RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO 913.982 SÃO PAULO RELATOR RECTE.(S) PROC.(A/S)(ES) RECDO.(A/S) RECDO.(A/S) ADV.(A/S) : MIN. DIAS TOFFOLI :MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA :PROCURADOR - GERAL DO MUNICÍPIO DE SÃO JOÃO DA BOA VISTA :ANTONIO MARCOS NORATO :CLAUDIA MACHADO :REGERIO ARCURI Decisão: Vistos. Trata-se de agravo contra a decisão que não admitiu recurso extraordinário interposto contra acórdão da Nona Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, assim ementado: APELAÇÃO. Ação de Indenização por Ato Ilícito. Morte de filho menor no interior de piscina pública por afogamento. Responsabilidade Civil Subjetiva do Estado configurada. Configurado nexo causal porquanto ao Estado é atribuído o dever de guarda e vigilância nas dependências públicas. Sentença de parcial procedência do pedido reformada parcialmente para reconhecer a culpa concorrente e reduzir a fixação do valor indenizatório. Negado provimento ao recurso dos autores e dado parcial provimento ao recurso do Município e à remessa oficial. No recurso extraordinário, sustenta-se violação dos artigos 5º, incisos V e X, e 37, 6º, da Constituição Federal. Decido. Anote-se, inicialmente, que o recurso extraordinário foi interposto contra acórdão publicado após 3/5/07, quando já era plenamente exigível a demonstração da repercussão geral da matéria constitucional objeto do recurso, conforme decidido na Questão de Ordem no Agravo de Instrumento nº 664.567/RS, Tribunal Pleno, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 6/9/07. Todavia, apesar da petição recursal haver trazido a preliminar sobre
o tema, não é de se proceder ao exame de sua existência, uma vez que, nos termos do artigo 323 do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal, com a redação introduzida pela Emenda Regimental nº 21/07, primeira parte, o procedimento acerca da existência da repercussão geral somente ocorrerá quando não for o caso de inadmissibilidade do recurso por outra razão. A irresignação não merece prosperar. No que tange aos fatos ensejadores dos danos morais e materiais, bem como à responsabilidade do recorrente em indenizá-los, o acórdão recorrido baseou seu convencimento amparado no conjunto fáticoprobatório que permeia a lide. Colhe-se do voto condutor: (...) 4. Na hipótese dos autos o que se pretende é imputar a responsabilidade ao Município pela sua omissão na medida em que não havia vigilância na entrada da piscina. De fato ficou clara a relação de causalidade entre o mau funcionamento do serviço público e o acidente. O que se observa pelos depoimentos colhidos é que o genitor da vítima, Sr. Antônio Marcos Norato, na época dos fatos, cumpria pena em estabelecimento prisional e a genitora da vítima era responsável por cuidar de sua filha Thainara Machado Norato de seis anos, do filho Alexandre Norato de quatro anos e de uma sobrinha de nome Estefani de dois anos. No dia do evento danoso, por volta das 09h3 0min, sentiu falta das crianças e não sabia onde encontrá-las e somente às 13h3 0min o avô da vítima chegou a sua residência acompanhado de Alexandro Norato e de Estefani e sem a companhia de Thainara Machado Norato. É fato incontroverso que a vítima faleceu em piscina pertencente ao Centro Social Urbano Luiz de Freitas, centro de recreações mantido pela Prefeitura Municipal de São João da Boa Vista. O conjunto probatório dos autos demonstra, inquestionavelmente, que a vítima estava na companhia de seu irmão Alexandre de quatro anos e de sua prima Estefani de dois anos quando foram até o Centro Social Urbano. Chegando ao local, encontraram-no 2
fechado porque era horário de almoço - o local era aberto ao público das 07:00 as 11:00 e das 13:00 as 17:00 - as crianças mais novas se dirigiram até um funcionário com o nome de Wanderlei dos Santos, zelador do local, e perguntaram se poderiam nadar e tendo este respondido negativamente levouas até o avô que se encontrava jogando baralho, com exceção de Thainara que, sem ninguém perceber, já havia ingressado no local onde ficava a piscina. Foi somente quando um garoto desconhecido gritou que havia uma menina boiando na piscina que o funcionário Wanderlei dos Santos e outro funcionário de nome João Batista constataram a existência de um corpo boiando na água. 4.1. Embora a piscina estivesse fechada e possuísse telas de proteção e muro, estes se mostraram absolutamente insuficientes a impedir a entrada de uma criança de seis anos no local que, se houvesse um mínimo de vigilância, seria impedida de entrar na piscina gerando sua morte. O que se depreende pelos autos é que a criança para ter acesso à piscina passou pela tela de proteção e escalou o muro que separa a piscina das demais áreas. Ora, sendo um clube recreativo e freqüentado por inúmeras crianças é evidente que deve haver um mínimo de vigilância e cautela para assegurar a efetiva segurança dos freqüentadores do local, especialmente às crianças que diante do lazer ofertado ficam absolutamente eufóricas e capazes de praticar as mais variadas peripécias. Nem há que se falar que o portão estava fechado porque era hora de almoço porque, como já dito, tal providência não foi suficiente a impedir o ingresso da vítima no local. 