A FORMAÇÃO CONTINUADA DOS DOCENTES UNIVERSITÁRIOS SOB O PRISMA DA TEORIA DA ATIVIDADE

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Transcrição:

A FORMAÇÃO CONTINUADA DOS DOCENTES UNIVERSITÁRIOS SOB O PRISMA DA TEORIA DA ATIVIDADE Nara Michele Santana Carvalho naramscarvalho@yahoo.com.br Wellington dos Reis Silva wellingtoneduca@yahoo.com.br O presente artigo propõe uma reflexão acerca da importância da formação continuada dos docentes do ensino superior através de um estudo de natureza bibliográfica. Trata-se de uma abordagem da Teoria da Atividade como possibilidade de contribuição para essa formação contínua. O estudo foi realizado através da análise de artigos e trabalhos de pesquisadores da teoria histórico-cultural da atividade, especialmente das contribuições de Leontiev, mentor da teoria. Alexis Leontiev (1903-1979) realizou trabalhos no período de 1930-1940 que foram dedicados à investigação do desenvolvimento do psiquismo humano, dos processos psicológicos superiores, da estrutura da atividade global e seu desdobramento em outras atividades, dos processos de internalização e comunicação. Karl Marx foi o primeiro defensor da ideia da centralidade da categoria trabalho, expressão maior de atividade. Para Marx, a atividade laboral é ainda a principal mediação nas relações que os sujeitos estabelecem com o mundo objetivo. De acordo com Alexis Leontiev, a idéia da análise da atividade como método na psicologia científica do homem foi formulada nos primeiros trabalhos de L.S.Vygotsky. (1983, p. 82). A partir das inferências dos dois autores, Leontiev conclui que a atividade humana (trabalho) é, assim, a unidade central da vida do sujeito concreto, é o sopro vital do sujeito corpóreo. (Leontiev,1983, p.75). Leontiev mostra que a estrutura da atividade animal caracteriza-se por uma relação imediata entre o objeto da atividade e a necessidade que leva o animal a agir sobre aquele objeto. Portanto existe uma coincidência entre o objeto e o motivo da atividade. O resultado imediato da atividade animal é a satisfação da necessidade que o

levou àquela atividade. Já a atividade humana é coletiva e composta de ações individuais diferenciadas em termos de uma divisão social do trabalho. A atividade humana, assim como a atividade animal, possui sempre algum motivo. No caso do ser humano, essa atividade passa a ser composta de unidades menores, as ações. Isso implica dizer que cada uma das ações individuais componentes da atividade coletiva deixa de ter uma relação direta com o motivo da atividade, passando a manter uma relação indireta, mediatizada com aquele motivo. Por si só, uma ação individual integrante de uma atividade coletiva pode inclusive aparentar não manter relação com o motivo dessa atividade, se não forem levadas em conta as relações entre essa ação individual e o conjunto das ações que constituem a atividade coletiva. Leotiev diz que a atividade surge de necessidades, que impulsionam motivos orientados para um objeto. É um processo circular que se inicia em necessidades e objetos, se consumando quando a necessidade é satisfeita. O objeto da necessidade pode ser tanto material quanto ideal. Eis a definição de Leontiev para atividade: (...) aqueles processos que, realizando as relações do homem com o mundo, satisfazem uma necessidade especial correspondente a ele. (...) Por atividade, designamos os processos psicologicamente caracterizados por aquilo que o processo, como um todo, se dirige (i.e., objeto), coincidindo sempre com o objetivo que estimula o sujeito a executar essa atividade, isto é, o motivo. (1988,p.68) A principal característica que distingue uma atividade de outra é seu objeto, ou seja, o objeto da atividade é seu motivo real (Leontiev, 1983, p.83). Desse modo, uma necessidade só poderá ser satisfeita quando encontrar um objeto. É o que chamamos de motivo. O motivo é aquilo que impulsiona a atividade, já que articula uma necessidade a um objeto. Necessidades e objetos isolados não criam atividades. Só há atividade, quando existe um motivo. Citando Leontiev:

