A CRIANÇA NA CONSTRUÇÃO DE SUA IDENTIDADE DE GÊNERO PELAS PRÁTICAS SIGNIFICATIVAS DO DISCURSO E LINGUAGEM

Documentos relacionados
9 Referências Bibliográficas

Souzana Mizan Universidade de São Paulo

8 Os contextos afectam os comportamentos dos indivíduos. Explica esta afirmação. O contexto de vida de cada um, o conjunto dos seus sistemas

Universidade Federal do ABC Pró-Reitoria de Graduação FORMULÁRIO PARA CRIAÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DE DISCIPLINAS

QUEM SOU EU? A BUSCA PELA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE NA ADOLESCÊNCIA

CONCEPÇÕES DE ALFABETIZAÇÃO, LEITURA E ESCRITA

DANIEL LUIZ POIO ROBERTI LITERACIA E PROCESSOS DE LEITURA ENVOLVIDOS NA LINGUAGEM CARTOGRÁFICA

METÁFORA E MULTIMODALIDADE: O SENTIDO RESULTANTE DA INTERAÇÃO VERBAL/IMAGÉTICO* 1

ADMINISTRAÇÃO GERAL. Gestão Estratégica. Clima e Cultura Organizacional Parte 1. Prof.ª Karen Estefan Dutra

Brinquedo de miriti e a representação idealizada do corpo: questões para o currículo

EAD- 622 FUNDAMENTOS DE CIÊNCIAS SOCIAIS O PROCESSO DE SOCIALIZAÇÃO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE ARTES VISUAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA VISUAL MESTRADO PLANO DE ENSINO DISCIPLINA:

Artefatos culturais e educação...

FORMAÇÃO DE FORMADORES Igualdade de Oportunidades - Educação para a Cidadania

Lauro Rafael Lima (Mestrando em Letras na UFSM) Notas de Pesquisa, Santa Maria, RS, v. 1, n. 0, p ,

A RELAÇÃO ENTRE CONTEÚDO E DESIGN NA ELABORAÇÃO DE OBJETOS DE TEXTO PARA A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA

Ficha de Unidade Curricular

Palavras chave: trabalho colaborativo, desenvolvimento profissional, articulação curricular, tarefas de investigação e exploração.

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE ARTES VISUAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA VISUAL MESTRADO PLANO DE ENSINO DISCIPLINA:

DESCONSTRUINDO O NORMATIVO ATRAVÉS DAS MOCHILAS: EXISTEM OUTRAS POSSIBILIDADES DE SER?

Hilda Aparecida Linhares da Silva Micarello. Professores da pré-escola: trabalho, saberes e processos de construção de identidade

USO DE ADJETIVOS EM ANÚNCIOS PUBLICITÁRIOS DE REVISTAS

A COMUNICAÇÃO HUMANA

Ficha de Unidade Curricular

Interferências de Estímulos Visuais na Produção Escrita de Surdos Sinalizadores com Queixas de Alterações na Escrita

O ENSINO DE DIDÁTICA E O PROCESSO DE CONSTITUIÇÃO PROFISSIONAL DOCENTE

UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE INSTITUTO DE LETRAS E ARTES CONCURSO PÚBLICO PROFESSOR ASSISTENTE EM LÍNGUA INGLESA. EDITAL No.

Socialização: características, mecanismos e agentes

O MITO DO FALANTE NATIVO E A CONSTRUÇÃO DE IDENTIDADE DE FUTUROS PROFESSORES DE LÍNGUA INGLESA COMO LÍNGUA ESTRANGEIRA

com que seja possível, dia após dia, reconhecer que continuamos a ser a mesma pessoa e eu o mundo ainda é o nosso mundo.

