SP 23/07/82 NT 083/82. Os Conflitos na Circulação Urbana: Uma Abordagem Política da Engenharia de Tráfego. Eduardo Alcântara Vasconcelos.

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Transcrição:

SP 23/07/82 NT 083/82 Os Conflitos na Circulação Urbana: Uma Abordagem Política da Engenharia de Tráfego. Eduardo Alcântara Vasconcelos Introdução O objetivo deste artigo é tentar uma abordagem da engenharia de tráfego diferente da que normalmente se encontra na literatura especializada; pretende-se romper uma tradição da área, a fim de provocar o debate e possibilitar o enriquecimento do conhecimento de nossa atividade. A inovação não está no campo técnico propriamente dito, mas no lado social e político deste importante ramo da atuação do Estado no cenário urbano contemporâneo. A engenharia de tráfego é vista, normalmente, como uma atividade unicamente técnica, que utiliza recursos científicos para disciplinar a circulação urbana. O Instituto de Engenheiros de Transportes do Estados Unidos, um dos organismos mais ativos nas questões de trânsito, define a engenharia de tráfego com o ramo da engenharia de transportes que se relaciona com o planejamento, desenho geométrico e com as operações de tráfego de estradas e vias urbanas, suas redes, terminais e terrenos adjacentes inclusive com a integração de todos os modos e tipos de transportes, visando proporcionar a movimentação segura, eficiente e conveniente de pessoas e mercadorias. A nossa proposta básica é ampliar a visão implícita nesta definição, incorporando investigações sobre o objeto da engenharia de tráfego, ou seja, a circulação de pessoas e bens no meio urbano e suas características sociais. Para tal, é necessário analisar este meio urbano, o contexto no qual se forma e se desenvolve e as conseqüências que isto acarretará às atividades de engenharia de tráfego. A Dinâmica da Circulação Urbana A forma mais abrangente de compreensão de uma cidade é aquela que a analisa como a sede material de um complexo sistema de relações humanas. Estas relações derivam, fundamentalmente, das atividades realizadas na cidade, que estão, por sua vez, intimamente ligadas às características sócio-econômicas da sociedade na qual a cidade se insere. As atividades, de modo geral, podem ser entendidas como a produção e troca de bens materiais, intermediadas pelos serviços, além das necessidades de lazer, educação, saúde, etc. Para o desenvolvimento destas atividades, os homens utilizam a parcela da base material da cidade constituída pelas edificações. Emerge, então, a importância fundamental do uso do solo, da forma como ele se constitui, que em nosso sistema econômico caracteriza-se por uma apropriação privada da terra, realizada normalmente sem nenhum tipo de controle, a não ser aquele representado pelas leis do mercado. As relações, por sua vez, geram o movimento de bens e pessoas, que necessitam, consequentemente, da outra parcela da base material da cidade, formada pelos sistemas viário e de transportes. As caraterísticas assumidas por estes movimentos dependem da intensidade das relações que os geram, que, por sua vez, dependem das características sócio-econômicas da população (e da sociedade como um todo).

