Nº 2658/2014 - PGGB MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL PROCURADORIA-GERAL DA REPÚBLICA RECLAMAÇÃO Nº 12.072 - SP RECLTE. : COMPANHIA PAULISTA DE OBRAS E SERVIÇOS ADV.(A/S) : ROBERTA ARANTES LANHOSO RECLDO. : JUÍZA DA 87ª VARA DO TRABALHO DE SÃO PAULO INTDO. : POWER SEGURANÇA E VIGILÂNCIA LTDA INTDO. : MARCOS GONÇALVES CARDOSO RELATOR : MINISTRO MARCO AURÉLIO Reclamação constitucional. Responsabilidade subsidiária do Poder Público por débitos trabalhistas não adimplidos por empresa contratada por licitação. Decisão que reconheceu a culpa in vigilando da Administração. Hipótese que se amolda à ressalva estabelecida pelo STF no julgamento da ADC nº 16. Parecer pela improcedência da reclamação. A Companhia Paulista de Obras e Serviços (CPOS), empresa integrante da Administração Indireta do Estado de São Paulo, ajuizou reclamação constitucional contra sentença proferida pelo juízo da 87ª Vara do Trabalho de São Paulo que a condenou a responder, subsidiariamente, pelos débitos trabalhistas não adimplidos pela empresa por ela contratada, por meio de licitação, para prestar serviços de segurança. A reclamante alega que a decisão impugnada, ao reconhecer a sua responsabilidade subsidiária com fundamento na Súmula 331, IV, do Tribunal Superior do Trabalho, violou o entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre a constitucionalidade da regra do art. 71, 1º, da Lei nº 8.666/93, que veda a transferência à Administração Pública dos encargos trabalhistas decorrentes da execução de contrato.
- II - O Supremo Tribunal Federal, ao julgar a ADC nº 16, posicionouse no sentido de não ser possível a transferência consequente e automática, à Administração Pública, dos encargos trabalhistas, fiscais e comerciais não adimplidos pela empresa terceirizada contratada por meio de licitação. Eis a ementa do acórdão: RESPONSABILIDADE CONTRATUAL. Subsidiária. Contrato com a administração pública. Inadimplência negocial do outro contraente. Transferência consequente e automática dos seus encargos trabalhistas, fiscais e comerciais, resultantes da execução do contrato, à administração. Impossibilidade jurídica. Consequência proibida pelo art., 71, 1º, da Lei federal nº 8.666/93. Constitucionalidade reconhecida dessa norma. Ação direta de constitucionalidade julgada, nesse sentido, procedente. Voto vencido. É constitucional a norma inscrita no art. 71, 1º, da Lei federal nº 8.666, de 26 de junho de 1993, com a redação dada pela Lei nº 9.032, de 1995. (ADC 16, rel. o Ministro Cezar Peluso, Tribunal Pleno, DJe 9.9.2011) (grifei) Naquela oportunidade, o STF decidiu, entretanto, que a Justiça do Trabalho pode estabelecer a responsabilidade subsidiária do ente público de forma excepcional, quando vislumbrar hipótese de culpa in vigilando ou in omittendo da Administração. A propósito, confira-se trecho do voto do Ministro Celso de Mello no AgRg na Rcl 14.947 (DJe 1º.8.2013): É oportuno ressaltar, no ponto, que, em referido julgamento [da ADC 16/DF], não obstante o Plenário do Supremo Tribunal Federal tenha confirmado a plena validade constitucional do 2
1º do art. 71 da Lei nº 8.666/93 por entender juridicamente incompatível com a Constituição a transferência automática em detrimento da Administração Pública, dos encargos trabalhistas, fiscais, comerciais e previdenciários resultantes da execução do contrato na hipótese de inadimplência da empresa contratada -, enfatizou-se que essa declaração de constitucionalidade não impediria, em cada situação ocorrente, o reconhecimento de eventual culpa in omittendo ou in vigilando do Poder Público. Essa visão em torno do tema tem sido observada por Ministros de ambas atas Turmas desta Suprema Corte ( ), em julgamentos nos quais se tem reconhecido possível a atribuição de responsabilidade subsidiária ao ente público na hipótese excepcional de restar demonstrada a ocorrência de comportamento culposo da Administração Pública. (grifei) Esse entendimento foi estabelecido pelo Tribunal Pleno quando do julgamento da Rcl 12.758 AgR (DJe 30.9.2013), ocasião em que também foi reconhecido o dever das entidades públicas de fiscalizar o cumprimento, pela empresa terceirizada, das obrigações trabalhistas referentes aos empregados vinculados ao contrato de prestação de serviços: Agravo Regimental na Reclamação. Responsabilidade Subsidiária. Artigo 71, 1º, da Lei 8.666/93. Constitucionalidade. ADC nº 16. Administração Pública. Dever de fiscalização. responsabilização do ente público nos casos de culpa in eligendo e de culpa in vigilando. Reexame de matéria fático-probatória. Impossibilidade. Agravo regimental a que se nega provimento. 1. A aplicação do artigo 71, 1º, da Lei n. 8.666/93, declarado constitucional pelo Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADC nº 16, não exime a entidade da Administração Pública do 3
