A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR: A ESCOLÁSTICA, UM EXEMPLO RAFAEL HENRIQUE SANTIN (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ).

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Transcrição:

A IMPORTÂNCIA DO CONHECIMENTO NA FORMAÇÃO DO PROFESSOR: A ESCOLÁSTICA, UM EXEMPLO RAFAEL HENRIQUE SANTIN (UNIVERSIDADE ESTADUAL DE MARINGÁ). Resumo Nesta comunicação, ressaltamos a necessidade da leitura das Questões tomasianas como um passo importante para uma formação docente mais consistente. Temos como objetivo apresentar algumas reflexões acerca da filosofia Escolástica e seu método de ensino, desenvolvido no contexto do século XIII. Assim, destacamos a importância de seu estudo para a formação de professores na atualidade, ressaltando a relevância da disciplina de História da Educação nos cursos de formação docente. Para o desenvolvimento de nossas considerações, optamos pela metodologia da História Social, sob a qual procuramos observar nosso objeto considerando o como parte da totalidade da sociedade do século XIII. Nossa fonte principal é a Questão 15, intitulada O consentimento, que é ato da vontade, comparado com aquilo que é para o fim, que compõe a parte I II da Suma Teológica de Tomás de Aquino. Essa Questão aborda o ato de consentir que significa o ato de atribuir sentido aos objetos e ações cotidianas. Esse processo implica o movimento que caracteriza o ensino e a aprendizagem para o desenvolvimento do intelecto e da vontade. A leitura que propomos auxiliará, a nosso ver, na compreensão da natureza humana, conhecimento essencial para quem almeja ensinar. Por fim, acreditamos que o estudo da filosofia cristã e do método que inspirou nos permite refletir sobre as práticas pedagógicas na contemporaneidade. Os medievais encontraram em sua forma própria de pensar o mundo e a sociedade uma maneira própria de ensinar e aprender. Cabe nos colher o seu exemplo e pensar sobre o nosso modo particular de ensinar e aprender. Palavras-chave: História da Educação, Escolástica, Formação de Professores. Introdução O presente trabalho tem o objetivo de refletir sobre a Questão 15 do terceiro volume da Suma Teológica, principal obra de Tomás de Aquino (cf. GILSON, 1995), a fim de demonstrar sua importância para o conhecimento da natureza humana. Acreditamos que este estudo aponta a relevância da disciplina de História da Educação para uma formação docente mais consistente, pois proporciona um momento para o amadurecimento do pensamento reflexivo. Para isso optamos pelo método da História Social. Deste modo, procuramos abordar nosso objeto como parte de uma totalidade, que é a sociedade medieval do século XIII. Neste ponto concordamos com Bloch (1965, p. 28), que aponta o homem em sociedade como tema essencial dos estudos históricos. Deste modo, buscamos os escritos de Tomás de Aquino com a intenção de compreender melhor as relações entre o ato educativo e o amadurecimento do homem e da sociedade na Idade Média.

Na Questão 15, intitulada O consentimento, que é ato da vontade comparado com aquilo que é para o fim, Santo Tomás analisa o ato de consentir, pelo qual os homens são capazes de dar significado às suas ações. Ao lado da eleição e da deliberação, o consentimento é um dos elementos fundamentais que caracterizam o homem como ser racional dotado de livre-arbítrio e, portanto, responsável por seus atos. A obra de Tomás de Aquino é abordada, aqui, como própria de seu tempo histórico: o século XIII. Por isso, destacamos alguns elementos contextuais buscados em historiadores contemporâneos para relacionarmos os problemas discutidos por este intelectual com as transformações históricas observadas naquela época. Também destacamos as implicações das reflexões de Santo Tomás no desenvolvimento da filosofia Escolástica e do método de ensino dela derivado. O pensamento escolástico, conforme Oliveira (2005), pautava-se nas relações entre fé e razão, duas naturezas distintas de conhecimento que se complementam de modo a formar um saber total. Assim, em consonância com alguns estudiosos deste período, como Nunes (1979), Le Goff (1995) e Oliveira (2005; 2005a), as contribuições deste mestre da Universidade de Paris foram relevantes para o estabelecimento de certo equilíbrio entre razão e fé, o que significou o apogeu do pensamento escolástico. Enfim, pensar sobre a formação humana na perspectiva de Tomás de Aquino significa, para nós, entender o que há de fundamental na educação e o que é característico de cada tempo histórico, a fim de concebermos práticas formativas apropriadas aos valores contemporâneos. O consentimento na Suma Teológica de Tomás de Aquino: uma leitura necessária Acreditamos que a Questão 15, contida na Suma Teológica de Tomás de Aquino, deve ser compreendida no contexto de desenvolvimento da Escolástica, isto porque, de acordo com Nunes (1979), as formulações deste pensador contribuíram para a constituição desta maneira peculiar dos homens medievais

