- Jean Piaget - Perspectiva psicogenética do conhecimento O conhecimento deve aqui ser entendido de um ponto de vista evolutivo, ou seja, vamos analisar o conhecimento na sua evolução. Desde que nascemos até à idade adulta há evolução ao nível cognitivo. Uma das formas de tentar compreender o problema do conhecimento consiste em proceder à comparação das nossas diferentes capacidades cognitivas em diferentes idades. Ex. - Aos 12 meses eu reconheço a minha mãe. - Aos 5 anos sei ler. - Aos 16 anos eu compreendo a perspectiva psicogenética do conhecimento. Diferentes capacidades para diferentes idades. Conclusão: o conhecimento é algo que se vai constituindo aos poucos, gradualmente. Começamos pela apropriação do meio ambiente que nos rodeia, aliás, logo imediatamente após ao nascimento, a vida mental resume-se a uma actividade reflexa (não confundir com reflexiva), que tem a capacidade de se aperfeiçoar com o exercício e que se vai generalizando a outros comportamentos. Jean Piaget (1896-1980), psicólogo e epistemólogo suiço, dedicou-se ao estudo psicogenético do desenvolvimento da inteligência e do conhecimento. ( IDEIA BASE: ao contrário do instinto (um processo programado hereditariamente para regular as interacções do ser vivo com o seu meio), a inteligência é uma forma de adaptação que se auto-regula construtivamente. Sendo esta adaptação um processo de equilíbrio nas trocas (relações) dos seres vivos com o seu meio. Tentemos elucidar: Se eu sinto uma necessidade é porque algo me falta (algo está em falta). A necessidade surgida obriga a uma adaptação (restabelecimento do equilíbrio perturbado). Ex. Eu tenho fome ( necessidade de alimento. Há algo que está em falta: o alimento. A adaptação será o restabelecimento do equilíbrio, no caso, tratarse-á de procurar e consumir alimento. Outro exemplo: Preciso de passar um trabalho a computador e não sei manusear um computador. Há algo em falta: a minha habilidade ou perícia no manuseamento do computador. A adaptação consistirá na auto-regulação, no ajustar-me às variações do meio. NO caso, aprendendo a manusear um computador e reatabelecendo o equlíbrio. Havia algo que não sabia (estava em falta) e que agora já sei (deixou de estar em falta).
Há uma necessidade quando alguma coisa, dentro ou fora de nós (no nosso organismo físico ou mental), se modificou, sendo preciso reajustar a conduta em função dessa alteração. Outro exemplo: quando temos de aprender a viver sem a pessoa amada que nos deixou. O ser humano possui a capacidade de se reajustar às variações do meio. Passando-se ao nível intelectual algo de semelhante ao que acontece ao nível orgânico. O conhecimento, tal como as transformações orgânicas, é uma resposta adaptativa e consiste na criação de formas ou estruturas cognitivas, que permitem a actividade mental de compreender e de inventar, a que chamamos INTELIGÊNCIA. Na nossa actividade de conhecimento somos obrigados a permanentes reajustamentos. O desenvolvimento mental é então o resultado desta necessidade de regulação (ou equilibração), iniciando-se no nascimento e terminando na adolescência. Temos então que, na perspectiva genética, o desenvolvimento mental é um processo. É um processo no tempo e ocorre progressivamente ao longo de um certo número de fases ou etapas. Não há, deste ponto de vista, uma inteligência ou um conhecimento inato ou pré-constituído. O desenvolvimento intelectual como processo Processo que se identifica com uma permanente adaptação ou reajustamento entre o homem e o seu meio ambiente. O desenvolvimento mental faz-se, pois, por etapas sucessivas em que as estruturas cognitivas se constroem progressivamente. Cada etapa representa uma forma de equlíbrio cada vez maior, permitindo uma adaptação mais adequada às circunstâncias. Piaget distingue quatro etapas (ou estádios) fundamentais no desenvolvimento cognitivo. 1 - ESTÁDIO SENSÓRIO-MOTOR (nascimento aos 2 anos) Neste estádio a crinaça realiza uma adaptação prática ao mundo exterior. A criança não procura o conhecimento, mas apenas o sucesso da sua acção, incidindo essencialmente sobre a manipulação dos objectos, mobilizando percepções e movimentos, de modo a organizá-los em esquemas mentais de acção. ESQUEMA MENTAL - conjunto de reacções susceptíveis de se reproduzirem e generalizarem. Ex. Se taparmos com um lenço um objecto (um copo por ex.) que captou atenção do bébé, este não afasta o obstáculo (o lenço) para chegar ao objecto.
