Traquelectomia como Método de Preservação da Fertilidade no Carcinoma do Colo do Útero

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Transcrição:

Acta Radiológica Portuguesa, Vol.XXII, nº 88, pág. 33-37, Out.-Dez., 2010 Traquelectomia como Método de Preservação da Fertilidade no Carcinoma do Colo do Útero Trachelectomy as a Method of Fertility Preservation for Cervical Cancer Cecília Leal 1, Teresa Margarida Cunha 2, Ana Francisca Jorge 3 1 Interna de Radiodiagnóstico, Hospital de São José Centro Hospitalar de Lisboa Central 2 Assistente Hospitalar Graduada de Radiologia Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil Director: Dr. José Venâncio 3 Chefe de Serviço de Ginecologia e Obstetrícia Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil Directora: Dra. Isabel Cabral Resumo A implementação dos programas de rastreio tem conduzido à redução da incidência do carcinoma do colo do útero e à sua detecção em estádios mais precoces. Contudo, esta continua a ser uma patologia frequente, nomeadamente em Portugal, constituindo a neoplasia maligna ginecológica mais frequente no grupo etário abaixo dos 50 anos e levantando a premente questão da preservação da fertilidade. A Traquelectomia radical é uma técnica cirúrgica recente, já realizada em Portugal e exequível nos casos de tumor invasivo em fase precoce (estádio IB1). Consiste na remoção do colo do útero, de um segmento proximal contíguo dos paramétrios e da cúpula vaginal, associado a um procedimento de linfadenectomia pélvica, sendo realizada uma anastomose corpo ou istmo-vaginal que permite a manutenção da fertilidade. Em termos de prognóstico e taxa de recidiva, a literatura não mostra diferenças significativas face à histerectomia radical. Cabe ao radiologista um contributo importante no correcto estadiamento, sobretudo quanto à extensão local da doença, para adequada decisão terapêutica e selecção das doentes jovens com desejo de preservação da fertilidade que irão beneficiar da realização de traquelectomia. Palavras-chave Traquelectomia; Carcinoma; Colo; Fertilidade. Abstract The implemented screening programs have been responsible for a reduction in the cervical cancer incidence and detection in earlier stages. However, it is still a prevalent disease, particularly in Portugal and represents the most frequent gynecologic malignancy in women with less than 50 years of age, what raises the fertility problematic. Radical Trachelectomy is a recent option, just beginning to be performed in Portugal, which can be performed in the IB1 stage (early invasive cancer). It consists in removal of the cervix, its contiguous parametrium and vaginal cuff, in addition to a pelvic lymphadenectomy, with a vaginoisthmic anastomosis allowing fertility preservation. In terms of prognosis and recurrence rate, this operative technique is comparable to radical hysterectomy in literature review data. An important contribute concerning the accurate stage assessment relies on the Radiologist, particularly in relation to local tumor extent, to determine the best therapeutic option and correctly select the young patients that desire to preserve their fertility. Key-words Trachelectomy; Carcinoma; Cervix; Fertility. Introdução O carcinoma do colo do útero permanece o segundo tumor maligno mais frequente no sexo feminino e, embora os programas de rastreio através da citologia Papanicolau e da colposcopia tenham contribuído para uma redução da Recebido a 15/07/2009 Aceite a 24/09/2009 incidência sobretudo no mundo ocidental, Portugal ainda surge nos dias de hoje na cauda da Europa [1,2]. A implementação do rastreio levou também a um maior número de diagnósticos em estádio precoce de doença. A vacina já desenvolvida contra o HPV (Papiloma-vírus Humano) é uma nova arma na prevenção. Dado o grupo etário jovem atingido e com o adiamento da maternidade (nascimento do primeiro filho cada vez mais tarde), impôs-se na última década o desenvolvimento de ARP 33