Um exemplo típico de movimento é o deslocamento das pessoas entre casa e trabalho, que é o movimento mais importante no contexto urbano. Analogamente, pode-se citar vários outros pares de ligação, como casa/lazer, casa/escola, além da movimentação dos próprios produtos da economia, as mercadorias. Esta movimentação geral tem ainda algumas características importantes. Em primeiro lugar está o fato de que ela, nem sempre se realiza pelos caminhos mais curtos, nem utilizando os veículos mais rápidos, o que seria desejável sob o ponto de vista de tempo de deslocamento. No entanto, é necessário utilizar o sistema viário e o veículo disponíveis aos usuários. Assim, a ligação entre dois pólos residência/trabalho pode, por exemplo, ser bastante sinuosa e cheia de impedimentos; por outro lado, o veículo utilizado é função, principalmente, da posição do usuário no sistema produtivo (grande parte da população é usuária cativa do transporte público). Em segundo lugar está a constante mutabilidade, no espaço e no tempo, desta movimentação geral. Em função do crescimento da cidade e da ocupação do solo, o padrão da movimentação geral muda sempre, repercutindo sobre as necessidades, em termos de sistema viário e de transportes. Temos, portanto, na cidade contemporânea, um relacionamento complexo entre o uso do solo, os sistemas viário e de transportes, e as características sócio-econômicas da população. Este relacionamento reflete-se, sob um aspecto bem amplo, no contexto econômico-político de toda a sociedade na qual a cidade se insere. Deduz-se daí que não é possível tentar compreender qualquer um destes aspectos isoladamente nem desligar a analise da investigação sobre o processo de formação e de desenvolvimento da cidade na qual se trabalha. Atividades de Planejamento e Tráfego no Contexto Urbano; O Lugar da Engenharia de Tráfego Como então visualizar a engenharia de tráfego neste contexto? A resposta nos parece estar, conforme salientado no início do texto, na análise mais cuidadosa desta circulação geral discutida até agora. A cidade é, conforme visto, necessariamente dinâmica, refletindo as mudanças que ocorrem no complexo de relações que contém. Isto não impede, no entanto, que ela seja vista num espaço curto de tempo, durante o qual a estrutura que caracteriza este complexo de relações pode ser visualizada com toda a clareza, como algo dado e aproximadamente constante no tempo. Esta visualização a curto prazo constitui a tarefa básica tradicional da engenharia de tráfego, feita por levantamento das características qualitativas e quantitativas desta estrutura (volumes de tráfego, velocidades, desejos de viagem, comportamentos, capacidade do sistema viário, etc.), com o objetivo genérico de estabelecer prioridades na utilização do espaço disponível, de ordenar e hierarquizar os movimentos de bens e pessoas. Esta caracterização é fundamental para distinguir a engenharia de tráfego do planejamento urbano (e de transportes). Enquanto aquela tenta apreender a realidade urbana num curto prazo, sendo então aceitável falar em estrutura, estes tentam apreendê-la em seus movimentos do correr do tempo, em prazos longos, perdendo-se então a noção de estrutura, suplantada pela evidência das mutações intermináveis da realidade analisada. Disto ocorre que a engenharia de tráfego não cuida dos problemas oriundos das transformações profundas da cidade, como a demanda global de transportes, o padrão de ocupação do solo, etc. ; ela é, necessariamente, uma técnica de intervenção a curto prazo, destinada a lidar com uma situação dada pela dinâmica da cidade num certo momento de sua vida, devendo, portanto, estar subordinada a uma política mais ampla de planejamento (esta subordinação é teórica, uma vez que nem sempre ocorre na prática. No entanto, este aspecto não faz parte dos objetivos deste trabalho). Este, por sua vez, é quem deve cuidar dos problemas oriundos das transformações profundas da cidade, o que é realizado por meio de técnicas de intervenção a longo prazo, baseadas em exercícios de previsão destas transformações. Desta forma, sua política deve condicionar em

