Tendências Seculares da População com Doença Isquêmica do Coração Internada no Instituto do Coração - São Paulo



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Transcrição:

Arq Bras Cardiol Artigo Original Caramelli e cols Tendências Seculares da População com Doença Isquêmica do Coração Internada no Instituto do Coração - São Paulo Bruno Caramelli, Luciana Savoy Fornari, Maristela Monachini, Dália Ballas, Nilson Roberto Fachini, Antônio de Pádua Mansur, José Antônio Franchini Ramires São Paulo, SP Objetivo - Avaliar as características clínico-demográficas da população com doença isquêmica do coração, nas últimas décadas do século XX. Métodos - Em estudo retrospectivo foram avaliados pacientes internados com doença isquêmica do coração divididos em 2 grupos: agudos (pacientes com infarto agudo do miocárdio internados de 1/1/82 a 31/12/94 e crônicos submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio de 1/1/84 a 31/12/94. Resultados - No grupo agudos (11.181 pacientes) ocorreu aumento da freqüência de mulheres (22,7 para 27,7, p<0,001), de diabéticos (12,4 para 17,5, p<0,001) e da idade (57,4 ± 11,5 para 59,9 ± 12,4 anos, p<0,05). A letalidade intra-hospitalar foi maior entre as mulheres (27,8 e 15,7, p=0,001), os diabéticos (24,2 e 17,8, p=0,001) e os mais idosos (60,9 ± 15,2 e 57,7± 11,8 anos, p=0,0001). No grupo crônicos (4166 pacientes) observou-se aumento da freqüência de mulheres (17,5 para 27,2, p=0,001) e da idade (56,3 ± 8,6 para 60,5± 9,6 anos, p=0,0001). A letalidade intra-hospitalar foi maior nas mulheres (8,3 e 5,8, p<0,05) e nos mais idosos (58,1 ± 9,1 e 62,4 ± 7,9 anos, p=0,0001). Conclusão - A população com doença isquêmica do coração estudada modificou-se em direção a um pior prognóstico, constando de pacientes mais velhos, maior número de mulheres e aumento da prevalência de diabéticos e com letalidade intra-hospitalar maior nesses grupos. Palavras-chave: cardiopatia isquêmica, infarto agudo do miocárdio, cirúrgia de revascularização do miocárdio Instituto do Coração da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (Incor). Correspondência: Bruno Caramelli - INCOR - Av. Dr. Eneas C Aguiar, 44 Cep 05403-000 - São Paulo, SP - e-mail: bcaramel@incor.usp.br Recebido para publicação em 12/3/02 Aceito em 4/2/03 O século XX assistiu a modificações profundas na Medicina. A evolução do conhecimento, de novas técnicas e da metodologia científica fizeram com que o tratamento passa-se a ser baseado no resultado de pesquisas, elaboradas para elucidar os mecanismos das doenças e avaliar os resultados das terapêuticas propostas. Este conceito, denominado Medicina Baseada em Evidências, é hoje o ponto de partida para o ensino médico e a pesquisa científica 1. Nas últimas décadas, mecanismos de transmissão e desenvolvimento de doenças foram descobertos, assim como o seu diagnóstico, tratamento e prevenção. Algumas doenças desapareceram ou tiveram sua importância sensivelmente reduzida com o advento de vacinas e tratamento adequados. Todos esses fatores contribuíram para o envelhecimento da população e o aumento das doenças próprias aos idosos, um processo denominado transição epidemiológica 2. O aumento da incidência e mortalidade por doenças cardiovasculares observado há algumas décadas é um exemplo mais recente de uma transição epidemiológica 3, provocando uma mudança das características da população doente e exigindo mecanismos de resposta por parte dos profissionais da saúde. Ultimamente, alguns estudos têm mostrado uma redução na incidência e mortalidade das doenças cardiovasculares 4-6, bem como diferenças entre sexos, nas faixas etárias de incidência e na forma de tratamento das doenças cardiovasculares 7-13. Apesar das mudanças, as doenças cardiovasculares permanecem a primeira causa de morte na maioria dos países, incluindo-se o Brasil, atingindo pessoas jovens, em plena fase produtiva, gerando um grande impacto econômico 14,15. A magnitude do problema exige um esforço multidisciplinar na busca contínua de informações para melhor compreensão da história natural e seleção adequada das estratégias terapêuticas de prevenção primária e secundária, já que a população está em permanente modificação de suas características. O objetivo deste trabalho é avaliar as características clínicas e demográficas da população com doença isquêmica do coração nas últimas duas décadas do século XX no Instituto do Coração (Incor) da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Arq Bras Cardiol, volume 81 (nº 4), 363-8, 03 363

