Tratamento das Fraturas Naso-Etmoidais



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Capítulo 44 Tratamento das Fraturas Naso-Etmoidais Autor: Ricardo Lopes da Cruz The diagnosis and treatment of nasoethmoid orbital (NOE) injury remains one of the most challenging areas in facial trauma reconstruction Introdução Paul Manson, MD O tratamento das fraturas naso-etmoidais representa um problema cirúrgico desafiador para o especialista em cirurgia crânio-maxilo-facial já que o sucesso neste tratamento depende de múltiplos fatores dentre eles: a gravidade do trauma, sua eventual repercussão cranioencefálica e a possibilidade de intervenção cirúrgica no período mais precoce possível. Uma das principais dificuldades que encontramos neste grupo de pacientes é a complexidade das estruturas anatômicas que compõe esta área, o que pode acarretar sequelas de difícil tratamento ao nível do canto interno das pálpebras, das vias lacrimais e do conteúdo orbital. A principal etiologia das fraturas naso-etmoidais são os impactos de média e alta intensidade desferidos sobre a região central do terço médio da face, como os observados, principalmente, nos acidentes com veículos automotores. Falhas no diagnóstico ou no tratamento podem resultar em prejuízo estético e perdas funcionais que podem se tornar até mesmo impossíveis de serem reparadas a contento secundariamente (Figura 44.1). Fisiopatologia Qualquer trauma de alta intensidade no terço médio da face deve levar a suspeita de fratura 491 Figura 44.1. Fraturas naso-orbito-etmoidais não tratadas de forma adequada acarretam sequelas de difícil, ou mesmo impossível, tratamento.

PARTE V CIRURGIA RECONSTRUTORA DA CABEÇA E PESCOÇO naso-etmoidal. O esqueleto craniofacial suporta adequadamente forças verticais de impacto que podem se dissipar no sentido craniocaudal em várias direções orientadas pelos pilares de sustentação descritos por Sturla (1980), porém suporta mal o impacto no sentido ântero-posterior (Figura 44.2). A B 492 Figura 44.2. A região naso-etmoidal engloba os pilares central superficial e profundo descritos por Sturla. Figura 44.3. Impacto ântero-posterior (foto A) pode sempre ser mais grave do que o impacto lateral pela possibilidade de envolvimento etmoidal A região naso-orbito-etmoidal está situada na região central do terço médio superior da face. Ela representa uma intrincada estrutura esquelética pela confluência do nariz, órbitas, maxila e crânio. Os delicados ossos próprios do nariz situam-se anteriormente no denominado pilar central superficial da face e se instabilizam com facilidade após trauma de média ou mesmo baixa intensidade. Fraturas de nariz ocasionadas por impacto anterior são sempre mais graves do que as ocasionadas por impacto lateral, pois pode comprometer o etmoide, estrutura central na transição craniofacial. Por este motivo fraturas de nariz são consideradas fraturas de face e fraturas naso-etmoidais são consideradas fraturas craniofaciais (Figura 44.3). Fraturas do complexo naso-orbito-etmoidal são também obviamente prevalentes devido à sua proeminência no arcabouço esquelético do terço médio da face, o que o torna muito mais exposto ao impacto. Estas fraturas podem ocorrer isoladamente ou associadas a outras fraturas mais extensas (cranianas ou do tipo Le Fort). As fraturas naso-etmoidais podem cursar com ou sem cominuição. Quando existe cominuição o tratamento se torna mais difícil e reparos secundários são invariavelmente necessários, já que os fragmentos ósseos espalham-se nos espaços adjacentes insinuando-se nas cavidades nasal, orbital e sinusal (fronto- -etmoidal). As fraturas sem cominuição geralmente cursam com telescopagem (retroposicionamento) do complexo naso-frontal para o espaço interorbital, o que também pode cursar com injúria crânio-encefálica, pneumoencéfalo, fístula liquórica, e riscos de meningite bacteriana. O espaço interorbital está situado, obviamente, entre as órbitas e imediatamente abaixo do soalho da fossa craniana anterior. É composto pelos frágeis labirintos etmoidais divididos pela lâmina perpendicular do etmoide que compõe o denominado septo nasal posterior (ou ósseo) na sua parte superior (Figuras 44.4-44.6). O ligamento cantal medial é um componente de partes moles da maior importância quando se estuda