Cassirer. An Essay on Man. An Introduction to a Philosophy of Human Culture. New Haven/London: Yale University Press.1944:32

Módulo 01: As distintas abordagens sobre a linguagem: Estruturalismo, Gerativismo, Funcionalismo, Cognitivismo

Questionário de avaliação diagnóstica / Preliminary questionnaire

Education and Cinema. Valeska Fortes de Oliveira * Fernanda Cielo **

A Informática Na Educação: Como, Para Que e Por Que

Perfil das Alunas no Departamento de Computação da Universidade de Brasília

MATRIZ DE REFERÊNCIA PARA O ENEM 2009

Escolarização de pessoas com deficiência: questões de gênero

I FÓRUM PEDAGÓGICO Da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) aos Currículos

Aula 11 Desenvolvimento da linguagem: emergência da sintaxe (parte 2)

Com o autorretrato de Tarsila do Amaral é possível trabalhar a identidade da criança. Pode-se iniciar fazendo uma apresentação da artista, contando

Objetivos 05/09/2017. Ao nascermos... Psicologia aplicada à nutrição

SÍNDROME DE ASPERGER E AUTISMO

EDUCAÇÃO INFANTIL OBJETIVOS GERAIS. Linguagem Oral e Escrita. Matemática OBJETIVOS E CONTEÚDOS

Bruner. Psicologia da aprendizagem

Escolarização de meninas e meninos brasileiros: o desafio da co-educação

3. DESCONSTRUINDO O NORMATIVO ATRAVÉS DAS MOCHILAS: EXISTEM OUTRAS POSSIBILIDADES DE SER?

Inválido para efeitos de certificação

A CONSTITUIÇÃO DA SUBJETIVIDADE DA CRIANÇA: UMA REFLEXÃO SOBRE A CONTRIBUIÇÃO DA ESCOLA 1

EDUCAÇÃO INFANTIL OBJETIVOS GERAIS. Linguagem Oral e Escrita. Matemática OBJETIVOS E CONTEÚDOS

Plano de Trabalho Docente 2017 Ensino Técnico

TRANSTORNOS DO ESPECTRO DO AUTISMO (TEA)

A Biblioteca Escolar, Leitura e Literacia

A Construção de Gênero pela Indumentária: as roupas e os travestis.

E DIFERENTES: DISCUTINDO REPRESENTAÇÕES DE GÊNERO

EDUCAÇÃO INFANTIL OBJETIVOS GERAIS. Linguagem Oral e Escrita. Matemática OBJETIVOS E CONTEÚDOS

A concepção do evento em verbos icônicos representativos na língua de sinais brasileira (Libras)

UMA NOÇÃO DE TEXTO. por Gabriele de Souza e Castro Schumm

Nota-se que o crescimento da categoria masculina no Brasil e no mundo de fato existe, porém ainda há um universo de oportunidades a ser explorado o

LETRAMENTO POLÍTICO E MILITÂNCIA NA OCUPAÇÃO PAULO FREIRE EM BELO HORIZONTE

EDUCAÇÃO INFANTIL OBJETIVOS GERAIS. Linguagem Oral e Escrita. Matemática OBJETIVOS E CONTEÚDOS

10º ANO. Objectivos gerais Objectivos específicos Actividades sugeridas Tempo previsto. - Os alunos elaboram uma síntese

CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO DE Educação Visual- 6º ANO. Registo, comunicação, esquematização e visualização de simbologias gráficas

Professora: Jéssica Nayra Sayão de Paula

Leitura, Escrita e Educação Matemática. Beatriz D'Ambrosio Miami University USA. Comunicação na aula de matemática

Centro Conjunto de Operações de Paz do Brasil. Centro Sergio Vieira de Mello

Pesquisas em Discurso Pedagógico. Normas Para Publicação

Índice. 1. O Alfabetizador Ao Desenhar, A Criança Escreve?...5

USO DE FERRAMENTAS SÍNCRONAS PARA ANÁLISE DA INTERAÇÃO SOCIAL EM SUJEITOS COM AUTISMO: UM ESTUDO DE CASO

Que beleza é essa? : uma análise discursiva da campanha publicitária da Natura Viva sua beleza viva

CENTRO UNIVERSITÁRIO METODISTA DO IPA. Giselle Pinho Borba. Os signos determinam estilo? Rio Grande do Sul, 2011.

