Turma e Ano: Turma Regular Master A Matéria / Aula: Direito Civil Aula 12 Professor: Rafael da Mota Mendonça Monitora: Fernanda Manso de Carvalho Silva Vícios de consentimento (continuação): Erro Artigo 138 do Código Civil Art. 138. São anuláveis os negócios jurídicos, quando as declarações de vontade emanarem de erro substancial que poderia ser percebido por pessoa de diligência normal, em face das circunstâncias do negócio. O erro é um falso conhecimento da realidade, enquanto a ignorância é o total desconhecimento da realidade. No erro, o beneficiário não concorre para a formação da vontade da vítima. Ninguém participa da vontade da vítima. A postura do beneficiário é omissa. Existem duas espécies de erro: Erro essencial ou acidental (1) Erro essencial (ou substancial) é aquele que é a causa do negócio jurídico. O sujeito só celebra o negócio porque está em erro. (2) Erro acidental é aquele que não é a causa do negócio jurídico, o qual seria celebrado de qualquer maneira. Nesse caso, o negócio é válido. Vide art. 140 do CC Art. 140. O falso motivo só vicia a declaração de vontade quando expresso como razão determinante. Só há negócio anulável quando o erro é a causa determinante do negócio (erro essencial). No caso do erro acidental, o negócio jurídico é válido. Deverá ser analisado o contexto. Ex1: Entro em uma concessionária querendo comprar um carro 0 km. Lá gosto de um carro que, depois de adquirido, descubro ser seminovo. Trata-se de erro essencial. Portanto, esse negócio é anulável. Ex2: Quero um carro modelo X fabricado nos anos 90. Numa concessionária encontro um do ano de 1998, que depois descubro ser de 1994. Esse negócio é válido, apesar de ter havido erro acidental. OBS1: Para tornar o negócio anulável, o erro precisa ser escusável? (Erro escusável é o erro desculpável!) Vejamos um exemplo: famoso joalheiro conhecedor de joias e metais preciosos vai a uma loja de antiguidades procurar talheres de prata. Depois de comprá-los, descobre que eles são de lata. O erro é inescusável por se tratar de uma joalheiro. O CC/16 dizia que o negócio só poderia ser anulado por erro se este fosse escusável. O CC/02 alterou essa lógica. O negócio jurídico é anulável independentemente de o erro ser escusável. A escusabilidade é irrelevante em razão dos deveres anexos à boa-fé objetiva. A postura do vendedor também é levada em conta. Vide art. 422 do CC e Enunciado nº 12 do CJF. Art. 422. Os contratantes são obrigados a guardar, assim na conclusão do contrato, como em sua execução, os princípios de probidade e boa-fé. 1
Enunciado 12 CJF Art. 138: na sistemática do art. 138, é irrelevante ser ou não escusável o erro, porque o dispositivo adota o princípio da confiança. OBS2: O art. 139 do CC traz um rol exemplificativo de erros essenciais. Art. 139. O erro é substancial quando: I - interessa à natureza do negócio, ao objeto principal da declaração, ou a alguma das qualidades a ele essenciais; II - concerne à identidade ou à qualidade essencial da pessoa a quem se refira a declaração de vontade, desde que tenha influído nesta de modo relevante; III - sendo de direito e não implicando recusa à aplicação da lei, for o motivo único ou principal do negócio jurídico. Inciso I: A primeira parte do inciso traz o erro in negotio, que diz respeito à natureza do negócio. A segunda parte do inciso traz o erro in corpore, aquele que diz respeito às qualidades essenciais do objeto do negócio jurídico. Inciso II: Estamos diante do erro in persona (erro que diz respeito à pessoa). Quando ele ocorre no casamento, aplica-se dispositivos especiais (art. 1556 a 1158 do CC). Art. 1.556. O casamento pode ser anulado por vício da vontade, se houve por parte de um dos nubentes, ao consentir, erro essencial quanto à pessoa do outro. Art. 1.557. Considera-se erro essencial sobre a pessoa do outro cônjuge: I - o que diz respeito à sua identidade, sua honra e boa fama, sendo esse erro tal que o seu conhecimento ulterior torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado; II - a ignorância de crime, anterior ao casamento, que, por sua natureza, torne insuportável a vida conjugal; III - a ignorância, anterior ao casamento, de defeito físico irremediável, ou de moléstia grave e transmissível, pelo contágio ou herança, capaz de pôr em risco a saúde do outro cônjuge ou de sua descendência; IV - a ignorância, anterior ao casamento, de doença mental grave que, por sua natureza, torne insuportável a vida em comum ao cônjuge enganado. Art. 1.558. É anulável o casamento em virtude de coação, quando o consentimento de um ou de