FILOSOFIA COMENTÁRIO DA PROVA

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Transcrição:

COMENTÁRIO DA PROVA A prova foi excelente! Exigente e densa mas evitando temas secundários ou muito prolixos. Pela primeira vez extrapolou à mera leitura dos textos e trouxe a discussão para o mundo não acadêmico, usando um texto jornalístico. Cumpriu assim todas as etapas de uma prova de filosofia: contexto, conceito, texto, relação entre textos e extrapolação. Só podemos parabenizar aos formuladores e esperar novos desafios para o ano que vem. Talvez os professores do Departamento de Filosofia não saibam o bem que essa prova vem promovendo na melhoria da leitura, reflexão e debate no Ensino Médio. Oxalá pudesse a prova de Filosofia ser dirigida para todos os alunos e alunas, independente de suas opções para o ensino superior. O crescimento e a qualidade em termos de leitura, formulação de perguntas pertinentes e críticas fundamentadas e consequentes é espantosa após alguns meses de estudo de Filosofia. Mais uma vez, parabéns! Professores de Filosofia do Curso Positivo. Segundo o filósofo Aristóteles, os vícios tanto do excesso quanta da falta são características da deficiência moral. Porque os vícios ou vão muito longe ou ficam aquém do que é conveniente no tocante às ações e paixões, enquanto a virtude encontra e escolhe o meio-termo (mediana) (uma característica da excelência moral) e que está em um ponto equidistante em relação às extremidades (vício da falta e do excesso). A virtude é, portanto, uma disposição adquirida voluntária, que consiste, em relação a nós, na medida, definida pela razão em conformidade com a conduta de um homem ponderado. Ela ocupa a média entre duas extremidades lastimáveis, uma por excesso, a outra por falta. Digamos ainda o seguinte: enquanto, nas paixões e nas ações, o erro consiste ora em manter-se aquém, ora em ir além do que é conveniente, a virtude encontra e adota uma justa medida. Por isso, embora a virtude, segundo sua essência e segundo a razão que fixa sua natureza, consista numa média, em relação ao bem e à perfeição ela se situa no ponto mais elevado. (Ética a Nicômaco, II, 6) 1

Segundo o filósofo Aristóteles, o agir virtuoso pressupõe em agir conscientemente, deliberadamente e baseado em uma disposição moral firme e imutável. Logo, agir de modo virtuoso depende essencialmente das ações habituais, ou seja, costumeiras. Afinal, trata-se de como agir e não necessariamente agir sempre do mesmo modo. Porque para que seja possível o agir ético é necessário também que se tenham condições para praticá-lo. Para que isto ocorra, deve-se ter conhecimento do que fazer; em seguida, deve-se escolher o ato, e escolhê-lo por ele mesmo; e por fim, sua ação deve proceder de um caráter firme e imutável. Também é mister que o agente se encontre em determinada condição ao praticá-los: em primeiro lugar deve ter conhecimento do que faz; em segundo, deve escolher os atos, e escolhê-los por eles mesmos; e em terceiro, sua ação deve proceder de um caráter firme e imutável. (Ética a Nicômaco, II, 4) Observe que o próprio texto já traz a resposta para a questão: A experiência mostra que, em quase todos os casos, os esforços repetidos, quer do indivíduo, quer do grupo profissional, acabam finalmente por produzir, dentro do âmbito do paradigma, uma solução mesmo para os problemas mais difíceis. Assim, a manutenção do paradigma garante uma estabilidade para que as práticas científicas tenham tempo de amadurecer, desenvolver e alcançar resultados positivos. 2

FILOSOFIA Segundo Kuhn, a sucessão entre concepções científicas distintas, como o modelo geocêntrico sendo substituído pelo modelo heliocêntrico, são acontecimentos denominados de revoluções científicas. As revoluções científicas se caracterizam pela mudança de paradigma. Porque as ciências maduras apresentam paradigmas fortemente enraizados na comunidade científica, o que dificulta mudanças nas visões de mundo ou seja, dificulta a sucessão entre concepções científicas distintas. Obs.: Uma referência importante pode ser encontrada no início do livro proposto pela UFPR. A educação científica semeia o que a comunidade científica, com dificuldade, alcançou até aí uma adesão profunda a uma maneira particular de ver o mundo e praticar a ciência. Tal adesão pode ser, e é, de tempos em tempos, substituída por outra, mas nunca pode ser facilmente abandonada. 3