DESCOBRINDO A SI MESMO: COMO A IMAGEM CORPORAL CONTRIBUI PARA A FORMAÇÃO DA IDENTIDADE NA ADOLESCÊNCIA?

EVIDENCIANDO O SENSO COMUM COM A RELAÇÃO DE DUAS TEORIAS: REPRESENTAÇÃO SOCIAL E RELAÇÃO COM O SABER

AS RELAÇÕES LÓGICO-SEMÂNTICAS NA ORGANIZAÇÃO DA ESTRUTURA ESQUEMÁTICA EM UM TEXTO DO GÊNERO DISCUSSÃO

RELAÇÃO FAMILIA E ESCOLA: CONSTRUÍNDO A GESTÃO DEMOCRÁTICA PARTICIPATIVA

A construção pela construção

RELATOS AUTOBIOGRÁFICOS À LUZ DA PEDAGOGIA DE GÊNEROS: UMA INTERVENÇÃO EM CLASSES DE ALUNOS DE PROEJA

As crianças, o mundo e o currículo como lugar intensivo a ser criado e práxis poética

A Criança e o Entendimento da Morte: estágios da compreensão e do desenvolvimento. Amanda Dupin Terapeuta Ocupacional Novembro de 2016

Pesquisas em Discurso Pedagógico. Normas Para Publicação

Universidade Federal de Goiás Faculdade de Letras Pós-Graduação em Letras e Linguística Mestrado e Doutorado

GUIA DE FUNCIONAMENTO DA UNIDADE CURRICULAR

AS ÉTICAS FEMINISTAS. Maria Luísa Ribeiro Ferreira Faculdadede Letras da Universidade de Lisboa Centro de Filosofia da UL

A cultura. A importância da cultura no processo de humanização

DESENVOLVIMENTO DE ATIVIDADES ESCRITAS EM LÍNGUA INGLESA

A contribuição dos significados experienciais para a constituição dos elementos obrigatórios do género narrativa escolar: um estudo de caso

O CONSTRUTIVISMO NA SALA DE AULA PROFA. DRA. PATRICIA COLAVITTI BRAGA DISTASSI - DB CONSULTORIA EDUCACIONAL

MODERNIDADE E SUA INFLUÊNCIA NO SENTIDO DE LEITURA

Lev Semenovitch Vygotsky VYGOTSKY. Vygotsky. Aprendizagem. Teoria. Vygotsky 30/04/2014

O LÚDICO NO APRENDIZADO DA MATEMÁTICA THE PLAYFUL LEARNING IN MATHEMATICS

PERFIL DE APRENDIZAGENS 5ºANO

UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS FACULDADE DE ARTES VISUAIS CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CULTURA VISUAL MESTRADO PLANO DE ENSINO DISCIPLINA:

O modelo ecológico na compreensão do desenvolvimento humano

MASCULINIDADES E FEMINILIDADES NO MUNDO EMPRESARIAL. A RIQUEZA DA ANÁLISE ANTROPOLÓGICA DE GÊNERO E PARENTESCO NO LIVRO JÓIAS DE FAMÍLIA.

Ficha de Unidade Curricular

Linguagens, Códigos e suas Tecnologias: a Literatura no Enem. Literatura Brasileira 3ª série EM Prof.: Flávia Guerra

Fazendo Gênero 8 - Corpo, Violência e Poder. Florianópolis, de 25 a 28 de agosto de 2008

antropologia & cultura

RELATO REFLEXIVO COMO PRÁTICA DE DESENVOLVIMENTO DE LETRAMENTO EM LÍNGUA INGLESA

Transcrição:

1 A CRIANÇA NA CONSTRUÇÃO DE SUA IDENTIDADE DE GÊNERO PELAS PRÁTICAS SIGNIFICATIVAS DO DISCURSO E LINGUAGEM THE CHILD CONSTRUCTION OF GENDER IDENTITY THROUGH SIGNIFYING PRACTICES OF DISCOURSE AND LANGUAGE Ivone Maria Battistela 1 RESUMO: O objetivo deste trabalho é apresentar algumas considerações sobre a construção do conhecimento da criança sobre a identidade de gênero, e como a linguagem escrita e visual influenciam na construção de sua identidade. Tem como principal suporte teórico a visão pós-estruturalista. PALAVRAS-CHAVE: Identidade, gênero, linguagem, discurso. ABSTRACT:The aim of this paper is to present some considerations about the construction of the child s knowledge of gender identity. And how written and visual language influence the child construction of his/her identity. The work is based on a post-structuralism perspective. KEYWORDS: Identity, gender, language, discourse. INTRODUÇÃO A identidade nos dá a idéia de quem somos, como nos vemos e como os outros nos veem, como temos que nos apresentar e agir para sermos reconhecidos e aceitos. Um indivíduo aprende, constrói e representa sua identidade desde o nascimento, pois ele nasce em uma família, ou uma comunidade social já em andamento, constituída de valores, crenças e visões de mundo. Pela ação e interação com esta instituição, e com outras práticas comunitárias (ECKERT,2003), a que participa adquire gradualmente seus valores e crenças; constrói e reconstrói a noção de si. A linguagem tem um papel importante na formação da identidade dos indivíduos, pois nas suas diferentes formas, é meio que representa, constrói e transmite significados (HALL,2000). Os significados são transmitidos pelos discursos, modos de ver, ser e agir no mundo integrados a valores, crenças, e práticas sócio culturais. Sendo parte de práticas sócio culturais, os indivíduos identificam-se, representam-se, constroem-se e 1 Mestre em Educação: Cultura, Linguagem e Identidade. Goldsmiths College, University of London. Professora da rede pública do Estado do Paraná. E-mail: ivonebattis@yahoo.com.br

2 tornam-se sujeitos do discurso o qual participam (GEE,1999). Discursos não somente constroem sujeitos, de acordo com Michel Foucault (MILLS, 2003; RABINO, 1999), também podem regular, classificar, marginalizar e dividir. Partindo desta visão, este trabalho tem por objetivo demonstrar como a criança constrói sua identidade ou identidade de gênero através da interação com a linguagem e as práticas sócio culturais; como ela aprende a identificar, relacionar e posicionar-se diante dos discursos que fazem parte do seu meio. Apresento primeiro uma discussão sobre a construção da identidade de gênero da criança, descrevendo algumas abordagens que discutem como a criança constrói o conhecimento da identidade de gênero e os meios que contribuem para a formação de sua identidade; em seguida, na abordagem pós-estruturalista, discuto sobre a influência da linguagem escrita e visual na construção da identidade da criança, como ela interage e deriva a noção de gênero através das representações simbólicas. A CRIANÇA E AS PRÁTICAS SIGNIFICATIVAS NA CONSTRUÇÃO DE SUA IDENTIDADE DE GÊNERO A criança adquire a noção da identidade de gênero de modos diferentes. De acordo com a teoria dos papeis sexuais (SKELTON,2003), a criança adquire o conhecimento de gênero através da observação dos acontecimentos circundantes a ela, por meio de atos punitivos e de aceitação que ocorrem principalmente no ambiente familiar, comunitário e escolar. Já a teoria do aprendizado social (SKELTON, 2003), vê a criança adquirir o conhecimento da identidade de gênero pela busca do modelo de comportamento do mesmo sexo, em que a menina busca modelar-se ao comportamento das mulheres e o menino, ao comportamento dos homens. A criança espelha-se nos modelos que estão presentes tanto no ambiente familiar, como na comunidade local e nos modelos estereotipados que vê nos livros, revistas ou na televisão. Também menciona-se sobre a perspectiva relacional do gênero, na qual a criança pode ser vista como construtora do gênero de identidade, através do comportamento oposto. O menino ou a menina assume comportamentos que vê e tenciona serem

