DOENÇA OCUPACIONAL E PROVA TÉCNICA NA JUSTIÇA DO TRABALHO Dr. Orestes Prudêncio*



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Transcrição:

DOENÇA OCUPACIONAL E PROVA TÉCNICA NA JUSTIÇA DO TRABALHO Dr. Orestes Prudêncio* Resumo No presente trabalho, de conclusão de curso de pós-graduação lato sensu, o autor* apresenta sua experiência pessoal, como perito médico do juízo, a serviço de varas do trabalho do Norte de Minas Gerais. Sintetiza o papel da perícia médica, exibe definições de acidente de trabalho e doenças a ele equiparável, discute a apuração da incapacidade laborativa, descreve a evolução da legislação acidentária e apresenta números colhidos em laudos por ele mesmo produzidos, ao atuar no período compreendido entre janeiro de 2008 e Janeiro de 2011, descrevendo índices de nexo técnico doença-trabalho, freqüência de doenças ocupacionais, ocorrência de incapacidade laborativa e, por fim, apresenta sugestões para enfrentamento dos principais agravos detectados. Unitermos: perícia médica, doença ocupacional, acidente de trabalho, justiça do trabalho. Introdução A perícia médica é um ato médico, componente da medicina legal, que funciona como interface entre a medicina e o direito, objetivando o reconhecimento de direito (perícia administrativa, previdenciária) ou gerando fundamento técnico para decisões judiciais no âmbito Civil, Trabalhista e Criminal. Não basta ser médico para fazer perícia. A atividade requer conhecimento médico, mas também boa técnica pericial e familiaridade com o direito relacionado ao objeto em discussão. Por exemplo, no âmbito trabalhista é imprescindível o conhecimento das normas de Medicina e Segurança do Trabalho. Ao auxiliar o juízo Trabalhista, o perito deve se preocupar em informar sobre os seguintes pontos cruciais do ato pericial: existência de doença, do nexo entre ela e o trabalho, incapacidade laborativa, redução parcial de capacidade laborativa (para algumas profissões, mas nem para todas) e invalidez (incapacidade definitiva para qualquer atividade laboral). Outra informação de grande valia a ser fornecida pelo perito diz respeito aos elementos prenunciadores da culpa, como por exemplo, o descumprimento de normas específicas da medicina e segurança do trabalho. 1

A análise da incapacidade laborativa resultante de agravo à saúde é da atribuição da perícia-médica. Diferente do médico assistencialista, que faz diagnóstico de doença e propõe tratamento para doença, nas mais diferentes especialidades, ao Perito-Médico compete: Comprovar diagnóstico feito previamente, e sua correta codificação(código internacional de doenças) Constatar incapacidade decorrente da doença (extensão e intensidade) Analisar o nexo-técnico entre a doença e o trabalho (relacionar o mecanismo gerador da doença com as condições de trabalho) Estimar a resolutividade do dano e a possibilidade de reabilitação profissional Observa-se que a relação médico/paciente fundamenta-se na confiança mútua, na qual o paciente escolhe o médico com quem se tratar, oferecendo-lhe informações verdadeiras e detalhadas na esperança de ser plenamente beneficiado. O médico assistencialista, portanto, tem as informações recebidas como genuínas e fidedignas, esforçando-se ao máximo para utilizá-las em benefício do seu paciente. Beneficiar paciente chega a ser fundamentação ética na ciência médica, conforme se observa no seguinte texto extraído do juramento de Hipócrates: Aplicarei os regimes para o bem dos doentes, à medida do meu poder e do meu entendimento, e procurando evitar qualquer maldade ou dano. Já a relação perito / periciando está fundamentada na desconfiança mútua, onde o periciando se posiciona diante de profissional que não conhece e não escolheu, potencialmente alguém que poderá retirar-lhe direito ou negar lhe benefício, não raramente simulando e dissimulando, omitindo informações que julga não lhe serem favoráveis e exaltando aquelas que entende lhe beneficiar no julgamento da lide. Em outra vertente, algumas empresas não demonstram zelo na instituição de sua política de medicina e segurança do trabalho, deixando de assimilar o espírito preventivo que inspirou o legislador, limitando-se, quando no muito, a cumprir a legislação requerida pelos órgãos fiscalizadores, contribuindo sobremaneira para a ocorrência do agravo à saúde do obreiro. Portanto, ao perito cabe filtrar tudo que ouve, criticar aquilo que ver e ler, buscando identificar os elementos periciais que vão auxiliá-lo na busca da verdade dos fatos, independente se esta beneficia 2