0 retorno ao político em Habermas implica a recuperação da capacidade de construção do espaço público no qual seja exercida a fala e o diálogo e se obtenha o consenso não coercitivo. Trabalhamos essa passagem do texto em nossas aulas, destacando o sentido crítico que Habermas atribui ao termo hobbesiano e o significado de político que ele busca alcançar. Um dos aspectos mais relevantes e, ao mesmo tempo, delicados do texto, é abordado nesta questão. Habermas deixa claro que a secularização é a apropriação pelo Estado de funções do Igreja e não a subtração dos sentimentos religiosos das pessoas. Afirma também que essa postura de uma racionalidade que deseja simétrica à autocompreensão não é bem sucedida e as pessoas mantêm os resíduos religiosos como componentes de suas visões de mundo, mesmo nos países nos quais a secularização se deu de maneira intensa e há muito tempo. Com base nisso, Habermas destaca os problemas que ocorreram em países nos quais a secularização ocorreu de maneira incompleta, inadequada, gerando a sensação de perda e ressentimento, combustível para o fundamentalismo. Daí o chamamento à reflexão: se nas sociedades pós-seculares, o resíduo religioso e o sentimento de vazio que afetam o senso comum cientificamente esclarecido é evidente, o que dizer das sociedade nas quais a secularização tirou mais do que ofereceu, gerando ressentimento e frustração? 4

Aqui que as palavras porosidade, permeabilidade ganham sentido. A autocompreensão secular da sociedade não está livre da perspectiva religiosa. Por isso, qualquer decisão secular deve ouvir aqueles que resistem por razões religiosas, afinal, os fundamentos morais do Estado liberal e democrático vem da fonte mesma que resiste e contesta. Considerar essa objeção como uma espécie de veto suspensivo parece ser prudente e uma chance importante de aprendizado. E qual a principal razão desse cuidado todo com a herança religiosa? Porque ela a [herança religiosa] não se dissipou na sociedade utilitarista na qual estamos encerrados. Como alerta Habermas: linguagens seculares que apenas eliminam aquilo em que se acreditava causam perturbação. 5

Discordância de Kuhn em relação à argumentação dos três leitores: A polêmica começa com o título da obra A Função do Dogma na Investigação Científica. Nesta obra o autor defende que a ciência não está livre do dogma, como crê o senso comum expressado na opinião dos três leitores. Desta forma, Thomas Kuhn pretende demonstrar que as ciências naturais não estão baseadas no princípio de neutralidade como se supõe. Ele defende que a ciência tem seu lado dogmática, parte de preconceitos (determinados pelo paradigmas), além de receber direcionamento e influências econômica e ideológica. Uma sugestão, partindo do que estudamos, é concordar com o editorial e afirmar, dentro do que Habermas denominou de Tradução cooperativa de conteúdos religiosos: o senso comum não tem a pretensão de ser exato como as ciências naturais, mas guarda relações fortes com ela, sem se desprender de sua fonte religiosa. O ponto forte do senso comum mais apurado é a exigência de justificativas racionais e é o que o aproxima do Estado constitucional democrático. Isto é, não se trata de um ou outro, de uma exclusão, mas de um combinado no qual o direito racional e as fontes da tradição religiosa tem vez e voz. O problema (para muitos religiosos) reside na postura adotada pelos Estados liberais, compostos pelo que Habermas denomina de senso comum democraticamente esclarecido: ele não reside sobre a visão de uma comunidade religiosa, mas exige que os crentes estabeleçam uma postura clara de sua fé na dimensão pública na qual o pluralismo tem de ser respeitado e privada onde é possível exercer plenamente seus dogmas e rituais, desde que não fira as regras constitucionalmente garantidas para todos. Em suma: Em um Estado Liberal e Democrático são os religiosos que têm de traduzir as suas convicções de fé para uma linguagem secular antes de tentar, com seus argumentos, obter o consentimento das maiorias. 6