Sobre Domínios Euclidianos



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Transcrição:

Sobre Domínios Euclidianos Clarissa Bergo Bianca Fujita Lino Ramada João Schwarz Felipe Yukihide Setembro de 2011 Resumo Neste texto, apresentaremos formalmente o que vem a ser domínio euclidiano, alguns exemplos e os seus principais resultados. Basicamente um anel euclidiano é a generalização dos inteiros, considerando o algoritmo de divisão de Euclides. Mostraremos que num anel euclidiano (assim, como nos inteiros), é possível ter um algoritmo para calcular o máximo divisor comum entre dois elementos (definiremos o que vem a ser o mdc para domínios comutativos), é possível fatorar unicamente cada elemento como produto de elementos irredutíveis e apresentaremos uma caracterização dos elementos irredutíveis e invertíveis do domínio. No fim, apresentaremos resultados sobre o anel dos inteiros de Gauss Z[i], e comentaremos mais algumas aplicações. Conceitos básicos Apresentaremos algumas definições básicas, que serão úteis ao decorrer do texto. Começaremos com conceitos básicos envolvendo divisibilidade: Definição 1. Considere A um anel comutativo e a, b A. Dizemos que b divide a se existe algum c A de modo que a = bc. O elemento b é chamado de divisor de a. Definição 2. Seja A um anel comutativo. Um elemento a A invertível com relação ao produto é denominado uma unidade. O conjunto das unidades de A é denotado por A. Definição 3. Sejam A um anel comutativo e a, b A. Se existe uma unidade c A tal que a = bc, então a e b são denominados elementos associados. Um divisor de a que não é seu associado e não é unidade é denominado um divisor próprio de a. Um elemento que não admite um divisor próprio é denominado irredutível. Proposição 1. Considere A um anel comutativo. A relação, dado por a b se a e b são associados, é uma relação de equivalência. Demonstração. Imediato. Definição 4. Sejam A um anel comutativo e a, b A. Considere c A satisfazendo: 1

i. c divide a e b ii. Se d A divide a e b, então d divide c um tal elemento é denominado um máximo divisor comum de a e b. Denotamos por c = mdc(a, b). [ Nem sempre dois elementos irão admitir um mdc. Por exemplo, considere 3 ] Z = {a + b 3 : a, b Z} e os elementos 4 e 2 + 2 3. Note que 2 e 1 + 3 são divisores comuns de ambos e um não é multiplo do outro, e disto segue que não podem ter um mdc. No fim deste texto poderemos apresentar uma demonstração formal deste fato. Definição 5 (Domínio Euclidiano). Seja R um domínio de integridade. Considere uma função ϕ : R \ {0} N 0 satisfazendo: i. a, b R, com b 0, existem q, r R, com r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(b), de modo que a = bq + r ii. a R, ϕ(a) ϕ(ab), b R \ {0} o conjunto (R, ϕ) é denominado um Domínio Euclidiano. Um domínio euclidiano é a generalização do algoritmo de divisão dos inteiros para anéis (domínios de integridade) em geral. Exemplo 1. Inteiros com a função ϕ(z) = z é um domínio euclidiano. Exemplo 2. Considere K um corpo. Então, o anel de polinômios K[X] é um domínio euclidiano. De fato, considere ϕ(p(x)) = grau (p(x)). A segunda condição de domínio euclidiano é imediata. Basta verificar a primeira: Considere f(x), g(x) K[x]. Se f(x) = 0 ou grau f(x) < grau g(x), então nada a fazer. Supondo