conceberem a existência. Além disso, é importante ressaltar a importância do método escolástico que foi sistematizado no século XIII, principalmente pelas obras e magistério de Santo Tomás. Embora a Escolástica tenha se modificado bastante durante a Idade Média em correspondência às exigências daquela sociedade (cf. Oliveira, 2005a), algumas de suas características fundamentais permaneceram durante todo o medievo: Quando se considera o conjunto de doutrinas que o termo escolástica abrange e quando se observa que é a filosofia a disciplina que exprime os seus aspectos mais salientes, pode afirmar-se com Grabmann que a escolástica é um modo de pensar e um sistema de concepções em que se valoriza a vida terrena como dom admirável de que usufruímos para o nosso bem e para o nosso desenvolvimento pessoal e em que se admite que o ser do homem não se esgota no breve tempo da sua existência terrena, uma vez que o homem tem um fim supraterreno e eterno e o destino de uma vida interminável, sobre crescer ainda neste mundo na vida sobrenatural que ele obtém através do batismo. Portanto, num primeiro momento, casam-se na escolástica a concepção filosófica da vida terrena, da sua transcendência às limitações deste mundo e a mundivivência cristã em que a revelação de Cristo assegura que a vida continua além da morte, que um destino feliz ou infeliz aguarda o homem conforme o seu modo de viver na terra, e que neste mundo já é possível ao homem nascer para a vida sobrenatural e nela crescer até que possa, após a morte, fixar-se num estado definitivo de completa beatitude ou de felicidade eterna (Nunes, 1979, p. 244-245. Grifo nosso). Como podemos observar nessa citação, Nunes considera que a Escolástica abranje um conjunto de doutrinas que giram em torno do problema da conciliação da razão com a fé, da felicidade terrena com a salvação, proporcionada por Cristo. No trecho em destaque, podemos perceber que o autor enfatiza o esforço dos medievais para harmonizar a vida terrena com a possibilidade de uma vida eterna depois que a existência material termina. Razão e fé eram consideradas naturezas distintas de saberes que se complementavam na tarefa de se alcançar o conhecimento da verdade. No século XIII, quando a população urbana se desenvolveu e o sistema feudal conheceu um grande progresso, nasceu a Universidade (Le Goff, 1995, p. 57). Nesse momento, a filosofia cristã, especialmente na pessoa de Tomás de

