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Transcrição:

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL IV SEAD - SEMINÁRIO DE ESTUDOS EM ANÁLISE DO DISCURSO 1969-2009: Memória e história na/da Análise do Discurso Porto Alegre, de 10 a 13 de novembro de 2009 O DISCURSO ARTISTICO DA/NA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL: UM ESTUDO DA MATERIALIDADE CONTEMPORÂNEA NECKEL, Nádia Régia Maffi nregia@cni.unc.br Mestre em Ciências da Linguagem Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) Doutoranda em Lingüística - Instituto de Estudos da Linguagem IEL (UNICAMP)/SP Professora da Universidade do Contestado (UnC)-Campus Canoinhas SC A produção audiovisual contemporânea constitui-se em uma materialidade singular (uma materialidade que desfaz dicotomias). O vídeo contemporâneo não se deixa aprisionar por análises rígidas e apriorísticas, categorizar determinada produção como documentário, curtametragem ou vídeo-arte, não especializa o gesto de interpretação, por isso, dificilmente, as teorias estabilizadas dão conta de compreender o funcionamento e os deslizamentos de sentido. O dispositivo teórico-analítico da AD especializa a compreensão da materialidade audiovisual e rompe epistemologicamente com a rigidez metodológica e a redução estilística. A perspectiva discursiva na leitura/interpretação de imagens e/ou produção artística contribui, produtivamente, para a compreensão da produção e dos deslocamentos de sentidos presentes em materialidades singulares como, por exemplo, vídeo. A reflexão que se apresenta faz parte das formulações da Tese de doutoramento em Lingüística, tendo como corpus de pesquisa e análise materiais audiovisuais inscritos e circunscritos pelo Discurso Artístico. Tal

pesquisa pretende propor um estudo do vídeo enquanto uma discursividade contemporânea tomando, como ponto de partida as formulações de Michel Pêcheux a respeito das necessidades analíticas das novas discursividades, tendo como ancoragem seu texto O Papel da Memória nas proposições sobre a imagem. Assim, busca-se nas as noções fundantes da AD, bem como, nas formulações acerca das diferentes materialidades, os dispositivos necessários para análise das discursividades contemporâneas. A própria epistemologia da AD conta, em seu tripé teórico, com as marcas de sentido do/no momento histórico. É este mesmo materialismo histórico que nos coloca frente a frente com a imbricação material. A contemporaneidade sustenta-se sobre imbricações. O vídeo como uma das formas contemporâneas de produção de sentido, nos toma em meio ao bólido de materialidades expressivas. Temos uma materialidade ao mesmo tempo visual, sonora e verbal que nos provoca esteticamente de forma diferenciada, aguça-nos os sentidos. A desestabilização própria das produções contemporâneas e a cultura multimidiática, como acontecimento do nosso século, é uma realidade dotada de complexidades, na qual a segurança das categorizações, nomeações e rotulações, são postas a prova. Lidar com essas condições de produção da contemporaneidade é lidar o tempo todo com a condição de deslizamento, o sentido sempre pode ser outro. É inscrever-se num espaço-tempo sem demarcações a priori. Inúmeras formulações em AD contribuem para compreensão deste complexo material podemos citar aqui as formulações de Orlandi sobre paráfrase e polissemia, e sobre o silêncio. O conceito de Policromia formulado por Souza. A noção de Discurso Artístico e a partir desta, a formulação que perseguimos mais recentemente em nossa pesquisa, os conceitos de Tessitura e Tecedura. Um estudo complexo tal como a contemporaneidade em suas múltiplas discursividades. Tessitura e tecedura, nesta pesquisa são tomadas como funcionamento da ordem da estrutura e do acontecimento do/no corpus de análise. Tomamos por tecedura, o tecer dos dizeres no fio do discurso, na trama dos sentidos, no jogo polissêmico e no interdiscursivo. E, tomamos por tessitura, o funcionamento próprio da materialidade discursiva em sua estrutura, na forma material ou, na imbricação da matéria significante. Se discurso é estrutura e acontecimento nosso compromisso analítico tem de ir nesta direção: a de compreender esforçadamente a imbricação material da tessitura da/na tecedura destas matérias significantes não verbais. O que temos é um aparato em construção, o que é extremamente produtivo, pois não partimos do logicamente estabilizado, mas do curso, do movimento, do deslizamento, da falha. Acreditamos que pensar no funcionamento de materialidades de linguagem da arte e, nela a imagem, o gesto, o som, é perscrutar para além de sua estrutura aparente. 2

