CONTAMINANTES EM CEVA, RAÇÃO E PEIXES: UM GRAVE PROBLEMA AMBIENTAL E DE SAÚDE PÚBLICA Na prática da pesca esportiva e profissional são utilizadas cevas e rações amiúde produzidas pelo próprio pescador, por meio da mistura de grãos e resíduos de produtos de origem animal, onde se mantém esses produtos em baldes tampados herméticamente ou não, por um longo período, resultando na fermentação ou no apodrecimento deste material, com proliferação de microrganismos, em sua maioria patogênicos. Assim, a utilização destes materiais com o intuito de atrair os peixes tem resultado na contaminação do meio ambiente e também do pescado. Em nossos estudos, bactérias e fungos causadores de graves doenças foram isolados de cevas utilizadas por pescadores nas cidades de Castilho, Pereira Barreto, Mirandópolis, Andradina e Ilha Solteira no estado de São Paulo e Três Lagoas no estado do Mato Grosso do Sul. Por meio da análise das amostras feitas com grãos e farelo de milho, soja e arroz, associado ou não com sangue bovino e dejetos de suínos, foi possível observar a presença de diversos gêneros de fungos produtores de micotoxinas como os pertencentes ao gênero Aspergillus spp. Penicillium spp. e Fusarium spp. É importante lembrar que estas micotoxinas são altamente deletérias para aqueles que as consomem, tem elevado potencialmente cancerígeno e reduzem drasticamente a viabilidade dos alevinos e o seu desenvolvimento. Entre as bactérias, foram isoladas Listeria spp., Clostridium spp., Bacillus cereus, Salmonella spp., Shigella spp., Leptospira spp. e Escherichia coli, esta última comprovando a contaminação fecal do material. Outro fato de igual importância foi a constatação destes mesmos microorganismos no muco da parte externa e trato intestinal de exemplares de tucunarés (Cichla spp.), piaus (Leporinus friderici), piaparas (Leporinus obtusidens), pacus (Piaractus mesopotamicus), dourados (Salminus maxillosus). barbados (Pinirampus pirinanpus), mandis (Pimelodus spp.) e pintados (Pseudoplatystoma corruscans). Em um barbado constatado a ocorrência de hidrocarbonetos clorados e cádmio na análise toxicológica (Figura 3). Outro resultado de suma importância foi a constatação da elevada resistência destes microorganismos à maior parte dos antibióticos disponíveis, o que pode resultar na ineficácia do tratamento daqueles indivíduos que eventualmente venham a ser infectados por estes patógenos (Quadro 1).
Figura 1. Ceva de milho e farelo de milho utilizado para pesca. Note as colônias de fungos esverdeadas e algodonosas brancas. Figura 2. Ceva de milho, farelo de milho, soja e sangue bovino apodrecido utilizado na pesca. 2
Quadro 1. Análise de resistência bacteriana aos antibióticos. Bactérias isoladas de amostras de muco externo e trato intestinal de peixes de peixes dos rios Paraná e Tietê. Principio ativo Listeria E.coli Salmonella Shigella Proteus Vibrio Edwardisiella Aeromonas Amoxicilina R R R R R S R R Ampicilina R R I I R I I R Bacitracina I R R R R R R R Cefalexina R R R S R S R I Cefepime S I R S I S R R Ceftiofur S R R S R R I R Ciprofloxacilin S R S S R R I R Cloranfenicol S R S S R S R R Cotrimoxazol I R R R R S R R Enrofloxacina R R S S R R R R Espiramicina S R I S R R S R Estreptomicina S R S S R R S I Gatimicina R I I NT R S NT R Gentamicina R R S S I S S R Neomicina R R R S R S S R Novobiocina R R S R R NT R R Ofloxacina R R R S R S S R Penicilina R R R R S S R I Polimixina S I S I S S I S Tetraciclina R R R R I I R S Tobramicina I R S I I I I NT Legenda: resistente (R), Sensível (S), Indeterminado (I), Não testado (NT) CONCLUSÃO Deste modo pode-se verificar a ocorrência de grande número de microorganismos patogênicos na ceva, ração e em peixes provenientes dos rios Paraná e Tietê, ficando claro que, a contaminação das águas e do pescado pode ocorrer com a utilização de ceva apodrecida, mal fermentada proveniente da atividade pesqueira que ocorre em larga escala nestas regiões, gerando grave risco ao meio ambiente, aos animais e à saúde pública. Opinião: Entretanto, há que se ressaltar que a utilização de uma ceva bem preparada, com materia prima de boa procedência e bem armazenada não deve ser abolida da prática da pesca uma vez que, estes produtos fornecem alimento aos peixes, propiciando nutrientes para completar seu ciclo biológico pois, com a escassez dos alimentos naturais, disputa de recursos, desmatamento cada vez 3
maior das matas ciliares, destruição das árvores frutíferas nativas ou não nas margens dos rios e a consequente redução do número de insetos e pequenos animais que compõe a dieta dos peixes, o pescador passa a ser então um importante provedor do sustento alimentar básico destes animais. Figura 3. Barbado (Pinirampus pirinanpus) pioneiro necropsiado neste estudo. Este animal apresentava ausência de dois barbilhões e havia formação tumoral no fígado. Figura 4. Tucunaré azul capturado no rio Tietê. No conteúdo estomacal havia grande quantidade de pequenos camarões e estes, por sua vez, alimentavam-se de ceva apodrecida. O resultado da cultura microbiológica do tucunaré foi positivo para Fusarium moniliforme, o mesmo encontrado na ceva. É bom lembrar que, onde este e outros fungos produtores de micotoxinas proliferam, também há produção de toxinas altamente deletérias para a saúde dos animais e do ser 4
humano. Prof. PhD. Willian Marinho Dourado Coelho Médico Veterinário CRMV-SP 22.512 Faculdade de Ciências Agrárias de Andradina FCAA - Supervisor do setor de patologia animal 5