Aquino, configurou-se como um corpo diferente de explicações, mais racionais, voltadas para a concepção de livre-arbítrio do homem e para a sistematização do equilíbrio entre razão e fé. É o que se constata quando se analisam o método escolástico de ensino e a Questão 15 do terceiro volume da Suma Teológica. De acordo com Verger (1990), o método escolástico era constituído de duas práticas: a lectio e a disputatio. Na primeira, os mestres e estudantes liam e analisavam as autoridades, isto é, as obras clássicas de cada disciplina. A segunda se caracterizava por um debate entre mestres e estudantes a respeito de temas que lhes eram pertinentes e à luz das autoridades conhecidas na lectio. A disputatio (cf. Pieper, 2000) correspondeu ao espírito da Universidade e seu desenvolvimento contribuiu para o apogeu da filosofia cristã e da educação medieval. Tomás de Aquino participou de alguns debates que se realizaram naquele momento e isso se expressa na forma como redigiu a Suma Teológica. As Questões são redigidas com base nas práticas da disputatio, ou seja, ele obedece a estrutura formal de um debate universitário daquela época. A disputatio tem as seguintes características estruturais: primeiro, fixa-se o problema, depois, elabora-se uma hipótese, em seguida, fazem-se objeções para confirmar a hipótese. Às admoestações seguem contra-objeções e a estas a elaboração da resposta pelo mestre, que respeita as posições defendidas no debate. Por fim, dão-se respostas às objeções[1] (cf. Nunes, 1979). Como podemos constatar, a filosofia cristã e o método de ensino a ela relacionado contêm significações muito complexas, que englobam uma série de princípios e concepções a respeito do modo de ser da sociedade medieval. A forma do debate, da discussão, revela a tolerância na difusão do saber e na busca de soluções possíveis para os problemas daquela sociedade. Podemos, assim, perceber o compromisso dos intelectuais do século XIII com o desenvolvimento do homem e das relações sociais. Acreditamos que uma das contribuições que o estudo da História da Educação Medieval pode oferecer para a sociedade contemporânea é o princípio do debate tolerante e respeitoso sobre temas importantes para a coletividade, que remetem ao desenvolvimento de nossa civilização[2]. Assuntos relacionados à política nacional, por exemplo, não têm despertado o interesse da maioria da população brasileira; no entanto, existe a necessidade de debatê-los e

minimamente compreender a conjuntura política do país, visto que isso envolve nosso crescimento como nação. O próprio Tomás de Aquino, por exemplo, num período em que o Ocidente medieval passava por inúmeras mudanças, dentre as quais o renascimento das cidades e do comércio, escreveu sobre problemas cotidianos. É o caso das Questões sobre o amor e o ódio (ST, I a II ae, q. 26-29), que remetem às emoções diretamente envolvidas nas relações sociais. Na Questão 15 da parte I-II da Suma Teológica, Tomás de Aquino aborda a importância do conhecimento para os homens, chamando a atenção para a relação necessária entre intelecto e vontade nas ações humanas: Consentir implica a aplicação do sentido a algum objeto. É próprio do sentido conhecer as coisas presentes. A imaginação é apreensiva das semelhanças corporais, embora estas estejam ausentes nas coisas das quais são semelhanças. Mas, o intelecto é apreensivo das razões universais, as quais pode apreender indiferentemente, quer as singulares estejam presentes ou ausentes. E porque o ato da potência apetitiva é uma inclinação para a própria coisa, por semelhança, a aplicação da potência apetitiva à coisa, enquanto a esta inere, recebe o nome de sentido, como se recebesse alguma experiência da coisa à qual inere, enquanto, satisfaz nela. Donde se ler no livro da Sabedoria: Sentí o Senhor em bondade. Por isso, consentir é ato da potência apetitiva (Tomás de Aquino, ST, I a II ae, q. 15, a. 1, c.). Como podemos observar nessa passagem, Tomás de Aquino afirma que consentir é dar sentido às coisas. Nessa perspectiva, é possível que consentimento para esse pensador signifique o que hoje chamamos de consciência. Com efeito, pelo consentimento, dá-se sentido, ou seja, significado a algum objeto. Quer dizer que o homem, por este ato, pode dar significado à suas ações, refletindo sobre elas e agindo conscientemente. O homem, segundo Tomás de Aquino, é uma totalidade constituída por duas potências: o intelecto e a vontade. O intelecto é a faculdade pela qual o indivíduo conhece e reflete sobre a realidade. O objeto do intelecto é a verdade, ou o conhecimento global sobre as coisas, isto é, o conhecimento tanto dos aspectos essenciais quanto dos acidentais dos fenômenos. A vontade é uma faculdade

