Aula 3 010 Movimento Harmônico Simples: Exemplos O protótipo físico do movimento harmônico simples (MHS) visto nas aulas passadas um corpo de massa m preso a uma mola executando vibrações de pequenas amplitudes com força restauradora dada por F = kx é uma situação aproximada. Apesar disso, uma grande variedade de deformações de sistemas físicos, resultantes de trações, compressões, flexões ou torções (ou combinações delas) satisfaz, sob determinadas condições, a propriedade de que a força restauradora é proporcional ao deslocamento. Nesses casos, a equação diferencial resultante que descreve o movimento do sistema é formalmente idêntica à equação de movimento de um MHS, x dt d = & x = ω x, de maneira que o sistema se comporta como um oscilador harmônico simples. Veremos alguns exemplos desses casos nesta aula. 1
Aula 3 010 O Sistema Massa-Mola Vertical O caso do sistema massa-mola na horizontal já foi visto nas aulas passadas. Vejamos agora o mesmo sistema, só que oscilando na vertical (vamos considerar novamente apenas o caso de pequenas oscilações). A figura abaixo ilustra as situações importantes. Em A, a mola está suspensa verticalmente sem qualquer corpo preso à sua extremidade. O comprimento da mola é l. Em B temos a mola e um corpo de massa m preso à sua extremidade. A mola está esticada por um comprimento l e a força restauradora feita por ela sobre o corpo é F = k l (aponta para cima,
Aula 3 010 que é a direção positiva do eixo x). O sistema está em equilíbrio, isto é, não oscila. Isto ocorre porque a força feita pela mola sobre o corpo se iguala ao peso do corpo: k l = mg. Em C o corpo está deslocado por uma distância x para cima em relação à posição de equilíbrio. A força feita pela mola sobre o corpo (ainda para cima, pois a mola continua esticada) é agora menor; seu valor é F = k( l x). A força resultante sobre o corpo é F r = k( l x) mg = kx. A força resultante aponta para baixo e é proporcional ao deslocamento x do corpo em relação ao equilíbrio. Esta situação é formalmente idêntica à do sistema massa-mola na horizontal com a mola comprimida por x. Em D o corpo está deslocado por uma distância x para baixo em relação à posição de equilíbrio. A força feita pela mola sobre o corpo (novamente para cima, pois a mola continua esticada) é maior do que antes, valendo F = k( l + x). A força resultante sobre o corpo é F r = k( l + x) mg = kx. A força resultante aponta para cima e é proporcional ao deslocamento x do corpo em relação ao equilíbrio. Esta situação é formalmente idêntica à do sistema massa-mola na horizontal com a mola esticada por x. 3
Aula 3 010 Concluímos, portanto, que um corpo de massa m preso a uma mola vertical de constante k e realizando pequenas oscilações em relação à posição de equilíbrio do sistema massa-mola executa um MHS de frequência angular ω = k m, como no caso do sistema oscilando na horizontal. O Pêndulo de Torção Outro sistema que se comporta como um oscilador harmônico é o pêndulo de torção (figura abaixo). Consideremos um corpo suspenso por um fio (de metal ou qualquer outro material elástico) de maneira que a linha OC passe pelo seu centro de massa. Quando o corpo é girado por um pequeno ângulo θ em relação ao equilíbrio, o fio sofre uma torção e passa a exercer 4
Aula 3 010 sobre o corpo um torque restaurador τ que é bem descrito pela lei de Hooke: o torque se opõe ao deslocamento e tem módulo dado por τ = Kθ (1) onde K é o chamado módulo de torção do fio, que depende do material do qual é feito o fio, da sua grossura e do seu comprimento. Se I for o momento de inércia do corpo em relação ao eixo OC, a equação de movimento (lembre-se de Física I) é τ d θ I α = I = dt = Combinando as equações (1) e (): I & θ = K θ && K θ + θ 0. I I & θ. () (3) Esta é a equação de um oscilador harmônico simples com freqüência angular K ω =. (4) I A frequência das oscilações é f = ω = π 1 π K I e o período é 5
Aula 3 010 T 1 I = = π f K. (5) O movimento oscilatório é descrito pela solução de (3), ( ) onde Θ é a amplitude angular das oscilações. θ ( t ) = Θ cos wt + ϕ, (6) 0 O Pêndulo Simples O pêndulo simples é outro modelo idealizado da física. Ele consiste de um corpo de massa m preso a um fio de massa desprezível e comprimento l. Supõe-se que o corpo realiza pequenos deslocamentos angulares sobre uma circunferência de raio l em torno da posição de equilíbrio (posição vertical, com θ = 0). A figura acima ilustra o modelo. Há duas forças atuando sobre o corpo, a tensão T e o peso mg. 6