A primeira condição de toda atividade é uma necessidade. Todavia, em si, a necessidade não pode determinar a orientação concreta de uma atividade, pois é apenas no objeto da atividade que ela encontra sua determinação: deve por assim dizer, encontrar-se nele. Uma vez que a necessidade encontra sua determinação no objeto (se objetiva nele), o dito objeto torna-se motivo da atividade, aquilo que o estimula. (LEONTIEV, 1978, p.107-108). Há uma interdependência do objetivo em relação ao motivo, isto é, a atividade implica um sentido. Por conseguinte, a ação é um processo cujo motivo não coincide com seu objetivo, mas reside na atividade da qual faz parte (Ib.). Conforme exemplifica Leontiev, a atividade de ler o livro unicamente para passar em um exame, não é uma atividade, é uma simples ação, porque ler o livro não é o objetivo primeiro, um objetivo forte que estimula a ação. A atividade é a leitura do livro por si mesmo, pelo seu conteúdo, pelo prazer da leitura. Quando o motivo da atividade passa para o objeto da ação, a ação passa a ser atividade. Isso é o que pode provocar mudanças na atividade principal. Uma atividade pode se tornar ação quando perde seu motivo originário. A recíproca é verdadeira, isto é, uma ação pode se transformar em atividade na medida em que ganha um motivo próprio. O ensino é uma maneira social de organização, da apropriação pelo homem, das capacidades formadas sócio-historicamente e objetivadas na cultura espiritual e material. Em sua forma externa, essa apropriação requer comunicação. Inicialmente, não é pela palavra que a comunicação está mediatizada, mas pelo objeto. Para que isso ocorra, é preciso que o sujeito realize determinada atividade, dirigida à apropriação da cultura. Leontiev, citado por Davídov diz que a apropriação é o processo que tem por resultado a reprodução pelo indivíduo, das capacidades e procedimentos de conduta humanos, historicamente formados (Davídov, 2002, p.55). A transformação da atividade externa em atividade interna acontece por meio do processo de internalização. O desenvolvimento psicológico acontece durante a apropriação da cultura e esta cultura se faz na comunicação com as pessoas. Tais

processos de comunicação e as funções psíquicas superiores envolvidas nesses processos, se efetivam primeiramente na atividade externa (interpessoal) que, em seguida, é internalizada pela atividade individual, regulada pela consciência. No processo de internalização da atividade há a mediação da linguagem, em que os signos adquirem significado e sentido (Vygotsky, 1984, p.59-65). A passagem do externo para o interno dá lugar a uma forma específica de reflexo psíquico da realidade: a consciência. Leontiev define consciência como conhecimento partilhado, como uma realização social. A consciência individual poderá existir apenas a partir de uma consciência social que tem na linguagem seu substrato real. De acordo com a psicologia soviética, as categorias consciência e atividade formam uma unidade dialética. O estudo da consciência requer estudar as relações vitais dos homens, as formas como eles produzem sua existência por meio de atividades. Significa que é preciso estudar como a estrutura da consciência do homem se transforma com a estrutura da sua atividade (LEONTIEV, 1978,p.92). A consciência não se reduz a um mundo interno, isolado, pelo contrário está intimamente vinculada à atividade e só pode ser expressão das relações do indivíduo com os outros homens e com o mundo, que é social. A passagem do mundo social ao mundo interno, psíquico, não se dá de maneira direta, pois o mundo psíquico não é idêntico ao mundo social. Na passagem da consciência social para a consciência individual, a linguagem e a atividade coletiva laboral têm papel fundamental. Sendo o trabalho uma atividade socialmente organizada, a linguagem torna-se necessidade e condição para o desenvolvimento social e individual dos homens. Pela linguagem os homens compartilham representações, conceitos, técnicas, e os transmitem às próximas gerações. O homem apropria-se das significações sociais expressas pela linguagem dando a elas um sentido próprio, um sentido pessoal vinculado diretamente à sua vida concreta, às suas necessidades, motivos e sentimentos. A relação entre a significação social, o sentido pessoal e o conteúdo sensível, emocional, é o principal componente da estrutura interna da consciência. A significação é a generalização da realidade que é cristalizada. É o resultado da cristalização das experiências construídas histórica e socialmente. As significações são fenômenos da consciência social e quando são apropriadas pelos indivíduos, passam a

