REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA



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Transcrição:

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA releitura da Lei 11.977/2009 Minha Casa Minha Vida aplicação prática do sistema normativo e de seus princípios constitucionais recriação ou reestruturação das cidades o projeto como peça fundamental da regularização, pois deverá prever o que deve ser regularizado e o que deve ser removido, bem como o local onde os equipamentos públicos deverão ser edificados. A regularização fundiária, reverentemente tratada por nosso ordenamento supremo, não representa mero projeto de gestão pública sugerida ao Administrador Público. A previsão constitucional foi concebida sob a forma de politica pública de primeira grandeza, de forma que sua previsão não é um conselho para uma ORDEM constitucional, que apoiada nos princípios e pressupostos fundamentais da nação, apresentados no artigo 3º do texto supremo, que implica na necessidade de respeito à dignidade da pessoa humana, assim como na redução da pobreza e do desnível social, tudo voltado ao cumprimento do direito à moradia regular e titulada. Em que pese os mais de 20 anos da edição da atual Constituição, a regularização fundiária vem sendo timidamente observada, pois invariavelmente é sabotada por dotações orçamentárias absolutamente insuficientes para o propósito, bem como pela exigência de infindáveis requisitos burocráticos, mormente perante aos órgãos

licenciadores, ou em razão da pequena mobilidade do setor registrário, pois amarrado em princípios e padrões rígidos. Urge uma releitura da Lei nº 11.977/2009, que deu corpo e sentido prático à regularização, para que seja dado um definitivo impulso a esta politica pública, mormente com a superação dos nós formais, e na tentativa de aplicação sadia, sensata e responsável deste instrumento, que busca mais do que o interesse individual, a tutela dos interesses coletivos da cidade. Evidentemente que visando facilitar e viabilizar o instrumental fundiário, a Lei 11.977/2009 confere a iniciativa da regularização a um grande número de legitimados, conferindo a estes capacidade para sua promoção da regularização, o que de antemão revela, o largo interesse em sua mais completa viabilização. Observe-se a amplitude da disposição, pois são legitimados todos interessados, sejam pessoas físicas ou jurídicas, constituídas sob a forma de associação ou sociedades representativas, bem como, por evidente, o Poder Público. Assim, o rol do art. 50 da Lei 11.977 enumera: a União e os entes federados; os beneficiários; cooperativas habitacionais; associações de moradores; fundações; organizações sociais ou da sociedade civil de interesse público ou no desenvolvimento urbanístico ou fundiário. Enfim, de todos os legítimos interlocutores vinculados ao problema social ou urbanístico atrelados aos problemas sociais da moradia e, principalmente, na melhor organização das cidades. Independentemente de quem seja o agente propulsor da regularização, a deflagração desta, nos termos legais deve ter início com a elaboração de um projeto a ser apresentado e aprovado pela Municipalidade, que pode ser antecedido pelo auto de demarcação

urbanística nas regularizações de interesse social promovidas pelo Poder Público. Invertendo a concatenação legal, destacamos que o auto de demarcação urbanística deverá refletir a realidade da ocupação, ou seja a situação efetiva da ocupação, representada em planta e respectivo memorial. A área ocupada deve ser apresentada como um todo único, mesmo quando atinja mais de uma gleba ou desfalque mais de um registro imobiliário. A descrição da área ocupada, devem apresentar sua localização, com todas as medidas, deflexões e perimetria, do espaço inteiro, sem a necessidade da indicação do fracionamento em lotes ou edificações. A planta que instrui o auto de demarcação também deverá indicar as transcrições ou matrículas atingidas ou parcialmente desfalcadas, bem como a indicação dos proprietários e confrontantes e seus endereços, desde que conhecidos ou localizáveis. Na instrução do auto de demarcação é exigida uma segunda planta para realizar o exame da sobreposição, que confronte a área efetivamente ocupada, com as glebas ou áreas constantes do registro imobiliário. A possibilidade da existência de dificuldades ou até impossibilidades para a composição do polígono formado pelas áreas tabulares atingidas, é bastante significativo, mas não poderá retardar ou dificultar o andamento da regularização. O Registrador, em sendo o caso, deverá anotar por averbação, todos os imóveis potencialmente atingidos, pois não atende à ordem constitucional qualquer obstrução à regularização fundiária, com