Capítulo 44. Tratamento das Fraturas Naso-Etmoidais Figura 44.4. Espaço interorbital. Figura 44.6. Fratura com telescopagem naso-etmoidal. o complexo naso-orbito-etmoidal. Esta estrutura representa a fusão medial das cabeças superficial e profunda do músculo orbicular das pálpebras e se insere na parede medial da órbita ao nível das cristas lacrimais anteriores e posterior auxiliando na aposição das pálpebras junto ao globo ocular. Uma vez que o ligamento cantal medial abraça o saco lacrimal que se encontra na fossa lacrimal, fraturas nesta região tornam as vias lacrimais susceptíveis a injúrias concomitantes (Figura 44.7). Quando ocorre telecanto, o ligamento (tendão) cantal interno se desloca ou através sua disrupção da estrutura óssea ou, simplesmente, acompanhando o deslocamento do osso no qual se encontrava inserido. O telecanto na realidade traduz a perda da tensão das placas tarsais e consequente deformidade da estrutura palpebral (Figura 44.8). 493 Classificação Figura 44.5. Fratura cominutiva naso-etmoidal. A classificação publicada por Markowitz, Manson e Sargent em 1991 é por muitos utilizada e classifica as fraturas naso-etmoidais em três grupos levando em consideração o grau de cominuição e o tipo de

PARTE V CIRURGIA RECONSTRUTORA DA CABEÇA E PESCOÇO 494 Figura 44.8. Telecanto traumático. Figura 44.7. Anatomia do ligamento cantal e das vias lacrimais. injúria ao ligamento cantal medial como pode ser observado na Figura 44.9. Tipo I: é a fratura naso-orbito-etmoidal mais simples. Não há cominuição e envolve apenas a porção medial da órbita que contém o ligamento cantal interno. No tipo I o segmento de osso onde se insere o ligamento cantal pode ser reduzido anatomicamente. Registre-se ainda que estas fraturas possam ser bilaterais, com ou sem deslocamento. Raramente o ligamento cantal encontra-se avulsionado com a manutenção da integridade óssea. Tipo II: estas fraturas são completas e cursam com cominuição óssea que envolve a inserção do ligamento cantal medial. Nestes casos o traço de fratura não se estende além da área de inserção do ligamento cantal. Desta maneira a estrutura

Capítulo 44. Tratamento das Fraturas Naso-Etmoidais ligamentar mantém continuidade com um fragmento ósseo que permite a redução cirúrgica. Tipo III: Estas fraturas são geralmente bilaterais e completas além de envolver cominuição óssea além da inserção do ligamento cantal, o que dificulta extraordinariamente seu reparo. Geralmente o ligamento cantal não está avulsionado, mas o Figura 44.9. Classificação dos tipos de fraturas naso-etmoidais. A. Tipo I; B. Tipo II; C. Tipo III. segmento ósseo é geralmente tão pequeno que não permite sua redução e posterior fixação. Aspectos Clínicos A suspeita clínica de uma fratura naso-etmoidal deve sempre ser considerada quando o paciente apresentar evidências de injúria de alto impacto na região central do terço médio da face como já dissemos. Assim é que informações sobre o mecanismo do trauma são de grande importância como a magnitude, localização e direção do impacto. Atenção também deve ser dada a alterações neurológicas como perda da consciência, o que pode sugerir injúria crânio-encefálica concomitante. A presença de outros distúrbios funcionais relacionados à via aérea, visão, olfação devem sempre ser valorizados e podem levar a suspeita quanto à localização da fratura e sua extensão (Figura 44.10). O exame físico detalhado de um paciente com grave trauma de face só deve ser realizado pelo especialista em cirurgia crânio-maxilo-facial depois que o paciente tiver sido adequadamente examinado seguindo-se os preceitos do ATLS. Assim é que a rotina do denominado ABCDE da Vida deve ser cumprida na sala de emergência como prioridade absoluta no primeiro atendimento. Em geral pacientes com fratura naso-etmoidal irão apresentar importante edema no terço médio da face, com equimoses periorbitais de rápida instalação. Rinorragia frequentemente exige tamponamento nasal que pode ser anterior ou ântero-posterior. Evidências de selamento do dorso nasal com telecanto traumático podem também ser observadas nos casos mais graves. Tamponamento nasal no tratamento de rinorragia importante não deve ser mantido por mais do que 48 horas a fim de que se impeça colonização bacteriana do mesmo com a finalidade de minimizar os riscos de meningite bacteriana (Figura 44.11). 495 Figura 44.10. Pacientes com fraturas naso-etmoidais e evidências de impacto craniano associado.