grau f(x) grau g(x), escreva f(x) = a n x n + + a 0 e g(x) = b m x m + + b 0. Note que f 1 (x) = f(x) an b m x n m g(x) é tal que grau f 1 (x) < grau f(x) e f(x) = an b m x n m g(x) + f 1 (x). Se f 1 (x) = 0 ou grau f 1 (x) < grau g(x), então acabou. Caso contrário, repita o processo para f 1 (x) e encontre f 2 (x), que satisfaz f 1 (x) = p(x)g(x) + f 2 (x) e grau f 2 (x) < grau f 1 (x). Se f 2 (x) = 0 ou grau f 2 (x) < grau g(x), então acabou. Caso contrário, continue o processo até encontrar um f k (x) adequado. Daí K[x] é um domínio euclidiano. Teorema 1. Considere R um domínio euclidiano. Então R será um domínio de ideais principais. Demonstração. Considere I um ideal de R e ϕ a função que satisfaz as condições do domínio euclidiano. O subconjunto dos inteiros não negativos {ϕ(x) : x I} admite um menor elemento. Considere x I tal que ϕ(x) é o mínimo do conjunto, ou seja, se y I, então ϕ(x) ϕ(y). Note que o ideal gerado por x, x, está contido em I. Seja agora z I. Então, existem q, r R tais que z = xq + r, com r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(x). Note que, como z, qr I, temos r I. 2

Logo, r não pode satisfazer ϕ(r) < ϕ(x), e então, temos r = 0. Segue que z = qx, e então, z x. Daí x = I, ou seja, I é um ideal principal. Como I é arbitrário, segue que R é um domínio de ideais principais. A volta não vale. Um contra exemplo é { } 1 19 z 1 2 + z 2 : z 1, z 2 Z, z 1 z 2 mod 2 2 Lema 1. Se R é um domínio de ideais principais, então todo a, b R possui um mdc. Além do mais, existem r, s R de modo que ar + bs = mdc(a, b). Demonstração. Seja c R tal que a, b = c. Então c = ar + bs, para algum r, s R. Afirmamos que c = mdc(a, b). De fato, temos a a, b = c, logo, c divide a. Da mesma forma, c divide b. Considere d um divisor comum de a e b. Então, em particular, d divide ar + bs = c, concluindo o resultado. Fatoração e MDC Num domínio euclidiano, temos uma boa caracterização das unidades e temos uma forma de verificar que um elemento é irredutível: Proposição 2. Seja R um domínio euclidiano com função ϕ. Então a R é uma unidade se, e somente se, ϕ(a) = ϕ(1). Demonstração. Se a é invertível, então ϕ(1) ϕ(a) ϕ(aa 1 ) = ϕ(1). Segue que ϕ(a) = ϕ(1). Reciprocamente, considere b R, b 0. Temos ϕ(b) ϕ(ab). Existem q, r R tais que b = (ab)q + r. Se r 0, então, teríamos r = b(1 aq), e então, ϕ(r) = ϕ(b(1 aq)) ϕ(b), absurdo. Daí r = 0, ou seja, b(1 aq) = 0. Como R é um domínio, temos 1 aq = 0, ou seja, a é invertível. Proposição 3. Nas mesmas hipóteses, considere m = min{ϕ(x) : x R, x 0, x / A }. Então y R tal que ϕ(y) = m é irredutível e m > ϕ(1). Demonstração. Considere y com ϕ(y) = m. Então ϕ(1) ϕ(y 1) = m, e se valesse a igualdade, teríamos y invertível, absurdo pela construção de m. Agora, suponha y = ab. Então ϕ(a) ϕ(y), e se ϕ(a) < m, segue que a é invertível, e se ϕ(a) = m, segue que ϕ(b) = 1 < m, e então, b é invertível. Proposição 4. Se a b, então ϕ(a) = ϕ(b). Demonstração. Considere u invertível tal que a = bu. Então ϕ(a) = ϕ(bu) ϕ(buu 1 ) = ϕ(b). De forma análoga temos ϕ(b) ϕ(a), e então ϕ(a) = ϕ(b). Para concluir que nem todo par de elementos [ num anel possui mdc, provamos z ] um lema. Nem para todo z Z temos Z anel euclidiano, mas, podemos estudar a função norma : [ z ] Lema 2. Considere Z = {a + b z : a, b Z}. A função norma N : [ z ] Z N 0, N(a + b z) = a 2 zb 2 é multiplicativa. Além disso, a é invertível se, e somente se, N(a) = 1. E se N(a) é primo, então a é irredutível. 3

