INCLUSÃO DIGITAL EM UMA PERSPECTIVA AUTOPOIÉTICA Nize Maria Campos Pellanda UNISC (Universidade de Santa Cruz do Sul)

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Transcrição:

INCLUSÃO DIGITAL EM UMA PERSPECTIVA AUTOPOIÉTICA Nize Maria Campos Pellanda UNISC (Universidade de Santa Cruz do Sul) nizepe@portoweb.com.br RESUMO: Essa comunicação relata um projeto de pesquisa em andamento com 16 meninos oriúndos de classes populares na cidade de Santa Cruz do Sul, sul do Brasil. Esse projeto está sendo desenvolvido na Universidade de Santa Cruz do Sul que é uma universidade comunitária com intensa atividade no contexto regional. O eixo teórico desse projeto gira em torno dos pressupostos desenvolvidos pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela para dar conta de uma abordagem cibernética da cognição como também das elaborações de Sherry Turkle do MIT que coloca as questões sobre os processos de subjetivação implicados na relação dos seres humanos com o computador. Outros conceitos teóricos são agregados para complementar esse quadro. Para perseguir nossa questão central optamos por uma metodologia de narratologia onde os meninos criam blogs e nele fazem narrativas sobre suas vidas e interagem com amigos virtuais numa escola de Portugal. O que mais nos importa nessa investigação são as emergências, ou seja os fenômenos que emergem no processo. Esses serão analisadas à luz referenciais teóricos escolhidos. Palavras-chave: inclusão digital- autopoiesis- construção conhecimento/subjetividade- auto-narrativas. 1. Introdução Gostaríamos de destacar inicialmente o fato de ser esse projeto um processo em andamento e, por isso, não apresentaremos aqui resultados de pesquisa mas apenas considerações sobre o fluxo para que possam ser discutidas com os colegas enriquecendo assim o presente trabalho. A proposta central desse projeto é pensar novas práticas educativas a partir de um Paradigma Complexo que integre todas as dimensões do humano e enfatize a complexidade do par autonomia/rede na constituição dos seres vivos. A partir do pressuposto oriundo do conceito de Autopoiesis desenvolvido pelos biólogos chilenos Humberto Maturana e Francisco Varela de que a vida é um processo cognitivo (Maturana e Varela, 1990), procuraremos contemplar a inseparabilidade do ser e do conhecer através de um ambiente digital. Com isso, estaremos perseguindo a meta de uma Inclusão Digital na medida em que estaremos contribuindo para que os sujeitos da pesquisa, procedentes de classes sociais de baixa renda, tenham oportunidade de um desenvolvimento cognitivo/afetivo mais integrado. Um outro fator importante é que as atividades envolvidas podem se constituir no desenvolvimento de competências para o novo mundo do trabalho. VII Congresso Iberoamericano de Informática Educativa 434

A escola tradicional tem se mostrado de uma inadequação profunda para responder às necessidades de constituição dos seres humanos e de preparação para um novo contexto produtivo, tendo incorrido na severa clivagem, herdada do cartesianismo, ação versus conhecimento, como se o conhecimento fosse independente da ação do sujeito que conhece. Ou seja, tudo se passa como se o conhecimento estivesse nos objetos e não nas relações. Segue-se a essa dicotomia muitas outras num desdobramento que esfacela os seres humanos: exterior /interior, corpo/mente e emoções, eu/outro, sujeito/objeto, seres humanos/máquinas e virtual/real. O fracasso da escola tradicional em desenvolver aprendizagens efetivas para a vida pode ser imputado à sua inadequação às necessidades vitais dos seres humanos. Um novo paradigma científico nos mostra a necessidade de romper com a formalização e a simplificação do paradigma tradicional para fazermos frente às necessidade de repensar profundamente o processo ensino-aprendizagem. Nesse sentido, estamos propondo um modelo de trabalho pedagógico que use o computador como ferramenta potencializadora de cognição/sujeito, o que estaria de acordo com o paradigma da complexidade onde sujeito e objeto formam um sistema integrado e complexo e no qual a cognição é considerada como um processo de adaptação complexa que toca em todos os aspectos da vida de uma pessoa. Tendo em vista essas reflexões e considerando-se que não existe um mundo exterior independente da ação dos sujeitos cognitivos e, portanto, a realidade/conhecimento somente acontece com nossa ação efetiva sobre essa realidade, colocamos nosso problema: - como as atividades com o computador podem potencializar o processo de construção conhecimento/sujeito transformando-se em práticas emancipatórias voltadas para a formação de seres autônomos (autores) e solidários? Nossas hipóteses são as seguintes: - a oferta de um espaço virtual complexo pode levar a uma auto-experimentação dos sujeito onde o uso da técnica pode servir como ampliador do humano, o que oportuniza que as diferentes dimensões da realidade possam ser integradas; - a participação em um ambiente de rede telemática cria um ambiente de perturbações através da interação e da simulação altamente potencializadora de construção de conhecimento/sujeito; - as atividades de narrativas na própria página dos sujeitos envolvidos (Blog) pode ser um instrumento poderoso de autoria/autonomia com o resgate da auto-estima e de potencialização do sujeitos; VII Congresso Iberoamericano de Informática Educativa 435