fazer parte da consciência individual. Quando nasce, o indivíduo encontra um sistema pronto de significações. Apropriar-se ou não dessas significações dependerá do sentido pessoal que tenham para o sujeito. O sentido pessoal é produzido durante a vida do sujeito, em sua atividade. As significações são a cristalização da experiência humana, representam as formas como o homem apropria-se da experiência humana generalizada. (...) Por outras palavras, o sentido consciente traduz a relação do motivo ao fim. (LEONTIEV, 1978, p. 94-97) Segundo Leontiev (1978), em etapas anteriores da evolução humana significação social e sentido pessoal estiveram unidos e, de certa forma, eram coincidentes. A coincidência entre significados e sentidos foi a principal característica da consciência primitiva, e isso ocorria porque as significações ainda não estavam completamente diferenciadas e o homem vivia em comunhão com sua sociedade; indivíduo e grupo pouco se distinguiam. Na sociedade de classes, caracterizada pela propriedade privada dos meios de produção e pela separação entre trabalho manual e intelectual, significações e sentidos não apenas deixam de ser coincidentes, como se tornam contraditórios. Para o trabalhador, embora o significado social de seu trabalho seja produzir determinados produtos, o sentido de trabalhar é outro, é obter um salário porque só assim pode sobreviver. Leontiev (1978, 1983) chama de alienação a esta contraposição entre significado social e sentido pessoal. Assim, operar uma máquina ou executar tarefas parceladas da produção não têm sentido em si mesmo, mas o sentido está em ganhar determinado salário após trabalhar tantas horas. Aquilo que mais fortemente caracteriza a vida do homem aliena o conteúdo de sua própria vida. A consciência humana na sociedade de classes é fragmentada, desintegrada; significados e sentidos têm uma relação de exterioridade. Atividades manuais e intelectuais dividem-se de forma jamais vista. O trabalho intelectual torna-se um meio de vida e submete-se às condições gerais de produção, passa a ser assalariado. A atividade docente é um exemplo de atividade intelectual, podendo perder seu sentido e tornar-se unicamente forma de obter um salário. Psicologicamente, a ruptura entre significação social e sentido pessoal traduz-se no que Leontiev (1978) denomina problemas da consciência.

No caso da educação e em particular da formação continuada, só poderemos considerá-la atividade e não alienada, isto é, consciente, se o docente participa dessa mesma atividade sem imposição. Nesse caso, para que ocorra a coincidência entre significação social e sentido pessoal da formação continuada, o docente deve entendê-la como importante para sua prática pedagógica. O objetivo deste ensaio foi o de apresentar reflexões acerca da teoria históricocultural da atividade para a didática, especialmente para aprendizagem do pensar, do aprender e do ensinar com base nos fundamentos e escritos de Leontiev. Apresentamos um esboço do desenvolvimento teórico da teoria da atividade desde sua formulação no período inicial da psicologia histórico cultural. Aproximando a educação da teoria do referido autor, tentamos demonstrar que enxergamos a teoria da atividade como possibilidade de contribuição para formação continuada dos docentes universitários. Libâneo dedica partes de um artigo aos estudos de Leontiev e da teoria da atividade reconhecendo a vital importância da teoria no desenvolvimento do pensamento teórico de professores e alunos. Libâneo coloca: A teoria da atividade presta-se a muitas finalidades, mas especialmente pode auxiliar nas formas de desenvolvimento do pensamento teórico (valendo para os alunos, mas também para os professores); na compreensão da estrutura da atividade docente; na explicitação dos procedimentos e definição de ações e tarefas de aprendizagem para aumentar a eficácia das aprendizagens; na proposição de métodos e procedimentos de estudo e análise das práticas, em especial, os contextos socioculturais da atividade, para promover a transformação de espaços institucionais (...). Nesse sentido, há que se buscar outros elementos teóricos associados à teoria da atividade para melhor compreensão, por exemplo, das ações subjetivas e seu sentido, das formas de participação guiadas nas ações e tarefas de aprendizagem (...). São apostas muito promissoras para uma visão mais contemporânea e mais plurifacetada do conteúdo da didática e para o enriquecimento das propostas de currículos e metodologias de formação de professores, uma vez que os objetivos de aprendizagem que esperamos dos alunos devem ser, antes, objetivos da formação de professores. (LIBÂNEO, 2005, p.16)