PARTE V CIRURGIA RECONSTRUTORA DA CABEÇA E PESCOÇO Figura 44.11. Aspectos clínicos de pacientes com fratura naso-etmoidal: edema, equimoses periorbitais (sinal do guaxinim), telecanto e selamento do dorso nasal. 496 Edema difuso e equimoses extensas podem, num primeiro momento, dificultar o exame à palpação das fraturas que revela invariavelmente: mobilidade de fragmentos ósseos, degraus (irregularidades) nos sítios de fraturas e crepitação. Medidas da distancia intercantal podem ser difíceis em um primeiro momento, porém devemos lembrar que a distancia interpupilar é geralmente o dobro da distancia intercantal fato este que pode auxiliar na suspeita de telecanto traumático. Injúrias por esmagamento podem resultar em extensas lacerações da região naso-frontal. Estas fraturas expostas favorecem, naturalmente, graves complicações como meningite bacteriana. Lacerações que alcançam os ligamentos cantais podem determinar telecanto e injúria concomitante às vias lacrimais que pode exigir reparo imediato. Outro teste importante na avaliação da integridade do ligamento cantal é o teste de tração de Furnas. Neste caso o examinador traciona as pálpebras no sentido lateral enquanto palpa a região do canto interno (naso-orbital). A observação de flacidez nesta região por perda da tensão palpebral sugere a possibilidade de fratura naso-etmoidal com comprometimento do ligamento cantal interno que pode estar inserido em fragmento ósseo ou avulsionado (Figura 44.12). O exame oftalmológico que verifica a acuidade visual, resposta pupilar, pressão ocular e motilidade ocular é obviamente crucial e, a exemplo do exame neurológico, de caráter prioritário. Inspeção cuidadosa da região cantal interna pode revelar o arredondamento desta região associado à flacidez cutânea que caracterizam o denominado epicanto (Figura 44.13). Injúria ao sistema lacrimal cursa invariavelmente com epífora, e deve ser considerada em pacientes com fratura naso-etmoidal, o que pode exigir em avaliação precoce exames específicos de drenagem lacrimal como, por exemplo, a dacriocistografia (Figura 44.14). Fraturas naso-etmoidais podem acometer a fossa craniana anterior resultando em laceração traumática da dura, pneumoencéfalo e rinorreia liquórica. Por este motivo é sempre importante ressaltar que qualquer drenagem de líquido claro pelo nariz deve levar a suspeita de perda de líquido cérebro-espinhal pelo nariz, o que pode incorrer em riscos de meningite e, portanto merece tratamento cuidadoso. Pneumoencéfalo também merece atenção especial pela possibilidade deste se tornar hipertensivo (Figura 44.15). Quando há a suspeita de fratura naso-etmoidal esta área deve ser examinada através tomografia computadorizada com janela para partes moles e ósseas, além de reconstrução tridimensional (Figura 44.16).

Capítulo 44. Tratamento das Fraturas Naso-Etmoidais Figura 44.13. Epicanto à esquerda. 497 Figura 44.12. Teste de Furnas. Tratamento O manejo das fraturas naso-etmoidais visa, como já compreendemos, a correção tanto das injúrias ao nível do esqueleto quanto ao nível de partes moles. Para isto torna-se fundamental neste grupo de pacientes o tratamento precoce, o que pode ser dificultado pela presença de lesões associadas já que, se as fraturas naso-etmoidais ocorrem na transição craniofacial e são consequências de impactos de alta intensidade, torna-se lógico admitir que injúria crânio- -encefálica possa dificultar ou retardar o tratamento destas fraturas. A sequência que deve ser obedecida para se definir a melhor estratégia de tratamento consiste na identificação exata do tipo de fratura (o que depende de um adequado estudo tomográfico), intervenção Figura 44.14. Telecanto com dacriocistite à direita. Dacriocistografia à direita.

PARTE V CIRURGIA RECONSTRUTORA DA CABEÇA E PESCOÇO 498 Figura 44.15. Fístula liquórica e pneumoencéfalo em pacientes com fratura naso-etmoidal. Figura 44.16. Cortes coronal, sagital e axial da região naso- -fronto-orbito-etmoidal