passiva pela qual o indivíduo age. O seu objeto próprio é o bem. A vontade é passiva justamente porque depende do intelecto para identificar seu objeto e persegui-lo (cf. Gilson, 1995). Nesse sentido, o consentimento, tal como o teólogo/filósofo escolástico define, remete à interação entre intelecto e vontade, já que a última necessita do primeiro para se atualizar: Propriamente falando não há consentimento nos animais irracionais. E a razão disso é que o consentimento implica a aplicação do movimento apetitivo para fazer algo. Ora, aplicar o movimento apetitivo para fazer algo é próprio do que tem poder sobre o movimento apetitivo. [...] Por este motivo, não se diz que propriamente consentem, porque isto pertence à natureza racional, que tem domínio sobre o movimento apetitivo, podendo ainda aplicálo ou não a isso ou àquilo (TOMÁS DE AQUINO, ST, I a II ae, q. 15, a. 2, c. Grifo nosso). Tomás de Aquino, diferentemente dos que ressaltavam a submissão da vontade humana à vontade divina, como São Boaventura (Itinerário da Mente para Deus, I, 4-5-6; VII, 6), prioriza a autonomia do homem em seu agir. Como podemos averiguar no último excerto citado, o consentimento é próprio da natureza racional porque implica [...] domínio sobre o movimento apetitivo [...] (Tomás de Aquino, ST, I a II ae, q. 15, a. 2, c.). Assim, a decisão final de agir ou não agir não depende de outra coisa senão do próprio indivíduo. Esta decisão é, segundo o autor, o ato de consentir: A sentença final sobre o que se deve fazer é o consentimento ao ato (Tomás de Aquino, ST, I a II ae, q. 15, a. 4, c.). Assim, o consentimento na perspectiva tomasiana é um ato que permite ao homem agir conscientemente e ter domínio de suas ações, porque faz refletir sobre elas. Como podemos observar, esta capacidade do ser racional se constitui o elemento que relaciona o intelecto e a vontade, efetivando o livre-arbítrio[3]. Por isso, no Artigo 3 o da Questão 15 São Tomás afirma que o consentimento é um ato que diz respeito aos meios, não aos fins da ação. O teólogo/filósofo apresenta dois conceitos que se relacionam com o consentimento: deliberação e eleição. A deliberação seria a disposição para a execução de uma ação, o que implica a necessidade de eleição de uma das possibilidades que a cercam. Enfim, o

consentimento seria a reflexão sobre o que decorre da deliberação, a compreensão do sentido do que agrada e que se oferece para a eleição: Quanto ao 3º, deve-se dizer que a eleição acrescenta ao consentimento uma relação com respeito àquilo para o que se escolheu previamente algo, e por isso, após o consentimento, ainda permanece a eleição. Mas, pode acontecer que pela deliberação encontrem-se muitas coisas que levam ao fim, e se qualquer uma delas agrada, nelas se consente. Todavia, entre as muitas coisas que agradam, escolhemos uma a ser eleita. Mas, se houver uma só que agrade, o consentimento e a eleição não se diferenciam por distinção real, mas, por distinção de razão. Assim, consentimento se diz enquanto agrada para agir; eleição, enquanto se prefere às coisas que não agradam (Tomás de Aquino, ST, I a II ae, q. 15, a. 3, ad. 3 m.). Como podemos observar, Tomás de Aquino analisa a complexidade do ato humano, ressaltando que o homem é responsável pela própria existência e que o desenvolvimento da faculdade intelectual é fundamental para que o indivíduo aja de maneira conveniente em relação à sociedade na qual está inserido. Esta perspectiva nos leva a refletir sobre a preocupação deste teólogo/filósofo com os problemas do seu tempo: no século XIII, como já destacamos, o comércio estava se desenvolvendo no interior das cidades[4] e o dinheiro adquiria, assim, importância cada vez maior[5]. Nesse sentido, as cidades se tornavam, segundo Duby (1978), palco de pecado e, portanto, um ambiente propício para ações inconvenientes. Enfim, o ato humano no mundo necessita ser refletido para que se tome consciência da forma adequada de agir. O contrário é a possibilidade de prejuízos para a própria pessoa e/ou para quem a cerca, ou seja, as ações devem ser pensadas com base no bem comum[6]. Com efeito, o homem, conforme afirma Aristóteles na Política (1985) e o próprio Tomás de Aquino em Do reino ou do governo dos príncipes ao rei de Chipre (1995), é um animal político e social, já que o indivíduo não pode garantir sozinho sua sobrevivência. Assim, faz-se mister refletir e agir levando em consideração o bem comum. Com base no que foi demonstrado a respeito da Questão 15, Tomás de Aquino deposita no homem a responsabilidade por seus atos, revelando a