grande parte a atuação da engenharia de tráfego, pelo estabelecimento de padrões de crescimento e utilização do solo urbano. Esta relação, no entanto, não pode ser unidirecional. É necessário que haja uma volta, no sentido da engenharia de tráfego informar o planejamento sobre as características básicas da operação de trânsito, a fim de viabilizar definitivamente uma política d ocupação do solo. Um exemplo típico deste tipo de relação é a primazia que os responsáveis pelo trânsito devem ter na definição da localização de entradas e saídas de grandes pólos geradores de tráfego. Finalizando, a atuação da engenharia de tráfego está condicionada fortemente por um fator externo, que é o nível de aceitação da mesma por parte dos usuários. Isto significa, de maneira simplificada, a consulta e educação dos usuários e a fiscalização do trânsito, áreas que nem sempre competem diretamente à engenharia de tráfego mas que a ela estão intimamente ligadas. Vemos, portanto, analisando o exporto até agora, que os problemas que competem à engenharia de tráfego dizem respeito, basicamente, à ordenação dos movimentos de bens e pessoas, num dado espaço sócio-econômico e numa dada época da vida da cidade; os produtos finais de sua atuação, portanto, são os planos de circulação dos bens e das pessoas, regulamentados e disciplinados pelos dispositivos de controle de tráfego. Parâmetros Fundamentais da Engenharia de Tráfego Na ordenação da circulação de bens e pessoas, a engenharia de tráfego lida com vários parâmetros. Os mais discutidos, e que permeiam todos os projetos e estratégias são: Fluidez: a facilidade com que é realizada a circulação, medida normalmente em termos de velocidade (valores médios e variações) Acessibilidade: a facilidade com que os equipamentos e construções urbanas são atingidas pelas pessoas e mercadorias. Segurança: a garantia de uma circulação isenta de perigos para os usuários, medida normalmente pelos índices de acidentes. Qualidade de vida: conceito mais subjetivo, que reflete uma série de condições sobre a qualidade de vida urbana; graus de poluição, respeito ao uso do solo e à hierarquia funcional das vias, etc. É fortemente influenciado pelos valores culturais da comunidade atingida. Definição de Prioridades: Os Conflitos na Circulação Analisando mais detalhadamente a dinâmica da circulação, vemos que a mesma apresenta uma série de conflitos que lhe são inerentes. Num primeiro nível, aparecem os conflitos físicos, de disputa pelo espaço, como no caso de dois veículos que chegam a uma interseção ao mesmo tempo. Este tipo de conflito é o mais aparente na engenharia de tráfego e o mais fácil de ser visualizado no seu dia a dia, mas não é o mais interessante para os nossos objetivos; pretendemos estudar os conflitos sociais, os seja, que envolvem os interesses dos participantes. Assim, podemos ver que estes últimos conflitos são, em grande parte, a expressão dos interesses divergentes dos vários atores em cena, que emergem à luz das relações econômicas características do sistema no qual a cidade se insere. De forma simplificada, poderiam ser visualizadas por alguns exemplos básicos, conforme relatado a seguir. Usuário cativo do transporte público - proprietário de auto Enquanto o primeiro necessita de um transporte público eficiente, seguro e barato, o que significa tratamento prioritário (em termos de investimentos, facilidades de circulação, etc.) para os transportes coletivos, o segundo deseja o máximo de mobilidade possível dentro do seu veículo, o que significa investimentos na ampliação do sistema viário para facilitar a circulação dos automóveis; isto, necessariamente, gera um conflito de prioridades, não apenas social, no que tange

aos investimentos do Estado, mas técnico-operacional, no sentido do espaço de circulação dentro do sistema viário que é dedicado a cada modo de transporte. Pedestres - motoristas Enquanto o primeiro deseja segurança e conforto na sua locomoção, o segundo deseja rapidez, o que gera necessariamente um conflito, visualizado, por exemplo, quando das tentativas de implantação e dimensionamento de semáforos em áreas de grande movimento de veículos e pedestres. Morador - motorista Enquanto o primeiro deseja uma alta qualidade de vida (traduzida basicamente por segurança, ausência de poluição, etc.), o segundo deseja rapidez, surgindo o conflito, visualizado, por exemplo, nas vias residenciais que recebem tráfego de passagem. Proprietário de estabelecimento - motorista - passageiro de ônibus Enquanto o primeiro deseja o máximo de acessibilidade para o seu estabelecimento (o que significa, principalmente, facilidade de estacionamento com, às vezes, prejuízo ou até eliminação dos ônibus), o segundo deseja o máximo de fluidez em seus deslocamentos (o que significa eliminação dos atritos, dentre os quais os veículos estacionados). Este conflito pode ser visualizado, por exemplo, por uma via convencional que, por necessidade do sistema de circulação, é também via de passagem. Há também o caso do motorista que deseja estacionar em frente à loja e cujo interesse coincide, portanto, com o do motorista do estabelecimento, sendo contrário ao do motorista que deseja circular. Por outro lado, há os proprietários cujos estabelecimentos servem, basicamente, aos passageiros de ônibus aos quais, por sua vez, interessa a facilidade de acesso aos coletivos. Por último, ligadas a