Capítulo 44. Tratamento das Fraturas Naso-Etmoidais cirúrgica o mais precocemente possível, redução anatômica precisa com fixação rígida (através placas e parafusos de baixo perfil) e atenção máxima com a reconstrução de tecidos moles adjacentes (ligamentos cantais, vias lacrimais). Devemos ainda considerar procedimentos de enxertia óssea primária. Abordagem ampla como a que pode ser obtida pelo acesso coronal torna-se necessária na maioria dos casos. Este acesso estendido facilita a visualização das fraturas, seu reposicionamento e fixação interna rígida dos fragmentos ósseos com placas e parafusos de titânio. A fronto-base pode também ser abordada pelo neurocirurgião em conjunto quando isto se faz necessário. As incisões que mais utilizamos são a coronal e a subciliar (ou transconjuntival) na pálpebra inferior. É óbvio que extensas feridas corto-contusas podem também servir de ótimo acesso aos focos de fratura, porém neste caso o amplo descolamento periosteal provocado pelo trauma prejudica a estabilidade dos fragmentos ósseos a serem reposicionados (Figura 44.17). Estratégia frequentemente utilizada é a de enxertia óssea autógena na reconstrução primária para impedir a contração das partes moles sobre estrutura esquelética cominuída e/ou perdas de substância óssea. Neste caso a área doadora de preferência é a própria calota craniana que permite a obtenção de enxertos da tábua externa do parietal sem craniotomia. Estes enxertos ósseos são principalmente utilizados no dorso nasal e ao nível das paredes medial e inferior da órbita, o que pode se tornar extraordinariamente mais difícil em procedimentos de reconstrução secundária (Figura 44.18). A reinserção do ligamento cantal através técnicas variadas como a fixação trans-nasal também é facilitada com o acesso coronal. Se não houver avulsão e o fragmento ósseo no qual o ligamento cantal permanece inserido tiver tamanho adequado, cuidadosa redução anatômica e fixação pode garantir adequado resgate da distância intercantal (Figura 44.19-44.21). Conclusão O diagnóstico preciso e a possibilidade de intervenções cirúrgicas precoces são fundamentais no tratamento das fraturas naso-etmoidais. A conquista do binômio estética-função neste grupo de pacientes parece ser mais difícil devido à complexidade das estruturas anatômicas envolvidas nesta região particular da transição craniofacial. O cirurgião deve estar atento ao momento no qual a regressão do edema e a reabsorção de hematomas oferece a primeira oportunidade de se intervir no paciente. O contato próximo com a equipe médica multidisciplinar deve fazer com que especialistas em terapia intensiva e neurocirurgia compreendam a necessidade da intervenção precoce para redução e fixação das fraturas sem o que as sequelas advindas poderão ser irreparáveis. Fraturas de face em adultos jovens podem estar completamente consolidadas em apenas quatro semanas, mas, além disso, a contração cicatricial de feridas nesta região bem como a fibrose que se instala pode trazer enorme dificuldade para refraturas ou reposicionamento de estruturas das denominadas partes mole o que acarreta em resultados percebidos como não satisfatórios. 499 Figura 44.17. Fratura naso-etmoidal. Redução e fixação por acesso coronal. Observar, entretanto, telecanto traumático e selamento do dorso nasal no pós-operatório.

PARTE V CIRURGIA RECONSTRUTORA DA CABEÇA E PESCOÇO 500 Figura 44.18. Fratura naso-etmoidal com telescopagem, selamento do dorso nasal e telecanto. Tratamento com redução, fixação rígida e enxertia óssea primária. Figura 44.19. Redução de fratura naso-etmoidal com adequado reposicionamento do ligamento cantal interno à esquerda.

Capítulo 44. Tratamento das Fraturas Naso-Etmoidais Figura 44.20. Cantopexia interna à esquerda para tratamento de sequela de avulsão do ligamento cantal interno. 501 Figura 44.21. Grave fratura naso-etmoidal tratada com acesso coronal, redução anatômica e fixação interna rígida. Intervenção neurocirúrgica concomitante. Aspecto pós-operatório.