complexidade do movimento do intelecto e da vontade na concepção de livrearbítrio. Ao conceber o homem como senhor de seus atos, Tomás de Aquino ressalta a importância da relação intelecto-vontade efetivada pelo consentimento. Por isso, ele considera imprescindível a educação: Ora, no ato de ensinar encontramos uma dupla matéria, o que se verifica até gramaticalmente pelo fato de que ensinar rege um duplo acusativo: ensina-se uma matéria a própria realidade de que trata o ensino e ensina-se segunda matéria alguém, a quem o conhecimento é transmitido. Em função da primeira matéria, o ato de ensinar é próprio da vida contemplativa; em função da segunda, da ativa, pois sua última matéria, na qual se atinge o fim proposto, é matéria da vida ativa. Daí que pertença mais à vida ativa do que à contemplativa, se bem que de algum modo pertença também à vida contemplativa, como dissemos (Tomás de Aquino, De Magistro, a. 4). Nesse excerto, fica claro que, para o autor, o ensino é mais importante para a vida ativa, cujo fim é a ação. Nesse sentido, deve incidir principalmente sobre a capacitação do homem para consentir, usar e eleger, de modo que possa fazer uso consciente do livre-arbítrio. Com efeito, segundo Puelles (1983), a formação da pessoa em Tomás de Aquino tem o sentido de desenvolver as potencialidades do homem como homem, ou seja, levá-lo ao amadurecimento da relação intelectovontade. Essa necessidade de desenvolver no homem as suas potencialidades para que amadureça é explicitada por este teólogo/filósofo: Ora, o conhecimento preexiste no educando como potência não puramente passiva, mas ativa, senão o homem não poderia adquirir conhecimentos por si mesmo. E assim como há duas formas de cura: a que ocorre só pela ação da natureza e a que ocorre pela ação da natureza ajudada pelos remédios, também há duas formas de adquirir conhecimento: de um modo, quando a razão por si mesma atinge o conhecimento que não possuía, o que se chama descoberta; e, de outro, quando recebe ajuda de fora, e este modo se chama ensino (Tomás de Aquino, De Magistro, a. 1)