Daqui inferimos que embora já seja capaz de agarrar e puxar, o bébé não o faz porque o objecto que desapareceu do seu campo perceptivo deixou de existir. Perto dos dois anos, a criança já acredita na permanência dos objectos, mesmo quando é escondido em sítios diferentes, já é capaz de acompanhar as deslocações e de o procurar no local próprio. Também perto desta idade, a criança já é capaz de reconhecer algumas relações de causalidade, na medida em que se serve dos meios apropriados para alcançar os seus fins. Ex. puxar o pano da mesa para alcançar o boneco do Homem-Aranha que está no outro lado da mesa. Claro que ainda não pensa nas consequências dos seus actos e aí, não raras as vezes em que com o Homem- Aranha são também arrastados a colecção de selos do papá juntamente com o café que a mamã bebia, por acaso, naquele preciso momento. Resumindo, neste estádio, a criança adquire as noções de objecto permanente e de causalidade. Claro que estas noções não são entendidas a um nível abstracto, mas pura e simplesmente a um nível prático, isto é, de acção. São, portanto, esquemas de acção. 2. ESTÁDIO PRÉ-OPERATÓRIO (dos 2 aos 7 anos) Aparece a função simbólica, ou seja, a capacidade de usar as coisas e o próprio corpo representantes substitutos de outras coisas para, por intermédio daqueles, evocar e expressar estas. JOGO SIMBÓLICO - quando nos sentamos numa cadeira e fingimos que se trata de um carro. A cadeira e os gestos e os barulhos que fazemos são os significantes que evocam e tornam presentes (de forma simbólica) outra situação: o significado. Esta é a idade de brincar ao faz de conta e que permite à criança interiorizar certos modelos comportamentais que observa nos adultos. A linguagem verbal, a capacidade de falar, surge nesta fase como expressão e manifestação desta capacidade de simbolizar. Os esquemas de acção começam a ser substituídos por esquemas de representação. Tem início o pensamento propriamente dito. A emissão de palavras significa que a criança já possui imagens mentais (mas ainda não podemos falar de conceitos, apenas de pré-conceito, visto que a criança passa apenas do particular para o particular, não sendo ainda capaz de generalizar). Com a aquisição da linguagem abre-se um novo mundo para a criança, em que as palavras substituem os objectos e as situações, possibilitando a comunicação (ainda que devido ao egocentrismo típico da criança desta idade, o diálogo seja praticamente inexistente. Cada um fala para si, sem se interessar pelas respostas dos outros). Podemos ainda referir a visão antropomórfica própria desta idade, quer dizer, concebe as coisas como vivas e dotadas de intenção, à semelhança do que se passa com os seres humanos.
Ex. se a uma criança lhe parece que a lua a segue à noite quando viaja de automóvel e lhe perguntarmos E se fôssemos em sentido inverso?, a criança, antes dos 6/ 7 anos dirá que a lua continuaria a segui-la, não se apercebendo que há contradição em a lua se deslocar simultaneamente para os dois lados. Por último, destacamos o carácter intuitivo desta estádio. O pensamento não é ainda capaz de acompanhar as alterações efectuadas. A criança realiza acções mentais, mas elas são irreversíveis, isto é, a criança emite juízos sobre os estados finais, mas não é capaz de voltar mentalmente ao ponto de partida (Ex. nesta idade a criança não é capaz de mentalmente organizar o Abecedário). 3. ESTÁDIO DAS OPERAÇÕES CONCRETAS (dos 7 aos 11 anos) As acções mentais tornam-se agora reversíveis, passando a designar-se por operações ( acções interiorizadas e reversíveis. A criança é capaz de construir estas acções somente em pensamento. Aqui criança está na posse do esquema de conservação da quantidade e nesta fase irá adquirir outras noções de conservação como peso, volume, etc. Também nesta fase a criança manipula os objectos concretos e aprende a classificar, a ordenar e a seriar. Aparecem ainda algumas limitações ao pensamento: as operações realizadas são concretas, recaíndo directamente sobre os objectos e situações actuais, não sendo ainda capaz de raciocinar sobre situações hipotéticas. 4. ESTÁDIO DAS OPERAÇÕES FORMAIS (dos 11 aos 15 anos) As operações realizadas ao nível do pensamento alcançam o domínio da abstração e da hipótese. É o pensamento puro a emergir, isto é, independente da acção concreta. O adolescente (aqui já não se fala de criança) é capaz de raciocinar sobre hipóteses abstractas. Estas não são factos ou objectos concretos, mas proposições enunciadas verbalmente, ou através de símbolos a partir dos quais se efectuam encadeamnetos típicos da lógica formal. Ex. - Edite é mais clara que Susana. - Edite é mais escura que Rosa. - Qual é a mais morena das três? (Só uma criança de 12 anos, ou mais, dirá que é a Susana). A capacidade de abstracção leva a que o adolescente se possa interessar por temas igualmente abstractos (política, religião, moral e até mesmo, filosofia). FACTORES DE DESENVOLVIMENTO INTELECTUAL O desenvolvimento cognitivo está dependente de determinados factores que, conjugados, aceleram, ou dificultam e atrasam o processo e o progresso intelectuais. A adaptação é fundamental para o desenvolvimento da actividade cognitiva.
O equilíbrio é permanentemente ameaçado pelas circunstâncias internas e externas, tornando-se necessário o restabelecer permanente desse equilíbrio. A equilibração consiste na interacção constante entre a assimilação e acomodação. ASSIMILAÇÃO - o meio vai sendo progressivamente integrado no sujeito, nos seus esquemas gerais (ex. uma maçã ao ser comida é assimilada, isto é, integrada no nosso próprio organismo). Assim, também as acções e operações que realizamos são integradas em nós, sob a forma de imagens e esquemas mentais. Estes esquemas vão tornar-se esquemas mentais gerais (porque se abstrai do concreto dos objectos e situações que constituíram o seu ponto de partida) possibilitando a aplicação a novas situações. ACOMODAÇÃO - os dados assimilados, estruturados nesses esquemas mentais gerais, são constantemente ajustados às novas situações particulares, permitindo a sua assimilação. A ACOMODAÇÃO É DETERMINADA PELO OBJECTO, AO PASSO QUE A ASSIMILAÇÃO É DETERMINADA PELO SUJEITO. NÃO OCORRE UMA SEM A OUTRA. CONSTRUTIVISMO - designação de várias correntes filosóficas e epistemológicas, centradas no problema da constituição (no sujeito) dos objectos do possível conhecimento. O construtivismo teórico-evolutivo, presente na epistemologia genética de Jean Piaget, propõe (contra o empirismo filosófico e o associanismo psicológico) a imagem de um sujeito que, com a sua actividade construtiva sempre mais complexa, atravessa fases diferenciadas de desenvolvimento cognitivo até atingir o nível das operações formais (e abstractivas). Prof. Liliana Rodrigues