Útero didelfo em cadela: relato de caso

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Transcrição:

Útero didelfo em cadela: relato de caso Víviam Nunes Pignone Grazziane Maciel Rigon Emerson Antonio Contesini RESUMO As malformações congênitas do útero de animais domésticos são pouco comuns e freqüentemente estão associadas à endogamia ou ao intersexo. Entre as anomalias uterinas encontra-se o útero didelfo, que consiste em duplo corno uterino com dois óstios cervicais que se comunicam com a vagina. O presente artigo tem o objetivo de relatar um caso de uma cadela atendida no Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul que, ao realizar uma ovariosalpingohisterectomia eletiva, apresentava útero didelfo e duas fossas do clitóris. Palavras-chave: Útero didelfo. Cadela. Anomalia. Didelphys uterus in bitch: Case report ABSTRACT Uterus congenital malformation in domestic animals is unusual and frequently associated to endogamy and intersex. Among the uterine anomalies found there is the didelphys uterus, which consists of a double uterus with two cervical ostios which are interconnected to the vagina. The objective of this article is to report a case of a bitch with a didelphys uterus admitted at Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul which, in carrying out an ovariosalpingohysterectomy had a didelphys uterus and two fossae clitorides. Keywords: Didelphys uterus. Bitch. Anomalia. INTRODUÇÃO A formação de anormalidades congênitas uterinas é rara nas espécies de animais domésticos, sendo que algumas podem resultar em esterilidade (JONES, 2000). As malformações uterinas são divididas em quatro grupos: aplasia, hipoplasia, falha na aderência ou fusão incompleta dos ductos de Müller, atresia ou falha de formação do lúmen e reduplicação (NOVAK et al., 1975). O útero didelfo é um tipo de deformidade Viviam Nunes Pignone é Médica Veterinária. Pós-Graduada em Odontologia Veterinária de Pequenos Animais pela ANCLIVEPA-SP. Aluna Especial do Programa de Pós-Graduação em Ciências Veterinárias Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Grazziane Maciel Rigon é Médica Veterinária Residente do Hospital de Clínicas Veterinárias do Rio Grande do Sul. Emerson Antonio Contesini é Professor Adjunto do Departamento de Medicina Animal da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Endereço para correspondência: Rua Fernandes Vieira, n. 181/ apto. 902, Bairro: Bom Fim - CEP: 90035-091. Porto Alegre RS. E-mail: vivi_vet@terra.com.br 46Veterinária em Foco Veterinária Canoasem Foco, v.6 v.6, n.1, n.1 jul./dez. p.46-50 2008 jul./dez. 2008

do órgão reprodutivo da fêmea, no qual o útero pode estar septado ou duplicado (NOVAK et al., 1975; CARLTON; McGAVIN, 1998, JONES et al., 2000). Este tipo de útero é considerado normal para algumas espécies como marsupiais, lagomorfos e certos roedores (JONES et al., 2000). A fusão imperfeita dos ductos pares de Müller acaba desencadeando anomalias. Na seqüência normal de fusão há união dos dois ductos, primeiramente na extremidade cloacal, para formar a vagina, sendo que o processo move-se cranialmente para formar o cérvix e, por fim, o fundo uterino. A presença de fundo uterino duplo, denominado útero didelfo, e duplo cérvix é normal num estágio inicial do desenvolvimento, entretanto pode ocorrer falha da fusão, mais comumente no cérvix ou nas suas adjacências (CARLTON; McGAVIN, 1998). Essa anomalia pode resultar da não fusão e dissolução das paredes mediais dos ductos paramesonéfricos na extremidade caudal do trato genital resultando na formação de cada ducto com útero e cérvix separados (NOVAK et al., 1975; JONES et al., 2000). Algumas fêmeas que apresentam útero didelfo podem também apresentar a vagina septada, com dois óstios cervicais que se comunicam com o útero e a vagina (JONES et al., 2000). Um estudo realizado por Sousa et al. (1999) revelou que essa anomalia representa 26% das malformações uterinas em humanos. Segundo Novak (1975), uma em cada quatro mulheres com útero didelfo tem problemas reprodutivos. Em mulheres, esta alteração é compatível com fertilidade e ciclos menstruais normais, entretanto às vezes originam problemas clínicos interessantes e difíceis, como alteração do ciclo menstrual e superfetação, entretanto a mulher também pode apresentar infertilidade (ROBBINS, 1968). Em animais domésticos a fertilidade não fica prejudicada nessas fêmeas, porém o número de crias por gestação pode ficar reduzido, do mesmo modo que nos casos de útero unicorne (JONES et al., 2000). O diagnóstico geralmente é feito por meio de achado cirúrgico ou de necropsia, porém a presença de duas fossas do clitóris pode ser visualizada durante o exame clínico indicando alteração (ANDERSON et al., 1953, JONES et al., 2000). Em caso de achado cirúrgico, o cirurgião pode ter dificuldade durante o procedimento devido à localização anômala do órgão (STONE et al., 1998). RELATO DE CASO Este trabalho tem por objetivo relatar um caso de útero didelfo, com formação de duplo corpo uterino e a presença de duas fossas do clitóris, observado durante um procedimento de ovariosalpingohisterectomia realizado no Hospital de Clínicas Veterinárias da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (HCV-UFRGS). Uma cadela, da raça dachshund, dois anos, chegou ao HVC-UFRGS para realizar ovariohisterctomia eletiva, tendo apresentado ciclo estral normal anteriormente. O 47