PARTE V CIRURGIA RECONSTRUTORA DA CABEÇA E PESCOÇO 502 No tratamento de sequelas raramente procedimentos de refratura e reposicionamento dos ligamentos cantais resulta em distância intercantal normal. Da mesma forma quando não se garante a restauração adequada da capacidade volumétrica da órbita com enxertias ósseas primárias, as dificuldades que encontramos com fibrose local e lipólise da gordura extraconal (que se insinua pelos labirintos sinusais) impedem o adequado tratamento da enoftalmia residual. Um plano cirúrgico adequadamente estabelecido torna-se fundamental neste grupo de pacientes onde, mais uma vez, torna-se absolutamente verdadeira a conhecida frase que diz: você nunca terá uma chance melhor do que a primeira. Bibliografia Consultada 1. Converse JM, Smith B. Naso-orbital fractures. Trans Am Acad Ophtalmol Otolaryngol 1963;67:622. 2. Converse JM, Smith B. Naso-orbital fractures and traumatic deformities of the medial canthus. Plast Reconstr Surg 1966;38:147. 3. Dingman RO, Grabb WC, Oneal RM. Management of injuries of the naso-orbital complex. Arch Surg 1969;98:566. 4. Converse JM, Hogan VM. Open-sky approach for reduction of naso-orbital fractures. Plast Reconstr Surg 1970;46:396. 5. Stranc MF. Primary treatment of naso-ethmoid injuries with increased intercanthal distance. Br J Plast Surg 1970;23:8. 6. Gross CW, Teague PF, Nakamura T. Reconstruction following severe nasofrontal injuries. Otolaryngol Clin North Ame 1972;5:653. 7. Duvall AJ, Banovetz JD. Nasoethmoidal fractures. Otolaryngol Clin North Ame 1976;9:507. 8. Mervill LC, Real JP. Fronto-orbito nasal dislocations: Initial total reconstruction. Scand J Plast Reconstr Surg 1981;15:287. 9. Morgan RF, Manson PN, Schack RB, Hoopes JE. Management of naso-ethmoid-orbital fractures. Am Surg 1982;48:447. 10. Gruss JS. Fronto-naso-orbital trauma. Clin Plast Surg 1982;9:577. 11. Gross C. Pathophysiology and evaluation of frontoethmoid fractures. In: Mathog RH (ed). Maxillofacial Trauma. Baltimore, Williams & Wilkins, 1984, p 280. 12. Gruss JS. Naso-ethmoid-orbital fractures: Classifi cation and role of primary bone grafting. Plast Reconstr Surg 1985;75:303. 13. JE Bowerman. Fractures of the middle third of the facial skeleton. In: Rowe NL, Williams J Ll (ed). Maxillofacial Injuries. New York, Churchill Livingstone, 1986, vol 1, p. 376. 14. Foster CA, Sherman JE. Naso-orbital fractures. In: Foster CA, Sherman JE (eds.) Surgery of Facial Bone Fractures. New York, Churchill-Livingstone, 1987, p. 39. 15. Costa EA, Cruz RLC. Fraturas múltiplas de face. In: Psillakis JM, Zanini AS, Melega JM, Costa EA, Cruz RL (eds.) Cirurgia Crânio-maxilo-facial. Rio de Janeiro: Medsi, 1987, p. 551. 16. David W Shelton. Naso-orbital-ethmoid fractures. In: Charles C. Alling III, Donald B Osbon (eds.) Maxillofacial Trauma. Philadelphia, Lea & Febiger, 1988, p 363. 17. Paskert JP, Manson PN, Kiff NT. Nasoethmoidal and orbital fractures. Clin Plast Surg 1988;15:209. 18. Paskert JP, Manson PN. The bimanual examination for assessing instability in naso-orbitoethmoidal injuries. Plast Reconstr Surg 1989;83:165. 19. Vasconez HC, Luce EA. Fronto-ethmoidal fractures. In: Habal, Ariyan (eds.) Facial Fractures. Toronto, Philadelphia: BC Deker Inc, 1989, p. 105. 20. Cruz RLC. Fraturas complexas da face. In: Zanini SA (ed.) Cirurgia e Traumatologia Buco-Maxilo-Facial. Rio de Janeiro: Revinter, 1990, p. 211. 21. Daly BD, Russell JL, Davidson MJ, Lamb JT. Thin section computed tomography in the evaluation of naso- -ethmoidal trauma. Clin Radiol 1990;41(4):272-275. 22. Markowitz BL, Manson PN, Sargent L, et al. Management of the medial canthal tendon in nasoethmoid orbital fractures: The importance of the central fragment in classification and tretament. Plast Reconstr Surg 1991;87:843. 23. Evans GR, Clark N, Manson PN. Identification and management of minimally displaced nasoethmoidal orbital fractures. Ann Plast Surg 1995;35(5):469-473. 24. Hoffmann JF. Naso-orbital-ethmoid fracture management. Facial Plast Surg 1998;14(1):67-76. 25. Vora NM, Fedok FG. Management of central nasal support complex in naso-orbital ethmoid fractures. Facial Plast Surg 2000;16(2):181-191. 26. Potter JK, Muzaffar AR, Ellis E, Rohrich RJ, Hackney FL. Aesthetic management of the nasal component of naso-orbital ethmoid fractures. Plast Reconstr Surg 2006;117(1):10e-18e. 27. Sargent LA. Nasoethmoid orbital fractures: diagnosis and treatment. Plast Reconstr Surg 2007;120:16S-31S. 28. Papadopoulos H, Salib NK. Management of naso- -orbital-ethmoidal fractures. Oral Maxillofac Surg Clin North Am 2009;21(2):221-225.