O vídeo como uma das formas contemporâneas de produção de sentido, nos toma em meio ao bólido 1 de materialidades expressivas. Temos uma materialidade ao mesmo tempo visual, sonora e verbal que nos provoca esteticamente de forma diferenciada, aguça-nos mais de um sentido ao mesmo tempo. Como esses efeitos de sentido nos provocam? O que nos desestabiliza? Qual a posição de espectação que tomamos? A desestabilização própria das produções contemporâneas e a cultura multimidiática como acontecimento do nosso século, é uma realidade dotada de complexidades, na qual a segurança das categorizações, nomeações e rotulações, são desestabilizadas. Ao propormos pensar na tecedura e na tessitura da produção audiovisual a partir de uma perspectiva discursiva, faz-se necessário que olhemos para o vídeo não mais como meros espectadores, mas como propositores, pois faz parte da constituição de sentidos do/no vídeo, o lugar da espectação, não mais como o lugar da passividade, mas da interlocução ativa. O vídeo, não mais um produto, mas um processo, um suporte expressivo, um dizer que foi e está sendo construído a partir de outros dizeres-olhares e que, a partir dele outros olhares-dizeres são possíveis. Olhar analiticamente para o vídeo, não é aceitá-lo como produto, mas como processo, como dizer em curso, como algo que não se fecha, pois o movimento de interpretação se faz na lacuna, na abertura, naquilo que vaza. Lidar com as condições de produção da contemporaneidade é lidar o tempo todo com a condição de deslizamento, o sentido sempre pode ser outro. É inscrever-se num espaçotempo sem demarcações de territórios definidos, é estar sempre numa relação de imbricação material. Apresentaremos a seguir alguns recortes retirados do corpus de análise de um audiovisual curta metragem, inscrito nas condições de produção trabalhadas até agora. Tal produção trata-se do Curta- Metragem Experimental Enigma de Um Dia de Joel Pizzini produzido em 1996 2. Todo o vídeo é tecido em meio a um bólido de sentidos, e, como é próprio dos dizeres contemporâneos; sua tessitura se dá na imbricação material. As únicas intervenções verbais se dão no início do filme em diferentes línguas e, estas línguas, em alguns momentos no decorrer do vídeo se repetem como murmúrios ao fundo da seqüência musical o que ocorre também no final. Uma metáfora da Torre de Babel? Uma marca que a língua é polifônica? Ou um lembrete de que estamos diante da linguagem que é muito mais do que comunicação? Quanto a Torre de Babel, desenhada nas primeiras seqüências nos questiona: - que língua falamos? Ou não falamos? Isso é que tematiza as primeiras tomadas do filme são diferentes pessoas, com diferentes línguas que olham a mesma imagem. A mesma imagem? São também diferentes imagens que se colocam frente a elas e a nós, na tela. Queremos entender o que eles falam. Esperamos que a imagem vista pelas personagens se revele a nós imediatamente. E, esperamos isso por que necessitamos apreender a 1 Aproprio-me aqui da expressão utilizada por Orlandi em 2004 em seu texto Interpretação: autoria, leitura e efeitos do trabalho simbólico. 2 Recentemente (2006) distribuído como material educativo pelo Instituto Arte na Escola, para o trabalho no ensino da arte nas redes de educação básica. Pode ser acessado www.artenaescola.org,br. 3

linguagem, fechar o sentido (como se isso fosse possível). Nesta seqüência de cenas, o cineasta nos provoca ao jogo dos sentidos e, somos tomados por esse jogo, estamos embrenhados na tecedura do filme. Que, a partir desse momento, não nos falará mais pela linguagem verbal, a língua que dominamos. Dominamos? O jogo acabou de demonstrar que não, a ludicidade do DA nos arrebatou, e, deste momento do vídeo em diante, correremos atrás das imagens buscando o efeito de fechamento para os sentidos na tentativa vã, de desvendar o Enigma. Desta forma, a imagem da Torre de Babel se sustenta no/pelo interdiscurso, na imbricação material de palavras e imagem em movimento na tessitura do vídeo. Na tecedura, o funcionamento da memória discursiva enquanto pré-construído. É no interdiscurso que a tecedura se sustenta na seqüência das cenas. E mesmo que não tenhamos acesso, é no funcionamento histórico que essa imagem (da torre de Babel) já está lá, na opacidade da seqüência das cenas. Pêcheux em seu texto La langue introuvable nos lembra que o mito de Babel apresenta a divisão das línguas que coincide com o começo do estado unitário, aqui no vídeo essa impossibilidade do único, trabalha no espaço de imbricação material e o faz recorrendo a essa imagem ausência-presença do interdiscursivo. O inatingível agora é essa imagem, a imagem de um quadro, ou, a imagem-memória que tornou possível o pintor dizer o quadro. A qual, nós, espectadores não temos acesso. E quais são nossos acessos permitidos? Deparamos-nos, aqui, não apenas com as fronteiras de língua, mas com a posição fronteiriça de diferentes materialidades, próprio do discurso na contemporaneidade. Avançando um pouco mais, vídeo adentro, temos outras cenas, desta vez não na tessitura aleatória, não mais seqüencial. Tais frames nos parecem produtivos para pensarmos o funcionamento interdiscursivo, na posição do sujeito personagem do vídeo. Os frames apresentam a personagem em primeiro plano, closes e primeiríssimo plano enfocando a personagem principal do filme a que se pretende produzir o efeito de reflexão e pensamento da personagem no que diz respeito às imagens e sensações que a cercam. E, mais uma vez, é pelo funcionamento da imagem enquanto operador da memória social 3, enquanto interdiscurso que o dizer se sustenta. Em diversas passagens do vídeo outros textos da história da arte se fazem presentes, para a construção de sentidos. Como o caso da personagem principal, o Zelador e o Pensador de Rodin. Os sentidos produzidos pela imagem do vídeo do Pensador à personagem não se dão pela forma da estrutura da imagem (forma física Pensador = forma física da personagem), ou seja, não pela paráfrase, mas por um processo de polissemia, no movimento de sentido é mais opaco provocado pela sutileza das imagens. Desta forma, aqui se delineia uma das questões importantes em considerar quanto ao processo de tecedura e tessitura do vídeo. Interdiscurso e intertexto funcionam na imbricação material entre a memória e o texto. O texto como unidade de sentido. Na matéria audiovisual essa questão da intertextualidade é 3 Como nos ensina Pecheux em seu texto O papel da memória. 1999. 4