ou contraria o interesse de alguma parte específica da lide. Assim não há como comparar, ou confundir, atividade médico pericial com atividade médico assistencial, nem mesmo suas finalidades ou papel dos seus atores. A incapacidade laborativa é definida como a impossibilidade física ou mental para a realização das atividades específicas de uma profissão, motivada por doença. Salvo casos especiais, ela não existe per si, mas para função específica. Ao contrário do que possa parecer, doença não é sinônimo de incapacidade. Determinadas doenças incapacitam para uma atividade e não para outras e algumas não determinam qualquer incapacidade, para nenhuma profissão. O risco profissional das doenças constitui-se em outra modalidade de incapacidade a ser considerada no ato pericial. A incapacidade pode ser classificada em temporária ou definitiva, para uma ou mais profissões (uniprofissional, multiprofissional e omniprofissional). A incapacidade omniprofissional é aquela que incapacita para toda e qualquer atividade, de caráter definitivo e insuscetível à reabilitação, caracterizando a invalidez. Em relação à evolução temporal, uma determinada incapacidade pode evoluir em ciclos (recidivas), onde se observa a incapacidade alternada por períodos variados de aptidão. Tão logo a doença incapacitante se estabiliza, o trabalhador readquire sua capacidade laboral. Doença estabilizada significa que o tratamento médico realizado, até aquele momento, produziu o seu efeito máximo esperado (maximum medical improvement), não havendo, pois a expectativa de outras melhorias significativas. Normas técnicas para desempenho da atividade pericial De acordo com a Resolução 1488/98 do Conselho Federal de Medicina, aplicável a todos os médicos em exercício profissional no país, para o estabelecimento do nexo causal entre os transtornos de saúde e as atividades do trabalhador, além do exame clínico (físico e mental) e os exames complementares, quando necessários, deve o médico considerar : A história clínica e ocupacional, decisiva em qualquer diagnóstico e/ou investigação de nexo causal; O estudo do local de trabalho; O estudo da organização do trabalho; 3

Os dados epidemiológicos; A literatura atualizada; A ocorrência de quadro clínico ou subclínico em trabalhador exposto a condições agressivas; A identificação de riscos físicos, químicos, biológicos, mecânicos, estressantes, e outros; O depoimento e a experiência dos trabalhadores; Os conhecimentos e as práticas de outras disciplinas e de seus profissionais, sejam ou não da área de saúde. (Artigo 2o da Resolução CFM 1488/98). Recomenda-se, ademais, incluir nos procedimentos e no raciocínio médico-pericial, a resposta a dez questões essenciais, a saber: Natureza da exposição: o agente patogênico é claramente identificável pela história ocupacional e/ou pelas informações colhidas no local de trabalho e/ou de fontes idôneas familiarizadas com o ambiente ou local de trabalho do periciado? Especificidade da relação causal e força da associação causal: o agente patogênico ou o fator de risco podem estar pesando de forma importante entre os fatores causais da doença? Tipo de relação causal com o trabalho: o trabalho é causa necessária (Tipo I)? Fator de risco contributivo de doença de etiologia multicausal (Tipo II)? Fator desencadeante ou agravante de doença pré-existente (Tipo III)? No caso de doenças relacionadas com o trabalho, do tipo II, foram as outras causas gerais, não ocupacionais, devidamente analisadas e, no caso concreto, excluídas ou colocadas em hierarquia inferior às causas de natureza ocupacional? Grau ou intensidade da exposição: é ele compatível com a produção da doença? Tempo de exposição: é ele suficiente para produzir a doença? Tempo de latência: é ele suficiente para que a doença se desenvolva e apareça? Há o registro do estado anterior do trabalhador periciado? O conhecimento do estado anterior favorece o estabelecimento do nexo causal entre o estado atual e o trabalho? Existem outras evidências epidemiológicas que reforçam a hipótese de relação causal entre a doença e o trabalho presente ou pregresso do segurado? * A resposta positiva à maioria destas questões irá conduzir o raciocínio na direção do reconhecimento técnico da relação causal entre a doença e o trabalho. 4

