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Transcrição:

Painel Nova dinâmica levou país, da crise, a excedentes exportáveis Lucilio Rogerio Aparecido Alves, Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho e Geraldo Sant Ana de Camargo Barros* O algodão é atualmente a matéria-prima básica da cadeia têxtil nacional. O desenvolvimento inicial dessa cultura no Brasil, esteve ancorado na possibilidade de exportação. Contudo, ainda na década de 1960, o governo federal passou a promover a exportação de manufaturados, com pesados controles sobre as exportações de matérias-primas, incluindo o algodão. Aos poucos, essa restrição foi perdendo força, sendo extinta entre o final da década de 1980 e início da década de 1990, quando a abertura comercial do país se intensificou. ederaldo j. chiavegato/usp esalq Fardos de algodão prontos para serem comercializados; Itumbiara, GO, 2003 115

Foi principalmente a partir daquele período que a cultura do algodão, em nível nacional, passou a sofrer decréscimos de áreas e de produção, chegando ao seu menor valor na safra 1997/1998, mas recuperando-se nas safras seguintes. A partir daí, entretanto, o avanço da produção foi expressivo, favorecido por aspectos diversos. Ao mesmo tempo, o consumo das indústrias têxteis situadas em território nacional esteve relativamente estabilizado, contribuindo para a geração de excedentes para exportação. A partir da safra 2003/2004, o Brasil passou a ter uma importante participação na produção e exportação de algodão, em escala mundial. Até a primeira metade da década de 1990, a produção nacional ocorria em sistema de produção tradicional, intensivo em mão-de-obra e relativamente pouco técnico. Com a reestruturação recente do sistema produtivo, passou a ocorrer o desenvolvimento da cotonicultura empresarial. Nesse caso, sua abrangência se estendeu principalmente à região Centrooeste do país, mas avançou também para algumas outras regiões, como a Sudeste (Minas Gerais) e Nordeste (Bahia). Com isso, o plantio passou a ser realizado em grandes extensões, num sistema intensivo no uso de capital e tecnologia. Dessa forma, pode-se dizer que ocorreu um novo delineamento no mapa da produção interna de algodão. Houve o abandono da atividade pelos pequenos e médios cotonicultores das regiões tradicionais e a expansão da área e da produção de grandes produtores, de regiões em que o relevo permite a disseminação do sistema de produção mecanizado em todas as etapas, do plantio à colheita. Além de mudanças significativas em termos de produção, importação e exportação, não se pode deixar de citar os ganhos em qualidade do produto e produtividade da terra. Desde a segunda metade da década de 1970, a produtividade agrícola brasileira esteve em ascensão. No final dos anos 1990, com o deslocamento da produção para novas regiões, a quantidade produzida por unidade de área deu o maior salto, ultrapassando as médias obtidas pelos principais países produtores. Histórico A produção de algodão no território brasileiro é anterior à chegada dos portugueses, em 1500. Mas foi a partir dessa data que seu cultivo se intensificou, com o uso de espécies nativas e importadas (Costa e Bueno, 2004). Como exploração econômica, a história da cotonicultura brasileira remonta à época colonial, com início por volta de 1760, sendo, porém, que o setor só se desenvolveu com maior intensidade a partir da década de 1930, quando o Brasil passou a assumir o papel de importante exportador da fibra. Segundo Barbosa, Margarido e Nogueira Junior (2002), o crescimento da produção no Brasil, entre fins do século XIX e início do século XX, foi beneficiada pelos fortes fatores adversos que afetaram a cultura nos Estados Unidos, principalmente o ataque do bicudo. Nos anos seguintes, a produção e a exportação brasileiras continuaram apresentando expressivas variações, influenciadas por eventos como o envolvimento brasileiro na Guerra do Paraguai, o fim do Império, a abolição