técnicas terapêuticas com ênfase na preservação da fertilidade e na redução da morbilidade, sem compromisso da sobrevida [3]. Papel da Radiologia no Estadiamento O sistema de estadiamento mais utlilizado nesta neoplasia é o FIGO de acordo com a publicação da Féderation Internationale de Gynécologie et d Obstétrique em 1994 e a sua revisão mais recente de 2009. Consiste num estadiamento clínico com uma observação ginecológica sob anestesia, existindo correspondência com o sistema TNM quanto à avaliação do T (Quadro I). Quadro I Estadiamento FIGO e TMN do Cancro do Colo do Útero. Estádio TNM (T) Estádio FIGO T1 Estádio I Limitado ao colo T1a IA Pré-clínico (só diagnóstico histológico) T1a1 IA1 Invasão do estroma 3mm em profundidade, e? 7mm em extensão T1a2 IA 2 Invasão do estroma 3mm e 5mm em profundidade e? 7mm em extensão T1b IB Dimensões superiores ao estádio IA T1b1 IB 1 Tumor 4cm T1b2 IB 2 Tumor 4cm Estádio II Estende-se para além do colo mas não atinge a parede pélvica e/ou invade a vagina mas não o 1/3 inferior T2a II A Não infiltra o paramétrio IIA1 -? 4cm diâmetro máximo IIA2 - > 4cm diâmetro máximo T2b II B Infiltra o paramétrio Estádio III T3a IIIA Invade o 1/3 inferior da vagina T3b IIIB Estende-se à parede pélvica e/ou causa hidronefrose ou rim não funcionante Estádio IV T4 IVA Invade a mucosa da bexiga e/ou do recto (M1) IVB Presença de metástases à distância são considerados positivos quando o menor eixo axial é superior a 10mm. A administração de gadolínio em estudo dinâmico para aquisição do tempo precoce é útil na ausência de expressão de lesão no colo nas imagens sem contraste, para confirmar a invasão dos orgãos contíguos ou da parede pélvica, na suspeita de trajectos fistulosos ou recidiva, na avaliação pós-operatória nomeadamente para exclusão de persistência tumoral e nas lesões duvidosas quanto à origem no colo ou no endométrio [4,2,5]. O estudo de difusão baseado na mobilidade das moléculas de água, ainda não proposto como rotina, pode ser útil na confirmação de persistência ou recidiva tumoral. A lesão traduz-se por isossinal em T1 e hipersinal em T2 dada a natureza hipercelular e as dimensões do tumor devem ser criteriosamente avaliadas, sobretudo na sua extensão antero-posterior e transversal, pois acima de 4 cm já não terá indicação cirúrgica. Outros critérios de irressecabilidade a referenciar são a invasão dos paramétrios com disrupção do anel de estroma cervical hipointenso em T2 (sinal do donut ), a presença de uretero-hidronefrose por envolvimento do uretero no seu trajecto parametrial, a invasão da vagina (espessamento e hipersinal em T2), bem como a invasão em contiguidade da bexiga e recto ou da parede pélvica (menos de 3mm de margem livre face aos músculos da parede pélvica). Estudos recentes de correlação com os achados anátomopatológicos revelam elevado grau de acuidade na avaliação pré-operatória da extensão tumoral por RM, com boa sensibilidade e especificidade, embora com menores resultados quanto ao envolvimento ganglionar [6]. O estudo RM pode ser normal nos carcinomas microinvasivos (estádio IA) (Fig.1). A Radiologia tem papel importante na avaliação da extensão local da doença para confirmação dos achados clínicos e também no estudo da disseminação linfática, quer regional (gânglios parametriais, obturadores, ilíacos comuns, externos e internos e pré-sagrados) quer à distância (gânglios para-aórticos, inter-aortocava, retroperitoneais, inguinais, mesentéricos, retro-crurais e mediastínicos), bem como metastática para órgãos-alvo (raro fígado, pulmão, osso), verificando-se complementaridade face ao estadiamento clínico pelas limitações que lhe são inerentes [4]. A Ressonância Magnética (RM), pela sua elevada resolução de contraste de partes moles e capacidade multiplanar, é a técnica de escolha para o estadiamento local e deverá incluir, segundo as guidelines do ESUR European Society of Urogenital Radiology, a ponderação T1 no plano axial, a ponderação T2 nos planos axial do pavimento pélvico até aos hilos renais na pesquisa de adenomegalias lombo-aórticas e hidronefrose, uma aquisição T2 sagital da pélvis e T2 no plano perpendicular ao canal cervical, esta última necessária para adequada avaliação de invasão dos paramétrios. O uso de sequências com supressão de gordura prejudica a