TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV EM GESTAÇÃO GEMELAR

Documentos relacionados
A DETECÇÃO DA SEROPOSITIVIDADE PARA O VIH NA GRAVIDEZ

Faculdade de Medicina

TRANSMISSÃO VERTICAL DO VIH INFECÇÃO NÃO DETECTADA NA GRÁVIDA

GRAVIDEZ E INFECÇÃO VIH / SIDA

O MAIOR RISCO É... ACHARMOS QUE NÃO CORREMOS RISCOS! Tiemi Arakawa

PROTOCOLO PARA AVALIAÇÃO DE RECEM-NASCIDOS DE MÃES SOROPOSITIVAS COM OU SEM TRATAMENTO

O PARTO NA PACIENTE SOROPOSITIVO

Programa Nacional para a Prevenção e o Controle das Hepatites Virais

PERFIL EPIDEMIOLÓGICO DA TRANSMISSÃO VERTICAL PARA O VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA (HIV), NO PERÍODO DE 2007 A 2015, NO MUNICÍPIO DE CARUARU PE.

Hepatites. Introdução

ASSITÊNCIA DE ENFERMAGEM Á MÃE E BEBÊ PORTADORES DE HIV/AIDS

HIV/aids. Epidemiologia Fisiopatogenia Diagnóstico - Tratamento. Prof. Valdes R. Bollela. Divisão de Moléstias Infecciosas e Tropicais

ENFERMAGEM DOENÇAS INFECCIOSAS E PARASITÁRIAS. HIV/AIDS Aula 2. Profª. Tatiane da Silva Campos

HIV NA GRAVIDEZ Resumo:

Aids em Pedia tria edia

SIDA na criança: etiologia, clínica, diagnóstico e tratamento"

Características da gestante adolescente em estudo prospectivo de 4 anos: realidade em Teresópolis

Rotinas Gerenciadas. Departamento Materno Infantil. Divisão de Prática Médica/Serviço de Controle de Infecção Hospitalar

Alexandre O. Chieppe

PERFIL DAS MÃES DE RECÉM-NASCIDOS PREMATUROS DO HOSPITAL MATERNO INFANTIL DA CIDADE DE APUCARANA

RESUMO DOS 120 ANOS DA EEAP UMA CONTRIBUIÇÃO DO RESIDENTE DE ENFERMAGEM NO CAMPO DE PRÁTICA: RELATO DE EXPERIÊNCIA

G A B A R I T O. Concurso: RESIDÊNCIA DE ENFERMAGEM OBSTÉTRICA Ano: 2016

Vigilância e prevenção das Doenças de transmissão vertical

Tema Sífilis Congênita

ÍNDICE DE INFECÇÃO POR SÍFILIS EM MULHERES NO MUNICÍPIO DE VIÇOSA M.G. Introdução

Vigilância no prénatal, puerpério 2017

I Simpósio de Assistência ao Parto em Minas Gerais

A INCIDÊNCIA DE CASOS NOVOS DE AIDS EM CRIANÇA NO MUNICÍPIO DE SANTA MARIA/RS/BRASIL 1

AIDS e HPV Cuide-se e previna-se!

Abordagem atual do RN exposto ao HIV e sífilis. Felipe Teixeira de Mello Freitas Médico Infectologista

INCIDÊNCIA E FATORES DE RISCO PARA A SÍFILIS CONGÊNITA NO ESTADO DA PARAÍBA

Capítulo 15 Perinatologia PATOLOGIA PERINATAL

TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV EM MATERNIDADE DE REFERÊNCIA NA AMAZÔNIA BRASILEIRA 1 TRANSMISSION OF HIV IN REFERENCE MOTHERHOOD IN THE BRAZILIAN AMAZON

IMPORTÂNCIA DO MISOPROSTOL NA PREVENÇÃO DE HEMORRAGIAS PUERPERAIS.

