Da Constituição da Inglaterra - A Divisão dos Poderes Charles Louis de Secondat, Baron de Brède e de Montesquieu (1689 1755) Prof. Dr. João Miguel da Luz Rivero jmrivero@unimep.br (19) 8139-5005 A liberdade política em um cidadão é aquela tranqüilidade de espírito que provém da convicção que cada um tem da sua segurança. Para ter-se essa liberdade, precisa que o Governo seja tal que cada cidadão não possa temer outro. Quando, na mesma pessoa ou no mesmo corpo de Magistratura, o Poder Legislativo é reunido ao Executivo, não há liberdade. Porque pode temer-se que o mesmo Monarca ou o mesmo Senado faça leis tirânicas para executá-las tiranicamente. Também não haverá liberdade se o Poder de Julgar não estiver separado do Legislativo e do Executivo. Se estivesse junto com o Legislativo, o poder sobre a vida e a liberdade sobre a vida dos cidadãos seria arbitrário: pois o Juiz seria Legislador. Se estivesse junto com o Executivo, o Juiz poderia ter a força de um opressor. Estaria tudo perdido se um mesmo homem, ou mesmo corpo de principais ou de nobres, ou do Povo, exercesse estes três poderes: o de fazer as leis; o de executar as resoluções públicas; o de julgar os crimes ou as demandas dos particulares. Separação de Poderes É a técnica utilizada para restringir a amplitude de cada um dos Poderes legítimos do Estado, tradicionalmente apontados pela doutrina como Executivo, Judiciário e Legislativo, descentralizando-os, separando-os e dividindo-lhes as tarefas e funções, isto é, delimitando-lhes as respectivas competências. Funções do Estado (Cretella júnior) Elaborar a lei; Aplicá-la de ofício, a priori, evitando-se danos ao indivíduo ou à sociedade; e Aplicá-la a posteriori, mediante provocação do interessado.
Cada Poder do Estado tem uma função principal, e duas acessórias. Assim, por exemplo, o Poder Judiciário aplica a lei, ao julgar o caso concreto (função principal), mas também legisla e pratica atos administrativos (funções acessórias). Delimitação dos poderes do Estado Reconhece-se que o poder, exercido de forma concentrada e ilimitada, acarreta males tais como arbitrariedades, cometidas contra os indivíduos, corrupção e atentados contra à democracia, razão pela qual se considera necessário que deva ser delimitado e funcionalmente repartido. Origem histórica da separação dos poderes Originou-se na Revolução Constitucional da Inglaterra (a chamada Revolução Gloriosa, entre 1688 e 1689, um dos vários conflitos do século XVII, entre as estruturas feudais e o capitalismo em expansão, e que marcou o fim do absolutismo no país, substituindo-o pelo Estado liberal-capitalista), com a edição do Bill of Rights, de 1689, que limitou os poderes do rei (Guilherme de Orange, que havia derrotado Jaime II) e os equiparou aos do Parlamento, além de reconhecer a independência do judiciário; a cada órgão foram atribuídas funções determinadas, tendo sido suas idéias básicas consagradas no texto da Declaração dos Direitos do homem e do Cidadão, de 1789, promulgada na França. Sistema de freios e contrapesos Entende-se por sistema de freios e contrapesos ( checks and balances ) o modelo de divisão de poder no qual o poder político é exercido por vários órgãos independentes, de forma que a nenhum deles é permitido agir de forma isolada, sem ser submetido a controle por outro órgão de poder, e que se tem mostrado eficaz processo de prevenção do arbítrio. Classificação tradicional das funções do Estado As funções do Estado são tradicionalmente classificadas em executiva (ou administrativa), legislativa e judicial, segundo a concepção de Estado de Montesquieu (1689 1755), expresso na clássica obra O Espírito das Leis (1748). Críticas à concepção clássica de tripartição das funções do Estado A doutrina considera que a classificação tradicional não é dotada do necessário rigor científico, porque, por exemplo, as funções jurisdicional e executiva tem a mesma natureza (administrativa), diferindo apenas quanto ao modo de atuação no caso concreto, não se justificando a tripartição tradicional das funções do Estado; além disso, a ocorrência do fenômeno da interpenetração dos poderes (pelo qual o Legislativo julga, o Executivo legisla, e o Judiciário administra - funções exercidas de modo secundário), demonstra a limitada validade da
concepção tradicional. Teóricos como Georges Burdeau propõem diferente critério, baseado no grau de intensidade do poder estatal, que consiste em dividir as funções do Estado governamental e administrativa. Concepção de Burdeau A função governamental, conforme Burdeau, consiste na introdução original de questão no ordenamento jurídico, ou modificação de norma preexistente; a função administrativa consiste no exercício do poder segundo normas já estabelecidas no ordenamento jurídico. Concepção de Löwenstein A concepção de Löwenstein consiste em diferente repartição das funções do Estado, por ele denominadas estabelecimento de políticas ( policy determination ), execução de políticas ( policy execution ) e controle de políticas ( policy control ), sendo as duas primeiras identificáveis com a concepção de Burdeau, e a última, considerada por ele como o fundamento do regime constitucional, por permitir a fiscalização da atividade governamental, adequando-a à vontade popular (controle político), bem como a submissão da autoridade pública ao Poder Judiciário (controle formal). Classificação dos sistemas de governo, segundo o critério da separação dos poderes. Segundo o critério da separação dos poderes, os sistemas de governo podem ser classificados em: a) de concentração de poderes, em que não se divide o poder, que não raro passa a ser exercido de forma autoritária; b) de colaboração de