Caramelli e cols Arq Bras Cardiol Métodos O presente estudo analisou, de forma retrospectiva, pacientes com o diagnóstico de doença isquêmica do coração, internados no Incor, com a forma aguda e crônica da doença.os dois grupos foram definidos: agudos - constituído por pacientes, com o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, internados de 1/1/82 a 31/12/94, com idade anos, sendo os critérios utilizados para o diagnóstico de infarto do miocárdio os mesmos utilizados pelo projeto MONICA, da Organização Mundial de Saúde 16 ; crônicos - constituído por pacientes com diagnóstico de doença isquêmica do coração e submetidos à cirurgia de revascularização do miocárdio. Foram estudados somente pacientes com idade > anos, internados de 1/1/84 a 31/12/94, sendo que o diagnóstico de doença isquêmica do coração obedeceu aos critérios clínicos e cineangiocoronariográficos clássicos da literatura nacional e internacional 17,18. Neste grupo, o diagnóstico de infarto do miocárdio foi critério de exclusão para evitar que o paciente fosse incluído também no grupo agudos. No grupo agudos foram analisadas as variáveis idade, sexo, letalidade intra-hospitalar e a presença de diabetes mellitus, como doença associada. No grupo crônicos foram estudadas as variáveis idade, sexo e a letalidade intra-hospitalar. As informações foram recuperadas, retrospectivamente, a partir do banco de dados do hospital. A cada diagnóstico o Serviço de Arquivo Médico e Estatístico do hospital atribui um código, de acordo com a Classificação Internacional de Doenças (CID-10) 19. No grupo agudos foi utilizado somente o diagnóstico de infarto agudo do miocárdio, e no grupo crônicos a realização da cirurgia de revascularização do miocárdio, excluindo-se pacientes com diagnóstico de infarto do miocárdio. Com relação à análise estatística, as variáveis classificatórias (sexo, letalidade intra-hospitalar, presença de Diabetes Mellitus) foram apresentadas descritivamente em tabelas contendo freqüências absolutas e relativas. Uma análise exploratória inicial permitiu realizar uma divisão por períodos segundo os anos de modificações das freqüências. Os dados do grupo agudos foram analisados em 3 períodos: 1992-1995, 1986-1990 e 1991-1994, e os dados do grupo crônicos analisados nos períodos de 1984-1985, 1986-1990 e 1990-1994. As proporções foram comparadas com o teste qui-quadrado e, quando o teste mostrou-se significativo, prosseguiu-se a análise com a partição do qui-quadrado para discriminar as diferenças entre os períodos. A variável contínua, idade, foi apresentada descritivamente em tabelas contendo médias, desvios padrão, valores mínimos e máximos, sendo que as médias foram comparadas utilizando-se análise de variância e teste de comparação múltipla de Tukey. Para analisar a relação da variável idade com a letalidade intra-hospitalar, foi utilizado o teste t-student e para as demais variáveis o teste quiquadrado e partição do qui-quadrado. As variáveis que apresentaram significância estatística com relação à letalidade intra-hospitalar, na análise univariada, foram utilizadas para o ajuste de um modelo de regressão logística múltipla com método de seleção stepwise,21. O nível de significância adotado para este estudo foi o de 0,05. Resultados Os dados obtidos para os dois grupos são apresentados separadamente. Grupo agudos - foram estudados 11.181 pacientes. A divisão por períodos da freqüência relativa dos pacientes do sexo feminino está representada na figura 1. Não foi significativa a diferença entre os períodos 1982-1985 e 1986-1990 (p = 0,13). Contudo, houve um aumento significativo da freqüência de mulheres com infarto do miocárdio do período 1986-1990 para 1991-1994 (p < 0,001). Foi observado aumento significativo de pacientes com o diagnóstico de diabetes mellitus associado ao infarto do miocárdio, e a divisão