da escravidão (que desorganizou a agricultura), entre outros. Em contrapartida, o consumo nacional passou a ser crescente. No início do século XX, a produção de tecidos no mercado interno superou as importações e a industrialização se intensificou. A eclosão da 1ª Guerra Mundial (1914/1918) dificultou as exportações e importações de algodão, mas favoreceu o acelerado desenvolvimento do parque industrial brasileiro. Por volta dos anos 1920, a indústria têxtil nacional respondia por algo entre 75% e 80% da produção de tecidos de algodão consumidos no país. Também foi durante a 1ª Guerra que o governo passou a ter maior preocupação com o aprimoramento dessa cultura. Em 1915, foi criado o Serviço do Algodão no Ministério da Agricultura. Em 1924, começaram os trabalhos de melhoramento genético do algodoeiro no Instituto Agronômico de Campinas (IAC) e, por volta de 1920, teve início o aproveitamento industrial do caroço (Barbosa, Margarido e Nogueira Junior, 2002). Assim, o avanço da produção foi favorecido pela utilização de tecnologia moderna, já a partir dos anos 20 do século passado. A crise do café em 1929 criou um ambiente favorável ao algodão no Brasil. Foi o Estado de São Paulo que assumiu a liderança da produção. A 2 a Guerra Mundial fez com que a produção oscilasse fortemente e as exportações declinaram. Contudo, as vendas da indústria continuaram favoráveis, sustentadas pela mudança de clientes, passando então a agregar novos compradores, como a África do Sul, Argentina, Uruguai, Paraguai e Venezuela. Nos anos seguintes, a produção brasileira foi crescente, tendo os Estados de São Paulo, Paraná e Ceará, respectivamente, como maiores produtores. Com poucas exceções, o cultivo do algodão foi feito em pequenas propriedades, por pequenos e médios produtores, utilizando mão-de-obra familiar. Mesmo assim, o algodão firmou-se como uma cultura voltada à exportação, algo nunca visto até então na história econômica do Brasil, pois era mais comum que pequenos produtores cultivassem apenas produtos de subsistência (Coelho, 2002). No final da década de 1960, o Brasil foi o quinto maior produtor mundial, atrás da União Soviética, Estados Unidos, Índia e Paquistão. Os principais Estados produtores em 1970 eram o Paraná e São Paulo. Até os anos 70, a maior parte do algodão brasileiro sempre teve como principal destino o exterior. No ano de 1969, por exemplo, o Brasil chegou a ser o terceiro maior exportador mundial, com volume menor apenas que os dos Estados Unidos e da União Soviética. Após aquele período, houve quedas das cotações internacionais e a política econômica nacional passou a dar prioridade ao setor têxtil. Para alguns autores, 116

na maior parte do século XX, as políticas públicas sempre foram implementadas para garantir o suprimento às unidades fabris nacionais, sendo a exportação uma atividade marginal, sustentada à custa de excedentes. Com a finalidade de garantir o abastecimento interno, medidas restritivas foram tomadas nos anos de 1951, 1957 e entre 1959 e 1966, quando foram criadas as cotas de exportação. A partir do período pós-guerra, o país adotou uma estratégia de desenvolvimento assentada na promoção da industrialização, em substituição a importações. Com esse objetivo, houve manipulação nos preços agrícolas, em favor do setor industrial urbano, assim como a manutenção de câmbio sobrevalorizado e controles de preços de alimentos, para combater a inflação e seus sintomas. Aquele período é considerado por Mueller (2005) como de expansão horizontal. Em 1973, as exportações da pluma também foram proibidas, inclusive as que já estavam vendidas e armazenadas em portos, aguardando embarque. Nesse caso, o objetivo era o atendimento do programa de promoção à exportação de manufaturados, período em que as restrições envolviam proibições, controles quantitativos (contingenciamento) e incidência de impostos de exportação. Assim, as destinações de excedentes ao exterior só se tornavam viáveis