Enunciados Quantificados Equivalentes Renata de Freitas e Petrucio Viana IME, UFF Junho de 2014
Sumário Equivalência de enunciados quantificados. Aplicação da noção de interpretação para decidir quando dois enunciado simbolizados são equivalentes ou não. Justificativa para não equivalência de dois enunciados.
Equivalência de enunciados quantificados De maneira análoga ao que acontece com enunciados formados por meio de conectivos, dependendo de como entendemos o significado de um enunciado quantificado, ele pode ser simbolizado de mais de uma maneira.
Exemplo 1 O enunciado ninguém é feliz pode ser interpretado como todos são infelizes se admitimos que ser infeliz é a negação de ser feliz.
Exemplo 1 Neste caso, de acordo com a legenda F (x) : x é feliz o enunciado ninguém é feliz pode ser simbolizado diretamente como x[f (x)] ou indiretamente como x[ F (x)] se for interpretado como todos são infelizes.
Questão decidir se dois enunciados quantificados, simbolizados de maneira distinta, expressam ou não o mesmo conteúdo. Para os enunciados que só possuem uma ocorrência de quantificador, esta questão pode ser resolvida com o uso de interpretações.
Equivalências Sejam ϕ e ψ enunciados simbolizados. Dizemos que ϕ e ψ são equivalentes se, para cada interpretação para ϕ e ψ, os valores de ϕ e ψ são iguais.
Exemplo 2 Para interpretar os enunciados devemos determinar: x[f (x)], x[ F (x)] 1. um domínio de quantificação, D, para os quantificadores que ocorrem nos enunciados; 2. uma propriedade sobre elementos de D para ser o significado de F.
Exemplo 2 Na interpretação original para os enunciados, dada no Exemplo 1, temos que 1. o domínio de quantificação, D, consiste de todas as pessoas; 2. o significado de F é a propriedade ser feliz. Mas, além desta, podemos definir muitas outras interpretações para x[f (x)] e x[ F (x)].
Exemplo 2 Por exemplo, 1. D consiste de todos os animais; 2. F é a propriedade ser bípede. ou ainda 1. D consiste de todos os números reais; 2. F é a propriedade ser irracional. etc.
Enunciados equivalentes Sejam ϕ e ψ enunciados simbolizados que possuem ocorrência(s) de quantificador(es) e ocorrências de propriedades dentre P 1, P 2,..., P n. Dizemos que ϕ e ψ são equivalentes se, para qualquer interpretação conjunta para ϕ e ψ ou seja, qualquer domínio de avaliação D associado simultaneamente a todos os quantificadores e quaisquer significados para as propriedades P 1, P 2,..., P n em D temos que o valor de ϕ é igual ao valor de ψ.
Problema da equivalência de enunciados Dados dois enunciados, queremos classificá-los como equivalentes ou não.
Exemplo 3 Os enunciados x[f (x)] e x[ F (x)] são equivalentes. De fato: Considere um domínio de avaliação D qualquer e uma propriedade qualquer em D, representada por F. Temos que: x[f (x)] é V se, e somente se, x[f (x)] é F se, e somente se,
Exemplo 3 F (x) é F, para todos os valores que x pode assumir em D se, e somente se, para todos os valores que x pode assumir em D, F (x) é F se, e somente se, para todos os valores que x pode assumir em D, F (x) é V se, e somente se, x[ F (x)] é V.
Exemplo 3 Assim: x[f (x)] é V se, e somente se, x[ F (x)] é V. Daí: x[f (x)] é F se, e somente se, x[ F (x)] é F. Ou seja, x[f (x)] e x[ F (x)] têm os mesmos valores nas mesmas interpretações.
Exemplo 4 De maneira similar, podemos garantir que os enunciados x[f (x)] e x[ F (x)] são equivalentes. De fato: Considere um domínio de avaliação D qualquer e uma propriedade qualquer, representada por F, em D. Temos que: x[f (x)] é V se, e somente se, x[f (x)] é F se, e somente se, F (x) é F, para ao menos um dos valores que x pode assumir em D se, e somente se,
Exemplo 4 para ao menos um dos valores que x pode assumir em D, F (x) é F se, e somente se, para ao menos um dos valores que x pode assumir em D, F (x) é V se, e somente se, x[ F (x)] é V
Exemplo 4 Assim, x[f (x)] é V se, e somente se, x[ F (x)] é V. Daí, x[f (x)] é F se, e somente se, x[ F (x)] é F. Ou seja, x[f (x)] e x[ F (x)] têm os mesmos valores nas mesmas interpretações.