sacrifício de seus propósitos, em razão de duvidas ou incertezas constantes dos dados tabulares. Repita-se a ocupação é apresentada por suas medidas e localização certas, por corresponder à área da ocupação física, de forma que não poderá ficar à mercê de eventuais dúvidas ou erros passados constatados nas descrições tabulares ou da localização destas. As Corregedorias Gerais ou Permanentes não poderão se opor à abertura de MATRICULA para a área regularizanda, em função destas dificuldades tabulares que, como ressaltado, se situam invariavelmente, na composição do polígono que o imóvel encerra, dada a imprecisão das medidas e a ausência de ângulos ou rumos, ou na sua localização em razão da falta de pontos seguros de amarração. É certo que todos entraves devem ser superados, aliás como vem sendo feito pelos competentes Registradores de São Paulo, mas eventual resistência pode habilitar o Ministério Público e a Defensoria a intervir em favor dos interessados na regularização. Assim, em principio, a abertura da matricula para a área ocupada pode anteceder a efetivação dos desfalques tabulares, pois a prioridade das cidades está na sua reorganização dando cidadania aos pacíficos ocupantes. Observe-se que a própria Lei 11.977/2009 já dispõe neste sentido, quando alude, em seu artigo 55, inciso I, 5º à existência de proprietários não identificados ou áreas imprecisamente descritas. O legislador, portanto, se antecipou ao problema, e priorizou a regularização a despeito de eventual assimetria entre a área real e a abstrata informação tabular.

Também podem e devem ser consideradas no auto de demarcação áreas de domínio público. Tal anotação não franqueia a conquista de imóvel público, posto existir impedimento constitucional para tanto, mas apenas a possibilidade da indicação das vias, praças e demais espaços públicos existentes. Antes ou após elaboração do auto de demarcação, a regularização depende do projeto especifico de que trata o art. 51 da lei. Este projeto deve ser submetido à Prefeitura, mesmo quando esta for a deflagradora da regularização. O projeto também deverá ser submetido aos órgãos licenciadores, mormente os que detenham competência ambiental ou de preservação da cultura arquitetônica. O projeto deverá descrever e mapear a área em consideração, indicando os lotes ou fracionamentos, assim como as obras que devem ser realizadas e aquelas que devem ser desfeitas ou deslocadas. Tanto para a composição do auto de demarcação como para a confecção do projeto é de grande ajuda a utilização de plantas aéreas, pois estas podem trazer grande facilidade, conferindo um maior aporte de credibilidade. Importante é ressaltar que a elaboração do projeto representa item fundamental da regularização, pois será neste momento que se poderá efetivar o controle e análise do interesse coletivo que representa a própria função social da propriedade. O projeto somente deve ser aprovado quando a ocupação vier a respeitar tais interesse majoritário pois estes, por óbvio, correspondem ao interesse da cidade.

Os poucos ocupantes que eventualmente perturbem, dificultem ou estorvem a melhor organização do núcleo urbano, atuando em desfavor da mobilidade; da implantação e edificação dos equipamentos públicos essenciais, ou que prejudiquem a conquista de melhor qualidade de vida no local, devem ser desalojados ou realocados, com a desapropriação da respetiva área. De nada adianta a regularização fundiária que não atenda aos interesses da cidade, pois um núcleo regularizado que impeça a fluidez dos transportes, dificulte a mobilidade das famílias ocupantes, ou que venha despido de serviço público locais ou próximos, somente pode agravar as questões sociais e reduzir a qualidade de vida coletiva. Fundamental, portanto, o instante, o momento da produção do projeto, pois este deve indicar as vias, as praças, os espaços institucionais para os equipamentos públicos, áreas de lazer, estejam no local ou próximas a este, ou seja todo o necessário para que a área regularizada comporte a sobrecarga decorrente do adensamento populacional. O projeto pressupõe uma série de compromissos públicos com a construção da estrutura capaz de dar ao local o mesmo DNA da cidade. Portanto, o corte na carne deve ser feito neste momento, pois deve estar previsto no projeto ou nas exigências para sua aprovação. Regularizar uma área não se restringe ao asfaltamento e à ligação elétrica e hidráulica. A qualidade de vida mínima, de dignificação da pessoa humana se expressa não só pelo que é concedido em termos de regularização e titulação, mas também pelo que é sacrificado, para que o coletivo e a cidade ganhem com a legalização fundiária.