Doenças de Transmissão vertical no Brasil. Material de consulta em sala de aula Prof.ª Sandra Costa Fonseca

Histórico - Epidemiologia

HIV 1 E 2 - ANTICORPOS - CLIA - TESTE DE TRIAGEM

AVALIAÇÃO DA ABORDAGEM MÉDICA EM GESTANTES HIV POSITIVAS 1 MEDICAL EVALUATION APPROACH TO HIV POSITIVE PREGNANT WOMEN RESUMO

AVALIAÇÃO DE CARGA VIRAL E LINFÓCITOS CD4+ DE GESTANTES SOROPOSITIVAS EM TRATAMENTO ANTIRRETROVIRAL

Vigilância e prevenção das Doenças de transmissão vertical 2016/2017

Vigilância no prénatal, puerpério 2017

Epidemiologia Analítica. Estudos de risco: Estudos de coorte

1/12/2008. HIV como modelo de estudo de retrovírus e patogênese. Retrovírus e oncogênese. Retrovírus e oncogênese.

INFECÇÃO PELO HIV E AIDS

GESTANTE HIV* ACOMPANHAMENTO NO TRABALHO DE PARTO E PARTO. Recomendações do Ministério da Saúde Profª.Marília da Glória Martins

ENFERMAGEM SAÚDE DA MULHER. Doenças Sexualmente Transmissíveis Parte 10. Profª. Lívia Bahia

Agentes de viroses multissistêmicas

DOENÇAS INFECCIOSAS DO DIAGNÓSTICO AO TRATAMENTO

LAURA BÚRIGO LIMA TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV E SUAS MEDIDAS DE PREVENÇÃO NO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO-UFSC

Brasil registra queda na transmissão da Aids de mãe para filho

Infecções congênitas. Prof. Regia Lira

TRANSMISSÃO MATERNO-INFANTIL DO VÍRUS DA IMUNODEFICIÊNCIA HUMANA : AVALIAÇÃO DE MEDID AS DE CONTROLE NO MUNICÍPIO DE SANTOS

Nilton da Silva Alves Filho 1 Eduardo Sérgio Soares Sousa 2. Resumo

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO

Acidentes Ocupacionais com Material Biológico

SÍFILIS MATERIAL DE APOIO.

Simone Suplicy Vieira Fontes

Acidentes Ocupacionais com Material Biológico

Recomendações para terapia antirretroviral em adultos infectados pelo HIV 2008 Suplemento III Tratamento e prevenção Outubro de 2010 / Brasília DF ADE

Complicações da gemelaridade em um hospital universitário

OFTALMIA NEONATAL portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br

Avaliação temporal da frequência da infecção do HIV em. Temporal evaluation of frequency of HIV infection in. Comunicação Breve

Teste de Triagem Pré-natal Não Invasivo em sangue materno

I Encontro da rede Mãe Paranaense

Monografia (Graduação) Universidade Federal do estado do Rio de Janeiro, 2016.

Vírus da Imunodeficiência Humana

Imunologia da infecção pelo HIV

Repercuções das TRA na Gestante e no Concepto. Edson Borges Jr.

A portaria 29, de 17 de dezembro de 2013 SVS/MS, regulamenta o diagnóstico da infecção pelo HIV, no Brasil.

Resumo. Abstract. doença, Gravidez, Cuidado pré-natal, Avaliação de Programas, Parto. Pregnancy; Prenatal care, Program evaluation, Parturition

Lisa Ferreira Vicente Divisão de Saúde Sexual Reprodutiva Infantil e Juvenil Direção Geral da Saúde

EDIÇÃO ESPECIAL PÓS-GRADUAÇÃO EM ANÁLISES CLÍNICAS TURMA III

ALEITAMENTO MATERNO DO PREMATURO EM UMA UNIDADE NEONATAL DA REGIÃO NORDESTE

Dra. Sandra Fagundes Moreira da Silva Coordenadora Estadual de DST, Aids e Hepatites Virais- SESA/ES

PARTO VAGINAL APÓS CESARIANA (PVAC VBAC)

ESTUDO EPIDEMIOLÓGICO DE SÍFILIS CONGÊNITA EM PALMAS - TOCANTINS.

