Palavras-chave: Contemporaneidade, Mídias, Organismos Híbridos



Documentos relacionados
A PRODUÇÃO AUTOBIOGRÁFICA EM ARTES VISUAIS: UMA REFLEXÃO SOBRE VIDA E ARTE DO AUTOR

Construção, desconstrução e reconstrução do ídolo: discurso, imaginário e mídia

ESTRUTURAS NARRATIVAS DO JOGO TEATRAL. Prof. Dr. Iremar Maciel de Brito Comunicação oral UNIRIO Palavras-chave: Criação -jogo - teatro

BEM-VINDO AO ESPAÇO DO PROFESSOR

Fraturas e dissonâncias das imagens no regime estético das artes

Gestão da Informação e do Conhecimento

QUEM LÊ ALFA É O CARA: AS RELAÇÕES ARGUMENTATIVAS ESTABELECIDAS ENTRE ENUNCIADOR E ENUNCIATÁRIO

SERVIÇO PÚBLICO DO ESTADO DE MINAS GERAIS Secretaria de Estado da Educação Superintendência Regional de Ensino de Carangola Diretoria Educacional

SUMÁRIO 1. AULA 6 ENDEREÇAMENTO IP:... 2

Tocando coisas: a impressão como registro de existência, ampliada em outras experiências. Por Carolina Rochefort

Figura Nº 70. Figura Nº 71

Shusterman insere cultura pop na academia

UNIVERSIDADE DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO - INSTITUTO DE ARTES ESCOLA DE ARTES VISUAIS DO PARQUE LAGE

10 DICAS DE TECNOLOGIA PARA AUMENTAR SUA PRODUTIVIDADE NO TRABALHO

REVISTA pensata V.4 N.2 OUTUBRO DE 2015

REFLEXÕES SOBRE OS CONCEITOS DE RITMO

1.3. Planejamento: concepções

FORMAÇÃO IDEOLÓGICA: O CONCEITO BASILAR E O AVANÇO DA TEORIA

I OS GRANDES SISTEMAS METAFÍSICOS

Apresentação. Práticas Pedagógicas Língua Portuguesa. Situação 4 HQ. Recomendada para 7a/8a ou EM. Tempo previsto: 4 aulas

LISTA DE ARTE. Quais são os elementos construídos no quadro, pelo artista em questão, que enfatizam os acontecimentos em destaque?

CURIOSIDADE É UMA COCEIRA QUE DÁ NAS IDÉIAS

ESCOLA, LEITURA E A INTERPRETAÇÃO TEXTUAL- PIBID: LETRAS - PORTUGUÊS

ESPAÇOS HABITADOS O CORPO COMO FERRAMENTA VIVA

Roteiro VcPodMais#005

Análise e Desenvolvimento de Sistemas ADS Programação Orientada a Obejeto POO 3º Semestre AULA 03 - INTRODUÇÃO À PROGRAMAÇÃO ORIENTADA A OBJETO (POO)

DESIGN DE MOEDAS ENTREVISTA COM JOÃO DE SOUZA LEITE

Dia_Logos. café teatral

UM CAMINHO DE UMA PRODUÇÃO AUDIOVISUAL

Sticker Art: Uma ferramenta de inclusão e conscientização do valor da arte

A constituição do sujeito em Michel Foucault: práticas de sujeição e práticas de subjetivação

Design Web - Percepção. Elisa Maria Pivetta

Lev Semenovich Vygotsky, nasce em 17 de novembro de 1896, na cidade de Orsha, em Bielarus. Morre em 11 de junho de 1934.

_Márcio Moreno, 28 Sou um rapaz comum da geração do raprockandrollpsicodeliahardcoreragga. marciomoreno.com

AGOSTINHO, TEMPO E MEMÓRIA

Paula Almozara «Paisagem-ficção»

Programa de Pós-Graduação em Educação

Por uma estética das imagens digitais: um olhar sobre Parallel, videoinstalação de Harun Farocki

A Educação Bilíngüe. » Objetivo do modelo bilíngüe, segundo Skliar:

FACULDADE DE ARTES DO PARANÁ CURSO DE BACHARELADO EM CINEMA E VÍDEO Ano Acadêmico de 2008 MATRIZ CURRICULAR

SUA ESCOLA, NOSSA ESCOLA PROGRAMA SÍNTESE: NOVAS TECNOLOGIAS EM SALA DE AULA

O lazer, a educação e o Programa Segundo Tempo. Victor Melo, Angela Brêtas, Monica Monteiro