Exames subsidiários em perícia Para diagnosticar doença o médico pode lançar mão de recursos tecnológicos/laboratoriais que, reconhecidamente, contribuem elevando a confiabilidade do seu diagnóstico. Porém, são conhecidos como exames complementares, e como tais subsidiam o médico no seu mister dentro de um panorama clínico, sem serem definitivos isoladamente. No meio médico persiste o enunciado de que a clínica é soberana e cada caso é um caso. Se para diagnóstico de doença o enunciado acima é verdade, e o é, em se tratando de constatação de incapacidade o valor do exame clínico é ainda mais exuberante, com declínio do valor dos exames complementares. Não existe exame que constate incapacidade. Ela nunca é presumida. Somente uma detalhada avaliação clínica, considerando todas as variabilidades associadas com o agravo e o desempenho profissional, permite conclusões fundamentadas. Os exames complementares estão para o médico assim como as provas processuais estão para o juiz (como o presente laudo-pericial), subsidiando-o na formação do seu convencimento, unicamente. O acidente de trabalho De acordo com o artigo 19 da lei 8.213, publicada em 24 de julho de 1991, a definição de acidente de trabalho é o que ocorre pelo exercício do trabalho a serviço da empresa, ou pelo exercício do trabalho do segurado especial, provocando lesão corporal ou perturbação funcional, de caráter temporário ou permanente". Essa lesão pode provocar a morte, perda ou redução da capacidade para o trabalho. O acidente de trabalho clássico, típico, é aquele agravo à saúde do obreiro, a serviço do patrão, de etiologia unicausal, sendo esta externa, abrupta e imprevisível, que determina redução da capacidade laborativa, temporária ou definitiva, ou a morte do trabalhador. Mas com a moderna definição do acidente do trabalho a unicausa ficou superada, abrindo espaço para a consideração da multicausalidade das doenças equiparáveis ao acidente de trabalho, num misto de fatores laborais e extra-laborais, determinando incapacidade. Dá-se nome de concausas àqueles fatores extra-laborais que se associam aos fatores laborais antecedendos-os(concausa precedente), concorrendo com os mesmos(concausa simultânea) ou sucedendo-os(concausa superveniente).assim sendo, as chamadas 5

doenças comuns adquirem o status de doenças do trabalho mediante a comprovação do fator laboral(nexo técnico). Ensina Cavalieri Filho(01) que a concausa é outra causa que, juntando se à principal, concorre para o resultado.ela não inicia e nem interrompe o processo causal apenas o reforça, tal qual um rio menor que deságua em outro maior, aumentando-lhe o caudal. Segundo o i. magistrado mineiro Sebastião Geraldo de Oliveira(02), a aceitação normativa da etiologia multicausal não dispensa a existência de uma causa eficiente, decorrente da atividade laboral, que haja contribuindo diretamente para o acidente do trabalho ou situação equiparável ou, em outras palavras, a concausa não dispensa a presença da causa de origem ocupacional.neste caso deve-se verificar se o fator laboral atuou como fator contributivo para o acidente do trabalho, desencadeou doença ou agravou aquela pré-existente, ou ainda, se provocou precocidade de doenças comuns, mesmo aquelas de cunho degenerativo ou inerente ao grupo etário. De uma maneira geral, as doenças relacionadas ao trabalho podem ser classificadas em três grupos, segundo Schilling: Figura 2.1 - Classificação das doenças segundo sua relação com o trabalho GRUPOS I Trabalho como causa necessária: Sem o fator laboral a doença não se desenvolveria II - Trabalho como fator contributivo, mas não necessário: Tendo como base a predisposição do indivíduo, o fator laboral favorece o surgimento do doença III - Trabalho como provocador de um distúrbio latente, ou agravador de doença já estabelecida EXEMPLOS Intoxicação por chumbo Silicose Doenças profissionais legalmente reconhecidas Doença coronariana Doenças do aparelho locomotor Câncer Varizes dos membros inferiores Asma Bronquite crônica Dermatite de contato alérgica 6