avaliação, nomeadamente quanto à invasão parametrial. Os gânglios A Fig. 1 Estadiamento do carcinoma do colo do útero por RM em doente no estádio FIGO IB1, não tendo a lesão tradução quer em T2 quer após gadolínio (A e B respectivamente). A Tomografia Computorizada (TC) pode também ser útil na avaliação ganglionar, com acuidade semelhante à RM, no envolvimento metastático de órgão-alvo e no followup. Por sua vez, a FDG-PET (Tomografia de Emissão de Positrões com fluorodesoxiglucose) e mais recentemente a PET-TC são utilizadas no esclarecimento de envolvimento metastático ganglionar à distância e na detecção precoce de recidiva local, com alguma limitação quanto às micrometástases [1,7]. O uso de nanopartículas de ferro como meio de contraste (USPIO), ainda não disponível em Portugal, é promissor na distinção entre adenomegálias patológicas e reactivas B 34 ARP

e na detecção de adenopatias sem critérios volumétricos patológicos. No relatório do radiologista, não deverá constar o estádio FIGO pois trata-se de um sistema de classificação baseado em dados clínicos. Implicações terapêuticas No carcinoma do colo do útero, a decisão terapêutica é influenciada pelos factores de prognóstico da doença, pela capacidade técnica da Instituição e pela preferência da doente. De acordo com os protocolos de diagnóstico e terapêutica do Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, definidos em Dezembro de 2004, nos tumores intraepiteliais e microinvasivos é efectuada, em regra geral, cirurgia conservadora. Nos tumores invasivos precoces (estádios IB 1 e IIA < 4cm), quer a cirurgia radical quer a radioterapia são terapêuticas adequadas, enquanto que nos tumores mais volumosos e extensos (estádios IB 2 a IVA) é a quimioradioterapia o tratamento preferencial, associando-se no tratamento por radioterapia, sempre que possível, radioterapia externa e braquiterapia intracavitária (Quadro II). Quadro II Terapêutica no Carcinoma do Colo do Útero IPO de Lisboa Francisco Gentil. Estádio 0 Estádio I IA 1 a) Conização b) Histerectomia total, abdominal ou vaginal, com anexectomia bilateral c) Braquiterapia intracavitária em doentes com contra-indicação cirúrgica Sem invasão dos espaços linfo-vasculares a) Conização b) Histerectomia total IA 1 Com invasão dos espaços linfo-vasculares Histerectomia radical tipo II com anexectomia bilateral e linfadenectomia pélvica bilateral IA 2 Histerectomia radical tipo II com anexectomia bilateral e linfadenectomia pélvica bilateral IB 1 a) Histerectomia radical tipo III com linfadenectomia pélvica bilateral (em doentes sem condições cirúrgicas) IB 2 Estádio II II A IIB Estádio III III A e B Estádio IV IV A IV B Tumor de dimensão inferior a 4cm de maior eixo Tratar como o estádio IB 1 Tumor de dimensão superior a 4cm de maior eixo Tratar como o estádio IB 2 b) Radioterapia externa c) Cirurgia exenterativa a) Quimioterapia b) Radioterapia externa segundo a clínica A Traquelectomia como método de preservação da fertilidade No Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil, no período de Novembro de 2005 a Maio de 2009, cinco doentes com carcinoma do colo do útero em estádio IB1 manifestaram o desejo de preservação da fertilidade e foram referenciadas ao Centre Oscar Lambret em Lille para a realização de traquelectomia, técnica que actualmente ainda não é realizada nesta instituição (Quadro III). A primeira descrição da técnica de traquelectomia vaginal radical data de 1994, por Daniel Dargent. Este Quadro III Dados clínicos e anátomo-patológicos das doentes submetidas a traquelectomia. Doente Idade (anos) Extensão Tipo histológico 1 28 Pólipo do endocolo (10mm) Carcinoma adenoescamoso 2 39 3 32 4 29 5 26 Conização com 2mm de margem Adenocarcinoma procedimento cirúrgico consiste na remoção da maior parte ou totalidade do colo do útero, de um segmento proximal contíguo dos paramétrios e dos fundos de saco vaginais adjacentes, associando-se uma linfadenectomia pélvica laparoscópica. O carcinoma do colo apresenta tendência à extensão lateral para os paramétrios e inferior para a vagina proximal. É rara a extensão superiormente para o útero em neoplasias IB de