Também os interesses envolvidos, de ordem ambiental, urbanístico e social devem povoar o projeto, tudo em respeito às situações consolidadas e ao direito à moradia. As compensações urbanísticas, como aquelas determinadas pela carência de espaço para edificar e construir os equipamentos destinados ao serviço público essencial, como os ligados à educação, segurança e saúde, podem ser resolvidas em áreas contíguas ou próximas, mas devem estar necessariamente previsto, assim como as compensações ambientais voltadas, mormente, à sustentabilidade. Evidentemente que todas as formas de compensação podem ser empregadas, sendo relevante o uso da via expropriatória para a conquista de espaços na área de ocupação ou fora deste espaço, lembrando-se que o pagamento das indenizações, neste caso, pode ser feita com a emissão de títulos públicos. Também não se pode descartar a participação da própria população interessada no pagamento das despensas com a viabilidade do projeto. O projeto deve considerar tudo o que existe ou tudo que está edificado ou ocupado na área, informando o que deve e o que não deve ser mantido, o que será regularizado e o que será excluído de tal propósito. O projeto deve indicar o que existe e o que e o que está apenas PROJETADO, pois é franqueado que este seja concretizado por etapas. O projeto deve visto por seu vetor prático, para que a área seja regularizada e para que a população envolvida conquiste o mínimo de qualidade de vida. O Município tem a obrigação, e não a faculdade, de dotar a população de todo sistema de apoio, o que pode contribuir para a redução do imenso abismo social.

Em princípio, áreas de risco e áreas de preservação ambiental não podem abrigar processo de regularização. No entanto, o Poder Público pode projetar obras capazes de superar eventuais riscos ou cumprir metas de compensações ambientais. Lembre-se, mais uma vez, que o interesse envolvido não é o interesse público (poder estatal) ou o interesse individual (proprietário ou ocupante), mas o interesse coletivo, e este é que deve prevalecer. Ao Município é dado regulamentar os requisitos para a confecção do projeto, devendo facilitar a elaboração, centralizando o processo de aprovação, para impedir posicionamentos opostos ou conflitantes dos setores de sua estrutura. A única questão que pode escapar do controle Municipal diz respeito ao meio ambiente, e tal ocorre na hipótese do Município não dispor de órgãos licenciadores. Possuindo-o, deverá observar as regras de sentido nacional (art. 7º da Lei Federal 6.938/81), bem como as normas subsidiárias do Estado e suas próprias leis. Todo este acervo legal deve vir impregnado pelos vetores dos princípios que norteiam e tratam do direito constitucional à moradia, dignificação humana e da função social da propriedade. O Estado quando licenciador, por óbvio não pode impor seus procedimentos ao Município, pois deve reverenciar os interesses maiores da cidade, franqueado caminho procedimental célere e fácil.

Não há justificativa legal para o Estado impingir sua direta participação no licenciamento ou nas conclusões sobre o tema ambiental, quando o Município seja dotado de órgão licenciador. Acaso o Município necessite promover o licenciamento ambiental através do Estado, este deverá atuar de forma prioritariamente unificada, ou seja, sem a participação de diversos órgãos, setores ou departamentos, pois a unidade de decisão decorre do princípio administrativo da hierarquia e da eficiência, imperativos para toda a Administração. Este padrão princípio lógico, também decorre na necessidade de transparência, exige que o Estado responda à aprovação do projeto ou auto de demarcação de forma centralizada, submetida a prazo máximo e razoável, para a expedição do documento do licenciamento. Efetivamente que seria de todo inoperante a priorização do procedimento de regularização fundiária se fosse dado ao setor de controle ambiental, responder por múltiplos setores ou em prazo absolutamente inadequado (recentemente um periódico de prestigio informou que o tempo médio para a aprovação de empreendimento de vulto, chegam, em média a 26 (vinte seis meses), o que é inadmissível, até mesmo para a grandiosidade dos empreendimentos). A burocracia e a lentidão destes setores não podem travar o processo, de forma que o prazo para licenciamento deve atender a padrões ditados pela necessidade de eficiência e celeridade, sem burocracias, sem retardamento e sem exigências inexequíveis ou opostas. Esta observação é feita em virtude do conhecido rigor e inflexibilidade destes órgãos, que enxergam o meio ambiente como problema regional e a regularização fundiária como questão local municipal. Esta dualidade não existe, pois o sentido que a Lei 11.977/2009