Doenças mentais (Adaptado de Schilling, 1984) 01- FILHO, Sérgio Cavalieri, Programa de responsabilidade civil, 2005, p.84 02-DE OLIVEIRA, Sebastião Geraldo.Indenizações por acidente de trabalho ou doenças profissionais,2007, p.53 03- SCHILLING, R.S. Emeritus Professor of Occupational Health, University of London-1984 Evolução da legislação acidentária Segundo DE OLIVEIRA, Sebastião Geraldo, em Indenizações por acidente de trabalho ou doenças profissionais, Editora LTR, 2007, p.34-37: No Brasil, normas esparsas tratavam do acidente do trabalho, valendo citar dois dispositivos do código comercial de 1850: Art.79: Os acidentes imprevistos e inculpados que impedirem aos prepostos o exercício de suas funções, não interromperão o vencimento de seu salário contando que a inabilitação não exceda três meses contínuos. Art. 560: Não deixará de vencer a soldada ajustada, qualquer individuo da tripulação que adoecer durante a viagem em serviço do navio, e o curativo será por conta deste; se porém, a doença for adquirida fora do serviço do navio, cessará o vencimento da soldada enquanto ela durar, e a despesa do curativo será por conta das soldadas vencidas; e se estas não chegarem por seus bens ou pelas soldadas que possam vir a vencer. A primeira lei acidentaria brasileira na verdade veio pelo decreto legislativo 3724 de 15 de janeiro de 1919, que significou a emancipação da infortunística do cordão umbilical que a mantinha presa ao direito comum, reforçando a autonomia do direito trabalhista. A segunda lei acidentaria, decreto 24637 de 10 de julho de 1934, ampliou o conceito de acidente de trabalho para abranger as doenças profissionais atípicas. 7

A terceira lei acidentaria do Brasil foi a de 10 de novembro de 1944, decreto 7036. O decreto 7036/44 promoveu nova ampliação do acidente de trabalho incorporando as concausas, e o acidente de trajeto, além de obrigar o empregador a implementar normas de segurança e higiene do trabalho. Este decreto permitiu, pela primeira vez, a acumulação dos direitos acidentários com as reparações por responsabilidade civil A quarta lei brasileira, decreto 293, de 28 de fevereiro de 1967, marcou um inegável retrocesso, mas teve duração de apenas 6 meses. Segundo Teresinha Saad, foi um dos diplomas legais mais impróprios, retrocedendo a tudo quanto de bom que havia sido conquistado na legislação infortunística A quinta lei de acidente do trabalho, 5316 de 1967, criou o plano especifico de benefícios previdenciários acidentários. Já a sexta lei acidentaria de 1976, número 6367, melhorou o conceito de acidente de trabalho e as concausas, permitindo a equiparação de doenças não indicadas pela previdência social, quando tais patologias estivessem relacionadas com as condições especiais em que o serviço foi prestado Vigora atualmente a lei 8213 de 24 de julho de 1991, sétima lei acidentária, e que recentemente foi alterada com a introdução do nexo técnico epidemiológico, lei 11430, de 26 de dezembro/2006, a qual criou a presunção do nexo técnico entre a doença e o trabalho, mediante o cruzamento dos CIDs da doença determinante da incapacidade com o código da atividade econômica desempenhada pela empresa(cnae). Para muitos, a legislação do nexo técnico epidemiológico representa uma grande ferramenta no combate a subnotificação do acidente do trabalho e no estímulo para a instituição de medidas de proteção à saúde dos trabalhadores por parte das empresas, por influenciar fortemente o recolhimento de valores referentes ao seguro de acidente de trabalho (SAT), ao premiar aqueles que investem em prevenção de acidente de trabalho (redução de alíquota), ou ao punir aqueles que não exercem controle sobre a ocorrência de acidentes de trabalho(elevação da alíquota). 8

Proposta No presente trabalho, o autor pretende apresentar sua experiência pessoal como auxiliar do Juízo das varas do Trabalho de Montes Claros, Pirapora, Januária e Monte Azul, durante os anos de 2008 a 2011. Neste período, realizou-se 266 laudos periciais diante de alegações de doença profissional e acidente do trabalho, dos quais serão extraídos dados que respondam aos seguintes questionamentos: 1- Positividade do nexo técnico doença-trabalho. 2- Existência de aptidão por ocasião da perícia. 3- Existência de redução parcial de capacidade laborativa de natureza definitiva. 4- Incidência das doenças ocupacionais detectadas. 5- Ocorrência de incapacidade definitiva para a função habitual do obreiro. Foram considerados, para fins do presente trabalho, conclusões perícias adotadas plenamente pelo julgador de primeiro grau, sendo que nos casos de recurso o tribunal manteve a sentença proferida pelo primeiro julgador, no que diz respeito à matéria médica discutida. Resultados As conclusões exaradas pelo autor, após tratamentos estatísticos foram as seguintes: 1-Nexo técnico doença/trabalho Nexo técnico Negativo 23% Positivo 77% Positivo Negativo 9

