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CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA DESPACHO SEJUR n.º 254/2010 (Aprovado em Reunião de Diretoria em 08/06/2010) Expediente CFM n.º 3667/2010 Assunto: Fornecimento pelo médico de Prontuário a Autoridade Policial, Ministério Público e Autoridade Judiciária sem o consentimento do paciente. Trata-se de expediente encaminhado pelo Conselho Regional de Medicina do Estado do Amapá sobre o posicionamento do CFM em relação a viabilidade de entrega pelo médico de prontuário a Autoridade Policial, Membro do Ministério Público ou Autoridade Judiciária sem o consentimento do paciente. A Assessoria Jurídica do CREMEP exarou o excelente Parecer ASSEJUR n.º 17/2010, que concluiu pela impossibilidade de atendimento de determinação de entrega de prontuário pelo médico a autoridade policial. A matéria em questão também já foi apreciada em momentos pretéritos pela Assessoria Jurídica deste Conselho Federal. Em recente manifestação do SEJUR (NTE nº 025/2007), a questão da autorização por representante legal do de cujus foi abordada de maneira precisa, nos seguintes termos: DESPACHO SEJUR Nº 484/2007 Expediente n.º 9534/2007 Trata-se de Recomendação Retificadora (001/2007-PP-PRDF) emanada da Procuradoria da República no Distrito Federal e endereçada ao Conselho Federal de Medicina no sentido de que não se excepcione documentos, inclusive laudos e prontuários médicos, inclusive documentos correlatos à saúde de incapazes que não consigam exprimir sua própria vontade, bem como documentos de incapazes que tenham seus interesses em conflito (colidentes) com os de seus representantes legais, sob o fundamento de sigilo médico, quando assim requisitado pelo Ministério Público (grifo nosso). A Recomendação em análise abarca o delicado tema do sigilo médico, mais especificamente a quebra desse sigilo nos casos de requisição de documentos, laudos e prontuários pelo Ministério Público, e esteia-se no Procedimento Administrativo n.º 1.26.000.000027/2007-15, onde se apurou 1

notícia de provável embaraço, praticado pelo Conselho Federal de Medicina, à defesa de pessoas portadoras de necessidades especiais, inclusive de negativa de fornecimento de prontuário médico ao Ministério Público, tudo sob a alegação de sigilo médico. É o relatório. Extrai-se que a Recomendação em comento trata da liberação de informações médicas referentes a (1) pacientes em geral; (2) pacientes incapazes que não consigam exprimir sua própria vontade; ou (3) paciente incapazes que tenham seus interesses em conflito com os de seus representantes legais. Como é sabido, a Constituição Federal de 1988 consagrou a inviolabilidade da intimidade e da vida privada (art. 5º, X), que é exatamente o fundamento do sigilo médico 1 que, diga-se, visa resguardar não o profissional, mas o paciente. O caso sob análise trata, portanto, da possibilidade de violação da intimidade de pacientes. Não se desconhece que os direitos fundamentais podem ser restringidos razoavelmente quando colidirem entre si. Essa colisão pode ocorrer de duas formas: (1) quando o exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular (colisão autêntica ou em sentido estrito); (2) quando o exercício de um direito fundamental colide com princípios e valores que tenham por fim a proteção de interesses da comunidade (colisão imprópria ou em sentido amplo) 2. O móbil da Recomendação aqui analisada parece ser exatamente essa segunda forma de colisão. O confronto de direitos fundamentais, todavia, exige uma ponderação de valores, de forma que se proceda a uma mínima restrição nos direitos envolvidos. Aplica-se o conhecido princípio da proporcionalidade, que tem como seus elementos (1) a conformidade ou adequação dos meios a serem utilizados, (2) a necessidade ou exigibilidade da medida restritiva a ser adotada e, por fim, (3) a proporcionalidade em sentido estrito 3. Com relação ao acesso das informações médicas, seria possível constatar-se de imediato que: 1 Significa a intimidade tudo quanto diga respeito única e exclusivamente à pessoa em si mesma, a seu modo de ser e agir. Abrange a inviolabilidade do domicílio, o sigilo das comunicações e o segredo profissional (TAVARES, André Ramos; Curso de Direito Constitucional. 5 a Ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 588.). 2 MENDES, Gilmar; COELHO, Inocêncio m.; BRANCO, Paulo G.G. Hermenêutica constitucional e direitos fundamentais. Brasília: Brasília Jurídica, 2000, p. 281. 3 TAVARES, André Ramos; Curso de Direito Constitucional. 5 a Ed., São Paulo: Saraiva, 2007, p. 686. 2