MATERIALIZAÇÃO E VIRTUALIZAÇÃO. Apresentação do texto de Milton Sogabe

Émile Durkheim

Bordas e dobras da imagem teatral Angela Materno Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro

Os Tempos da Máquina. Gabriel Menotti

Plano de aula para três encontros de 50 minutos cada. Tema: Vida e obra de Vincent Van Gogh. Público alvo: 4º série do Ensino fundamental

Passagens, móveis e projeções

CURSO DE POS-GRADUAÇÃO EM GESTÃO EM FOTOGRAFIA DIGITAL

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO E S C O L A D E A R T E S, C I Ê N C I A S E H U M A N I D A D E

Resenha do livro Sobre fotografia, de Susan Sontag

MÓDULO 5 O SENSO COMUM

USANDO A REDE SOCIAL (FACEBOOK) COMO FERRAMENTA DE APRENDIZAGEM

RELATO DE EXPERIÊNCIA: A PERCEPÇÃO DE LUZ E SOMBRA NA EDUCAÇÃO INFANTIL. Palavras-chave: Conhecimentos físicos. Luz e sombra. Educação Infantil.

MATERIAL DE DIVULGAÇÃO DA EDITORA MODERNA

Redação do Site Inovação Tecnológica - 28/08/2009. Humanos aprimorados versus humanos comuns

O guia completo para uma presença. online IMBATÍVEL!

CAPÍTULO 5 CONCLUSÕES, RECOMENDAÇÕES E LIMITAÇÕES. 1. Conclusões e Recomendações

SocialDB Social Digital Library

Piaget diz que os seres humanos passam por uma série de mudanças previsíveis e ordenadas; Ou seja, geralmente todos os indivíduos vivenciam todos os

Gestão da Informação e do Conhecimento

GRÁFICOS Exemplos de jogos 2D (com simulação do 3D)

APRENDENDO A CONVERTER VÍDEOS

SUGESTÕES PARA ARTICULAÇÃO ENTRE O MESTRADO EM DIREITO E A GRADUAÇÃO

Fonte:

Artigo Os 6 Mitos Do Seis Sigma

Orientação a Objetos

Por uma pedagogia da juventude

APRENDER A LER PROBLEMAS EM MATEMÁTICA

Elvira Cristina de Azevedo Souza Lima' A Utilização do Jogo na Pré-Escola

MESTRADO EM MEMÓRIA SOCIAL E BENS CULTURAIS. 1.1 Matriz Curricular Disciplinas obrigatórias

Características do conhecimento científico

Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura Contemporâneas. Grupo de Pesquisa em Interação, Tecnologias Digitais e Sociedade - GITS

"O valor emocional das marcas."

Gestão da TI. Os custos escondidos da. Conheça os custos escondidos na gestão amadora da TI e pare de perder dinheiro.

Novas possibilidades de leituras na escola

MEMÓRIA E IDENTIDADE SOCIAL EM IMAGENS DA CULINÁRIA NORDESTINA. Construções Identitárias em diversos gêneros da mídia nordestina'', desenvolvido no

QUESTÃO 04 QUESTÃO 05

Katia Luciana Sales Ribeiro Keila de Souza Almeida José Nailton Silveira de Pinho. Resenha: Marx (Um Toque de Clássicos)

A Busca. Capítulo 01 Uma Saga Entre Muitas Sagas. Não é interessante como nas inúmeras sagas que nos são apresentadas. encontrar uma trama em comum?

Oração. u m a c o n v e r s a d a a l m a

Como transformar a sua empresa numa organização que aprende

RESUMOS SIMPLES RELATOS DE EXPERIÊNCIAS RESUMOS DE PROJETOS...456

Top Guia In.Fra: Perguntas para fazer ao seu fornecedor de CFTV

Como escrever um bom Relato de Experiência em Implantação de Sistema de Informações de Custos no setor público. Profa. Msc. Leila Márcia Elias

Introdução a Sociologia. 1º ano do EM Professor: Fabiano Rodrigues

Culturas e Imagens IMAGENS E REALIDADE. Alice Casimiro Lopes. Pinto o que sei, não o que vejo. [PABLO PICASSO]

Índice: CMS 3 O que é Content Management System? Clientes 4 O que é o Cliente? 4 Configurando o i-menu/i-view para trabalhar. com o CMS.

Compreendendo a dimensão de seu negócio digital

AS LEIS DE NEWTON PROFESSOR ANDERSON VIEIRA

CONFERÊNCIA NACIONAL DE EDUCAÇÃO ARTÍSTICA. A educação artística como arte de educar os sentidos

NÚCLEO DE ESTUDO EM CULTURA, TEOLOGIA E ARTE PROJETO. Prof. Me. Carlos César Borges Nunes de Souza

O desafio do choque de gerações dentro das empresas

PNL? o que é. Dossie. Veronica Ahrens Diretora de T&D, Trainer e Coach da SBPNL Inspirar pessoas a criarem um mundo melhor. veronica@pnl.com.