- na perspectiva autopoiética os seres humanos precisam inventar sua realidade sem a possibilidade de uma representação externa. As atividades propostas em termos de que os alunos possam imaginar uma vida e um projeto para si mesmo levam a auto-configurações importantíssimas para a construção do self. 2. Arcabouço teórico Turkle (1997) nos fala de duas estéticas conflitantes em nossos dias, em relação à abordagem do uso dos computadores. A primeira seria a estética computacional moderna segundo a qual nos relacionamos com o computador em termos de que este é uma máquina que segue regras estritas e claras. Por essa estética, poderíamos analisar coisas complicadas simplesmente fragmentando tudo em pequenas partes. A segunda estética seria aquela que trabalha com simulação, navegação e interação. Para a autora citada, nós estamos entrando cada vez mais nesse segundo modelo que é o modelo da complexidade, ou seja, aquele que não simplifica a realidade cujas dimensões se tecem de forma conjunta. Procuramos trabalhar pautados por essa perspectiva. Para isso escolhemos conceitos operatórios advindos de descobertas recentes das ciências complexas. O principal conceito, como já foi referido, é o de Autopoiesis. Para Maturana e Varela (1990), esse termo se refere ao funcionamento dos seres vivos como seres que se produzem a si mesmos num processo onde o cognitivo é inerente ao processo de viver. Por isso, eles expressam essa situação com o aforismo: Viver é conhecer. Conhecer é viver (Idem) Essa teoria leva o nome de Biologia da Cognição exatamente devido ao papel do conhecimento para o processo do viver. A palavra autopoiesis se origina de dois vocábulos gregos: auto que significa por si e poiesis que nos sugere criação. Os seres vivos seriam, segundo essa postura teórica, seres que se auto constroem continuamente sendo que aquilo que vem de fora do sujeito não o determina mas apenas o perturba. Trata-se de um conceito complexo pois nele coexistem duas dimensões que, para uma lógica formal, seriam contraditórias: autonomia e rede. Nessa concepção, acreditamos que o computador pode ajudar os sujeitos a se construir autopoieticamente na medida em que estabelecem relações com a própria máquina e com outros sujeitos e, ao mesmo tempo, agem sobre uma realidade plástica onde vão se refazendo VII Congresso Iberoamericano de Informática Educativa 436