1) o acesso ao prontuário em nada irá ajudar em eventual investigação (adequação); 2) existem outros meios de apuração dos fatos (uma autópsia, v.g.) que são suficientes para a obtenção das respostas procuradas (necessidade); 3) o acesso ao documento médico é necessário, mas apenas para a ciência de algumas informações pontuais (proporcionalidade em sentido estrito). Note-se então que a revelação do prontuário em sua totalidade poderia revelar informações íntimas do paciente que em nada viriam a colaborar para as investigações levadas a cabo pelo parquet, ou mesmo para a instrução de uma ação civil pública. Além disso, mesmo que a revelação de tais informações seja imprescindível, é um perito (e não um membro do Ministério Público) quem, no mais das vezes, terá condições de avaliá-las. Apenas a título ilustrativo, imagine um prontuário médico que registra a declaração do paciente de que mantém relações homossexuais. Apesar de tal informação ser necessária à realização de diagnósticos e prescrições medicas, pode não vir a colaborar em nada com uma determinada investigação. Em uma situação como a descrita acima, caso seja revelado por completo o prontuário médico, a intimidade do paciente será exposta desnecessariamente, quando isso poderia ter sido evitado caso o prontuário fosse submetido a um perito nomeado judicialmente para avaliar a pertinência das informações médicas com os quesitos apresentados pelo Ministério Público. Esse procedimento (apreciação judicial e nomeação de perito) é indispensável para a efetivação do princípio da proporcionalidade, conciliando, inclusive, o interesse do paciente (preservação de sua intimidade) com o múnus do Ministério Público (elucidação de fatos sob investigação). De fato, se a pretensão do parquet se apresentar legítima e fundada em motivos razoáveis, não há porque o judiciário indeferir seu pleito. Vê-se, portanto, que não se está a vedar por completo ao 3

Ministério Público o acesso às informações médicas. Um mínimo de garantia, todavia, deve ser proporcionado ao jurisdicionado, até porque, como dito, está-se a tratar de um direito fundamental. Portanto, é de razoabilidade gritante a conclusão de que quem realiza a investigação não deve, ao mesmo tempo, decidir sobre a legitimidade da quebra do sigilo médico. Não é por outra razão que a Constituição Federal, por exemplo, exige manifestação judicial para a quebra do sigilo telefônico. No caso da ação civil pública, o acesso às informações médicas pode ser requisitado na própria petição inicial da ação, com evidentes benefícios à concretização dos princípios do contraditório e da ampla defesa, tendo em vista que, então, ter-se-á uma prova integralmente produzida em juízo e apta a embasar (ou não) uma eventual condenação. Nos termos defendidos acima é a prescrição do art. 4º da Resolução CFM n.º 1.605/2000 que, apesar de tratar dos casos de processos criminais, com mesma razão deve ser observada nos casos de ação civil pública: Se na instrução de processo criminal for requisitada, por autoridade judiciária competente, a apresentação do conteúdo do prontuário ou da ficha médica, o médico disponibilizará os documentos ao perito nomeado pelo juiz, para que neles seja realizada perícia restrita aos fatos em questionamento. Na verdade, reconhecer ao Ministério Público a possibilidade de requisitar prontuários médicos sempre que pretender investigar algum fato é possibilitar genericamente a restrição da intimidade e da vida privada, sem que para tal haja previsão constitucional ou mesmo legal. Tendo em vista essa ausência normativa, a necessidade da medida deve revestir-se de indispensáveis cautelas, tudo em prol da correta aplicação do princípio da proporcionalidade na restrição a ser imposta. Nesse sentido, então, configura-se imprescindível que essa ponderação na colisão de direitos fundamentais seja levada a juízo, onde então o paciente terá maiores garantias na observância do mencionado princípio. 4

