Introdução à Álgebra de Lie Wilian Francisco de Araujo Universidade Tecnológica Federal do Paraná e-mail: wilianfrancisco@gmail.com Estou certo, absolutamente certo de que... essas teorias será reconhecido como fundamental em algum momento no futuro... - Sophus Lie Sem fantasias ninguém pode se tornar matemático.. - Sophus Lie
Introdução As álgebras de Lie, reconhecidamente um dos aparatos mais importantes da matemática e com aplicação em outras ciências, surgiu com Sophus Lie, por volta de 1870, dentro de seu programa de estudar as equações diferenciais à luz da teoria de Galois para equações algébricas. Neste minicurso o objetivo é de introduzir os conceitos básicos para definir uma álgebra de Lie, e apresentar alguns exemplos. 1 Espaços Vetoriais Nesta seção vamos definir o que é um espaço vetorial. Definição 1.1. Um espaço vetorial real é um conjunto V, não vazio, com duas operações: Soma + : V V V. (u, v) u + v E a multiplicação por um escalar,. : R V V (k, v) kv. Tais que para quaisquer u, v, w V e a, b R, as propriedades abaixo sejam satisfeitas. i) (u + v) + w = u + (v + w); ii) u + v = v + u; iii) Existe 0 V tal que u + 0 = u; (0 é chamado vetor nulo); iv) Existe u V tal que u + ( u) = 0; v) a(u + v) = au + av; vi) (a + b)u = au + bu; vii) (ab)u = a(bu); viii) 1u = u Exemplo 1.2. Dado o conjunto dos vetores do espaço V = R R R = R 3 = {(x, y, z) x, y, z R} e as operações:
Se u = (x, y, z), v(x 1, y 1, z 1 ) R 3 definimos u + v = (x + x 1, y + y 1, z + z 1 ) e αu = (αx, αy, αz), assim, V = R 3 é um espaço vetorial. Exemplo 1.3. Dado o conjunto V = gl(2, R) = M(2, R) = a c b d a, b, c, d R com a soma e produto por escalar usuais é um espaço vetorial. Observação 1.4. Definimos espaço vetorial real, (espaço vetorial sobre o corpo dos reais), mas também poderiamos ter definido espaço vetorial sobre um corpo qualquer. Álgebra Definição 1.5. Seja A um espaço Vetorial sobre R. Dizemos que A é uma álgebra sobre R se existe uma operação de multiplicação de vetores, que satisfaz a propriedade distributiva sobre a soma de vetores, isto é, existe : A A A, (u, v) u v tal que para todos u, v, w A temos u (v + w) = u v + u w e (u + v) w = u w + v w e para todos a, b R e u, v A (au) (bv) = (ab)(u v) 2 Álgebra de Lie Definição 2.1. Uma álgebra de Lie consiste de um espaço vetorial g munido de um produto, chamado de colchete ou comutador de Lie [, ] : g g g, que satisfaz as seguintes propriedades: 1. Bilinearidade, ou seja, linear em cada entrada. 2. Anti-simetria, isto é [X, Y ] = [Y, X] para todo X, Y g. 3. E a identidade de Jacobi, isto é, para todo X, Y, Z g, temos [X, [Y, Z]] + [Z, [X, Y ]] + [Y, [Z, X]] = 0.
Não é difícil verificar que a identidade de Jacobi pode ser reescrita alternativamente de uma das duas formas: a) [X, [Y, Z]] = [[X, Y ], Z] + [Y, [X, Z]]; b) [[X, Y ], Z] = [[X, Z], Y ] + [X, [Y, Z]]. O colchete ou comutador de Lie, em geral, não é associativo, pois em qualquer circunstância [[X, X], Y ] = 0 e no entanto [X, [X, Y ]] nem sempre se anula. De fato, se tomarmos por exemplo X = 1 0 1 0, Y = 0 1 0 1 então [X, X] = XX XX = 0. Logo [[X, X], Y ] = 0, mas [X, [X, Y ]] 0. Proposição 2.2. Numa álgebra de Lie com corpo de característica diferente de 2 vale a seguinte equivalência: [X, X] = 0 para qualquer X g se e somente se [X, Y ] = [Y, X]. Demonstração: Note que 0 = [X + Y, X + Y ] = [X, X + Y ] + [Y, X + Y ] = [X, X] + [X, Y ] + [Y, X] + [Y, Y ]. Mas por hipótese [X, X] = 0 para qualquer X g. Assim pela igualdade acima temos que [X, Y ] = [Y, X]. Reciprocamente, suponha que [X, Y ] = [Y, X]. Daí [X, Y ] + [Y, X] = 0 para qualquer X, Y g. Assim se Y = X temos que [X, X] + [X, X] = 0, ou seja, 2[X, X] = 0. Com isto temos que 2 = 0 ou [X, X] = 0. Mas como o corpo que estamos trabalhando tem característica diferente de 2, temos que 2 0 e portanto concluímos que [X, X] = 0. Exemplo 2.3. Seja g um espaço vetorial e definamos o colchete como [W, Z] = 0 para quaisquer W, Z g. Mostre que com este colchete g torna-se uma álgebra de Lie. Exemplo 2.4. Consideremos o espaço vetorial real, R, com colchete definido como [x, y] = x + y. Notemos que com este colchete R não é uma álgebra de Lie. De fato, não vale, por exemplo, a bilinearidade pois [2x, y] = 2x + y 2[x, y] = 2x + 2y. Exemplo 2.5. Consideremos o espaço vetorial R mas agora com colchete definido pela multiplicação, [x, y] = x y. Sugerimos ao leitor verificar se neste caso R é álgebra de Lie. Exemplo 2.6. O espaço vetorial R 2 com colchete de Lie definido por [(a, b), (c, d)] = (0, 0) é uma álgebra de Lie, basta notarmos que este é um caso particular do Exemplo 2.3.