ambos os cônjuges houver sido captado mediante fundado temor de mal considerável e iminente para a vida, a saúde e a honra, sua ou de seus familiares. Inciso III: Aqui estamos diante do erro de direito (erro iuris). Costuma-se questionar em provas a diferença entre o erro de direito e o art. 3º da LINBD. Art. 3o Ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece. Aqui no inciso III do art. 139 do CC não se está alegando o desconhecimento da lei. O que há é um falso conhecimento na aplicação da lei/norma. Ex: compro um imóvel em Iguaba para loteá-lo. Mas uma lei municipal impede o loteamento. Se conhecesse esta vedação quanto ao loteamento, não teria comprado o imóvel (erro de direito). 2
OBS3: Erro por meios interpostos (art. 141 do CC) Art. 141. A transmissão errônea da vontade por meios interpostos é anulável nos mesmos casos em que o é a declaração direta. O erro por meio interposto é admitido. Esse meio pode ser qualquer meio de comunicação entre duas pessoas (ex: e-mail, carta). OBS4: Erro de cálculo (art. 143 do CC) Art. 143. O erro de cálculo apenas autoriza a retificação da declaração de vontade. O erro de cálculo não anula o negócio, mas apenas fundamenta a sua retificação. Dolo Artigo 145 do Código Civil Art. 145. São os negócios jurídicos anuláveis por dolo, quando este for a sua causa. O dolo é um ardil (artifício) praticado por uma das partes para obter proveito em face do prejuízo de outrem. No CC/16 esse proveito necessariamente tinha que ser econômico/patrimonial. Com o processo de despatrimonialização do direito civil, esse prejuízo pode ter qualquer natureza (patrimonial ou extrapatrimonial). Não é necessário demonstrar perda econômica (posição de Nelson Rosenvald). O que deve haver é o benefício de um e o prejuízo de outro. Os autores clássicos (Caio Mário da Silva Pereira, Orlando Gomes, entre outros) ainda exigem a perda econômica. A grande diferença entre o dolo e o erro está na postura do beneficiário. No dolo, ele tem uma postura ativa; o beneficiário concorre para a formação da vontade da vítima. Espécies de dolo: O dolo, assim como o erro, também pode ser essencial ou acidental. A consequência é a mesma. No caso de dolo essencial, o negócio jurídico é anulável. No dolo acidental, embora o negócio jurídico seja válido, são devidas perdas e danos (art. 146 do CC) por conta da postura do beneficiário. Art. 146. O dolo acidental só obriga à satisfação das perdas e danos, e é acidental quando, a seu despeito, o negócio seria realizado, embora por outro modo. OBS1: Dolo por omissão: É possível que fique caracterizado o dolo quando o beneficiário fica de silêncio de forma intencional (art. 147 do CC). Art. 147. Nos negócios jurídicos bilaterais, o silêncio intencional de uma das partes a respeito de fato ou qualidade que a outra parte haja ignorado, constitui omissão dolosa, provando-se que sem ela o negócio não se teria celebrado. 3
OBS2: Dolo de terceiro: Nem sempre que pratica o dolo é o beneficiário. O negócio jurídico será anulável se o beneficiário estimula a prática do dolo ou pelo menos tinha conhecimento dele. Caso o negócio jurídico seja válido, o terceiro responderá pelas perdas e danos. Vide artigo 148 do Código Civil. Art. 148. Pode também ser anulado o negócio jurídico por dolo de terceiro, se a parte a quem aproveite dele tivesse ou devesse ter conhecimento; em caso contrário, ainda que subsista o negócio jurídico, o terceiro responderá por todas as perdas e danos da parte a quem ludibriou. OBS3: Dolo de representante: Primeiramente, há que se verificar se o representante é legal ou convencional (art. 149 do CC). Art. 149. O dolo do representante legal de uma das partes só obriga o representado a responder civilmente até a importância do proveito que teve; se, porém, o dolo for do representante convencional, o representado responderá solidariamente com ele por perdas e danos. No caso do representante legal, o representado responde no limite do proveito. Se ele foi representante convencional, o representado responde solidariamente com o representante. O dispositivo do Código Civil não diz se o negócio jurídico é válido ou não. Trata-se de dolo como outro qualquer, e, portanto o negócio é anulável. OBS4: Dolo de recíproco (art. 150do CC): Ocorre quando ambas as partes praticam o dolo. O negócio jurídico é válido porque os dolos se compensam (a não ser que o negócio seja nulo ou anulável por outro motivo qualquer). Art. 150. Se ambas as partes procederem com dolo, nenhuma pode alegá-lo para anular o negócio, ou reclamar indenização. OBS5: Dolo malus e dolo bonus (art. 150do CC): O dolo malus macula o negócio jurídico. Já o dolo bonus é admitido nas relações civis. Este último é o exagero, que só não é admitido apenas nas relações de consumo. Coação Artigo 151 do Código Civil Há duas espécies de coação: Art. 151. A coação, para viciar a declaração da vontade, há de ser tal que incuta ao paciente fundado temor de dano iminente e considerável à sua pessoa, à sua família, ou aos seus bens. Coação pela via absoluta ou coação física: há um perigo imediato. É uma força externa tão grave que é como se o elemento essencial consentimento não estivesse presente. O negócio jurídico é inexistente. Não é essa a coação que nos interessa; 4