Vigilância no pré-natal, parto e puerpério 2018

TRABALHO DE PARTO PREMATURO

HOSPITAL-DIA PEDIÁTRICO DE AIDS: UMA REALIDADE DESDE 1996 NO HOSPITAL UNIVERSITÁRIO DR. MIGUEL RIET CORRÊA JR.

Análise situacional da transmissão vertical do vírus HIV em serviço ambulatorial especializado em Imperatriz-MA

Transmissão vertical do HIV na Região Sul de Santa Catarina, : análise dos fatores de risco para soroconversão em nascidos vivos

Resultados. Grupo SK/aids

premium Teste de Triagem Pré-natal Não Invasivo em sangue materno

UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO CENTRO DE CIÊNCIAS DA SAÚDE PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA TROPICAL

Página 1 de 5 GABARITO - PRÁTICA QUESTÃO 1 ITEM A

ENFERMAGEM SAÚDE DA MULHER. Doenças Sexualmente Transmissíveis Parte 8. Profª. Lívia Bahia

Departamento de Pediatria Serviço de Pneumologia Pediátrica Journal Club. Setembro 2018

InDUÇÃO DO TRABALHO DE PARTO

EFEITO DO VÍRUS HIV NOS LINFÓCITOS T AUXILIARES OU CD4+ REPRESENTADO PELA FUNÇÃO QUADRÁTICA 1

Respostas Quizz- Rotinas em Obstetrícia - 6.ed.

Indicadores de parto e nascimento de mulheres soropositivas para vírus da imunodeficiência humana

PERFIL DE GESTANTES COM HIV ASSISTIDAS NA POLICLÍNICA DEGURUPI-TO

Morbidade Associada a Cesariana Eletiva em Portadoras do HIV

Hospital Materno Infantil de Brasília DF Secretaria Estadual de Saúde

MANEJO HEPATITES VIRAIS B/C

REDUÇÃO DA TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV: DESAFIO PARA A ASSISTÊNCIA DE ENFERMAGEM*

PALAVRAS-CHAVE Morte Fetal. Indicadores de Saúde. Assistência Perinatal. Epidemiologia.

MENOS INTERVENÇÕES MAIS CUIDADOS. Parto Pélvico

Acta Scientiarum. Health Sciences ISSN: Universidade Estadual de Maringá Brasil

Transcrição:

TRANSMISSÃO VERTICAL DO HIV EM GESTAÇÃO GEMELAR ANA CÂNDIDA C. P. FERREIRA * LUIZ FERNADO TAVARES ** NILDO ELI MARQUES D ÁVILA*** RESUMO Apresentamos um relato de caso de gestação gemelar dizigótica em mãe soropositiva para o HIV, no ano de 2003, sem tratamento antiretroviral durante a gestação, no qual a transmissão vertical ocorreu apenas para o segundo gemelar. Objetivo: Relato de caso de Transmissão Vertical do HIV com análise dos fatores que influenciam na transmissão materno-fetal do vírus da Imunodeficiência Humana e revisar a literatura sobre o tema. Comentários: De acordo com a maioria das publicações sobre o tema, fica evidente a importância da via de parto e da ordem de nascimento como principais fatores determinantes para a transmissão vertical discordante entre gemelares. Entretanto, em nosso relato, encontramos como determinantes os fatores relacionados a presença de receptores para o HIV nas células da placenta e/ou do feto. Gestações gemelares permitem uma avaliação sólida sobre a influência de cada fator envolvido na transmissão vertical do HIV, sendo grande sua importância como alvo de estudos. PALAVRAS-CHAVE: HIV, Transmissão Vertical, Gestação Gemelar. ABSTRACT CASE REPORT: VERTICAL TRANSMISSION OF HIV IN TWIN PREGNANCY We report a case of twin pregnancy in HIV positive mother, in the year of 2003, with no use of antiretroviral drugs during pregnancy, in which vertical transmission occurred only to second twin. Objective: To analyze the factors that have influence over mother-child transmission of HIV and to review the available literature on this subject. Comments: According to most of the publications on the subject, delivery route and birth order showed themselves as determinant factors to discordant vertical transmission between twins. However, in our report, we have found the presence of receptors to HIV on cells of the placenta and/or the fetus as the determinant factor of the infection. Twin pregnancies allow a more solid evaluation on the influence of each factor involved in vertical transmission of the HIV, therefore being a very important subject for studies. KEY WORDS: HIV, Vertical Trasmission, Twin Pregnancy. * Médica residente, Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Junior, Universidade Federal do Rio Grande ** Médico residente, Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Corrêa Junior, Universidade Federal do Rio Grande *** Professor da Faculdade de Medicina FURG; Mestre em Ciências Saúde FURG. E-mail: nildo@vetorial.net VITTALLE, Rio Grande, 21(2): 19-24, 2009 19