Observação O critério utilizado nos exemplos anteriores pode ser convertido em um método para justificar que certos enunciados não são equivalentes. De fato, como: dois enunciados simbolizados são equivalentes quando possuem os mesmos valores em qualquer interpretação, temos que: dois enunciados simbolizados não são equivalentes quando possuem valores diferentes em alguma interpretação.
Enunciados não-equivalentes Sejam ϕ e ψ enunciados simbolizados que possuem ocorrência(s) de quantificador(es) e ocorrências de propriedades dentre P 1, P 2,..., P n. Dizemos que ϕ e ψ não são equivalentes se existe ao menos uma interpretação conjunta para ϕ e ψ ou seja, algum domínio de avaliação D, associado simultaneamente a todos os quantificadores e significados para as propriedades P 1, P 2,..., P n em D na qual o valor de ϕ é diferente do valor de ψ.
Exemplo 5 Os enunciados x[p(x)] e x[p(x)] não são equivalentes. Intuitivamente, isto é claro pois, usualmente, quando afirmamos que algum objeto possui uma propriedade não estamos querendo dizer que todos os objetos a possuam. Assim, aparentemente, é possível exibir uma interpretação conjunta para x[p(x)] e x[p(x)], na qual x[p(x)] é V e x[p(x)] é F.
Exemplo 5 Consideremos a interpretação: D : formado por todos os números naturais P : ser igual a 0 Nesta interpretação o enunciado x[p(x)] significa x(x é igual a 0) ou seja, ao menos um número natural é igual a 0 e, portanto, é V.
Exemplo 5 Já o enunciado x[p(x)] significa x(x é igual a 0) ou seja, todos os números naturais são iguais a 0 e, portanto, é F. Como exibimos uma interpretação na qual x[p(x)] e x[p(x)] têm valores diferentes, eles não são equivalentes.
Exemplo 6 Os enunciados y[p(y)] z[q(z)] e x[p(x) Q(x)] não são equivalentes. Intuitivamente, isto é claro pois, usualmente, quando afirmamos que existe um objeto que possui uma propriedade e que existe um objeto que possui uma outra propriedade, não estamos querendo dizer que o mesmo objeto possui ambas as propriedades. Assim, aparentemente, é possível exibir uma interpretação conjunta para y[p(y)] z[q(z)] e x[p(x) Q(x)], na qual y[p(y)] z[q(z)] é V e x[p(x) Q(x)] é F.
Exemplo 6 Consideremos a interpretação: D : formado por todos os números naturais P : ser par Q : ser ímpar Nesta interpretação o enunciado y[p(y)] z[q(z)] significa ou seja, y(y é par) z(z é ímpar) existe ao menos um número natural par e existe ao menos um número natural ímpar e, portanto, é V. Observe que, ao interpretarmos P(y) e Q(z) para tornarmos y[p(y)] e z[q(z)] verdadeiros, nesta interpretação, as variáveis y e z assumem valores diferentes.
Exemplo 6 Já o enunciado x[p(x) Q(x)] significa e, portanto, é F. x(x é par x é ímpar) Observe que, ao interpretarmos P(x) Q(x) para tornarmos x[p(x) Q(x)] verdadeiro, nesta interpretação, o valor de x deveria ser simultaneamente par e ímpar, o que é impossível.
Observação 1 Os raciocínios empregados nos Exemplos 3 e 4 são perfeitamente gerais. Isto é: se v é uma variável qualquer e ϕ(v) é um enunciado qualquer que possui ocorrências livres de v (e não possui ocorrências livres de nenhuma outra variável), então os seguintes pares de enunciados são formados por enunciados equivalentes: v[ϕ(v)] e v[ ϕ(v)] v[ϕ(v)] e v[ ϕ(v)]
Observação 2 Esta é uma característica comum das justificativas de que dois enunciados são equivalentes: Usualmente, um raciocínio baseado apenas nas regras de avaliação dos conectivos e quantificadores, que justifica corretamente que dois enunciados simbolizados são equivalentes, também mostra que quaisquer dois enunciados, que possuem a mesma forma que os enunciados dados, são equivalentes.
