ele foi um dos mais importantes pensadores 5

daquele período, tendo estudado e lecionado na principal instituição de ensino do Ocidente medieval do século XIII, a Universidade de Paris. Outro fato importante evidenciado por historiadores contemporâneos, como Nunes (1979), Le Goff (1995) e Oliveira (2002), é a relação entre o nascimento da Universidade e das Ordens Mendicantes (principalmente a Franciscana e a Dominicana) e o desenvolvimento da Escolástica filosofia própria da Idade Média, segundo Oliveira (2002). Com efeito, foi neste período em que o equilíbrio entre razão e fé, principal paradigma da Escolástica, foi sistematizado, máxime pelas obras e lições estruturadas a partir do método escolástico 2 de Tomás de Aquino. Reconhecido como o principal teórico da Escolástica (OLIVEIRA, 2005), sua compreensão de homem é-nos particularmente importante. De acordo com Lauand (1999), este mestre do século XIII concebe o ser humano como uma totalidade composta de corpo e alma 3, diferentemente dos pensadores que se inspiravam principalmente no neoplatonismo para afirmar a separação entre a matéria e o espírito 4. 2 De acordo com Verger (1990), o método escolástico era constituído de duas práticas: a lectio e a disputatio. Na primeira, os mestres e estudantes liam e analisavam as autoridades, isto é, as obras clássicas de cada disciplina. A segunda se caracterizava por um debate entre mestres e estudantes a respeito de temas que lhes eram pertinentes e à luz das autoridades conhecidas na lectio. A disputatio tem as seguintes características estruturais: primeiro, fixa-se o problema, depois, elabora-se uma hipótese, em seguida, fazem-se objeções para confirmar a hipótese. Às admoestações seguem contra-objeções e a estas a elaboração da resposta pelo mestre, que respeita as posições defendidas no debate. Por fim, dão-se respostas às objeções (NUNES, 1979). 3 Esta ideia sobre a alma Tomás de Aquino emprestou de Aristóteles, assim como as noções de potência e ato. Conforme ressalta Oliveira (2005), um importante fato que influenciou a obra de Tomás de Aquino foi a recepção de parte da obra de Aristóteles no século XIII. Alguns dos principais livros do Filósofo eram estudados sistematicamente em Paris, cuja Universidade era referência no ensino da filosofia. Alberto Magno, mestre de Tomás de Aquino, foi um dos principais responsáveis pela recepção de Aristóteles no Ocidente cristão do século XIII, pois desenvolveu traduções latinas das obras do pensador grego. 4 Dentre os grandes mestres que seguiam esta corrente neoplatônica destacamos Boaventura de Bagnoregio, teólogo franciscano. Também foi mestre da Universidade de Paris, assim como o dominicano Tomás de Aquino, seu adversário no campo da teologia. Segundo ele, a alma mantém-se separavelmente unida ao corpo, isto é, de um lado está a substância corporal e de outro a substância espiritual que formam o homem (BOAVENTURA DE BAGNOREGIO, Itinerário da Mente para Deus, II, 2). BOAVENTURA DE BAGNOREGIO. Itinerário da mente para Deus. In:. Escritos filosóficos-teológicos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999, p. 291-348. 6

Esta concepção é importante para entendermos as análises feitas pelo teólogo/filósofo acerca das paixões da alma. Na Questão O Sujeito das Paixões da Alma (ST, I a II ae, q. 22), o autor afirma: Daí que a paixão propriamente dita não possa convir à alma senão acidentalmente, quer dizer, enquanto o composto humano sofre (TOMÁS DE AQUINO, ST, I a II ae, q. 22, a. 1). Como podemos observar, as paixões em si não convém à alma, mas se considerarmos que o homem é uma totalidade composta de corpo e alma, aí sim pode haver paixões na alma. Tomás de Aquino conta onze (11) paixões na alma: amor e ódio, desejo e aversão, alegria e tristeza, esperança e desespero, temor e audácia e, por último, a ira (TOMÁS DE AQUINO, ST, I a II ae, q. 23, a. 1). O amor é, segundo o autor, a primeira na hierarquia das paixões, pois todo aquele que age, [...] age por amor (TOMÁS DE AQUINO, ST, I a II ae, q. 27, a. 6, c.). Deste modo, acreditamos que as categorias de potência, ato, intelecto e vontade são igualmente importantes para entendermos o amor no pensamento de mestre Tomás. De acordo com Gilson (1995), potência na perspectiva desse pensador é a possibilidade de ser alguma coisa e ato corresponde a atualização da potência, ou seja, é o ser-em-ato. Gilson (1995) ainda esclarece que o homem, segundo o teólogo/filósofo, caracteriza-se por duas potências fundamentais: o intelecto e a vontade. Pela primeira podemos aprender e pensar e seu objeto próprio é a verdade. Pela segunda nós podemos agir, tendo como objeto próprio o bem. Estas duas faculdades estão interligadas pelo livrearbítrio, de modo que, assim, os homens podem refletir sobre suas ações e determinar objetivos e meios para alcançá-los. Um dos atos fundamentais implicados neste processo de agir refletidamente, segundo Tomás de Aquino é o consentimento. Na Questão O consentimento, que é ato da vontade, comparado com aquilo que é para o fim (ST, I a II ae, q. 15), o teólogo/filósofo discute o ato de consentir, pelo qual o homem dá sentido às coisas. 7