INTRODUÇÃO O vírus da Imunodeficiência Humana, conhecido como HIV (Humann Immunodeficiency Vírus) é pertencente a classe dos retrovírus e causador da AIDS. Atinge células de defesa, linfócitos CD4 que comandam respostas específicas de defesa do corpo diante de agentes como vírus e bactérias. A transmissão do vírus HIV pode se dar através do sangue, sêmen, secreção vaginal e leite materno. Chamamos transmissão vertical quando ocorre transmissão do vírus da mãe para a criança, durante a gestação, parto ou amamentação. A transmissão vertical responde pela maioria absoluta dos casos de AIDS na população pediátrica e o risco de sua ocorrência varia de 7 a 40% 1, de acordo com a população estudada. No Brasil, antes da introdução da terapia com antiretrovirais, os índices alcançavam 25% 2. Este risco está aumentado em gestações gemelares, por complicações inerentes a gemelaridade, tais como prematuridade em 25% dos partos, pré-eclâmpsia 3 vezes mais freqüente em gemelares, descolamento prematuro de placenta, transfusão feto-fetal relacionando-se a uma maior exposição dos conceptos às secreções maternas. O Registro Internacional demonstra que o primeiro gemelar tem risco 2 vezes maior de sofrer infecção, independente da via de parto. A transmissão vertical apenas para o segundo gemelar é mais rara, ocorrendo em aproximadamente 1,2% das gestações gemelares em mulheres soropositivas 3. RELATO DE CASO Paciente feminina, 24 anos, usuária de drogas e tabagista, com acompanhamento pré-natal irregular, com 42 semanas de gestação gemelar, interna por um quadro de infecção do trato urinário. Ao exame físico, tinha membrana amniótica íntegra e não estava em trabalho de parto. De acordo com as recomendações do Ministério da Saúde, foram solicitados os exames laboratoriais de rotina de pré-natal, com diagnóstico de HIV positivo. Por indicação obstétrica, a paciente recebeu AZT em dose de ataque por três horas, correspondendo ao segundo braço da profilaxia para a transmissão vertical do HIV e foi submetida à parto cesário. Posteriormente foi recebido resultado do exame de PCR RNA com resultado detectável de 66.075 cópias. Gemelar Primeira, parto, pélvico, com peso de nascimento de 2390 g, sexo feminino, apgar 9 no 5º. minuto, capurro 38 semanas e 3 dias, não havendo necessidade de intervenção nos primeiros momentos de vida, reflexos 20 VITTALLE, Rio Grande, 21(2): 19-24, 2009