Aula 3 010 Como se faz geral em problemas de mecânica que envolvem rotação, pode-se decompor as forças em suas componentes tangencial e radial. A única componente tangencial é a componente do peso ao longo da direção tangencial, Fθ = mg sen θ. (7) O sinal negativo decorre do fato de que a direção positiva é a que se afasta da vertical ao longo da circunferência. As componentes radiais são a própria tensão e a componente do peso ao longo da direção radial. Como o corpo não se move na direção radial, essas duas componentes são iguais e de sentidos contrários (veja a figura), T = mg cos θ. (8) Esta última equação nos permite calcular o valor da tensão T para qualquer valor de θ. A equação que nos interessa aqui é a (7). O deslocamento do corpo ao longo da trajetória em relação ao repouso é medido por s = lθ. Dessa maneira, a aceleração tangencial do corpo é 7
Aula 3 010 a d s d θ = l. (9) dt dt θ = Multiplicando (9) por m para se ter a força tangencial e igualando a (7) obtemos a equação de movimento: ou ml d θ = mg sen θ, dt d θ g + sen θ = dt l 0. (10) Esta equação é diferente da equação do oscilador harmônico simples, pois a força restauradora não é proporcional ao deslocamento angular θ, mas ao seno de θ. Quando se mede o ângulo θ em radianos, porém, temos que, para ângulos pequenos, sen θ θ. (11) Por exemplo, para θ = 0,1745 rad (= 10 o ), sen θ = 0,1736. Notem que os dois valores são muito próximos; o erro relativo vale (0,1745 0,1736)/0,1736 = 0,005 (~ 0,5%). Portanto, para pequenos desvios em relação à posição de equilíbrio, a equação de movimento do pêndulo simples pode ser aproximada por, 8
Aula 3 010 com θ medido em radianos. d θ g + θ = dt l 0, (1) Esta é a equação de um MHS com frequência angular g ω =. (13) l A freqüência e o período das pequenas oscilações são, respectivamente, e f T ω 1 g = = (14) π π l 1 l = = π f g. (15) Notem que o período T das oscilações do pêndulo simples não depende da amplitude das oscilações (desde que elas sejam pequenas), mas apenas do comprimento do pêndulo l. Este fato foi observado por Galileu (1564-164) em 160 e constitui o que ele chamou de isocronismo do pêndulo. Em cartas a amigos, Galileu sugeriu que o isocronismo do pêndulo simples para pequenas oscilações poderia ser usado para a construção de instrumentos de medida de tempo. 9
Aula 3 010 Por exemplo, supondo que a intensidade do campo gravitacional é a mesma para todos os pontos da superfície da Terra e vale g = 9,8 m/s, o comprimento l do pêndulo para que o seu período T seja de 1 segundo pode ser calculado a partir de (15) como: gt (9,8 m/s )1 l = = = 0,48 m, 4π 4π ou seja, um pêndulo de comprimento 4,8 cm que oscile com amplitudes menores que 10 o possui período de aproximadamente 1 segundo com erro da ordem de 0,5%. Em 1603, um dos amigos de Galileu, o médico Santorio Santorio, passou a usar um pendulo simples (que ele chamou de pulsilogium) para medir o pulso de seus pacientes. A aplicação mais importante do isocronismo do pêndulo, no entanto, veio em 1656, após a morte de Galileu, com a construção do primeiro relógio de pêndulo pelo físico holandês Christiaan Huygens (169-1695). A figura abaixo mostra o esquema do primeiro relógio de pêndulo construído por Huygens (a figura foi tirada do site http://www.17centurymaths.com/contents/huygens/horologiumpart1.pdf, que contém a tradução para o inglês do livro de Huygens sobre o relógio de pêndulo Horologium Oscillatorium). 10
Aula 3 010 A energia cinética do pêndulo simples é A velocidade do pêndulo é 1 mv K =. ( l ) ds d θ dθ v = = = l. dt dt dt Substituindo esta expressão da velocidade na equação para a energia cinética, K = 1 ml dθ dt. (16) Para calcular a energia potencial U do pêndulo, vamos considerar que a posição em que U é nula é a posição de equilíbrio θ = 0. Desta forma, a energia potencial pode ser calculada como o negativo do 11
Aula 3 010 trabalho realizado pela força restauradora para levar o pêndulo de θ = 0 até um valor de θ qualquer diferente de zero: U θ θ ( mg sen θ ) ld θ = mgl θ dθ = W = = 0 θ Fθ ds sen 0 0 θ 0 Ou seja, [ cos ] θ U = mgl. θ 0 ( 1 cos θ ) U = mgl. (17) Observem que as equações (16) e (17) são absolutamente gerais para o pêndulo simples, isto é, elas valem mesmo quando não se faz a aproximação de pequenos ângulos. Se, no entanto, fizermos a aproximação de ângulos pequenos, a energia potencial torna-se sen θ θ, Ou seja, θ ( θ ) U = mgl θ dθ = mgl. 0 1 1 U = mgl θ = mω l θ ( θ << 1). (18) θ 0 1
Aula 3 010 A energia total (que se conserva) do pêndulo simples para pequenas oscilações é então: 1 dθ 1 = K + U = ml mω l θ. (19) E + dt Faça, como exercício, uma análise do movimento do pêndulo simples baseada nesta equação da mesma forma que a que foi feita na aula anterior para o movimento do sistema massa-mola. 13