Observação 3 Por outro lado, a justificativa de que dois enunciados não são equivalentes, usualmente, não é suficiente para mostrar que quaisquer dois enunciados que possuem a mesma forma que os enunciados dados não são equivalentes.
Exemplo 7 No Exemplo 5, mostramos que x[p(x)] e x[p(x)] não são equivalentes. Mas isto não nos autoriza a concluir de imediato que, dadas uma existencialização e uma generalização, elas não são equivalentes. De fato, os enunciados x[p(x) P(x)] e x[p(x) P(x)] são equivalentes, embora, em um certo sentido, possuam as mesmas formas que x[p(x)] e x[p(x)].
Exemplo 7 Para justificar esta afirmação, considere D um domínio de avaliação qualquer e P uma propriedade qualquer, em D. De acordo com as regras de avaliação do, do, do e do, temos que: x[p(x) P(x)] é V se, e somente se, o enunciado P(x) P(x) é V para ao menos um dos valores que a variável x pode assumir em D (1) se, e somente se,
Exemplo 7 F se, e somente se, para todos os valores que a variável x pode assumir em D o enunciado P(x) P(x) é V (2) se, e somente se, x[p(x) P(x)] é V.
Exemplo 7 Na justificativa anterior, usamos o fato de que o enunciado P(x) P(x) é uma contradição para qualquer valor que a variável x assuma em D. Assim, (1) e (2) são F. Logo, x[p(x) P(x)] é V se, e somente se, x[p(x) P(x)] é V, ou seja, os enunciados são equivalentes.
Método para equivalência de enunciados Sejam ϕ e ψ enunciados simbolizados que possuem ocorrência(s) de quantificador(es) e de propriedades dentre P 1, P 2,..., P n. Para justificar que ϕ e ψ são equivalentes, podemos executar os seguintes passos: 1. Considerar uma interpretação conjunta genérica para ϕ e ψ, formada por um domínio de avaliação genérico, D, e n propriedades genéricas, representadas por p 1,..., p n, em D. 2. Utilizar as regras de avaliação dos conectivos e quantificadores para justificar que ϕ é V se, e somente se, ψ é V. 3. Se o Passo 2 terminar com sucesso, então ϕ e ψ são equivalentes.
Observe o peso que é dado à palavra genérico, na descrição geral deste método. Aqui, a palavra genérico é empregada para salientar que: Os raciocínios apresentados na justificativa de que dois enunciados simbolizados são equivalentes devem ser baseados apenas nas regras de avaliação dos conectivos e quantificadores e não, por exemplo, em nossa intuição e/ou imaginação.
Método para não-equivalência de enunciados Sejam ϕ e ψ enunciados simbolizados que possuem ocorrência(s) de quantificador(es) e de propriedades dentre P 1,..., P n. Para justificar que ϕ e ψ não são equivalentes, podemos executar os seguintes passos: 1. Considerar uma interpretação conjunta específica para ϕ e ψ, formada por um domínio de avaliação específico, D, e n propriedades específicas, representadas por P 1,..., P n, em D. 2. Utilizar as regras de avaliação dos conectivos e quantificadores para justificar que ϕ e ψ possuem valores diferentes nesta interpretação. 3. Se o Passo 2 terminar com sucesso, então ϕ e ψ não são equivalentes.
Observe o peso que é dado à palavra específico, na descrição geral deste método. Aqui, a palavra específico é empregada para salientar que: Os raciocínios apresentados na justificativa de que dois enunciados simbolizados não são equivalentes deve ser baseado nas regras de avaliação dos conectivos e quantificadores mas pode, também, ser baseado em nossos conhecimentos específicos sobre um determinado domínio de objetos. Na verdade, neste caso, utilizamos nossa intuição, imaginação e/ou conhecimentos específicos, quando estamos elaborando uma interpretação determinada, baseada na qual raciocinamos empregando as definições para mostrar que os enunciados podem possuir valores diferentes.
Exercícios 1. Mostre, usando interpretações, que os enunciados a seguir são equivalentes: (i) x[p(x)] e y[p(y)] (ii) x[p(x)] e y[p(y)] 2. Mostre, usando interpretações, que os enunciados a seguir não são equivalentes. (i) x[p(x) Q(x)] e y[p(y)] z[q(z)] (ii) x[p(x) Q(x)] e y[p(y)] z[q(z)]