simétricos e vivos, sem mal formação aparente, coletou exames com 1 dia de vida, com anti HIV reagente e PCR RNA indetectável. Foi encaminhada ao Hospital Dia Pediátrico do Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Correa Júnior para acompanhamento diagnóstico, cumprindo com as rotinas do serviço. Foram realizadas novas coletas de PCR RNA com 1 mês de vida, com resultado indetectável; e 4 meses de vida, também com resultado indetectável. Aos 18 meses de vida, apresentou anti HIV não reagente, confirmando sua condição de soronegatividade para o HIV e, portanto, a não ocorrência de transmissão vertical. Segunda Gemelar, masculino, parto pélvico, com peso de nascimento de 2540 g, sexo masculino, apgar 9 no 5º. minuto, não houve necessidade de intervenção nos primeiros momentos de vida, reflexos simétricos e sem mal formação aparente. Coletou exames com 1 dia de vida, com anti HIV reagente e PCR RNA com carga viral de 194.108 cópias. Foi encaminhado ao Hospital dia Pediátrico do Hospital Universitário Dr. Miguel Riet Correa Júnior para acompanhamento diagnóstico, cumprindo com as rotinas do serviço. Realizou coleta de PCR RNA com 1 mês de vida, com 52.837 cópias, confirmando o diagnóstico de soropositividade para o HIV. Aos 3 meses de vida apresentou quadro de diarréia sanguinolenta, com desidratação, seguida de perfuração intestinal e peritonite fecal. Foi realizada ressecção intestinal e identificado Citomegalovírus na peça cirúrgica, sendo doença indicativa de AIDS e da necessidade de terapia antiretroviral. O paciente segue em acompanhamento no serviço, fazendo uso regular de antiretrovirais e mantendo carga viral indetectável há 3 anos. DISCUSSÃO A infecção perinatal pelo HIV pode se dar em três momentos: durante a gestação, com passagem do sangue materno através da placenta; durante o trabalho de parto e do parto, através do contato do concepto diretamente com o sangue e secreções maternas; e através do leite materno, na amamentação 4. O risco maior se dá, durante o parto, sendo este o momento da infecção em 50 a 70% dos casos de transmissão vertical do HIV. O melhor conhecimento da fisiopatologia da infecção pelo HIV permitiu identificar os fatores responsáveis por maiores taxas de transmissão perinatal do vírus, indicando as intervenções mais adequadas para o seu controle. Na década de 90, foi realizado um ensaio clínico duplo-cego no qual foi administrado AZT a gestantes soropositivas, que demonstrou redução de mais de 65% na taxa de transmissão vertical. A partir daí, o Protocolo 076 passou a ser adotado em todos os países como principal forma de profilaxia da transmissão vertical do HIV. Segundo orientações VITTALLE, Rio Grande, 21(2): 19-24, 2009 21

do Ministério da Saúde, no Brasil, a profilaxia da transmissão vertical do HIV consiste em administrar terapia tripla antiretroviral para a gestante, a partir da 14ª semana de gestação, administrar Zidovudina (AZT) intravenoso no pré-parto e oferecer a Zidovudina por via oral ao recémnascido até completar 42 dias de vida e, por fim, inibir a lactação e fornecer fórmula alimentar em substituição ao leite materno. A investigação diagnóstica de infecção para as crianças sabidamente expostas é feita com a coleta de sangue para anti HIV, PCR (RNA ou DNA) ou cultura viral em pelo menos 2 momentos diferentes. Em nosso seviço, a investigação virológica começa com a primeira coleta ao nascimento, seguida por uma segunda coleta com 1 mês de vida e uma terceira coleta, a partir dos 4 meses de vida. O diagnóstico só é definitivo quando houver 2 resultados seqüenciais iguais (positivos ou negativos), pelo mesmo método, com intervalo de pelo menos 1 mês entre eles. Acima dos 18 meses de idade o diagnóstico pode ser feito através do teste sorológico anti-hiv. Esta rotina de investigação é a ideal, pois permite saber em qual momento ocorreu a infecção para o concepto. Quando a infecção ocorre no período intra-útero, os exames coletados ao nascimento já mostram indícios de positividade. Se a infecção ocorrer durante o trabalho de parto ou parto, ao nascimento os exames terão resultados negativos, mas já apresentarão soroconversão no exame coletado, ao redor dos 30 dias de vida. O exame do quarto mês de vida serve para confirmar os resultados anteriores sejam eles positivos ou negativos - ou para detectar a infecção ocorrendo no período pós-natal, possivelmente pelo aleitamento materno. No Brasil, o Ministério da Saúde sugere que as coletas sejam feitas aos 2 e 4 meses de idade. Existem, até o momento, poucas publicações sobre a transmissão vertical do HIV em gestações gemelares. Em 2007 foi publicado um estudo de coorte que incluiu 192 gestações gemelares na França, entre 1986 e 2004 3. Em 2003, foi publicado um estudo realizado com 315 gestações gemelares em Malawi, no período de 1994 a 1998 5. Em 1991 o International Registry of HIVexposed Twins publicou estudo multicêntrico com análise de 66 pares de gêmeos de 9 países 6 e forneceu dados para um estudo multicêntrico que incluiu 115 pares de gêmeos, em 1995 7. Em nossa revisão encontramos que o tipo de parto é um fator de risco importante para a ocorrência de transmissão perinatal do HIV 5-7. Os estudos identificaram que a realização da cesariana reduz o risco da transmissão, quando comparada ao parto vaginal. Este fato pode ser explicado por haver menor exposição dos conceptos às microtransfusões que ocorrem durante o trabalho de parto, menor contato com sangue materno e, por evitar o contato com o trato genital materno que, principalmente no caso de coinfecções, apresenta secreções com maior presença do vírus HIV 3. A ordem de nascimento foi 22 VITTALLE, Rio Grande, 21(2): 19-24, 2009