mediante concessões fiscais e tributárias. Programas nesse sentido foram mantidos até o ano de 1988, época em que havia controle das exportações por meio de liberações sujeitas a autorizações prévias, estabelecimento de cotas e de impostos de exportação. A produção nacional de algodão teve expressiva oscilação entre início da década de 1980 e o ano de 1988, mas com tendência crescente. Em seguida, a quantidade produzida e a área colhida com algodão apresentaram decréscimos reconhecidamente elevados, atingindo seu menor valor no ano-safra 1997/1998. Nas safras seguintes, esses indicadores passaram a mostrar sinais de recuperação, sendo que na safra 2003/2004, a produção alcançou seu maior nível histórico (Figura 1). Entretanto, o consumo de fibra não acompanhou a queda da oferta interna e manteve-se estável, em torno do seu nível médio. Com a escassez da oferta nacional, a indústria passou a se abastecer do produto importado. Para alguns autores, a pluma era adquirida a preços menores que os do mercado interno, com o favorecimento de linhas de financiamento de longo prazo e juros internacionais baixos, além de subsidiados na origem. A queda expressiva da produção na primeira metade dos anos de 1990 e a Figura 1 Produção, exportação, importação e consumo de algodão em pluma no Brasil Mil t 1400 1300 1200 1100 1000 900 800 700 500 400 300 200 100 0 1979/1980 1980/1981 1981/1982 1982/1983 1983/1984 1984/1985 1985/1986 1986/1987 1987/1988 1988/1989 1989/1990 1990/1991 1991/1992 1992/1993 1993/1994 1994/1995 1995/1996 1996/1997 1997/1998 1998/1999 1999/ /2001 2001/2002 2002/2003 2003/2004 2004/2005 Produção Consumo Importação Exportação Fonte: Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). 117

necessidade de importação fez com que o produto oriundo de outros países ultrapassasse a produção nacional, já na safra 1992/1993, fato que se repetiu nas safras 1995/1996 e 1996/1997. Nas seguintes, houve aumentos expressivos da produção interna e conseqüente geração de excedentes exportáveis. Com isso, a importação passou a apresentar queda e a exportação, por sua vez, acréscimos a cada ano (Figura 1). Os Estados de São Paulo e Paraná foram os principais em termos de produção, determinando a dinâmica da produção nacional, até a safra 1996/1997. Esse período crítico fez com que a cotonicultura brasileira passasse por mudanças significativas, que proporcionaram uma reestruturação do segmento, com o deslocamento da produção das regiões Sul e Sudeste para, principalmente, as regiões Centro-oeste e Nordeste do país (Figura 2). Com isso, configurou-se um panorama em que a cotonicultura tradicional (Estados de São Paulo e Paraná) se viu sob ameaça, ante o desenvolvimento da cotonicultura empresarial (Estados de Mato Grosso, Goiás, Minas Gerais, Bahia e Mato Grosso do Sul). É expressiva a relação entre o acréscimo de produtividade nacional do algodão e a elevação da produtividade agrícola em todas as regiões. Esse parece ser um dos principais fatores que contribuíram para a retomada da cotonicultura nacional, além de outros que serão analisados à frente. A Figura 3 apresenta a evolução dessas variáveis, em termos nacionais: observa-se que, mesmo em períodos em que a produção foi decrescente, a produtividade aumentou. Mas foi com o advento da cotonicultura nas novas regiões que a produtividade média nacional teve seu maior salto, principalmente entre os anos de 1998 e 1999. Em termos regionais, a dinâmica da produção no Centro-oeste também parece ser dada pela produtividade, apesar de haver acréscimo na área colhida. Nas regiões Sul e Sudeste, houve queda de área e de produção, com produtividade crescente. Isso pode indicar que, num primeiro momento, os produtores menos eficientes saíram da atividade e a permanência dos mais eficientes causou ganhos iniciais na produtividade média da região. Mas foi nas regiões Norte e Nordeste que se observaram os maiores ganhos de produtividade do algodão, em anos recentes. O