Demonstração. N ser multiplicativo é imediato. Agora, se a é invertível, então 1 = N(1) = N(aa 1 ) = N(a)N(a 1 ), e então, temos necessariamente N(a) = 1. Reciprocamente, temos 1 = N(a) = aā, e segue que a 1 = ā. Por fim, suponha N(a) primo. Então, se a = bc, então N(a) = N(bc) = N(b)N(c), e daí, N(b) = 1 ou N(c) = 1. Segue que b ou c é invertível (e portanto, o outro é associado a a), e então, a não admite divisor próprio. Daí a é irredutível. Nota. No caso especial em que z = 1, temos o anel dos inteiros de gauss, denotado por Z[i], que inclusive é um domínio euclidiano, como veremos adiante. Com esse lema, podemos mostrar que 4 e 2 + 2 [ 3 não possuem mdc em 3 ] Z. Suponha d um mdc. Como 2 é um divisor comum de ambos, temos que 2 divide d, e então, podemos escrever d = 2x. Note que 1 + 3 também é um fator comum de ambos, daí, deve dividir d, ou seja, deve dividir 2x. Como 1 + 3 não divide 2 (pois se dividisse, poderíamos escrever (1 + 3) = 2q, mas q = 1 2 + 1 [ 3 ] 2 3 / Z ), segue que x = (1 + 3)y. Mas, escrevendo 4 4 = dk, deveríamos ter yk = 2(1+ = 2 1 3 3) 4 / Z que tal d não pode existir. [ 3 ], absurdo. Segue Mostraremos que num domínio euclidiano, todo elemento pode ser fatorado como produto de irredutíveis de maneira única, a menos de associados. Lema 3. Considere a, b R \ {0}, com b não unidade. Então ϕ(a) < ϕ(ab). Demonstração. Suponha ϕ(a) = ϕ(ab). Quero concluir que b é invertível. Por R ser domínio euclidiano, existem q, r R, com r = 0 ou ϕ(r) < ϕ(ab) = ϕ(a) de modo que a = (ab)q + r Mas, temos que r = 0, pois se não fosse, teríamos r = a abq = a(1 bq), e então, ϕ(r) = ϕ(a(1 bq)) ϕ(a), absurdo. Segue que a = abq, e então, a(bq 1) = 0, e como a 0 e R é um domínio, temos bq = 1, ou seja, b é invertível. Lema 4. Se b divide ac e mdc(a, b) = 1, então b divide c. Demonstração. Como mdc(a, b) = 1, existem r, s R de modo que ar + bs = 1. Multiplicando por c, obtemos arc + bsc = c. Daí, b divide arc, por hipótese, e b divide bcs. Segue que b divide c. Corolário 1. Em um domínio euclidiano, se b é irredutível e b divide ac, então b divide a ou b divide c. Demonstração. Assuma que b não divide a, ou seja, mdc(a, b) = 1. Segue que b divide c. Corolário 2. Se b é irredutível e divide a 1 a n, então b divide a m, para algum m em {1,, n}. Teorema 2. Considere R um domínio euclidiano. Então todo x R é invertível ou pode ser escrito como produto de irredutíveis. 4

Demonstração. Demonstraremos por indução em ϕ(x). Se ϕ(x) = ϕ(1), então x é invertível e acabou. Agora, assuma que todo y, com ϕ(y) < ϕ(x) pode ser escrito como produto de irredutíveis. Se x é irredutível, então acabou. Então, suponha x = bc, com b e c não unidades. Então ϕ(b) < ϕ(x) e ϕ(c) < ϕ(x), e segue, por hipótese de indução, que b e c podem ser escrito como produto de irredutíveis, e tem-se o resultado. Teorema 3. Considere R um domínio euclidiano. Então, dado x R, se x pode ser escrito de duas maneiras como produto de irredutíveis x = a 1 a n = b 1 b m, então n = m e, para alguma permutação σ S n, temos a i b σ(i), i = 1,, n. Nota. Um domínio R em que cada