A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO PEDAGÓGICO COMO PRINCÍPIO EDUCATIVO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Arquitetura de Rede de Computadores

A FOTOGRAFIA COMO INSTRUMENTO DIDÁTICO NO ENSINO DE GEOGRAFIA NA PERSPECTIVA DO CONCEITO DE PAISAGEM ENSINO FUNDAMENTAL II ( ANOS FINAIS )

DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: DIMENÇÕES CONCEITUAIS E PRÁTICAS PEDAGÓGICAS

uma exposição interativa, onde o público poderá usufruir de diferentes plataformas artísticas fotografias, vídeos, áudios, textos e mapas

ASSESSORIA DE IMPRENSA 1 Felipe Plá Bastos 2

Transcrição:

Paisagens Visuais: vamos atravessar os espelhos? Rummenigge Medeiros de Araújo Universidade Federal do Rio Grande do Norte Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas PPGArC/UFRN- Mestrando Or.Profª DRª Maria Helena Braga e Vaz da Costa Bolsa Capes Resumo: Este trabalho é fruto de uma inquietação pessoal sobre os rumos e a forma assumidos pelo teatro na contemporaneidade e a sua relação com as mídias na formação de organismos híbridos. Em termos gerais, o interesse é discutir a respeito de como se organizam e se apresentam as possíveis relações e os diferentes níveis de contato existentes entre as mídias e o teatro na construção da cena. Neste contexto, o objetivo é pesquisar, por meio da análise da peça Rainha Mentira (2007) do encenador Gerald Thomas, as conexões entre a cena e as projeções de imagens como formadoras de organismos híbridos entendendo-as como resultantes de uma estética relacionada à condição pós-dramática do teatro contemporâneo no Brasil. Palavras-chave: Contemporaneidade, Mídias, Organismos Híbridos No Brasil, Gerald Thomas tornou-se o representante em potencial do teatro de imagens, tendo com frequência, atribuído ao seu teatro, o adjetivo de híbrido pela crítica especializada, imprensa em seus mais diferentes formatos e por pesquisadores como José Da Costa (2009) e Silvia Fernandes (1996 b, 2008 e 2010). Aliás, Teatro de imagens e híbrido são dois termos utilizados de maneira muito frequente para nomear produções teatrais e espetáculos que transcendem o modelo de produção dramático. Mas, no entanto, eles não indicam um entendimento claro daquilo que realmente apontam ser. Essas duas nomenclaturas ou conceitos não necessariamente são sinonímicas do termo Teatro contemporâneo. Provavelmente o que torna um espetáculo híbrido e o que alimenta um Teatro de imagens não seria a mera projeção de um vídeo, ou a existência de uma ou duas mídias na cena teatral de maneira ilustrativa, mas uma densa rede de informações e intertextos que ligam esses dispositivos, suas imagens e a reflexão acerca delas, de maneira tal, que não seja possível uma definição clara das fronteiras as quais pertencem ambas as linguagens e as próprias imagens, mas que o contexto geral funcione como uma obra intelectualmente estruturada, referenciada e concebida. A imagem deve dizer algo além do seu próprio reflexo. Béatrice Picon-Vallin (2006) atenta para o fato de que se criou uma fórmula chamada de Teatro de imagens, e que essa fórmula, que reúne espetáculos diferentes (tanto por gênero, estética e modo de composição), deve ser interrogada. Ela reconhece a importância do desenvolvimento do aparato tecnológico para a cena, bem como a influência 1