por períodos encontra-se na figura 2. Não foi significativa a diferença entre os períodos 1982-1985 e 1986-1990 (p = 0,09). Contudo, houve um aumento significativo da freqüência de pacientes com diagnóstico de diabetes mellitus associado ao infarto do miocárdio de 1986-1990 para 1991-1994 (p= 0,001). Houve aumento significativo da idade dos pacientes com infarto do miocárdio através dos períodos analisados. Não foi significativa a diferença entre os períodos 1982-1985 (57,4 anos) e 1986-1990 (57,4 anos). Contudo, foi observado um aumento significativo da idade dos pacientes com infarto do miocárdio de 1986-1990 (57,4 anos) para 1991-1994 (59,9 anos, p< 0,05) (fig. 3). A análise da relação entre as variáveis idade e sexo revelou que as mulheres eram mais idosas que os homens (62,3 ± 13 e 57 ± 12,1 anos, respectivamente, p=0,0001). Na tabela I encontram-se os dados das variáveis idade, sexo e presença ou não de diabetes em números absolutos e relativos com relação aos 3 períodos analisados. 29 27 25 23 21 19 17 15 * p < 0,001 22,7 24,4 27,7* 1982-1985 1986-1990 1991-1994 Fig. 1 - Divisão por período dos pacientes do sexo feminino no grupo agudos em freqüências relativas. 364

Arq Bras Cardiol Caramelli e cols Fig. 2 - Divisão por períodos das freqüências relativas dos pacientes portadores de diabetes mellitus como diagnóstico associado no grupo agudos. IDADE (anos) 18 16 14 12 10 8 6 4 2 0 * p=0,001 80 70 60 50 40 1982-1985 1986-1990 1991-1994 57 57 60 * Tabela I - Divisão por períodos, no grupo agudos, das variáveis sexo, idade e presença de diabetes Ano 1982-1985 1986-1990 1991-1994 Feminino 544 (22,7) 1112 (24,7) 1188 (27,7) Masculino 1851 (77,3) 3389 (75,3) 97 (72,3) Total 2395 4501 4285 Com DM 12,4 13,9 17,5 Sem DM 87,6 86,1 82,5 Idade 57,4 ± 11,5 57,4 ± 12,5 59,9 ± 13,1 ( - 91) ( - 93) ( - 96) Grupo crônicos - foram estudados 4166 pacientes e observado aumento significativo da freqüência de mulheres, e a divisão por períodos representada na figura 5. Não foi significativa a diferença entre os períodos 1984-1985 e 1986-1990 (p= 0,63). Entretanto houve um aumento significativo da freqüência de mulheres no grupo crônicos do período 1986-1990 para 1991-1994 (p = 0,001). Houve um aumento significativo da idade dos pacientes neste grupo, e observado o aumento significativo tanto do período 1984-1985 (56,3 anos) para 1986-1990 (58,4 anos) como do 1986-1990 para 1991-1994 (60,5 anos, p<0,05 para ambos) (fig. 6). Na tabela II encontram-se os dados das variáveis idade, sexo em números absolutos e relativos com relação aos 3 períodos analisados. Foram observados maiores coeficientes de letalidade intra-hospitalar entre as mulheres (8,3vs.5,8, p=0,007) e os mais idosos (média de idade de 62,1 anos nos pacientes falecidos contra 58,1 anos nos pacientes que sobreviveram, p=0,0001). Somente a variável idade apresentou significância estatística com relação à letalidade intra-hospitalar, no modelo de regressão logística múltipla (p = 0, 0001, odds ratio 1,053, intervalo de confiança 1,038-1,069). 1982-1985 1986-1990 1991-1994 * p < 0,05 Fig. 3 - Médias de idade e desvios padrão nos pacientes do grupo agudo divididos por períodos. 25 24,2 Foram analisadas as relações entre a variável letalidade intra-hospitalar e cada uma das demais variáveis estudadas. A análise univariada revelou maiores coeficientes de letalidade intra-hospitalar por infarto do miocárdio entre as mulheres (27,8 vs. 15,7, p = 0,001), os pacientes mais idosos (idade média de 60,9 anos nos pacientes falecidos contra 57,7 anos nos pacientes que sobreviveram, p = 0,0001), e os portadores de diabetes mellitus (p = 0,001) (fig. 4). Somente as variáveis sexo e idade apresentaram significância estatística com relação à letalidade intra-hospitalar, no modelo de regressão logística múltipla (p = 0,0001 para sexo e p = 0,0001 para idade, odds ratio 0,528 e 1,016, intervalos de confiança 0,476-0,585 e 1,012-1,0, respectivamente). 15 10 5 0 * p=0,001 SIM DIABETES 17,8 * N Ã O Fig. 4 - Distribuição dos coeficientes de letalidade intra-hospitalar pela presença ou não de diabetes melittus como diagnóstico associado no grupo agudos. 365