x R tem essa propriedade é denominado domínio de fatoração única. Demonstração. Temos x = a 1 a n = b 1 b m, e então, a 1 divide a 1 a n, e segue que a 1 divide b 1 b m, e por a 1 ser irredutível, suponha, sem perda de generalidade, pois caso necessário reordene os termos, a 1 divide b 1. Como b 1 é irredutível, segue que b 1 a 1, e então, podemos escrever a 1 a n = ua 1 b 2 b m, com u invertível. Daí, por R ser domínio de integridade, segue que a 2 a n = ub 2 b m, e por mesmo argumento, a 2 divide b 2. Continuando o processo, chegaremos que n m e a 1 b 1,, a n b n. Do mesmo modo, podemos concluir que m n e b 1 a 1,, b m a m, obtendo assim o resultado. Exemplo 3. Para z = 4k + 1, com z livre [ de quadrados (isto é, se n 1 divide z ] z, então n 2 não divide z), temos que Z não é domínio euclidiano. De fato, trabalhando com a função norma N, apresentada anteriormente, concluimos que 2 é um elemento irredutível, de fato, se 2 = xy, então necessariamente N(x) = N(y) = 2, mas não existe elemento tal que N(x) = 2, pois, escreva x = a+b z, então N(x) = a 2 zb 2 = 2, e segue que a e b possuem a mesma paridade, pois 2 não divide z. Escreva a 2 zb 2 = a 2 b 2 (z 1)b 2 = (a+b)(a b) 4kb 2, então, pelo menos 4 divide N(x), absurdo, e segue que 2 é irredutível. Além disso, z 1 = ( 1 + z)(1 + z), e 2 não divide 1 + z e nem 1 + [ z. Segue z ] que Z não é domínio de fatoração única, e então, não pode ser domínio euclidiano. Corolário 3. Num domínio euclidiano R, para todo par a, b R, podemos efetivamente calcular o máximo divisor comum (caso pudermos efetivamente calcular a divisão). Demonstração. Sejam q 1, r 1, com r 1 = 0 ou ϕ(r 1 ) < ϕ(b), de modo que a = bq 1 + r 1. Segue que todo divisor comum de a e b também divide r 1, e todo divisor comum de r 1 e b divide a. Daí, mdc(a, b) = mdc(b, r 1 ). Se r 1 = 0, então mdc(a, b) = b, caso contrário, escreva b = r 1 q 2 + r 2, com ϕ(r 2 ) < ϕ(r 1 ) ou r 1 = 0. Pelo mesmo argumento, mdc(a, b) = mdc(r 1, r 2 ), e se r 2 = 0, então mdc(a, b) = r 1, caso contrário, continue o processo. Daí, encontraremos uma sequência r 1,, r n, com ϕ(r n ) < < ϕ(r 1 ) < ϕ(b), e então, para algum m N, esse processo acaba, e teremos que mdc(a, b) = r m 1. Por fim, caracterizaremos os ideais maximais de um domínio euclidiano. Lema 5. Considere R um domínio de integridade e a, b R. Então 5

a. a divide b se, e somente se, b a b. a b se, e somente se, a = b c. a = R se, e somente se, a é unidade Demonstração. a. ( ) : Claro. ( ) : Escreva b = ac. Então b a, e segue que b a. b. Segue do anterior, pois a divide b e b divide a. c. ( ) : Temos que existe u R tal que au = 1, e então, 1 a, e daí, R = a. ( ) : Temos 1 R a. Daí 1 = ar, para algum r R, e segue que a é invertível. Corolário 4. Num domínio euclidiano, um ideal I = a é maximal se, e somente se, a é irredutível. Os Inteiros de Gauss Por fim, apresentaremos um dos domínios euclidianos mais importantes: os inteiros de Gauss! Queremos demonstrar o seguinte teorema, que quebraremos em partes Teorema 4. Considere Z[i] = {a + bi : a, b Z} e a função norma: N : Z[i] N 0 z = a + bi a 2 + b 2 Assim, temos que Z[i] é um domínio euclidiano; dados a, b Z[i] \ {0}, os elementos q, r Z[i] (com N(r) < N(b) ou r = 0) tais que a = bq + r podem efetivamente ser calculados, e