3 relacionados ao seu sexo, ou a comportamentos que sejam contrários ao do sexo oposto. O contexto nessa perspectiva, também influencia a criança, e ela por si só, configura uma noção específica do comportamento de gênero de modos e situações diferentes(skelton, 2003). Com a influência do pós-estruturalismo(francis,1998; DAVIES,1993), a construção da identidade de um indivíduo é vista como um processo constante e contínuo; nesse processo estão a linguagem, o discurso e o significado como os principais meios contribuintes para a sua formação. A identidade é construída através da subjetificação do indivíduo dentro dos discursos disponíveis. Discursos nesse sentido, são os modos de representar-se e ser no mundo(gee, 1990), relacionados a valores, atitudes e modos específicos de pensar e ver o mundo. O indivíduo além de ser posicionado, ele também posiciona-se nos discursos nos quais faz parte, podendo ser posicionado a assumir específicos modos de ser e interagir. Exemplo disso está quando no discurso de identidade de gênero diz-se que a menina deve comportar-se de modo diferente ao do menino, e assim ela o faz. Consequentemente, ela torna-se um agente que reforça o efeito do discurso. Desta forma, entende-se que os indivíduos ou sujeitos são formados e formadores desses discursos (DAVIES,1993). Na visão pós-estruturalista, podemos dizer que a criança constrói sua identidade, ou identidade de gênero através dos discursos disponíveis a ela pelo processo de subjetificação(davies,1993). Discursos que podem provir de uma variedade de contextos como família, escola e comunidade, e por meio da linguagem escrita e visual como livros, filmes e programas de televisão. A criança está envolta a muitos discursos, em cada discurso que participa, contribui para a formação de sua identidade. A criança pode ser influenciada pelos discursos dominantes e estereotipados sobre a identidade de gênero que continuam ou se fazem presentes em nossa sociedade. Discursos dominantes sobre a identidade de gênero posicionam todas as pessoas como sendo do gênero masculino ou feminino, e providenciam narrativas sobre os modos como as pessoas devem comportar-se e o que devem desejar (FRANCIS,1998). Posicionam a criança a comportar-se e agir de acordo com a visão binária de identidade de gênero, a qual sugere que ambos os sexos devem agir de modos diferentes.

4 Através dos discursos estereotipados e dominantes, a criança pode ser constrangida a assumir comportamentos e atitudes de acordo com o que é narrado. Ela, muitas vezes, assume a norma do que é narrado para não ser marginalizada e vista como diferente das que estão a sua volta (FRANCIS,1998). Assim a criança assume uma posição no discurso estereótipo e força colegas a assumirem o mesmo em razão da continuidade de sua identidade. Desta forma ela constrói e mantém sua identidade de gênero coletivamente (FRANCIS,1998). INFLUÊNCIA DA LINGUAGEM ESCRITA E VISUAL NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE DE GÊNERO DA CRIANÇA Através da experiência e de acordo com o desenvolvimento cognitivo, a criança gradualmente constrói a concepção ou um conjunto de concepções sobre o gênero (PIDGEON,1993). Com a idade de três anos já tem a noção de gênero extraída da aparência física e da visão binária de feminino e masculino, e também é capaz de identificar-se com personagens representados em figuras (MARTIN2004). Ela constrói a noção de gênero através de símbolos visuais representados na roupa, no estilo de cabelo e nas cores. O vestuário, o cabelo e as cores são signos visuais constituídos de significados que dão a criança os meios para identificar as diferenças entre o gênero feminino e masculino. A criança, além de identificar-se com os personagens que lhe são apresentados, ela também trás sua experiência social para a interpretação do que lhe é apresentado. Nas figuras que vê, a presença da mãe e do pai como personagens é particularmente importante, pois a criança questiona quando há a omissão dos personagens mãe e pai (MARTIN,2004). Um outro aspecto visual em que a criança identifica a identidade de gênero na visão binária são as atribuições dadas para cada gênero. A criança é capaz de perceber que brincar com bonecas são papéis das meninas. Apesar do menino desejar brincar com bonecas, não o faz, por não sentir-se discriminado (FRANCIS,1998). Neste sentido os papéis transmitem significados que podem definir e classificar. O significado está intrínseco na relação de poder frequentemente organizado na visão binária (HALL,2000). Objetos que a criança usa para brincar tem significado e poder para dizer, identificar,