A Recomendação sob análise procura justificar-se juridicamente invocando a Lei n.º 7.853/89, que dispõe sobre o apoio às pessoas portadoras de deficiência. Algumas considerações, todavia se fazem necessárias. Primeiramente, é preciso salientar que a condição de deficiente não tem correlação com a de incapaz. Em outras palavras, a incapacidade não é uma conseqüência do reconhecimento da condição de deficiente. Via de regra, o portador de deficiência é absolutamente responsável pelos seus atos. Dessa forma, não se vislumbra coerência entre os fundamentos invocados pela Recomendação e o seu comando, que menciona os incapazes que não consigam exprimir sua própria vontade e os incapazes que tenham seus interesses em conflito (colidentes) com os de seus representantes legais. Feita as considerações acima, analisar-se-á então o tema da violação do sigilo médico em relação a ambos os casos: o deficiente e o incapaz. O art. 8º, inciso VI, da Lei n.º 7.853/89, tipifica penalmente a conduta de recusar, retardar ou omitir dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil objeto desta Lei, quando requisitados pelo Ministério Público. Embora citado pela Recomendação em análise, esse dispositivo não tem o condão de tornar crime a recusa do médico em fornecer prontuário de um paciente seu, portador de deficiência. Quando assim atua, o profissional se encontra em estrito cumprimento de dever legal, o que elimina a antijuridicidade da conduta, um dos elementos do conceito analítico de crime. De fato, o sigilo médico é uma imposição legal e regulamentar, o que de plano afasta qualquer ilicitude na conduta 4. Art. 154 - Revelar alguém, sem justa causa, segredo, de que tem ciência em razão de função, ministério, ofício ou profissão, e cuja revelação possa produzir dano a outrem: Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa (Código Penal). Art. 102 - revelar o fato de que tenha conhecimento em virtude do exercício de sua profissão, salvo por justa causa, dever legal ou autorização expressa do paciente (Código de Ética Médica). Art. 1º - O médico não pode, sem o consentimento do paciente, revelar o conteúdo do prontuário ou ficha médica. 4 É válido citar também os seguintes dispositivos do Código de Processo Civil: artigos 347, 406, II, e 363, IV. 5