Exemplo 2.7. Seja R 3, onde o colchete de Lie é definido como o produto vetorial usual em R 3. Então R 3 com este colchete é uma álgebra de Lie. De fato, seja u = (a, b, c), v = (α, β, γ) e w = (m, n, p). Daí = [u, v] = a b c = β δ γ = [v, u]. α β γ a b c [u + v, w] = (u + v) w = a + α b + β c + γ m n p a b c + α β γ = u w + v w = [u, w] + [v, w]. m n p m n p Apesar de trabalhoso, não é difícil verificar a identidade de Jacobi neste exemplo. Exemplo 2.8. Seja A uma álgebra associativa arbitrária, onde entende-se por álgebra um espaço vetorial com uma aplicação bilinear (chamado também de operação ou produto) de A A a valores em A. Como a anti-simetria e a identidade de Jacobi são características das álgebras de Lie precisamos que a aplicação de A satisfaça estas duas propriedades para que A venha ser uma álgebra de Lie. Por exemplo A torna-se uma álgebra de Lie se definirmos o colchete como [x, y] = xy yx, para quaisquer x, y A. De fato, notemos que vale a bilinearidade pois tomando x 1, x 2 A e α um escalar arbitrário, então para todo y A fixado, temos [α(x 1 + x 2 ), y] = α[x 1 + x 2, y] = α(x 1 + x 2 )y yα(x 1 + x 2 ) = αx 1 y + αx 2 y yαx 1 yαx 2 = αx 1 y yαx 1 + αx 2 y yαx 2 = αx 1 y αyx 1 + αx 2 y αyx 2 = α(x 1 y yx 1 + x 2 y yx 2 ) = α([x 1, y] + [x 2, y]). Para a anti-simetria sejam x e y A, então temos que [y, x] = (yx xy) = xy yx = [x, y]. Já para a identidade de Jacobi sejam x, y, z A, então [x, [y, z]] + [z, [x, y]] + [y, [z, x]] = [x, (yz zy)] + [z, (xy yx)] + [y, (zx xz)] = x(yz zy) (yz zy)x + z(xy yx) (xy yx)z + y(zx xz) (zx xz)y = xyz xzy yzx + zyx + zxy zyx xyz + yxz + yzx + yzx yxz zxy + xzy = 0. Exemplo 2.9. Definamos em sl(2, R) = {X gl(2, R) tal que trx = 0} o colchete de Lie como [W, Z] = W Z ZW para qualquer W, Z sl(2, R). Tomemos os seguintes elementos em sl(2, R) W =, Z = e T =.
como Como [W, Z] =. = 2 b 2... [W + Z, T ] = a 1 + a 2 b 1 + b 2. c 1 + c 2 (a 1 + a 2 ). a 1 + a 2 b 1 + b 2 c 1 + c 2 (a 1 + a 2 ) = 1 b 1 + 1 b 1 + = + = [Z, W ], = [W, T ] + [Z, T ] e como satisfaz a identidade de Jacobi (exercício) temos que sl(2, R), com este colchete, é uma álgebra de Lie. 3 Referências Referências [1] Hoffman, K. e Kunze, R.: Álgebra Linear. Editora Polígono, São Paulo (1971). [2] Jacobson, N.: Lie Algebra. Dover Publications, Inc. (1979). [3] San Martin, L.A.B.: Álgebras de Lie. Editora da Unicamp (1999).