5 classificar e discriminar. O significado de gênero que a criança transmite, pode ser o reflexo do que ela tem aprendido na sociedade através da diversidade de práticas significativas envoltas a ela. A linguagem representa significado e o transmite. O significado é construído pela diversidade de práticas significativas (HALL,2000) nas quais os indivíduos estão envolvidos. Histórias e imagens que a criança lê e vê através dos livros, televisão e outros meios comunicativos podem contribuir e muito para a construção de sua identidade. Através da leitura de um livro, ou de um filme que assiste, a criança pode ser influenciada pelo do processo de subjetificação, pelo desejo de adquirir uma identificação particular com um dos personagens da história, ou uma identificação com o comportamento e atitudes das personagens presentes nas histórias e imagens que vê. Ela pode posicionarse e ser posicionada diante das histórias que lê e das imagens que vê(davies,1993). Uma imagem, uma ação ou atitude mostrada nos papéis assumidos pelas personagens produz significado que pode atrair e influenciar a criança levando-a ao desejo e mobilização de sentimentos e emoções (HALL,2000). Algumas crianças podem ser posicionadas como marginais, quando os personagens nas histórias que leem ou imagens que veem são representados na visão tradicional e dominante (DAVIES,1993). Um reflexo disso tudo pode também estar nas histórias que as crianças produzem (BARRS and PIDGEON,1993), pois pelas histórias pode-se perceber como elas veem e interpretam o mundo o qual está inserido, como veem a si e aos que estão a sua volta. CONSIDERAÇÕES FINAIS Da linguagem e dos discursos, a criança recebe influência de valores e comportamentos que lhe dão significados para ser e agir no seu meio. Pela linguagem e pelas práticas controladas, produzidas e reproduzidas por sistemas simbólicos de representação (STUART,2000), é capaz de interpretar, compreender e construir por si só significados que estão a sua volta. Da produção do significado, reflexo e criação da linguagem (HALL,2000), constrói sua visão de mundo, que faz com que veja, acredite, aja e interaja no mundo o qual participa. Assim, pela interpretação e reinterpretação contínua das palavras enunciadas nas ações do dia a dia em interação com as diferentes

6 prática comunitárias (ECKERT,2003), a criança mantém ou cria novos significados, constrói ou reconstrói sua identidade. Para essa relalidade precisamos possibilitar a criança a reflexão diante dos estereótipos que a criança se defronta, e mostrarmos modos diferentes de ver e ser no mundo, modos que não discriminam e nem classificam. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BARRS, Myra and PIDGEON, Sue. Reading the difference. UK. CLPE, 1993. DAVIES, Bronwyn. Shards of glass: children reading and writing beyond gendered identities. New Jersey. Hampton Press, 1993. ECKERT,Penelope and McCONNEL-GINNET,Sally. Language and gender. UK. Cambridge University Press, 2003. FRANCIS, Becky. Power plays: primary school children s constructions of gender, power, and adult work. England: Trentham Books, 1998. GEE,James Paul. Local linguistics and literacies: ideology in discourses. London: the Falmer Press, 1999. HALL, Stuart. Representation: cultural representation and signifying practices. London: Sage, 2000. LITOSSELITI, Lia. Gender and language: theory and practice. London: Hodder Arnold, 2006. MARTIN, Barbara. What are preschool children s understanding of gender in contemporary western society, and how do these affects the development of children s individual identities? London: Goldsmiths University of London, 2004. 89p. Dissertation MA in education: culture, language and identity. Goldsmiths College University of London. London: 2004. MILLS, Sara. Michael Foucault. London: Routledge, 2003. RABINO, Paul. The Foucault reader. London: Penguin Books, 1991. SKELTON, Christine and BECKY,Francis. Boys and girls in the primary classroom. England: Open University Press, 2003.