do uso constituinte das diferentes mídias e a maneira como elas alteraram as concepções cênicas, mas, no entanto, é preciso algo mais, faz-se necessária a não-imagem. Por Teatro de imagens, Fernandes (2010) entende a desconstrução de textos, códigos e personagens, feitas através de mecanismos de deslocamento e estranhamento sem sentido. (p.07). Em contra partida, a não-imagem na concepção de Picon-Vallin (2006) parece ser a percepção daquilo que está por trás de toda essa desconstrução no momento em que ela ocorre em cena, nos vestígios das intenções e no enxergar das fraturas e não propriamente naquilo que se apresenta. A palavra imagem está ligada à imitação, à cópia, portanto, é mimogenética: nasce da vontade de reproduzir. E nesse processo de representação-representado, ocorrem procedimentos de identidade. Nesse caso, representação é apresentar de novo o mesmo (ou a imagem do mesmo). Quando Fernandes (2010) compara o trabalho do encenador contemporâneo ao de um arqueólogo do fim século XX, ela consegue ilustrar de maneira metafórica a função do encenador no mundo potencialmente imagético, ou como Susan Sontag (2004) denomina, o mundo-imagem. Esse procedimento de encenação, similar na forma, ao mecanismo de memória parece funcionar como um arquivo caótico, conforme observa Fernandes (2010), um caos que não elege entradas preferenciais (no caso da encenação, não prioriza um elemento específico). O que interessa são as redes de informação construídas em forma de pensamento. Tal concepção se faz presente em Rainha Mentira (2007) de Thomas, e no resto de suas encenações, que dialoga com as linguagens da publicidade, da ideologia, do cinema, das conversas cotidianas e dos cartoons. Dentro desse contexto, o teatro de Thomas passa a constituir-se enquanto um organismo híbrido, pois, apresenta ligação e cruzamento com uma quantidade significativa de linguagens distintas. Assim, o híbrido em Thomas está caracterizado não apenas pelo diálogo com o audiovisual ou com as projeções de imagens, mas também, por conter em si, toda uma gama de linguagens construindo uma rede de significações possíveis. Logicamente, a concretude dessa imbricada rede de informação, linguagens e significação, se materializa, enquanto um produto estético, na forma de paisagens visuais. Também pode ser híbrido, se considerarmos aquilo que Hans Thies Lehmann (2007) chama de imagem do vídeo que se encontra em uma relação complexa com a realidade corporal (grifo meu). Essa complexidade acontece na forma dialogizante em que não se percebe a junção das linguagens envolvidas, nem muito menos uma hierarquização, mas uma resultante organizada, um todo composto por esse diálogo. Apenas quando há 2

essa provável conexão é que podemos pensar ou falar de um teatro de estética midiática também considerando a idéia de uma paisagem visual. Ora, a própria palavra teatro (Théatron) como a conhecemos deriva do vocábulo original grego (θεάοµαι) e quer dizer: o lugar para onde se vai ver. Esse ver não é no sentido comum, mas se refere a uma outra instância do ver: do olhar com atenção, do perceber, do contemplar de maneira envolvente, de forma inquiridora que permita ao mesmo tempo analisar o observado. Sendo assim, pressupõem-se que originalmente o termo teatro, enquanto produção artística, esteja ligado a uma noção da observação de imagem, não uma observação inconsciente e letárgica, mas, uma observação prazeirosa, e ao mesmo tempo analítico-crítica. As imagens a que me refiro, as que solicitam um tempo e uma atenção para leitura, são também imagens que denunciam a teatralidade proposta pelo encenador. As imagens contidas nas encenaçôes de Thomas, estão ali, afirmando constantemente sua condição de imagens e que necessitam, precisam ser vistas. A Estruturação das Paisagens Visuais Por épocas, os pintores se dedicaram a retratar em suas telas fixas a idéia de uma natureza a partir da realidade observada. Na verdade, os pintores estavam retratando em suas telas uma ideia própria, subjetiva e particular do que seria a natureza. Uma natureza criada e objetificada a partir da técnica da perspectiva e da subjetividade que cada artista acrescentava acerca do que seria o natural perfeito. Com efeito, as telas que se propunham a retratar paisagens acabaram se tornando elas próprias paisagens autônomas, um transporte da natureza para a imagem, que por sua vez, acabou atribuindo à imagem um status de valor real. Essa imagem transporte de uma natureza supostamente dada se emancipa da categoria de representação e por sua vez se torna, a verdade da natureza representada, sem distanciamento. Para Susan Sontag (2004), a fotografia desbancou esse monopólio da pintura no retrato realista do mundo. Dessa forma, a fotografia libertou a pintura da obrigação de cópia, tendo em vista, a sua facilidade em apreender mecanicamente o visível e captar de forma definitiva uma fatia do tempo. Ela acredita que a fotografia, diferentemente da pintura, não produz apenas imagens ou interpreta o real, mas é antes um vestígio diretamente decalcado do real. Nas palavras da autora, uma máscara mortuária. Paisagem-imagem 3