Caramelli e cols Arq Bras Cardiol 25 15 17,5 17,9 27,2 * Tabela II - Divisão por períodos, no grupo crônicos, das variáveis sexo, idade e presença de diabetes Ano 1984-1985 1986-1990 1991-1994 Feminino 197 (17,5) 369 (17,9) 269 (27,2) Masculino 925 (82,4) 1687 (82) 719 (72,8) Total 1122 56 988 Idade 56,3 ± 8,6 58,4 ± 8,7 60,5 ± 9,6 (26-79) (29-81) (33-82) DM - Diabetes mellitus 10 Fig. 5 - Divisão em períodos da distribuição do sexo feminino, no grupo crônicos, em freqüências relativas. IDADE (anos) 80 70 60 50 40 5 0 * p < 0,001 1984-1985 1986-1990 1991-1994 56,3 58,4 * 60,5 * 1984-1985 1986-1990 1991-1994 * p < 0,05 Fig. 6 - Médias e desvio padrão da idade em anos, no grupo crônicos, dividida por período. Discussão Este estudo revelou aumento significativo da idade e da freqüência de mulheres nos pacientes com formas aguda e crônica da doença. Foram confirmados, também, neste estudo, os achados de análises anteriores observados, que as mulheres foram mais idosas que os homens 7,8,22. A preocupação com as modificações das características da população portadora do diagnóstico de doença isquêmica do coração está demonstrada em publicações na literatura. Naylor e cols. 5, em estudo envolvendo 110.979 pacientes, para determinar as tendências da letalidade intra-hospitalar por infarto do miocárdio, analisaram dados de todos os hospitais gerais em Ontario, Canadá, nos anos de 1981, 1983, 1985, 1987, 1989 e 1991. A distribuição dos pacientes por sexo e idade revelou a ocorrência de uma variação da idade ao longo da década. Foi observado um aumento de pacientes com infarto do miocárdio nas faixas etárias 70-79 e 80 anos ( 25,1 para 28 e 12,4 para 17,3, respectivamente). Por outro lado, observou-se diminuição da freqüência da pacientes com infarto do miocárdio na faixa etária de 50 a 59 anos, de 22,1 para 16,7. Durante o mesmo período, a freqüência de mulheres aumentou de 34,3 para 35,7. Esse estudo multicêntrico, envolvendo toda a população de pacientes com infarto do miocárdio numa região do Canadá corrobora os achados em nossa população. Resultados semelhantes foram relatados por Diegues e cols. 11, analisando a população de pacientes internados com infarto do miocárdio no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia de São Paulo em períodos diferentes, de 1973 a 1996. Os autores observaram um aumento progressivo da média de idade de apresentação do infarto do miocárdio de 53,3 para 60 anos e da freqüência de mulheres de 10,7 para 29. Não foi observada variação significativa da presença de diabetes mellitus como doença associada nessa população. Com relação à forma crônica da doença isquêmica do coração, Pepine e cols., analisando uma população de 5125 pacientes com angina estável crônica, em 1990, observaram predominância de mulheres (53) com idade média elevada e superior aos homens (70,8 vs. 67,2 anos). Comparando a estudos anteriores, concluíram que as características da população com angina estável crônica vem mudando e que, independente das causas envolvidas, esta informação é importante para a compreensão da história natural da doença e para selecionar as estratégias diagnósticas e terapêuticas adequadas 12. Não encontramos na literatura publicações referentes ao estudo das tendências seculares das características da população submetida à cirurgia de revascularização do miocárdio. Embora constitua uma população diferente e não tenha analisado pacientes em outros períodos, o trabalho de Pepine e cols. confirma os dados obtidos em nosso estudo em pacientes com a forma crônica da doença isquêmica do coração submetidos a esse procedimento. Diversos estudos sugerem que esteja ocorrendo uma redução na incidência da doença isquêmica do coração. Alguns autores sugerem que esta redução estaria ocorrendo em menor escala no sexo feminino 3,23. Fato que seria responsável pelos achados neste e em outros estudos relativos ao aumen- 366