No primeiro artigo, em que mestre Tomás explica que o consentimento é ato da vontade faculdade pela qual o homem age para alcançar o bem (GILSON, 1995), o autor afirma: consentir implica a aplicação do sentido a algum objeto (TOMÁS DE AQUINO, ST, I a II ae, q. 15, a. 1, c.). Entendemos que consentir é, para o autor, o ato da vontade pelo qual o homem dá significado a tudo que o cerca. Nesse sentido, podemos dizer que, na perspectiva tomasiana, consentir envolve a relação intelecto-vontade na reflexão sobre os atos humanos. Isto pode ser verificado no questionamento que o autor faz a respeito da existência, ou não, de consentimento nos animais irracionais. Afirma que não há consentimento nos animais irracionais porque consentir é próprio do que tem domínio sobre a potência apetitiva (TOMÁS DE AQUINO, ST, I a II ae, q. 15, a. 2, c.). Como podemos observar, dar significado às ações é próprio dos seres capazes de dominar o apetite, que se chama vontade no homem. O domínio da vontade, conforme mestre Tomás, é possível por meio do intelecto. Esta afirmativa pode ser ilustrada com o exemplo das paixões da alma. Na Questão O Bem e o Mal nas Paixões da Alma (ST, I a II ae, q. 24) o autor questiona se há bem e mal moral nas paixões da alma. Explica que só pode haver bem e mal moral nas paixões da alma na medida em que estas estão relacionadas à razão, a qual cabe a decisão sobre o que é bom e o que é mau. Desta maneira, amar e odiar só se constituem num mal quando, pela razão, o homem decide amar ou odiar de maneira inconveniente do ponto de vista do bem comum. Nessa perspectiva, podemos refletir sobre a importância da dimensão educativa do amor para mestre Tomás. Com efeito, esse sentimento é, para ele, um dos pilares essenciais da sociedade, no sentido de que perpassa todas as relações dos homens com o mundo. Como o homem, conforme o autor, é um ser em potência, não nasce sabendo amar convenientemente. Necessita, portanto, de ser educado para amar. 8

Deste modo, acreditamos que a importância da educação na perspectiva tomasiana reside justamente na relevância deste processo para o desenvolvimento individual e coletivo. Com efeito, segundo Puelles (1983), a educação para Tomás de Aquino significa o aprimoramento das potências humanas. Assim, parece-nos particularmente intrigante a possível relação entre amor e educação em mestre Tomás, já que cabe a inteligência o papel de orientar as paixões da alma para o que é conveniente. Referências BLOCH, M. Introdução à história. Lisboa: Gráfica Imperial, 1965. BURKE, P. A Escola dos Annales (1929-1989): a Revolução Francesa da historiografia. São Paulo: Fundação Editora da UNESP, 1997. CARDOSO, C. F. S. Os métodos da história. Rio de Janeiro: Edições Graal, 1979. GILSON, E. A filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1995. LE GOFF, J. Cidade. In: ; SCHMITT, J.-C (orgs.). Dicionário Temático do Ocidente Medieval. Bauru : Edusc, 2006. p. 219-236. LE GOFF, J. Os intelectuais na Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 1995. NUNES, R. Capítulo IX A escolástica. In:. História da Educação na Idade Média. São Paulo: Edusp, 1979, p. 243-286. OLIVEIRA, T. O ambiente citadino e universitário do século XIII: um lócus de conflitos e novos saberes. In: (org.). Antiguidade e Medievo: Olhares Histórico-Filosóficos da Educação. Maringá: Eduem, 2008a. OLIVEIRA, T. Escolástica. São Paulo: Editora Mandruvá, 2005. OLIVEIRA, T. Considerações sobre o caráter histórico da escolástica. In: (org.). Luzes sobre a Idade Média. Maringá: EDUEM, 2002. p. 47-64. OLIVEIRA, T. O ensino da caridade: uma virtude para o bem comum sob o olhar de Tomás de Aquino. Notandum, São Paulo, n. 18, p. 67-80, 2008. PUELLES, A. M. La formación de la personalidad humana. Madrid: Ediciones Rialp S.A., 1983. 9

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