considerada fator de risco para a infecção em 3 dos 4 trabalhos em que foi analisada 3-7. Foi demonstrado que o risco para o primeiro gemelar chega a ser 4,5 vezes maior do que para o segundo gemelar 6, principalmente para aqueles que nasceram de parto vaginal 7. O primeiro gemelar limpa o canal de parto com sua passagem e, portanto, tem maior exposição ao sangue e secreções maternas, do que o segundo gemelar. Entre os nascidos de parto cesariana, também se evidenciou maior ocorrência de infecção para o primeiro gemelar, porém, as taxas entre os dois grupos foram mais próximas 7. O estudo africano 5 foi o único que não encontrou diferença significativa nas taxas de transmissão para o primeiro ou segundo gemelar. No entanto, sabemos que, na África, a prática da lavagem do canal de parto não é incomum e poderia ser considerada um viés para o estudo. Com relação à influência da zigozidade sobre a transmissão materno-fetal do HIV, foi encontrado que entre as gestações monozigóticas houve maior taxa de concordância de infecção entre os conceptos, quando comparadas às gestações dizigóticas 6. Além dos fatores de risco acima citados, existem outros mecanismos relacionados com a transmissão vertical do HIV. No entanto, com relação à gemelaridade, além da ordem de nascimento e do tipo de parto, a exposição aos outros fatores é semelhante para os conceptos. Nosso relato trata de um caso onde apenas o segundo gemelar foi infectado, o que descartaria a ordem de nascimento e o tipo de parto como sendo os mecanismos da infecção. A opção pela cesariana eletiva, entretanto, pode ter sido determinante para a não ocorrência da transmissão para o primeiro gemelar. A partir desta conclusão partimos para análise individual dos outros fatores, com o intuito de determinar a participação e influência de cada um deles em nosso caso. A carga viral materna elevada é o mais importante indicador de transmissão vertical do HIV até o momento 2. Em 1996, um estudo 8 demonstrou que 75% dos casos de transmissão vertical ocorreram entre as gestantes com carga viral superior a 50.000 cópias. As coinfecções, o uso de drogas ilícitas e a promiscuidade são responsáveis por produzir aumento da carga viral sistêmica do HIV e foram identificados em nosso caso por tratar-se de drogadita e coinfectada por Sífilis. A ocorrência de infecção materna ou da doença aguda na gestação também estão relacionadas com cargas virais mais elevadas. As situações relacionadas com a perda da integridade placentária são influentes na transmissão materno-fetal do HIV, como por exemplo, a corioamnionite, o tabagismo e o uso de drogas 9. Em todas estas ocorrem microinfartos placentários, com maior passagem do vírus através do sangue materno para o feto. Procedimentos invasivos, como a amniocentese e a cordocentese também são citados. Entre os fatores obstétricos, a ruptura prematura das membranas foi demonstrada como importante fator de risco para a transmissão perinatal VITTALLE, Rio Grande, 21(2): 19-24, 2009 23