Arq Bras Cardiol Caramelli e cols to na freqüência de mulheres. A tendência à menor redução no hábito de fumar, por parte do sexo feminino, em relação ao masculino (observado nos últimos censos brasileiros) e a crescente participação das mulheres no mercado de trabalho poderiam estar relacionados a esses dados. Por outro lado, o envelhecimento da população detectado nas últimas décadas e o conseqüente aumento das doenças próprias da idade, conhecido como transição epidemiológica, é um processo contínuo e poderia explicar, nessa população como em outros estudos, o aumento da freqüência de pacientes de faixas etárias mais elevadas 2-4. Diegues e cols. 11 não observaram modificações significativas da prevalência de diabetes mellitus nos pacientes com infarto do miocárdio no Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, em São Paulo, de 1973 a 1996. Em população com dimensões maiores, nosso estudo demonstrou um aumento significativo da freqüência de diabetes como diagnóstico associado ao infarto do miocárdio, no período de 1982 a 1994. As modificações do perfil da idade poderiam contribuir para a maior freqüência dessa associação, já que o diabetes é a doença de maior prevalência nos segmentos etários mais elevados 12. Este achado tem implicações clínicas importantes, uma vez que a maior prevalência de diabetes como co-morbidade na doença isquêmica do coração está associada a um maior número de complicações e um tempo de internação mais prolongado, demonstrado no grupo agudos, em que o diagnóstico de diabetes associado está relacionado a maiores índices de letalidade intra-hospitalar. Somente no grupo agudos foi observada uma modificação significativa da letalidade intra-hospitalar no período estudado. Não observamos, porém nenhuma tendência no comportamento desta variável. A análise da relação entre letalidade intra-hospitalar e as demais variáveis do estudo revelou maiores índices entre as mulheres e os mais idosos. No grupo agudos, também a presença de diabetes mellitus, como diagnóstico associado, esteve relacionado a maior letalidade intra-hospitalar. Porém, quando consideradas em conjunto, por meio do modelo de regressão logística múltipla, somente as variáveis sexo e idade para o grupo agudos e idade para o grupo crônicos revelaram associação com maiores índices de letalidade intra-hospitalar. Maiores índices de letalidade intra-hospitalar por infarto do miocárdio já foram descritos entre os pacientes do sexo feminino, os idosos e os diabéticos 7-10,24. Em nosso estudo, na análise multivariada, sexo e idade mostraram-se associados a maiores coeficientes de letalidade intra-hospitalar. Contudo, a maior influência da idade (odds ratio = 1,016) sugeriu que, pelo menos em parte, os maiores coeficientes de letalidade intra-hospitalar nas mulheres sejam explicados pelo fato desses pacientes serem mais idosos 25,26. A variável diabetes mellitus não apresentou significância estatística na análise multivariada, sugerindo que, provavelmente, o aumento da mortalidade entre os diabéticos é secundário ao aumento da freqüência de pacientes mais idosos, onde a doença é mais prevalente. Concluindo, todos estes achados indicam uma mudança no perfil da população com doença isquêmica do coração, no InCor, no período estudado, em direção a um pior prognóstico, associado a maiores índices de morbi-mortalidade, sugerindo que na última década, os pacientes tornaram-se mais velhos e houve mais mulheres e aumento da prevalência de diabetes mellitus. Este estudo também confirmou achados de estudos anteriores com relação à maior letalidade intra-hospitalar da doença em mulheres, nos mais idosos e nos portadores de diabetes mellitus, como diagnóstico associado. Apesar destes resultados, não foi observada modificação da letalidade intrahospitalar no período estudado. Os recentes avanços no tratamento e prevenção da doença isquêmica do coração provavelmente compensaram em outra direção as modificações ocorridas nas características dos pacientes. Referências 1. Avezum, A. Cardiologia baseada em evidências e avaliação crítica da literatura cardiológica: princípios de epidemiologia clínica aplicados à cardiologia. Rev Soc Cardiol Estado de São Paulo 1996; 6: 241-59. 2. The University Of Chicago. Population. In: Enciclopedia Britannica. 15 a. ed. Chicago: Encyclopedia Britannica, Inc, 1991; 25: 1034-43. 3. Leser W, Barbosa V, Baruzzi RG, Ribeiro MBD, Franco LJ. Elementos de Epidemiologia Geral. 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