pequenas dimensões. Com base nestes pressupostos, a traquelectomia deverá ser igualmente eficaz em relação à histerectomia radical nas doentes criteriosamente selecionadas, possibilitando a conservação do corpo do útero para permitir a concepção e gravidez bem sucedidas [3]. A traquelectomia pode ser realizada em alternativa por via abdominal, correspondendo a via vaginal à maior parte dos procedimentos realizados [8]. Considerações cirúrgicas Na traquelectomia vaginal radical, o procedimento inicial é a linfadenectomia pélvica bilateral laparoscópica, após procura do gânglio sentinela em algumas instituições, como a de referenciação, que pode ser efectuada por marcação dupla (tecnécio e azul de metileno). É realizado exame anátomo-patológico extemporâneo e se os gânglios forem negativos quanto a envolvimento metastático, dá-se continuidade ao procedimento por via vaginal. Em seguida, é efectuada traquelectomia alargada, com remoção do colo na sua quase totalidade ou totalmente (e eventualmente também do istmo uterino), cúpula vaginal adjacente e paramétrios proximais. É, então, identificado o fundo de saco vaginal e incisionado. Os espaços paravesical, rectovaginal e vesicovaginal são dissecados. As porções distais dos ligamentos útero-sagrados e cardinal são clampados e seccionados na porção mediana. O uretero é individualizado permitindo transsecção segura do ligamento útero-vesical. O ramo vaginal da artéria uterina é clampado e ligado e o colo do útero seccionado. Na maioria das instituições, é feito exame anátomo-patológico extemporâneo da margem superior da peça para confirmar um mínimo recomendado de 5 a 7 mm de margem livre de tumor [3]. Se esta não estiver assegurada, opta-se pela ressecção da totalidade do colo ou do istmo. Para evitar o aborto por incompetência cervical, é colocada uma cerclagem não absorvível em volta do segmento uterino inferior no mesmo tempo cirúrgico. Segue-se a anastomose corpo ou istmo-vaginal (Figs. 2 a 4). Insere-se um catéter de folley, o qual é suturado ao orifício do neocérvix para manter a patência e removido três semanas após a cirurgia. ARP 35

Fig. 2 Avaliação ecográfica pós-traquelectomia por via supra-púbica e transvaginal, observando-se continuidade entre a vagina e o corpo uterino, com útero de menores dimensões (A, B mesma examinada; C outra doente, em que o corpo uterino se apresenta em retroflexão no estudo transvaginal). Fig. 3 Imagens ponderadas em T2 no plano sagital para avaliação pós-operatória, onde se visualizam artefactos condicionados pela presença dos clips cirúrgicos que se traduzem por focos de hipersinal (setas). histológico raro (ex. tumor neuroendócrino de pequenas células). O exame anátomo-patológico extemporâneo é importante para obviar estas situações e adequar a terapêutica no tempo cirúrgico. Revisão da literatura Fig. 4 Estudo RM pós-traquelectomia evidenciando o corpo uterino (segmento restante) e a sua continuidade com a vagina (setas) (imagem sagital T2). O istmo uterino é removido sobretudo nos casos de adenocarcinoma em que a excisão completa do canal cervical é necessária. Complicações pós-operatórias estão descritas em 4% dos casos, mais de metade correspondendo a lesões vesicais durante a traquelectomia por via vaginal e, em segundo lugar, lesões vasculares durante o procedimento de linfadenectomia [3]. Tratamentos adjuvantes podem ser necessários, estando descritos em 10% dos casos e geralmente consistindo em radioterapia, quimioterapia ou mesmo histerectomia radical. Aplicam-se quando há positividade dos gânglios linfáticos ou das margens cirúrgicas ou perante um tipo Na revisão da literatura, Milliken D.A., Shepherd J.H. (Setembro de 2008) referem mais de 900 traquelectomias realizadas em todo o mundo, bem como mais de 300 gravidezes com 196 nado-vivos [1]. Em termos de follow-up, reportam cerca de 4% de recidivas e 2% de mortalidade, indicando não existência de diferença significativa face à histerectomia radical. O tamanho da lesão > 2cm é provavelmente o mais importante factor de risco em termos de recidiva tumoral [3,9]. É aconselhável que tumores com mais de 2 cm não sejam indicados para traquelectomia, mas está referido o possível limiar de 3 cm se a via abdominal for a escolhida dada a melhor acessibilidade [1]. Na avaliação radiológica pré-operatória, para além da dimensão do maior eixo da lesão, é necessário avaliar a dimensão longitudinal do cérvix, que deverá ser de pelo menos 2,5cm, bem como a distância da margem superior da lesão ao orifício interno do colo, que deverá ser de pelo menos 1cm, factores importantes na selecção das doentes para traquelectomia (Evis Sala, Universidade de 36 ARP