poderes, em que os poderes são distintos, mas não são exercidos de forma independente, característica típica do parlamentarismo; e c) de separação de poderes, em que os poderes são distintos, e exercidos de forma independente, característica típica do presidencialismo. Enquadramento do sistema suíço. O sistema suíço é sui generis, pois consiste em um governo de Assembléia (denominado sistema convencional, porque repousa numa convenção, assinada em 01/08/1291, no cantão de Schwyz, que deu origem à Confederação Helvética, nome oficial da Suíça), com tendência a nela concentrar poderes legislativos e executivos, mas que não pode ser classificado como de completa concentração porque o Poder Judiciário é órgão dotado de independência funcional, que permite a garantia aos direitos e à liberdade. Presidencialismo origem histórica. O Presidencialismo surgiu nos Estados Unidos da América, sendo criado pelo 2º Congresso Continental de Filadélfia (1775), que conclamou os cidadãos americanos às armas e nomeou George Washington comandante das tropas; em
4 de julho de 1776 foi formalmente declarada a Independência, elaborada por um comitê de cinco membros, presidida por Thomas Jefferson; em 1787 foi proclamada a primeira Constituição dos EUA, inspirada nos ideais iluministas, que adotava a forma republicana de governo e a separação dos três poderes do Estado; George Washington foi eleito o primeiro Presidente, tomando posse em 1789. Características do Presidencialismo. O sistema presidencialista apresenta as seguintes características: a) é o sistema adotado pelas Repúblicas; b) a divisão de poderes é relativamente rígida e tal que, embora deva existir harmonia entre eles, exercem-no de forma independente e autônoma; c) o Presidente da República, órgão unipessoal, exerce as funções de Chefe de Estado, do Governo e da Administração Pública, sendo eleito em pleitos periódicos, direta ou indiretamente, por período fixo, e não pode ser destituído pelo órgão legislativo por falta de confiança, como no Parlamentarismo; d) O órgão legislativo é eleito por período fixo, não podendo ser dissolvido; e) os Ministros de Estado exercem cargo de confiança do Presidente da República, sendo dele meramente auxiliares, atuando isoladamente, em cada pasta; e f) a execução do plano de governo é de exclusiva responsabilidade do Presidente da República, que não precisa consultar os demais poderes para tal. Como ficará caracterizado o sistema em que existe um Presidente da República, legitimamente eleito pelo povo, mas que exerce seu poder de forma absolutamente centralizada, nos termos da Constituição vigente, sem que seus atos possam ser revistos pelos demais poderes? Um sistema com essas características será formalmente Presidencialista; na realidade, essa forma de exercício do poder caracteriza um sistema no mínimo autoritário, tendendo para uma ditadura. Presidencialismo principais pontos positivos e negativos apontados pela doutrina. Positivos a) funciona melhor nos sistemas em existem muitos partidos políticos, reduzindo a dependência da boa vontade do Legislativo; e b) o sistema favorece uma tomada mais rápida de decisões e a unidade de comando político. Negativos a) o sistema dá margem à ênfase exagerada da pessoa do candidato (e não de programas de governo), que não raras vezes vende bem sua imagem,
convencendo o eleitorado, e derrotando candidatos melhor preparados, mas incapazes de despertar a simpatia da opinião pública; b) a concentração de poderes nas mãos de um único órgão tende a facilitar a prática de atos autoritários e, não raro, de corrupção; e c) apresenta dificuldades para solucionar conflitos sociais ou políticos relevantes. Parlamentarismo origem histórica. O Parlamentarismo é sistema de governo que se vem desenvolvendo e aprimorando desde o século XVII, quando a Revolução Gloriosa, de 1688, de que resultou a delimitação dos poderes da monarquia, mediante a atribuição ao Parlamento, do poder de elaborar leis, inclusive tributárias. Características do Parlamentarismo. O sistema parlamentarista apresenta as seguintes características: a) é o sistema adotado pelas monarquias constitucionais; b) os Poderes Legislativo e Executivo são interdependentes, sendo somente o Judiciário um poder completamente autônomo; c) o Poder Executivo é exercido pelo chefe de Estado (o Rei ou o Presidente), que representa o país, e pelo Chefe de Governo (Primeiro-Ministro ou Presidente do Conselho), indicado pelo Chefe de Estado, consistindo a chamada estrutura dualista do Executivo; d) o Chefe de Governo indica os demais Ministros, cuja investidura depende da confiança do legislativo, e que governam de forma colegiada, e) a indicação do Chefe de Governo depende da aprovação de seu plano de governo pelo órgão legislativo, que assume a responsabilidade política por sua execução, traço marcante do Parlamentarismo; f) o Governo depende da confiança do parlamento, podendo ser por ele destituído; e g) a apuração do grau de confiança do povo no Parlamento faz-se mediante sua dissolução, que provoca o rompimento de coligações partidárias, convocando-se eleições extraordinárias, destinadas a escolher novos representantes. Parlamentarismo - principais pontos positivos e negativos apontados pela doutrina Positivos: a) existe, em princípio, melhor entendimento entre o Governo e o Parlamento, porque os Ministros escolhidos representam a corrente preponderante, no órgão legislativo, no momento de sua escolha; b) o Parlamentarismo é um sistema de tomada de decisões mais maleável, o que possibilita atuar com eficiência na solução política de crises; e c) o Parlamentarismo é sistema mais sensível às exigências sociais e políticas da sociedade.