trás em seu bojo deve ser observado pelos Estados assim como pelos Municípios. Observe-se que o rigor formal é, para o propósito da regularização, quebrado por seu art. 54, uma vez que é dado ao Município, observadas as características intrínsecas da ocupação, utilizar de prerrogativas para definir padrões URBANISTICOS e AMBIENTAIS específicos, desde que mais coerentes com a situação de fato. Trata-se de regra que ajusta as necessidades da regularização às suas possibilidades, sem exigências maiores ou dissociadas da realidade considerada, exigindo certa relativização da questão do meio ambiente, sem se descurar dos imperativos de sustentabilidade e preservação. O projeto deverá ficar a cargo de profissional gabaritado para tanto, prevendo, entre outros itens, a implantação do sistema de saneamento básico, assim como a apresentação de soluções para os riscos geotécnicos, de inundações, etc. A Municipalidade deverá produzir o projeto, também quando o pedido de regularização partir de entidade civil, desprovida de recursos financeiros necessários. Aprovado o projeto pela Municipalidade e por eventuais órgãos licenciadores, este deve ser submetido, juntamente com o auto de demarcação, mesmo quando este é elaborado previamente, ao Registro de Imóveis. O trabalho registral neste particular se mostra árduo e complexo, mormente, como já destacado, pois grande parte das áreas ocupadas se encontra no interior de gleba ou glebas imprecisamente descritas. Contudo estas dificuldades do abstrato mundo registral não poderão estorvar a regularização, mesmo considerando estas incertezas, situação que recomenda que toda e qualquer área atingida pela

regularização, deve ter seu desfalque averbado, posto que este alerta o proprietária, que poderá impugnar a regularização. Assim, os eventuais desacertos entre a informação registral e a realidade da ocupação, revelada pela planta de sobreposição, na forma do 5º do art. 56, devem dar margem a anotação em todas as matriculas e transcrições potencialmente atingidas. Considerando que o projeto e o auto da demarcação não envolvem sobreposição física, mas apenas descritivas, a notificação dos confrontantes de fato pode ser dispensada, sendo recomendável, caso exista o cadastro, a inserção do nome destes no Edital de que trata o item II, do 3º, do art. 57. Ocorrendo impugnação fundamentada o Oficial de Registro de Imóveis deverá buscar a conciliação dos envolvidos. O Poder Público poderá optar pela exclusão da área impugnada, para a continuidade do projeto em relação aos demais. O Município tem a custosa obrigação de identificar e cadastrar todos os ocupantes, dando informações sobre casamento, união estável, filiação etc. Em existindo dúvida, a eleição do nome do ocupante deverá prestigiar a mulher. O processo se finda com o registro da legitimação de posse aos ocupantes e o transcurso do prazo de 05 (cinco) anos sem impugnação. Neste momento ocorre a transmudação da posse em propriedade. Enfim, a regularização fundiária exige que o Município invista em sua realização, prevendo verba razoável na lei

orçamentária, pois o gestor público neste particular não dispõe de discricionariedade e sim de obrigação. O Ministério Público e a Defensoria deverão vigiar, exigindo o aporte de recursos adequados para cumprir esta Política Pública e devem, também, controlar a reserva de espaços para os equipamentos públicos, anuindo e acompanhando sua paulatina execução. Regularização fundiária representa um importando passo para a resolução dos problemas da cidade e de sua população. Não podemos nos perder em burocracias ou em função da displicência das autoridades estatais. A dignidade deve ter um sentido prático e util. VENICIO SALLES Desembargador