Como podemos perceber, o homem tem a possibilidade de conhecer e pode fazê-lo de duas formas: pela descoberta e pelo ensino. Segundo Tomás de Aquino, cabe ensinar ao aluno aquilo que ele ignora, aquilo que não consegue aprender por si mesmo. Assim, por exemplo, saber o que é a justiça e o que são atos justos na sociedade contemporânea não é um conhecimento natural no homem, mas sim uma possibilidade. Entretanto, esse conhecimento é imprescindível, visto que é importante agir de maneira justa em relação aos semelhantes para que a unidade da sociedade seja mantida, favorecendo, assim, seu desenvolvimento. Portanto, é necessário ensinar às crianças e jovens o que é agir justamente. Da mesma forma, podemos conceber, de acordo com Vygotsky (1984), que as habilidades de ler e escrever são inerentes ao homem. O conhecimento da linguagem escrita, segundo este psicólogo russo, é um movimento próprio do ser humano e a função da escola consiste em promover este aprendizado de modo a contribuir com o desenvolvimento intelectual das crianças. Nesse sentido, observamos que, ao enfatizar a necessidade do desenvolvimento individual, Tomás de Aquino visa o crescimento da sociedade como um todo, pois situa as ações humanas na totalidade das relações e instituições sociais. Nesse sentido, concordamos com ele quando considera imperioso pensar a educação como meio de promoção individual e social. Considerações finais Pudemos verificar neste estudo que a leitura e análise das Questões elaboradas por Tomás de Aquino na Suma Teológica podem constituir-se como oportunidades positivas de reflexão acerca do homem e da sociedade em suas características fundamentais. Entendemos que esta reflexão é essencial para a formação de professores, principalmente daqueles que atuam ou atuarão no ensino fundamental. A nosso ver, faz-se urgente um trabalho docente comprometido com o desenvolvimento humano e das relações sociais principalmente num tempo como o nosso, em que os homens são cada vez mais movidos por interesses individuais em detrimento do interesse coletivo.

Além disso, o envolvimento de Santo Tomás com a prática da disputatio na Universidade Medieval serve-nos de exemplo, uma vez que buscavam por meio do debate aprimorar o conhecimento humano, alcançando, quando possível, a verdade das coisas. Enfim, os escritos tomasianos conduzem-nos a pensar sobre a importância das relações educativas como meio de amadurecimento integral do ser humano. Assim, por meio da educação conseguimos aprimorar as capacidades que definem o homem como ser racional, quais sejam, o intelecto e a vontade, que o torna capaz de decidir o próprio caminho. Referências ARISTÓTELES. Ética a Nicômacos. 3ª ed. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1992. ARISTÓTELES. Política. Brasília: Editora Universidade de Brasília, 1985. BOAVENTURA DE BAGNOREGIO. Itinerário da Mente para Deus. In:. Escritos filosófico-teológicos. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1999. p. 289-348. BLOCH, M. Introdução à História. Lisboa: Gráfica Imperial, 1965. DUBY, G. No tempo das catedrais. Editorial Estampa: Lisboa, 1978. GILSON, E. A filosofia na Idade Média. São Paulo: Martins Fontes, 1995. GUIZOT, F. História da Civilisação na Europa. Lisboa: Officinas Typographica e de Encadernação, 1907. LE GOFF, J. Os intelectuais na Idade Média. São Paulo: Brasiliense, 1995.. A civilização do Ocidente Medieval. Bauru: EDUSC, 2005. NUNES, R. Capítulo IX A escolástica. In:. Idade Média. São Paulo: Edusp, 1979, p. 243-286. História da Educação na OLIVEIRA, T. Escolástica. São Paulo: Editora Mandruvá, 2005.. A filosofia medieval: uma proposta cristã de reflexão. In: COSTA, C. J. (org.). Fundamentos filosóficos da educação. Maringá: EDUEM, 2005a. p. 79-101. PIEPER, J. Abertura para o todo: a chance da Universidade. Mirandum, São Paulo, jan./jun. 2000. Disponível em: <http://www.hottopos.com.br/mirand9/abertu.htm>. Acesso em: 15 jul 2008.

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numa mesma cidade devem concordar em determinados assuntos que dizem respeito à coletividade dos cidadãos, como, por exemplo, a forma de governo: [...]mas dizemos que há concórdia numa cidade quando seus habitantes têm a mesma opinião acerca daquilo que é de seu interesse, e escolhem que há concórdia entre as pessoas em relação a atos a ser praticados e quando estes atos podem ter conseqüências, e quando é possível que neles duas partes, ou todas elas, obtenham o que desejam [...]. Parece então que a concórdia é a amizade política, como efetivamente se diz que ela é, pois ela se relaciona com assuntos de nosso interesse e influentes em nossas vidas (Aristóteles, IX, 1167a, 6).