tocada pelo interdiscurso, mas, no entanto reforçada pelas marcas discursivas nas formas utilizadas nos frames. Em outros recortes, como por exemplo, a textualização de Tarsila do Amaral no vídeo, o funcionamento parafrástico reforçado pelo efeito de enquadramento e recorte da imagem. Tarsila é parafraseada não só na imagem dos operários, mas no funcionamento interdiscursivo sendo a personagem principal também um operário. Outro movimento intertextual está nas imagens do surrealismo como nas imagens abaixo, em enunciados que recorrem à textos de Dali e Magritte. O caráter intertextual se apresenta nos recortes das imagens pelo movimento de paráfrase das formas. As formas são parafraseadas no texto-imagem ora por um detalhe na composição, ora por um movimento de câmera. É o que acontece, também, nos enunciados que textualizam as composições de Volpi. É pelo movimento de câmera que a ausência da perspectiva é trabalhada, o que nos remete ao interdiscursivo. Já as bandeirinhas são textualizadas nos lambrequins e fachadas das construções que estão sendo filmadas. Temos a consciência da imbricação material deste corpus e, que portanto, o som também significa, por outro lado, reconhecemos a impossibilidade de dar conta analiticamente desta imbricação em tão pouco tempo. Igualmente, existem outros recortes possíveis para trabalhar as noções as quais nos propusemos, mas, o tempo exíguo, não nos permite. Existem muitos desafios pela frente e uma necessidade ímpar de aprofundar a análise de tais materialidades, este é nosso intento de tese. Por isso, pretendemos nos ocupar desta, e, de outras questões pertinentes a imagem-memória e de outros olhares por vir. Como nos ensina Gallo, temos a cada movimento analítico apenas o efeito de fecho. REFERÊNCIAS ANDREW, James Dudley, As principais teorias do cinema: uma introdução. Tradução Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2002. ARNHEIM, Rudolf, Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora. Tradução Ivonne de Faria. São Paulo: Pioneira Thomson Learning, 2002. BOLOGNINI, Carmen Zink (org.) Discurso e ensino: o Cinema da Escola Campinas, SP: Mercado de Letras, 2007. CARRIÉRE, Jean-Claude A linguagem secreta do Cinema Tradução Fernando Albagli e Benjamin Albagli 1.ed. especial. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2006. GALLO, Solange Leda, Autoria: questão enunciativa ou discursiva? In: Linguagem em (Dis)curso/ Universidade do Sul de Santa Catarina. V. 1, n.1 (2000) Tubarão: Ed. Unisul, 2000 v.1, n.2 p. 1-364, jan./jun. 2001. LAGAZZI- RODRIGUES, Suzy in: MORELLO, Rosângela (org.) Giros na Cidade: materialidade do espaço. Campinas: LABEURB/NUDECRI UNICAMP, 2004. NECKEL, Nádia Régia Maffi. Do discurso artístico à percepção de diferentes processos discursivos. Dissertação de Mestrado. Unisul Universidade do sul catarinense Floranópolis, SC, 2004. ORLANDI E. Discurso e Texto: formação e circulação dos sentidos Campinas SP: Pontes, 2001. Análise de discurso: princípios e procedimentos. Campinas, SP: Pontes, 1999.. A linguagem e seu funcionamento: as formas do discurso. Campinas SP: Pontes, 1987. 5

. Efeitos do verbal sobre o não verbal. Rua (Revista do Núcleo de Desenvolvimento da Criatividade) Nº. 01 Unicamp Campinas, SP, 1995. PÊCHEUX, Michel Discurso: Estrutura ou acontecimento. Trad. Eni Puccinelli Orlandi São Paulo: Pontes, 1997.. DAVALLON, Jean. ACHARD, Pierre. DURRAND Jacques. ORLANDI Eni. O Papel de Memória. Trad. José Horta Nunes. Campinas, SP: Pontes, 1999.. Semântica e Discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. Trad. Eni Puccinelli Orlandi Campinas SP: Unicamp 1988. RAMOS, Fernão Pessoa (org.) Teoria contemporânea do cinema. Vol.II São Paulo: Ed. Senac, 2005. XAVIER, Ismail, O discurso cinematográfico: a opacidade e a transparência, 3ª Edição São Paulo, Paz e Terra, 2005. 6