Negativos: a) a velocidade de tomada de decisões pode ficar excessivamente reduzida em virtude do exaustivo processo de discussões e comprometimentos, devido às coligações partidárias; e b) no caso de pluripartidarismo, o sistema resulta em governo instável, fraco e ineficaz, sempre suscetível de alteração nas composições entre os partidos. Espécies de Parlamentarismo. O Parlamentarismo pode ser de duas espécies: a) dualista, quando a Constituição do gabinete depende da vontade do monarca, e sua manutenção, do apoio do Parlamento; e b) monista, quando o gabinete é constituído por parlamentares pertencentes à corrente política que dispõe de maioria na casa legislativa, e não da vontade do monarca, e sua permanência também somente depende do apoio do parlamento. O que é a chamada racionalização do Parlamentarismo? O pluripartidarismo e a extensão do direito de voto à população em geral provocaram crise nos sistemas parlamentaristas, pela instabilidade dos gabinetes; visando assegurar a estabilidade do sistema e aumentar sua eficácia, procurou-se consolidar regras jurídicas em Constituições escritas, de caráter rígido, tendência que ficou conhecida como a racionalização do Parlamentarismo. Parlamentarismo no Brasil. A Emenda Constitucional nº 4, de 02/09/1961 (Ato Institucional), feita à CF de 1946 instituiu o Parlamentarismo no Brasil, cabendo a João Goulart a Presidência da República e Tancredo Neves a Presidência do Conselho de Ministros; essa forma de governo perdurou até 23/01/1963, quando a EC nº 6 restabeleceu o presidencialismo. No entanto, a emenda constitucional previa também a realização de um plebiscito no início de 1965, nove meses antes do fim do mandato de Jango, para decidir sobre a manutenção do sistema parlamentarista ou o retorno ao sistema presidencialista. Em 15 de setembro foi aprovada a antecipação do plebiscito para 6 de janeiro de 1963. Após o plebiscito, o sistema presidencialista foi escolhido. Num eleitorado de quase 18 milhões, quase 12 milhões compareceram as urnas: o presidencialismo obteve 9.457.448, e o parlamentarismo apenas 2.073.082 votos. Sistema Diretorial. Sistema Diretorial (ou convencional, ou, ainda, governo de Assembléia) é o sistema de governo em que a elaboração e a aplicação das leis estão
concentradas em um único Poder; em outras palavras, não há separação entre o Poder Executivo e o Legislativo, somente entre o Poder Legislativo e o Poder Judiciário. Sistema Diretorial - Chefia do Estado e do Governo. No sistema diretorial, o Presidente exerce, de forma meramente protocolar, a Chefia do Estado; a Chefia do Governo é exercida por um órgão político executivo colegiado, constituído por membros da assembléia, a Comissão, regime que tem, portanto, um centro único de Poder. Sistema Diretorial no mundo. Atualmente apenas a Suíça adota o sistema diretorial, em sua forma mais pura; a antiga URSS o adotava, embora com características próprias, bem como alguns países ex-socialistas como Bulgária, Hungria, e Romênia; o Uruguai tentou copiar o modelo suíço, mas o resultado foi um Parlamentarismo disfarçado, com muitos chefes, atuando sem a necessária coordenação. Sistema Diretorial - aplicação limitada. A Suíça teve formação histórica peculiar, que a diferencia dos demais países; o país é dividido em unidades políticas denominadas Cantões; a população é pequena, o território é reduzido (a área geográfica parece maior do que é, na realidade, pelo grande número de montanhas, que tornam boa parte das terras, inabitáveis, mas constitui, também formidável barreira de defesa natural, o que explica, em parte, porque nunca foi conquistada); o povo tem, há várias gerações, alto poder aquisitivo; existe tradição de autogoverno e respeito à cidadania, além de forte sentimento de nacionalismo e independência. Esse conjunto de fatores propicia o exercício de um sistema democrático sem paralelo. Nenhum outro país reúne essas especiais características, o que torna praticamente inviável seu desenvolvimento fora da Suíça.