De todos os casos periciados, 77% apresentaram nexo positivo. 2- Da capacidade laborativa ao ser periciado Incapacidade 14% Redução 20% Aptidão 66% Aptidão Redução Incapacidade Ao ser periciado, 86% dos reclamantes já estavam aptos para o trabalho(66 + 20), sem ou com redução parcial de capacidade laborativa. 3- Da freqüência das doenças 8% 14% 4% 2% 2%1%1%1% 7% 22% 38% Tipico Pairo M54 M65 M75 Trajeto Alergias Outros I10+I20 Outros dort2 F32 10

Na freqüência dos agravos detectados, o acidente típico foi a causa líder, seguida pelas doenças osteomusculares relacionadas ao trabalho(dort, Cids m54, m65, m75 e outros) e perda auditiva induzida pelo ruído ocupacional(pairo). A grande incidência de PAIRO no nosso meio se explica pela robusta contribuição dada por duas empresas da região nas demandas da justiça trabalhista local. Uma delas chega a figurar na relação das dez empresas mais demandadas em todo estado, segundo dados do próprio Tribunal da Terceira Região. Como empresas de grande porte, empregam grande número de trabalhadores que são expostos a ambientes reconhecidamente ruidosos. 4-Doenças agrupadas Grupos de doenças Pairo 22% Outros 10% Dort 31% Tipico 37% Tipico Dort Pairo Outros Agrupando-se os agravos, o acidente típico, as doenças osteomusculares (dort) e as perdas auditivas respondem por 90% dos agravos à saúde do trabalhador no norte de Minas Gerais, o que se aproxima dos números nacionais após implementação da moderna legislação do nexo técnico epidemiológico: A concessão de benefícios acidentários por presunção epidemiológica (NTEP) está ocorrendo desde 04/2007. A evolução do auxílio doença por acidente do trabalho indica um forte crescimento, de acordo com o Anuário Estatístico da Previdência Social. No ano de 2007, o INSS registrou 653 mil acidentes de trabalho, número 27,5% maior que em 2006. Ainda segundo o Anuário supracitado, do total dos benefícios concedidos por período superior a 15 dias, os acidentes ou doenças do trabalho que mais provocaram os afastamentos em 2007 foram o 11

acidente típico (51,5%), LER/Dort (34,7%), transtornos mentais e comportamentais (2,8%), doenças do sistema nervoso (2,7%) e doenças do aparelho circulatório (0,9%). 6-Da gravidade da doença ocupacional Sequela definitiva Outros 10% Tipico + Dort 90% Tipico + Dort Outros No aspecto qualitativo, o acidente típico e as Dorts se responsabilizam por 90% dos casos de incapacidade total ou redução permanente da capacidade laborativa pós acidentária. Considerações finais Os números acima descritos comprovam que, de fato, a ampla maioria das alegações de doença profissional na justiça do trabalho se confirmam após produção de prova técnica. Na grande maioria dos casos, entretanto, a autarquia previdenciária falha em conceder o benefício apropriado, espécie acidentário-b91, seja pela subnotificação do acidente por não emissão da comunicação do acidente de trabalho-cat, pelas empresas ou por limitações até da moderna ferramenta do nexo técnico epidemiológico. Igualmente majoritária é a constatação de que a maioria do trabalhadores já estão aptos ao proporem a reclamatória, sendo que mais frequentemente as demissões ocorrem após o trabalhadores reassumirem suas funções na empresa, retornando de períodos de afastamento. 12

Por outro lado, ficou demonstrado que noventa por cento de todos os acidentes de trabalho são típicos, Dorts ou Pairo, para os quais há medidas sólidas de prevenção primária, altamente eficientes, que poderiam poupar a saúde dos trabalhadores e sua capacidade laborativa. Relevante notar que dos acidentes graves, determinantes de incapacidade definitiva ou redução definitiva de capacidade laborativa, noventa por cento são decorrentes de acidente típico ou doença osteomuscular. Para esses casos, a assimilação do espírito preventivo do legislador ao criar as normas de segurança e medicina do trabalho, e não somente o cumprimento burocrático da legislação aplicável, poderia significar abrupta derrocada da infortunística, via zelosa instituição de programa de prevenção dos riscos ambientais(ppra) a permitir a antecipação cautelar do risco, correta análise do ergonomia do trabalho(nr 17) com instituição de medidas específicas de proteção, além de crítico acompanhamento dos trabalhadores no desempenho de suas funções, através de meticuloso programa de controle de saúde ocupacional(pcmso). Na medicina do trabalho, como em qualquer especialidade médica, a prevenção continua sendo o melhor remédio. * Perito médico do juízo e previdenciário. 13