ainda, os elementos irredutíveis são exatamente: i. ±p, ±pi, com p primo e p 3 mod 4 ii. z tal que N(z) é primo Mostraremos primeiramente que Z[i] é um domínio euclidiano: Proposição 5. Considere Z[i] e N : Z[i] N a função norma. Então N é multiplicativa e (Z[i], N) é um domínio euclidiano. Além disso, dados a, b Z[i], os elementos q, r Z[i] tais que a = bq + r, com r = 0 ou N(r) < N(b) podem efetivamente ser calculados. Demonstração. Verificação de que N é multiplicativa é imediata. Temos N(x) 1, x Z[i], x 0. Daí, para a Z[i], segue que N(a) N(a)N(b) = N(ab), verificando a segunda condição. Sejam a, b Z[i]. Então, quero achar q, r Z[i], com r = 0 ou N(r) < N(b), de modo que a = bq + r. Mas, temos ( a ) N(r) = N(a bq) = N(b)N b q 6

então, basta encontrar um q Z[i], de modo que, sendo q = q 1 + q 2 i Z[i] e a b = z 1 + z 2 i Q(i), z 1 q 1 1 z 2 q 2 1 2 2 mas, note que sempre é possível efetivamente calcular, pois, sendo a = a 1 + a 2 i e b = b 1 + b 2 i, a 1 + a 2 i b 1 + b 2 i = (a 1 + a 2 i)(b 1 b 2 i) b 2 1 + = a 1b 1 a 2 b 2 b2 2 b 2 1 + b2 2 + a 2b 1 a 1 b 2 b 2 1 + i Q(i) b2 2 então, tomando r = a bq Z[i], que também pode efetivamente ser calculado, temos o requerido, pois N(r) = N(b)N(a/b q) < N(b). Uma das aplicações deste anel é levar o problema de escrever um inteiro como soma de dois quadrados inteiros para o problema de uma fatoração em Z[i], mas, antes de apresentar um tal resultado, veremos um lema de teoria dos números: Lema 6 (Teorema de Fermat). Considere p um primo e a inteiro com mdc(a, p) = 1. Então a p a mod p. Demonstração. Segue pelo binômio de Newton e por indução. Teorema 5. Considere p Z um primo. São equivalentes: i. p = 2 ou p 1 mod 4 ii. Existe a Z tal que a 2 1 mod p iii. p é redutível em Z[i] iv. p = a 2 + b 2, para algum a, b Z Demonstração. (i) (ii) : Se p = 2, então ok. Suponha p 1 mod 4. Considere Z p (que é um corpo) e tome o anel de polinômios Z p [x] (segue que é domínio euclidiano, e então, fatoração única). Considere o polinômio p(x) = x p 1 1. Pelo teorema de Fermat, 1,, p 1 são raízes de p(x), e então, podemos escrever p(x) = (x 1) (x (p 1)). Mas, como p = 4k + 1, podemos escrever x p 1 1 = x 4k 1 = (x 2k + 1)(x 2k 1). Por ser fatoração única, temos que existe b (algum elemento entre 1,, p 1) com b 2k + 1 = 0. Tomando a = b k, temos que a 2 1 mod p, demonstrando o resultado. (ii) (iii) : Se a 2 1 mod p, então existe k Z tal que pk = a 2 + 1 = (a + i)(a i), e então, p divide (a + i)(a i). Se p fosse irredutível, então p dividiria a + i ou a i, o que não ocorre. Segue que p é redutível. (iii) (iv) : Escreva p = (a + bi)(c + di). Tomando a função norma, temos p 2 = N(p) = N(a + bi)n(c + di) = (a 2 + b 2 )(c 2 + d 2 ) Segue que necessariamente p = a 2 + b 2. (iv) (i) : Suponha p 2. Os possíveis valores de congruência para a 2 módulo 4 são 0 ou 1. Segue que se p é primo e soma de dois quadrados, então necessariamente temos p 1 mod 4. Assim, podemos caracterizar completamente os elementos irredutíveis de Z[i]: 7