A formação dos professores universitários é um assunto amplamente comentado no ambiente acadêmico atual. As opiniões se dividem entre os que consideram o mestrado e o doutorado suficientes, e aqueles que insistem na formação contínua como único caminho para uma prática pedagógica de qualidade. Partimos do pressuposto de que as necessidades e exigências do mundo contemporâneo são crescentes; na educação, não é diferente. É insuficiente que um docente universitário tenha apenas a formação exigida para o cargo de professor (mestrado ou doutorado). Preciso é que haja formação contínua no que concerne conhecimento pedagógico. Os conhecimentos técnico, teórico e científico proporcionados pelo bacharelado, mestrado e doutorado não são problema. O ponto nodal da questão é o conhecimento educacional, a capacidade didática, a prática de ensino. Os saberes pedagógicos estão subnutridos conceitualmente. Salvas estão exceções de docentes com formação específica na área da educação. Variadas são as opções: cursos de aperfeiçoamento pedagógico, workshops, grupos de estudo, projetos de pesquisa, encontros, reuniões, seminários, palestras, entre outras tantas ferramentas existentes para que o docente universitário esteja sempre aprendendo a ensinar. Nenhum mestre ou doutor, ao ter o diploma em mãos, pode ser chamado professor. Em verdade, torna-se professor. É um caminho árduo em que se aprende não só com o tempo no sentido experiencial, mas através da formação continuada da qual já comentamos. Por isso da importância do contínuo trabalho docente. Trata-se de uma profissionalização sempre em desenvolvimento. Para isso, é imperativo que o professor entenda que a formação continuada é uma necessidade real. Ela não deve ser vista como mais um curso chato, uma palestra sem sentido ou um seminário que não servirá para nada. A formação contínua deve ser vista como o que realmente é: uma ferramenta útil e que auxilia o professor no planejamento de boas aulas e boas provas, que permite ao professor desenvolver um bom material pedagógico. Na formação continuada, o docente tem oportunidade de compartilhar experiências com colegas de trabalho, ter contato com professores de outros campos do conhecimento que poderão trocar informações úteis, além de ter a chance de descobrir estratégias de ensino e criar novas. Entretanto, a formação continuada não deve ser uma obrigatoriedade ou algo imposto por parte de coordenações de cursos ou diretórios acadêmicos. Consideramos

ainda que essa formação não precisa se tornar mais um documento burocrático a ser preenchido pelos docentes, como relatório de controle de suas atividades semestrais, atribuindo-lhes ponto por produtividade. Além de desumano, tal ação faria com que todo o trabalho perdesse completamente o sentido. Defendemos durante todo o tempo as ideias de Leontiev que defendem que em uma atividade o objeto e o motivo devem coincidir. Se o objeto é a formação continuada e o motivo é a formação continuada para um trabalho pedagógico melhor, objeto e motivo coincidem. Mas, se ao contrário, a formação continuada é o objeto e a pontuação no relatório ou a obrigatoriedade é o motivo, objeto e motivo não coincidem. Deixou de ser atividade, passou a ser simples ação. Houve a alienação. Desse modo, consideramos justo que a formação continuada seja entendida como algo necessário para os membros da comunidade acadêmica como um todo. Além disso, docentes universitários devem estar convencidos do papel importante que ela desempenha. Não deve ser algo penoso, mas atividade a ser feita com prazer, com consciência. Entendemos que também não é o caminho tornar a formação continuada pré-requisito em todas as universidades. Ao entender sua necessidade, o motivo de sua necessidade e sua funcionalidade na profissão, o docente voluntariamente se interessará pela questão, tornando-a, conscientemente, uma atividade. Referências DAVIDOV, Vasili V. El aporte de A. N. Leontiev al desarrollo de la psicología. In: GOLDER, Mário (org.). Angustia por la utopía. Buenos Aires: Ateneo Vigotskiano de la Argentina, 2000, p. 51-60. LEONTIEV, Alexis N. Sobre o desenvolvimento histórico da consciência. In: LEONTIEV, A. O desenvolvimento do psiquismo. Lisboa: Horizonte Universitário, 1978.. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In: VIGOTSKI, L. S., LURIA, A. R., LEONTIEV, A. N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone, 1978, p. 59-83. LIBÂNEO, José Carlos. A didática e a aprendizagem do pensar e do aprender a teoria histórico cultural da atividade e a contribuição de Vasíli Davídov. Revista Brasileira de Educação. Rio de Janeiro: nº 27, 2005.

MARX, K., ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Abril Cultural, 1979.. Manuscritos econômico-filosóficos de 1844. In: FERNANDES, F. (org.). Marx e Engels: história. São Paulo, Ática, 1989. VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1984.