dever de observar os princípios constitucionais a ela referentes, entre os quais os da legalidade e da moralidade administrativa. 2. As entidades públicas contratantes devem fiscalizar o cumprimento, por parte das empresas contratadas, das obrigações trabalhistas referentes aos empregados vinculados ao contrato celebrado. Precedente: Rcl 11985-AgR, Rel. Min. CELSO DE MELLO, Tribunal Pleno, julgado em 21/02/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-050 DIVULG 14-03-2013 PUBLIC 15-03-2013. 3. A comprovação de culpa efetiva da Administração Pública não se revela cognoscível na estreita via da Reclamação Constitucional, que não se presta ao reexame de matéria fático-probatória. Precedentes: Rcl 3.342/AP, Rel. Min. Sepúlveda Pertence; Rcl 4.272/RS, Rel. Min. Celso de Mello; Rcl. 4.733/MT, Rel. Min. Cezar Peluso; Rcl. 3.375-AgR/PI, Rel. Min. Gilmar Mendes. 4. Agravo regimental a que se nega provimento. (Rcl 12758 AgR, rel. o Ministro Luiz Fux, Tribunal Pleno, DJe 30.9.2013) (grifei) No caso em questão, a sentença, ao adotar o entendimento fixado pela ADC nº 16, apontou a responsabilidade subsidiária da CPOS devido à falta de efetiva fiscalização do cumprimento do contrato de prestação de serviços, o que contribuiu para a violação dos direitos fundamentais dos trabalhadores envolvidos. Confira-se: Ainda que não se entenda tratar de responsabilidade objetiva, mas de subjetiva, a administração é quem deverá provar que a inadimplência não decorreu de sua omissão, eis que neste 4
caso há a inversão do ônus probatório prevista no art. 6º, inciso VIII, do CDC c/c art. 8º, caput e único, da CLT. Ora, somente o fato do ente público deixar de rescindir imediatamente o contrato com a empresa terceirizada nessa hipótese dos encargos trabalhistas inadimplidos (Lei n. 8.666/93, art. 78, I), já denota a omissão na fiscalização contratual por parte do ente público. Em suma, buscando no direito civil a teoria da culpa por ato de terceiro, vislumbro na hipótese a culpa in eligendo e in vigilando da segunda e terceira reclamadas. Não há que se cogitar, portanto, de ofensa à orientação firmada pelo STF em ação direta de constitucionalidade. A hipótese, na verdade, amolda-se à ressalva estabelecida no julgamento da ADC nº 16. Cumpre salientar, por fim, que a reclamação constitucional não é o meio adequado para se analisar o acerto da decisão impugnada, no tocante à configuração da culpa da Administração Pública no caso concreto. Assim tem ensinado, a propósito, o STF: ( ) No entanto, ao declarar a constitucionalidade do referido 1º do art. 71 da Lei 8.666/1993, a Corte consignou que se, na análise do caso concreto, ficar configurada a culpa da Administração em fiscalizar a execução do contrato firmado com a empresa contratada, estará presente sua responsabilidade subsidiária pelos débitos trabalhistas não adimplidos. Em outras palavras, vedou-se, apenas, a transferência automática ou a responsabilidade objetiva da Administração Pública por essas obrigações. 5
No presente caso, a autoridade reclamada, embora de forma sucinta, a partir do conjunto probatório presente nos autos da reclamação trabalhista, analisou a conduta do ora reclamante e entendeu configurada a sua culpa in vigilando. ( ) Se bem ou mal decidiu a autoridade reclamada ao reconhecer a responsabilidade por culpa imputável à reclamante, a reclamação constitucional não é o meio adequado para substituir os recursos e as medidas ordinária e extraordinariamente disponíveis para correção do alegado erro. (Rcl 12.925, o Ministro Joaquim Barbosa, DJe 26.11.2012) (grifei) O parecer é pela improcedência da reclamação. Brasília, 24 de outubro de 2014. Paulo Gustavo Gonet Branco Subprocurador-Geral da República 6