Coação pela via relativa ou coação moral: é essa que torna o negócio jurídico anulável. Requisitos: (1) perigo iminente (há um espaço de reflexão); (2) mal certo e determinado; (3) mal injusto (art. 153 do CC) (o mal praticado no exercício regular de um direito e o temor reverencial não são considerados coação ); (4) proporcionalidade entre o mal praticado e o prejuízo sofrido. OBS: Coação praticada por terceiro. O negócio jurídico será anulável ou não a depender se o beneficiário conhecia ou não a prática da coação (ou pelo menos se devia ter conhecimento). Vide art. 154 do CC. Art. 154. Vicia o negócio jurídico a coação exercida por terceiro, se dela tivesse ou devesse ter conhecimento a parte a que aproveite, e esta responderá solidariamente com aquele por perdas e danos. Se o beneficiário conhecia a coação, o negócio é anulável e a responsabilidade é solidária. Se o beneficiário não conhecia, o negócio jurídico é válido e o terceiro responde por perdas e danos. Vide artigo 155 do Código Civil. Art. 155. Subsistirá o negócio jurídico, se a coação decorrer de terceiro, sem que a parte a que aproveite dela tivesse ou devesse ter conhecimento; mas o autor da coação responderá por todas as perdas e danos que houver causado ao coacto. Vício Social... O único que existe no CC/02 é a fraude contra credores. Vejamos. Fraude contra credores Em regra, a fraude contra credores decorre de uma transferência de bens realizada pelo devedor com o objetivo de dificultar o adimplemento da obrigação. Não é qualquer transferência de bens que configura fraude. Para saber quando configura fraude, dependerá se esta transmissão é gratuita ou onerosa. Transmissão gratuita: o único requisito para que configure a fraude é a insolvência. Vide art. 158 do CC. Art. 158. Os negócios de transmissão gratuita de bens ou remissão de dívida, se os praticar o devedor já insolvente, ou por eles reduzido à insolvência, ainda quando o ignore, poderão ser anulados pelos credores quirografários, como lesivos dos seus direitos. Transmissão onerosa: existem dois requisitos para configurar a fraude: (1) a insolvência; (2) a notoriedade da insolvência, que deve ser conhecida pelos adquirentes do bem (é o que a doutrina chama de conluio na fraude concilium fraudis). Vide art. 159 do CC. Art. 159. Serão igualmente anuláveis os contratos onerosos do devedor insolvente, quando a insolvência for notória, ou houver motivo para ser conhecida do outro contratante. fraude. Atenção! Art. 160 do CC: o que o adquirente deve fazer para que a aquisição do bem não seja considerada 5
Art. 160. Se o adquirente dos bens do devedor insolvente ainda não tiver pago o preço e este for, aproximadamente, o corrente, desobrigar-se-á depositando-o em juízo, com a citação de todos os interessados. Os atos praticados em fraude contra credores são (duas correntes): (1) Anuláveis: a justificativa é a lei (está no artigo 171, II, do CC) Art. 171. Além dos casos expressamente declarados na lei, é anulável o negócio jurídico: II - por vício resultante de erro, dolo, coação, estado de perigo, lesão ou fraude contra credores. (2) Ineficazes em relação ao credor (majoritária na doutrina e na jurisprudência): Não há vício nos elementos essenciais (art. 104 do CC), então eles não são nulos nem anuláveis. Esta corrente é pela ineficácia dos atos praticados em fraude contra credores, a fim de que eles fiquem protegidos. De qualquer forma (anuláveis ou ineficazes), quem pode impugnar são os credores quirografários ou os credores com garantia real insuficiente (art. 158, 1º do CC). A ação a ser proposta é a ação pauliana (ação de conhecimento, rito ordinário) objetivando que seja declarada a ineficácia dos atos para que o patrimônio transferido retorne para as mãos do devedor. A ação é proposta contra o devedor e todos os adquirentes dos bens. Segundo alguns autores, ela é um embrião da função social do contrato. 6