todas essas atividades, estão as necessidades de carga e descarga de mercadorias, que conflitam com o transporte coletivo e com a fluidez geral do tráfego. Outra característica básica diz respeito à mudança do interesse do usuário, durante uma viagem qualquer, ou em situações diversas. Um motorista que sai de casa para o trabalho tem, no início da viagem, o interesse de que seu veículo esteja o mais próximo possível de sua porta, ou seja, está implícita a noção de acessibilidade. No meio da viagem, seu interesse muda, pois ele passa a desejar circular o mais rápido possível, caracterizando a noção de fluidez. Na chegada ao destino, seu interesse muda novamente, voltando a estar ligado à idéia de acessibilidade, uma vez que ele deseja estacionar seu veículo o mais próximo possível do seu local de trabalho. Por outro lado, esta mesma pessoa, que é motorista na viagem casa - trabalho, é morador de sua rua nas outras horas e, como tal, tem outros interesses. Analogamente, ele é pedestre em determinadas situações e, como tal, assume outro tipo de interesse. Eventualmente, pode ser também um passageiro de transporte público, em algumas situações, ou até proprietário de um estabelecimento comercial. Assim, a noção de interesse (e consequentemente de conflito) é bastante ampla e não pode analisada isoladamente, como se o usuário objeto de estudo fosse um ser de interesses definidos e restritos. Estes conflitos básicos, expressos em termos de posicionamento assumido pelas pessoas no cenário do trânsito urbano, podem então ser analisados em termos mais gerais, representados pelas categorias fundamentais que qualificam a vida urbana, no que diz respeito à movimentação de bens e pessoas. Assim, os conflitos passam a ser: Fundamentais Social - expresso pelo posicionamento diferenciado das pessoas com relação ao sistema produtivo e aos interesses divergentes aflorados; Físico - expresso pela impossibilidade física de acomodar simultaneamente todos os movimentos gerados pelas relações entre as pessoas.

Derivados Movimento x qualidade de vida A realização dos movimentos necessariamente gera poluição sonora e atmosférica, em detrimento do aspecto ambiental, da qualidade de vida. Por outro lado, gera também a necessidade de ordenação e regulamentação, o que significa implantação de sinais, levando, freqüentemente, à poluição visual das vias. Analogamente, a otimização do movimento está ligada ao aumento da velocidade de operação do tráfego, o que vai fatalmente chocar-se com as necessidades de segurança dos usuários, principalmente dos pedestres, crianças e idosos. Da mesma forma, a otimização do movimento está ligada ao fornecimento de caminhos mais diretos entre as origens e os destinos, o que entra em conflito com as necessidades de preservação de determinados usos do solo, principalmente o residencial, e de respeito às funções para as quais as vias foram projetadas. Movimento x acessibilidade O sistema viário precisa, ao mesmo tempo, exercer duas funções basicamente conflitantes, movimento e acesso: qualquer melhoria em uma delas prejudica a outra, como no caso clássico da disputa entre as necessidades de estacionamento e circulação. A realidade urbana é, portanto, necessariamente conflituosa, não sendo possível atender a todas as necessidades ao mesmo tempo. Os interesses são sempre divergentes e os movimentos disputam o espaço disponível, de forma cada vez mais brusca. Surge, então, a necessidade de estabelecer prioridades, tanto sociais (investimentos, enfoques), quanto na utilização do espaço (técnicas de engenharia de tráfego). Conclusão É neste cenário, portanto, que a engenharia de tráfego atua e ela o faz condicionada pelo conjunto de interesses conflitantes que caracteriza este cenário. Ela não é, assim, uma atividade essencialmente técnica, neutra, mas também política, no sentido mais puro, ou seja, é guiada pelos interesses dos participantes: os técnicos, proprietários do saber científico da área, aplicam-no segundo a direção dada pela resultante dos conflitos de interesse dos usuários. Esta resultante pode apontar tanto na direção da defesa da fluidez (em detrimento da segurança), quanto da defesa da segurança (em detrimento da fluidez), etc. Na base deste processo está, portanto, a capacidade de mobilização e pressão por parte dos usuários, na defesa de seus interesses. Retomando o propósito inicial, podemos então afirmar que a engenharia de tráfego é uma atividade técnica, no sentido de utilizar procedimentos racionais de base matemático/física, e política, no sentido de dirigir a aplicação destas técnicas segundo os interesses (conflitantes) dos vários tipos de usuários que realizam a circulação na cidade. -------------- Autoria Eng.º Eduardo Alcântara Vasconcelos - ITE