continuamente, exercendo sua autoria. É exatamente com essa preocupação que introduzimos as auto-narrativas nas ferramentas Blogs. É interessante observar que no trabalho em ambiente digital, o sujeito tem a possibilidade de refletir continuamente sobre seu processo, podendo então, pensar sobre seu pensar que o faz ter o controle de seu próprio processo cognitivo. Poderíamos falar então em metacognição. Profundamente articulados com esses pressupostos autopoiéticos trazemos também as elaborações de Sherry Turkle que nos acena com um processo de subjetivação que emerge na relação com o computador. Diz ela: Nesta realidade virtual, nós nos auto-fazemos e nos autocriamos (Turkle, 1997, p, 180). A tecnologia é uma ferramenta poderosa para o conhecimento. O computador é uma metáfora muito significativa para o pensamento. Nesse sentido, Pierre Levy nos fala em Tecnologias da Inteligência (1993) e, a partir daí, cria o conceito de Ecologia Cognitiva, que para nós tem sido de grande utilidade operatória. Para Levy, (idem) as tecnologias da inteligência podem se articular de tal forma com o nosso sistema cognitivo que passam a ter nele um papel constitutivo. Um outro elemento muito importante a ser considerado é a questão da solidariedade. Maturana, (1999) nesse últimos anos, vem trabalhando num desdobramento de sua teoria que ele chama de Biologia do Amor. Para ele, o amor não é uma questão trivial mas algo constitutivo dos seres humanos uma vez que a rede é o modelo da vida. (1991) As atividades desenvolvidas no computador podem facilitar as interações e, por isso, oportunizam a formação de redes. Muitos são os estudos em Informática Educativa que estão mostrando a força das interações e a emergência de laços afetivos num ambiente digital solidário. Pensa-se em sistema e tende-se à desenvolver alteridade ( Gorczevski e Pellanda, 2000). Nesse sentido integrador das diversas dimensões do humano e do papel da ação do sujeito que é autor de seu próprio processo cognitivo, poderíamos lançar mão dos pressupostos do construtivismo piagetiano bem como construtivismo radical que está implícito na autopoiesis, para melhor entender a questão da aprendizagem no meio digital. O construtivismo radical surge como desdobramento da teoria da Biologia da Cognição dos referidos biólogos. Na perspectiva construtivista não há transmissão, mas invenção. Conhecer é desubstancializado, pois é um processo, e, por isso, o conhecimento não estaria nem no objeto nem no sujeito mas na relação. Quanto ao construtivismo piagetiano podemos nos reportar à hipótese teórica de Piaget que VII Congresso Iberoamericano de Informática Educativa 437

aponta para a questão de que o primeiro organizador é a ação (Piaget, 1982). O ambiente virtual comparece, então, como palco da ação do sujeito em seu processo organizador de seu desenvolvimento e como fonte de perturbações das quais nos fala Maturana (1990). As atividades dos alunos são focalizadas nas auto-narrativas. Com isso, nós procuramos criar um ambiente de aprendizagem onde a auto-estima esteja presente. Ao contar suas histórias pessoais esses sujeitos estão resgatando algo muitoimportante de si e, ao mesmo tempo, se configurando através de uma recursividade. Escrever e falar para Maturana (1999) criam um mundo. Nesse sentido, os estudos lingüísticos se fazem presentes cada vez mais em muitas ciências (psicologia, biologia, etc.) Nessa situação, há uma abordagem não-representacionista da realidade o que estaria de acordo com a teoria da Biologia da Cognição que nos mostra a impossibilidade de representação da realidade sugerindo uma invenção/construção da mesma. O lingüista João W. Geraldi expressa muito bem o que estamos querendo defender ao adotar a questão da linguagem como constituinte do humano: O deslocamento da noção de representação para a noção de trabalho lingüístico exige incorporar o processo de produção de discursos como essencial, de modo que não se trata mais de aprender uma língua para dela se apropriar, mas trata-se de usá-la e, em usando-a, apreendê-la. (Geraldi, 2000, p.4) 3. Emergências Com os pressupostos teóricos descritos vamos analisando as emergências e, ao mesmo tempo, com base neles vamos reconfigurando nossa caminhada que não é um programa tipo passo por passo, mas uma carta de navegação. Por esse motivo, o que mais nos importa nesse projeto não são os produtos acabados, mas as emergências. Emergências tem a ver com o resultado das interações a partir do ambiente que construímos. Nesse sentido, o conceito de Ecologia Cognitiva de Lévy, já referido, tem sido de grande valor operatório pois vamos podendo entender o funcionamento em sistema, com o papel da recursividade e da auto-organização em ação transformando-se em reconfigurações e, portanto, em aprendizagens. VII Congresso Iberoamericano de Informática Educativa 438