Cambridge e Addenbrooke s Hospital, 42 rd IDKD International Diagnostic Course Davos). A presença de invasão dos espaços linfo-vasculares é também um factor prognóstico para a recidiva tumoral e envolvimento ganglionar, não justificando contudo por si só a exclusão desta opção terapêutica [3]. Após a concepção, a gravidez é encarada como de alto risco e o parto é realizado por cesariana. A taxa de prematuridade e aborto no segundo trimestre rondam os 20 e 10% respectivamente [3]. Um mecanismo explicativo considerado é a exposição das membranas fetais a infecções ascendentes dada a curta extensão do neocérvix e a ausência do rolhão mucoso. Experiência da Instituição Nas cinco doentes seguidas no Instituto Português de Oncologia de Lisboa Francisco Gentil submetidas a traquelectomia em Lille (em fim de 2005 e durante 2006), não foi necessária terapêutica adjuvante e registaram-se duas gravidezes, com um aborto expontâneo no primeiro trimestre e um nado-vivo por cesariana, não havendo até hoje evidência de recidiva da doença de base. Conclusões 6. Manfredi, R.; Gui, B.; Giovanzana, A. et al. - Localized Cervical Cancer (Stage < IIB): Accuracy of MR Imaging in Planning Less Extensive Surgery. Radiol Med, 2009 Sep, 114(6):960-75. 7. Park, W.; Park, Y.J.; Huh, S.J. et al. - The Usefulness of MRI and PET Imaging for the Detection of Parametrial Involvement and Lymph Node Metastasis in Patients with Cervical Cancer. Jpn J of Clin Oncol, 2005, 35(5):260-4. 8. Abu-Rustum N.R.; Sonoda, Y.; Black, D.; Levine, D.A.; Chi, D.S.; Barakat, R.R. Fertility-sparing Radical Abdominal Trachelectomy for Cervical Carcinoma: Technique and Review of the Literature. Gynecol Oncol, 2006, 103(3):807-13. 9. Plante, M.; Renaud, M.C.; François, H.; Roy, M. Vaginal Radical Trachelectomy: An Oncologically Safe Fertility-preserving Surgery. An Updated Series of 72 Cases and Review of the Literature. Gynecol Oncol, 2004, 94(3):614-23. Correspondência Cecília Leal Rua Alves da Cunha, Nº 17 3º Esq. 2835-410 Lavradio A traquelectomia radical parece, assim e pela revisão da literatura, ser um procedimento seguro em doentes criteriosamente seleccionadas com doença em estádio precoce (IA1 com invasão linfovascular, IA2 e IB1), que pretendam a preservação da fertilidade, o que constitui um relevante avanço terapêutico. Cabe ao Radiologista um contributo importante no correcto estadiamento do carcinoma do colo do útero. Embora o estudo por RM possa ser normal nos carcinomas microinvasivos (estádio IA), o estadiamento radiológico complementa o estadiamento clínico particularmente quanto às lesões a partir do estádio IB, nas lesões com crescimento endocervical, na avaliação da invasão local e na avaliação do envolvimento ganglionar como importante factor prognóstico, como também nas doentes grávidas e em caso de obesidade [4]. Referências 1. Milliken, D.A.; Shepherd, J.H. Fertility Preserving Surgery for Carcinoma of the Cervix. Curr Opin Oncol, 2008, 20(5):575-80. 2. Zaspel, U.; Hamm, B. Cervical cancer in Hamm, B.; Forstner, R. MRI and CT of the Female Pelvis. Springer, Berlin, 2007, pp.121-79. 3. Beiner, M.E.; Covens, A. Surgery Insight: Radical Vaginal Trachelectomy as a Method of Fertility Preservation for Cervical Cancer. Nat Clin Pract Oncol, 2007, 4(6):353-61. 4. Zand, K.R.; Reinhold, C.; Abe, H.; Maheshwari, S.; Mohamed, A.; Upegui, D. - Magnetic Resonance Imaging of the Cervix. Cancer Imaging, 2007, May 28;7:69 76. 5. Hricak H.; Gatsonis C.; Chi D.S. et al. Role of Imaging in Pretreatment Evaluation of Early Invasive Cervical Cancer. J Clin Oncol, 2005, Dec 20;23 (36):9329-37. ARP 37