Art. 2º - Nos casos do art. 269 do Código Penal, onde a comunicação de doença é compulsória, o dever do médico restringe-se exclusivamente a comunicar tal fato à autoridade competente, sendo proibida a remessa do prontuário médico do paciente (Resolução CFM n.º 1.605/2000). Sobre o art. 8º da Lei n.º 7.853/89, portanto, as seguintes considerações são pertinentes: (1) o dispositivo trata da propositura de ação civil pública para a defesa dos direitos das pessoas portadoras de deficiência, não podendo ser invocado como fundamento genérico para a requisição de informações pelo parquet; (2) a recusa do médico em fornecer o prontuário médico de paciente seu, portador de deficiência, subsume-se ao tipo penal descrito, mas não é crime, por encontrar-se o profissional albergado por uma causa de exclusão da ilicitude, qual seja, o estrito cumprimento de dever legal. Nem se diga que a justa causa referida no art. 154 do Código Penal estaria a estabelecer uma obrigação de revelação de segredo médico quando o requisitante for o Ministério Público 5, até porque nada garante que, só por esse fato, a requisição venha a ser sempre legítima. A expressão em comento representa um elemento normativo do tipo, apreciável caso a caso, que autoriza 6 (mas não obriga) a revelação do segredo profissional em determinados casos. No que diz respeito à requisição de prontuários médicos de pessoas incapazes, possam ou não elas exprimir sua vontade, as considerações são as mesmas expostas acima no que diz respeito às pessoas em geral. Pensar em contrário seria afirmar que a inviolabilidade da intimidade varia conforme a capacidade jurídica de seu titular, o que é de todo inadmissível. Ainda quando incapaz for o paciente, o sigilo médico visa resguardá-lo (e não ao médico), sendo igualmente necessária uma apreciação judicial com a devida ponderação dos valores em confronto, para que se conclua pela nomeação ou não de um perito judicial que, então, procederá à análise do prontuário. Ante o exposto, opina-se pelo não cumprimento da Recomendação n.º 001/2007-PP-PRDF, tendo em vista seu caráter não normativo. Alerta-se, 5 O sigilo profissional do médico não é absoluto, é relativo. Mas, a regra, dir-se-ia até, rígida, é o sigilo ser mantido o mais rigorosamente possível, cabendo a medida jurídica do mandado de segurança, e até mesmo do habeas corpus, ao médico para abster-se de violar o sigilo profissional por solicitação ou determinação de alguma, qualquer que seja, autoridade administrativa ou judiciária (o que não é uma justa causa, nem caracteriza uma norma legal dever legal), face à esta extrema coação a que é submetido (SOUZA, Neri Tadeu Camara. Erro médico e sigilo profissional. Jus Navigandi, Teresina, ano 9, n. 636, 5 abr. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6529>. Acesso em: 26 nov. 2007). 6 Na verdade, não se trata de autorização, mas de exclusão de determinados casos da abrangência do tipo penal. 6

todavia, para o fato de que o Ministério Público tem a liberdade de ingressar em juízo questionando a recusa no acatamento de suas recomendações. Brasília, 04 de dezembro de 2007. De Acordo: Daniel de Andrade Novaes Assessor Jurídico Giselle Crosara Lettieri Gracindo Chefe do Setor Jurídico O Código de Ética Médica revisado, aprovado pela Resolução CFM n.º 1.931/2009, também dispõe sobre a o manuseio e liberação do prontuário pelo médico, vejamos. Art. 88. Negar, ao paciente, acesso a seu prontuário, deixar de lhe fornecer cópia quando solicitada, bem como deixar de lhe dar explicações necessárias à sua compreensão, salvo quando ocasionarem riscos ap próprio paciente ou a terceiros. Art. 89. Liberar cópias do prontuário sob sua guarda, salvo quando autorizado, por escrito, pelo paciente, para atender ordem judicial ou para a sua própria defesa. 1º Quando requisitado judicialmente o prontuário será disponibilizado ao perito médico nomeado pelo juiz. 2º Quando o prontuário for apresentado em sua própria defesa, o médico deverá solicitar que seja observado o sigilo profissional. Art. 90. Deixar de fornecer cópia do prontuário médico de seu quando de sua requisição pelos Conselhos Regionais de Medicina. Art. 91. Deixar de atestar atos executados no exercício profissional, quando solicitado pelo paciente ou por seu representante legal. Desta forma, nos termos dos artigos acima transcritos e do Despacho citado, somente quando houver solicitação judicial, o prontuário será disponibilizado a um perito nomeado pelo Juízo, para que seja realizado um laudo relacionado diretamente com o tema. É o que nos parece, s.m.j. Brasília-DF, 18 de maio de 2010. Valéria de Carvalho Costa Assessora Jurídica 7

De acordo: Giselle Crosara Lettieri Gracindo Chefe do SEJUR Desp. SEJUR 254.10. Exp. 3667.10. fornecimento de prontuário. Autoridade policial. CREMAP. Vcc. 18.05.2010 8