A ferramenta Blogger 1 tem a função de oportunizar aos sujeitos elaborar com facilidade a sua própria página e poder usá-la para narrativas de si e outras criações e, ao mesmo tempo, interagir com outros companheiros virtuais. O que vamos constatando no decorrer do processo é uma transformação dos sujeitos no sentido de textos cada vez mais elaborados e, ao mesmo tempo, uma facilidade para ir se contando/reconfigurando. Vamos observando no processo nítidos sinais de mudanças nas formas como esses jovens vão se relacionando com o aprender, com os outros e com eles próprios. A todo o tempo nos perguntamos: que tipo de cognição está emergindo aí e que subjetividades? Para Turkle (1997), o computador implica uma mudança profunda na maneira como pensamos a nós mesmos. Para ela, o computador é um objeto para nos ajudar a pensar e a nos pensar. O projeto prevê um intercâmbio com amigos virtuais. Estamos nesse momento iniciando os contato com uma turma de uma escola na cidade de Barcelos (Portugal). Os alunos portugueses terão acesso aos blogs de nossos alunos e farão troca de e-mails para comentar os textos lidos. Como última etapa do trabalho os alunos dos dois países farão relatos sobre a História e Geografia de suas regiões trocando fotos e textos. Pretendemos observar aí então, como se constituem essas redes e como esses contatos vão perturbando e reconfigurando as aprendizagens de nossos alunos. 4. Perspectivas O que pretendemos com esse trabalho é construir um quadro de referência para pensar em intervenções pedagógicas que possam mudar os rumos da educação no sentido de práticas emancipatórias e solidárias. Esse quadro de referências será construído a partir da articulação dos conceitos teóricos envolvidos com o processo vivo dos sujeitos se auto-experimentando. Para Maturana, educar é criar um ambiente de convivência o que ele expressa nas seguintes palavras: Pensamos que é tarefa do âmbito escolar criar as condições que permitam ao menino ou à menina ampliar sua capacidade de ação e reflexão no mundo em que vive, de modo que possa contribuir para a sua 1 Blogger é um mini site de fácil elaboração onde se pode colocar o material pessoal e estabelecer links. Alem disso facilita muito a interação. VII Congresso Iberoamericano de Informática Educativa 439

conservação e transformação de maneira responsável em coerência com a comunidade e entorno natural a que pertence. (Maturana, 1997, p.18) Essas condições correspondem àquele ambiente onde os alunos e alunas possam se experimentar num ambiente de relações solidárias que servem de perturbações constantes para o desenvolvimento. Os fenômenos que vão emergindo no fluir do processo estão nos autorizando a ir sistematizando nossos achados e pressupostos rumo a uma teoria complexa em educação onde o computador é instrumento técnico que amplia a inteligência porque permite a articulação profunda entre viver e aprender. Encerro com Turkle: A Tecnologia cataliza mudanças não somente no que nós fazemos, mas em como nós pensamos. (Turkle, 1984,p.13) 5. Bibliografia Geraldi, João Wandereley (2000). Anais da Conferência Sócio-Cultural. Unicamp.www.fae.unicamp Gorczevski, D., Pellanda, N. (2000). A engenharia do laço social sobe o morro. IN: PELLANDA, N.M. e PELLANDA, E.C. (orgs). Ciberespaço: um hipertexto com Pierre Levy. Porto Alegre, Artes & Ofícios. Levy, Pierre (1993). As Tecnologias da Inteligência. São Paulo, Ed.34. Maturana, Humberto (1999). Transformación. Santiago, Dólmen. (1991). Emocios y lenguaje en Educacion Y Politica. Santiago, Hachette. (1997). Formacion Humana y Capacitacion. 2ed. Santiago, Dólmen. Maturana, H., Varela, F. (1991). El árbol del conocimiento. Santiago, Universitária. Piaget, Jean (1982). O nascimento da inteligência na criança. Rio de Janeiro, Zahar. Turkle, Sherry (1997). Life on the screen. New York, Touchstone. Turkle, Sherry (1984). The second self-computers and the human spirit. New York, Simon and Shuster. VII Congresso Iberoamericano de Informática Educativa 440