exame clínico e o laboratorial pré-cirúrgico não apresentaram alteração. Após jejum de 12 horas a paciente foi pré-medicado com acepromazina 1% (0,05mg.kg -1 /IM) associado com meperidina (2mg.kg -1 /IM). Realizou-se a indução anestésica com propofol (4mg.kg - 1 /IV), seguido de intubação orotraqueal, e manutenção com halotano ao efeito. Após antissepsia com álcool-pvpi-álcool e adequação dos panos de campo cirúrgicos de rotina iniciou-se o acesso pela linha média pré-retro-umbilical para exposição dos ovários e útero. O corno uterino direito foi identificado, sendo o mesmo ligado após pinçamento prévio por meio da técnica das três pinças modificadas. O ovário contralateral apresentou dificuldade de ser encontrado devido sua localização ectópica, que se encontrava fixado ao assoalho da cavidade abdominal. Ao inspecionar o útero, notou-se a presença de dois corpos uterinos, sendo que os cornos estavam interligados medialmente (Figura 1). Estes foram ligados e removidos juntamente com os ovários e enviados para análise histopatológica a qual não evidenciou qualquer alteração, além da anatômica. Ao término da celiorrafia, a vulva foi examinada e constatou-se a presença de duas fossas do clitóris (Figura 2). FIGURA 1 Presença de duplo corpo uterino (útero didelfo setas) em uma cadela da raça dachshund durante a realização de ovariosalpingohisterectomia. FIGURA 2 Presença de duas fossas do clitóris (setas). 48

No pós-operatório imediato a paciente foi medicada com cetoprofeno (2mg.kg -1 / SC), cloridrato de tramadol (2mg.kg -1 /SC) e enrofloxacina (5mg.kg -1 /IM). Indicou-se continuar com o antiinflamatório durante 2 dias no intervalo de 24 horas, analgésico por 3 dias a cada 12 horas e o antibiótico por mais 6 dias a cada 12 horas indicando retorno após 10 dias para retiradas de pontos. DISCUSSÃO O útero didelfo é uma afecção decorrente da falha na fusão dos ductos de Müller resultando em um útero bicornual, ou falha de degeneração dos septos, podendo resultar em septagem de graus variados, incluindo a vagina, o cérvix e cavidade endometrial duplos (NOVAK et al., 1975; CARLTON; McGAVIN, 1998; JONES et al., 2000), porém não há relatos de como evitar esta anomalia, e seu diagnóstico basicamente se dá através de achado cirúrgico ou de necropsia (ANDERSON et al., 1953, JONES et al., 2000). No presente relato, apesar de a paciente apresentar duas fossas do clitóris na vagina, esta somente foi examinada após notar duplicidade do corno uterino, confirmando o diagnóstico. As mulheres que apresentam útero didelfo são compatíveis com a fertilidade (ROBBINS, 1968), entretanto não pode ser identificada nesta paciente canina, pois esta nunca havia acasalado. No entanto, assim como em humanos, não pareceu influenciar no estro do animal, pois o cio apresentava-se regular e havia ausência de alteração estrutural microscópica no exame histopatológico. É comum surgirem dificuldades trans-operatórias devido à localização anômala que pode haver do órgão (NOVAK et al., 1975; STONE et al., 1998), confirmado ao tentar encontrar o ovário esquerdo, que estava junto à parede dorsal do abdome. CONCLUSÃO O útero didelfo consiste numa anomalia rara encontrada nos animais domésticos e nos humanos. Entretanto, na maioria dos casos, a fertilidade não é afetada, podendo resultar até em superfetação. Seu diagnóstico baseia-se no achado cirúrgico ou de necropsia, mas não existem fatores que prejudiquem a vida do animal com essa alteração. REFERÊNCIAS ANDERSON, W. A. D.; LINDER, J.; DAMJANOV, I. In:. Pathology Anderson. 2.ed. St. Louis: Mosby Company. 1953. p.1068-1070. CARLTON, W. W.; McGAVIN, M. D. Sistema Reprodutor da Fêmea. In: CARLTON, W. W. Patologia Veterinária Especial de Thomson. 2.ed. Porto Alegre: Artmed, 1998. p.541-572. 49

JONES, T. C., HUNT, R. D.; KING, N. W. Sistema Genital. In:. Patologia Veterinária. 6.ed. São Paulo, Manole, 2000. p.1169 1244. NOVAK E. R.; JONES, G. S.; JONES, H. W. Congenital anomalies and hermaphroditism. In:. Novak s Textbook of Gynecology. 9.ed. Baltimore. Williams & Wilkins. 1975. p.155-181. ROBBINS, S. L. Aparato Genital Feminino. In:. Tratado de Patologia. 3.ed. México: Editorial Interamericana. 1968. p.1003-1057. SOUSA, E. S. S.; SILVA, F. H.; BITTENCOURT, K. M. A. Útero didelfo relato de quatro casos. 1999. Jornal Brasileiro de Medicina. 76: p.121-122. STONE, E. A., CANTRELL, C. G., SHARP, N. J. H. Ovário e útero. In: SLATTER, D. Manual de cirurgia de pequenos animais. v.2., 2.ed. São Paulo: Manole. 1540-11558. Recebido em: 6/8/08 Aceito em: 2/10/08 50