início da produção na Região Oeste da Bahia, em um sistema empresarial e altamente técnico, como já era observado no Centro-oeste, foi o principal fator que contribuiu para esses aumentos. Em síntese, a cotonicultura brasileira superou de forma surpreendente um período de crise, de baixa produção interna e expressiva necessidade de importações, Figura 2 Evolução da produção de algodão em caroço nas regiões Sul/Sudeste, Norte/Nordeste e Centro-Oeste Mil t 3900 3 3300 3000 2700 2400 2100 1800 1500 1200 900 300 0 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Sul/Sudeste Norte/Nordeste Centro-oeste Fonte: Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). 118

Figura 3 Evolução da produção, da produtividade e da área colhida de algodão no Brasil Mil t e ha 4500 4250 4000 3750 3500 3200 3000 2750 2500 2250 1750 1500 1250 1000 750 500 3350 3100 2850 2 2350 2100 1850 1 1350 1100 850 350 kg/ha 1965 1966 1967 1968 1969 1970 1971 1972 1973 1974 1975 1976 1977 1978 1979 1980 1981 1982 1983 1984 1985 1986 1987 1988 1989 1990 1991 1992 1993 1994 1995 1996 1997 1998 1999 2001 2002 2003 2004 Área Produção Produtividade Fonte: Instituo Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). para suprir a demanda interna de pluma e se tornar um importante produtor mundial, gerando excedentes exportáveis consideráveis, em um período de aproximadamente dez anos. Essas mudanças naturalmente fizeram-se acompanhar de outras, não menos importantes, intrinsecamente ligadas a essa nova dinâmica da produção nacional de algodão. Inicialmente, não se pode deixar de notar a mudança no perfil dos agentes econômicos envolvidos no processo produtivo. Oriundos em geral da produção de soja, esses novos produtores trouxeram para a nova cotonicultura a experiência e os hábitos negociais daquela atividade, imprimindo dinâmica empresarial até então desconhecida na cotonicultura brasileira. Beneficiamento do próprio algodão e comercialização do mesmo em pluma e não mais em caroço, antecipações de vendas e surgimento de contratos são algumas das características importantes dessas mudanças. Como conseqüência, novas formas de organização também surgiram, como associações de produtores e o desenvolvimento de programas de incentivo regionais, hoje disseminados nos principais Estados, que também tiveram e ainda têm papéis importantes a desempenhar na evolução do setor. O grau de eficiência e acerto dessas novas formas de organização privadas podem ser avaliados pela crescente força mostrada pela cotonicultura brasileira, que extrapola os campos de produção e se projeta nas negociações internacionais. A recente vitória obtida pelo Brasil no painel da Organização Mundial do Comércio (OMC) contra os subsídios norteamericanos ao produto é apenas um dos exemplos a confirmar esse fato. * Lucilio Rogerio Aparecido Alves é pesquisador do Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), (lualves@ esalq.usp.br); Joaquim Bento de Souza Ferreira Filho é professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da USP ESALQ (jbsferre@esalq.usp.br) e Geraldo Sant Ana de Camargo Barros é professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da USP ESALQ (gscbarro@esalq.usp.br). Referências bibliográficas BARBOSA, M. Z.; MARGARIDO, M. A.; NOGUEIRA JUNIOR, S. Análise da elasticidade de transmissão de preços no mercado brasileiro de algodão. Nova Economia, Belo Horizonte, MG,v. 12, n. 2, p. 78-108, jul./dez. 2002. COELHO, A. B. A cultura do algodão e a questão da integração entre preços internos e externos. 2002. 136 p. Dissertação (Mestrado em Teoria Econômica) Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Universidade de São Paulo, SP, 2002. COSTA, S. R.; BUENO, M. G. A saga do algodão: das primeiras lavouras à ação na OMC. Rio de Janeiro: Insight Engenharia, 2004. 144 p. MUELLER, C. C. Agricultura, desenvolvimento agrário e o Governo Lula. Revista de Política Agrícola, Brasília, DF, v. 14, n. 2, p. 18-36, abr./ maio/jun. 2005. 119