Teorema 6. Um elemento de Z[i] é irredutível se, e somente se, é uma das formas: i. ±p, ±pi, com p primo e p 3 mod 4 ii. z tal que N(z) é primo Demonstração. Pelo teorema anterior e um lema anterior, segue que os elementos desta forma são irredutíveis. Agora, seja x = a + bi Z[i] irredutível. Se N(x) for primo, então ok. Se não, note que a bi também é irredutível, e escreva (a + bi)(a bi) = N(x) = mn. Segue, por ser fatoração única, que a + bi m. Mas, por lema anterior, os elementos invertíveis de Z[i] são exatamente {x Z[i] : N(x) = 1} = {±1, ±i}. Daí a + bi = ±m ou a + bi = ±mi, e então, a = 0 ou b = 0, ou seja, a + bi = ci ou a + bi = c. Por a + bi ser irredutível, segue que c é irredutível em Z[i], e então, irredutível em Z, e então, pelo Teorema anterior, deve ser côngruo a 3 módulo 4. Extensões da Definição de Anel Euclidiano e outras Aplicações Nessa seção vamos comentar brevemente como a definição de Anel Euclidiano pode ser extendida de maneira natural, e vamos indicar algumas aplicações um pouco mais avançadas dessa teoria. Podemos notar que em todas as demonstrações envolvendo a função ϕ a única propriedade do seu contradomínio que foi relevante foi o fato dele ser bem-ordenado: um conjunto W com uma relação binária é bem-ordenado por quando esta relação torna W um conjunto linearmente ordenado (a relação é reflexiva, simétrica, transitiva e todos os elementos de W são comparáveis) com a seguinte condição a mais: todo subconjunto de W possui um elemento mínimo. Os naturais são conhecidamente bem-ordenados pela ordem usual (esse fato é equivalente ao Princípio da Indução). Então, o que difere nessa definição extendida de Anel Euclidiano é que o contradomínio de ϕ pode ser qualquer conjunto bem-ordenado (ϕ satisfaz, é claro, as mesmas condições que antes). Não se sabe se essa definição extendida realmente contém mais anéis - é um problema em aberto. A aplicação vista da teoria foi nos inteiros de Gauss, para estudar a representação de números como soma de dois quadrados. Outra aplicação importante da teoria é na estrutura dos módulos sobre Anéis Euclidianos finitamente gerados. Por ser um assunto mais sofisticado, apenas pincelaremos os resultados. Intuitivamente, um módulo é um espaço vetorial sobre um anel. Ele é finitamente gerado quando existe um subconjunto finito que gera o módulo inteiro (na teoria de módulos, isso não tem implicação nenhuma quanto ao módulo ter uma base!). Dois exemplos típicos de módulos sobre Anéis Euclidianos são os grupos abelianos G, + e os espaços vetoriais V sobre um corpo F qualquer: G é um módulo sobre Z com a multiplicação por escalar definida de maneira natural como ng = g +... + g n vezes, se n > 0, 0g = e e ( n)g = (ng); dado um endomorfismo T de V, podemos considerar V como um módulo sobre F [x] da seguinte maneira: f(x)v = f(t )v. Usando essa caracterização, os teoremas sobre a estrutura de módulos sobre Anéis Euclidianos finitamente gerados nos dão de graça 3 teoremas importantíssimos: sobre a Estrutura dos Grupos Abelianos finitamente gerados, e os 8

teoremas da Decomposição Primária e Decomposição Cíclica em álgebra linear. Estes teoremas seguem do que seria um análogo da decomposição cíclia e decomposição primária para módulos. Referências 1. Arnaldo Garcia, Yves Lequain, Elementos de Álgebra (Quinta Edição), Projeto Euclides, Rio de Janeiro, 2001. 2. I. N. Herstein, Topics in Algebra (First Edition), Ginn and Company, Chicago, 1964. 3. Peter J. Cameron, Introduction to Algebra (Second Edition), Oxford, London, 1997. 9