É necessário, então, transformar a realidade em imagem e em processo simultâneo e inverso; fazer da imagem uma realidade. É nesse movimento de duas vias, que a arte se situa, uma vez que ela torna a realidade não mais exatamente uma única, mas cria, com isso, um fluxo de realidades simultâneas, como as sucessivas imagens, produzidas pelos mais diferentes meios. Para Sontag (2004) essa transformação da realidade em imagem alcançou êxito com a fotografia, uma vez que ela desplatonizou 1 nossa compreensão da realidade, inviabilizando uma reflexão de nossa experiência à luz da distinção entre imagem e coisa, entre originais e coisas. Atenta-se para o fato de uma paisagem, antes de tudo, ser uma imagem que traz em si, na estruturação figurativa de seus elementos, a idéia de uma narrativa visual. Portanto, sua disposição está orientada no sentido de persuadir, convencer, ou, como um pretexto para desenvolvimentos do pensamento, sendo necessário para isso, também, corpos que a ocupem, pois ela se faz cenário para um drama ou para a evocação de um mito (CAUQUELIN, 2007, p. 49). Dessa maneira, encarar a paisagem como uma produção consciente é entender que a lei da perspectiva atua diretamente, não importa em qual seja o meio de reprodução técnica de uma paisagem, a proposição e a superposição dos planos que se apresentam e nos levando a ver a idéia que se pretende sustentar, de maneira que compreendamos aquilo que uma visão comum não captaria, e que a própria natureza não nos fornece de maneira gratuita. Um teatro construído sob a perspectiva de paisagens visuais, não se faz apenas da junção entre teatro e cinema, teatro e mídias ou teatro e audiovisual. Não é simplesmente unir uma linguagem a outra de maneira aleatória. Mas sendo um processo de mão dupla, as linguagens e os suportes devem estar unidos num mesmo projeto de composição, numa mesma retórica de criação cênica. Assim sendo, o encenador se configura, também, como um paisagista, onde todos os elementos são visualmente concebidos e entrelaçados. Nesse aspecto, o teatro produzido no Brasil por Gerald Thomas, consegue transmitir critica e conscientemente essa realidade. Thomas não dialoga aleatoriamente com as mídias e nem é um entusiasta ingênuo delas, ele as utiliza para criar um jogo de espelhos com o aparato midiático. 1 Dispensou a concepção de realidade aos moldes da filosofia de Platão indo além do mito da caverna, onde a imagem - sombras do real - não deveria ser levada a sério. Para maiores detalhes e discussões mais aprofundadas procurar os princípios filosóficos de Platão. 4

Nesse sentido, o seu teatro, a primeira vista, seria logicamente um teatro visual, mas esse não é o objetivo de suas encenações; mostrar plasticidade ou um material para ser apreciado. Ele quer revelar justamente o invisível, o que move as ligações, as conexões, os pensamentos da sua cena. As idéias que o atormentam enquanto artista. Não há um interesse de enquadrar-se em alguma estética ou definir ele próprio a sua obra. Apenas concede movimento e ação as suas angustias existenciais, aos seus pensamentos acerca do mundo, desse mundo eminentemente individualista e visual que nos rodeia. O seu teatro possui uma atitude para com as imagens que ele se propõe a formar. Ele nos apresenta em suas encenações, uma imagem e um tempo para a reflexão, uma citação e um outro tempo para o escrutínio dessa citação. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS CAUQUELIN, Anne. A Invenção da Paisagem. São Paulo-SP, Martins Fontes, 2007. DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Rio de Janeiro-RJ, Contraponto, 1997. FERNANDES, Silvia. Teatralidades Contemporâneas. São Paulo-SP, Perspectiva, 2010.. Gerald Thomas: Memória e Invenção. São Paulo-SP, Perspectiva, 1996.. Gerald Thomas: O Encenador de Si mesmo. São Paulo-SP, Perspectiva, 1996 b. GUÉNOUN, Denis. O Teatro é Necessário? São Paulo-SP, Perspectiva, 2004. GUINSBURG, Jacó. FERNANDES, Sílvia. (Orgs.). O Pós-Dramático- Um Conceito Operativo? São Paulo /SP, Perspectiva, 2008. LEHMANN, Hans Thies. Teatro Pós-Dramático. São Paulo-SP, Cosac e Naify, 2007. PAVIS, Patrice. O Teatro no Cruzamento de Culturas. São Paulo-SP, Perspectiva, 2008. PICON-VALLIN, Béatrice. A Arte do Teatro Entre Tradição e Vanguarda: Meyerhold e a Cena Contemporânea (Org.) SAADI, Fátima. Rio de Janeiro-RJ, Teatro do Pequeno Gesto, Letra e Imagem, 2006. SONTAG, Susan. Sobre Fotografia. São Paulo-SP, Companhia das Letras, 2004. Internet http://www.geraldthomas.com/ http://geraldthomasvideos.blogspot.com/ Vídeos Rainha Mentira (Direção: Gerald Thomas, País: Brasil, Ano: 2007) 5