do vírus. Em 1996, foi encontrado risco quase 2 vezes maior de infecção entre os casos em que houve mais de 4h de amniorrexe 10. Comparando gestações gemelares e gestações simples, a ocorrência de ruptura prematura de membranas é mais comum entre as gestações gemelares e foi fortemente associada à transmissão vertical do HIV 3. No entanto, isso não ocorreu no caso relatado acima. Sabemos que o subtipo do vírus, de A à D, também é fator de risco para a transmissão maternofetal do HIV. O HIV-1 apresenta elevado padrão de mutações, espontâneas ou induzidas e cepas indutoras de sincício, influenciando a ocorrência da transmissão vertical 3. Finalmente citamos como fator de risco, a presença dos receptores para o vírus nas células da placenta ou dos tecidos fetais. Na placenta há expressão dos receptores específicos para o HIV, chamados CD4 e pode haver ainda expressão dos receptores secundários, CXCR4 e CCR5. Nos tecidos fetais pode haver expressão dos receptores secundários, determinando maior suscetibilidade à infecção pelo HIV 3. Considerando nosso relato de caso, no qual a participação dos outros fatores de risco foi ausente ou igual para ambos conceptos, podemos supor que a expressão destes receptores foi um fator determinante de infecção para o segundo gemelar, caracterizando a infecção intra-útero como causa. REFERÊNCIAS 1. Melo VH. A Transmissão Materno-Fetal do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV). Rev Bras Ginecol Obstet. 1999; 27(5): 405-412. 2. Duarte G, Quintana SM, El Beitune P. Fatores que influenciam a transmissão vertical do vírus imunodeficiência humana tipo 1. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005; 27(11): 698-705. 3. Scavalli CPS, Mandelbrot L, Berrebi A, Batallan A, Cravello L, Pannier E, et al. Twin pregnancy as a risk factor for motherto-child transmission of HIV-1: trends over 20 years. AIDS 2007;21(8):993-1002. 4. Ortigão MB. AIDS em Crianças: Considerações Sobre a Transmissão Vertical. Cad. Saúde Públ. 1995;11 (1): 142-148. 5. Duarte G, Quintana SM, El Beitune P. Fatores que influenciam a transmissão vertical do vírus imunodeficiência humana tipo 1. Rev Bras Ginecol Obstet. 2005; 27(11): 698-705. 6. Goedert JJ, Duliege AM, Amos CI, Felton S, Biggar RJ. High risk of HIV-1 infection for first-born twins. The International Registry of HIV-exposed Twins. Lancet 1991; 338(8781):1471-1475. 7. Duliege AM, Amos CI, Felton S, Biggar RJ, Goedert JJ. Birth order, delivery route, and concordance in the transmission of human immunodeficiency virus type 1 from mothers to twins. International Registry of HIV-Exposed Twins. J Pediatr 1995; 126(4)::625-632. 8. Calvet G, João Fº EC, Salgado LAT, Machado GB, Ferraz GG. Transmissão Vertical do HIV e Recentes Avanços. Rev Méd Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro 2000; 34(2). Revista Online. 9. Newell, ML. Mechanisms and timing of mother-to-child transmission of HIV-1. AIDS 1998; 12(8): 831-837. 10. Landesman SH, Kalish LA, Burns DN, et al. Obstetrical factors and the transmission of human immunodeficiency virus type 1 from mother to child: The Women and Infants Transmission Study. N 24 VITTALLE, Rio Grande, 21(2): 19-24, 2009

Engl J Med 1996; 334(25):1617-23. 11. Portal do Programa Nacional de DST e AIDS do Ministério da Saúde do Brasil. www.aids.gov.br (23 de janeiro de 2010). VITTALLE, Rio Grande, 21(2): 19-24, 2009 2