4.2. Evidenciada está a responsabilidade subjetiva do Município porquanto comprovada sua negligência em relação à vigilância da área em que ocorreu o acidente letal. (...). Nesse caso, é certo que para acolher a pretensão do recorrente e ultrapassar o entendimento firmado pelo Tribunal de origem, no sentido de afastar o nexo causal verificado, seria necessário o reexame dos fatos e provas constantes dos autos, o que não é cabível em sede de recurso 3
extraordinário. Incidência da Súmula nº 279 desta Corte. Nesse sentido, destaco os seguintes precedentes: CONSTITUCIONAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS E MATERIAIS. INDENIZAÇÃO. LEGISLAÇÃO INFRACONSTITUCIONAL E SÚMULA STF 279. PRECEDENTES. 1. A análise da indenização civil por danos morais e materiais reside no âmbito da legislação infraconstitucional (Súmula STF 280). 2. Incidência da Súmula STF 279, o que também elide a apreciação, no caso, da matéria objeto do art. 144 da Constituição Federal. 3. Agravo regimental improvido (AI nº 755.238/MG-AgR, Segunda Turma, Relatora a Ministra Ellen Gracie, DJe de 13/11/09). CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. DANO EM VEÍCULO AUTOMOTOR EM DECORRÊNCIA DE PASSAGEM SOBRE BURACO EM VIA PÚBLICA. OMISSÃO DO ESTADO. RESPONSABILIDADE CIVIL SUBJETIVA. MATÉRIA DE FATO. SÚMULA 279 DO STF. I - Decisão monocrática que negou seguimento ao recurso extraordinário por entender que concluir de forma diversa do acórdão recorrido necessitaria de reexame de matéria de prova (Súmula 279 do STF). II - Inexistência de novos argumentos capazes de afastar as razões expendidas na decisão ora atacada, que deve ser mantida. III - Agravo regimental improvido (RE nº 585.007/DF-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJe de 5/6/09). CONSTITUCIONAL. ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE OBJETIVA DO ESTADO. ART. 37, 6 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. ALEGAÇÃO DE CULPA EXCLUSIVA DA VÍTIMA. SÚMULA 279 do STF. I - A apreciação do recurso extraordinário, no que concerne à alegada ofensa ao art. 37, 6, da Constituição, encontra óbice na Súmula 279 do STF. Precedentes do STF. II - Agravo 4
regimental improvido (RE nº 484.277/SE-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Ricardo Lewandowski, DJ de 7/12/07). RESPONSABILIDADE CIVIL DO PODER PÚBLICO - PRESSUPOSTOS PRIMÁRIOS QUE DETERMINAM A RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA DO ESTADO - O NEXO DE CAUSALIDADE MATERIAL COMO REQUISITO INDISPENSÁVEL À CONFIGURAÇÃO DO DEVER ESTATAL DE REPARAR O DANO - NÃO-COMPROVAÇÃO, PELA PARTE RECORRENTE, DO VÍNCULO CAUSAL - RECONHECIMENTO DE SUA INEXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, PELAS INSTÂNCIAS ORDINÁRIAS - SOBERANIA DESSE PRONUNCIAMENTO JURISDICIONAL EM MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA - INVIABILIDADE DA DISCUSSÃO, EM SEDE RECURSAL EXTRAORDINÁRIA, DA EXISTÊNCIA DO NEXO CAUSAL - IMPOSSIBILIDADE DE REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA (SÚMULA 279/STF) - RECURSO DE AGRAVO IMPROVIDO. - Os elementos que compõem a estrutura e delineiam o perfil da responsabilidade civil objetiva do Poder Público compreendem (a) a alteridade do dano, (b) a causalidade material entre o 'eventus damni' e o comportamento positivo (ação) ou negativo (omissão) do agente público, (c) a oficialidade da atividade causal e lesiva imputável a agente do Poder Público que tenha, nessa específica condição, incidido em conduta comissiva ou omissiva, independentemente da licitude, ou não, do comportamento funcional e (d) a ausência de causa excludente da responsabilidade estatal. Precedentes. - O dever de indenizar, mesmo nas hipóteses de responsabilidade civil objetiva do Poder Público, supõe, dentre outros elementos (RTJ 163/1107-1109, v.g.), a comprovada existência do nexo de causalidade material entre o comportamento do agente e o 'eventus damni', sem o que se torna inviável, no plano jurídico, o reconhecimento da obrigação de recompor o prejuízo sofrido pelo ofendido. - A comprovação da relação de causalidade - qualquer que seja a teoria que lhe dê suporte doutrinário (teoria 5
da equivalência das condições, teoria da causalidade necessária ou teoria da causalidade adequada) - revela-se essencial ao reconhecimento do dever de indenizar, pois, sem tal demonstração, não há como imputar, ao causador do dano, a responsabilidade civil pelos prejuízos sofridos pelo ofendido. Doutrina. Precedentes. - Não se revela processualmente lícito reexaminar matéria fático-probatória em sede de recurso extraordinário (RTJ 161/992 - RTJ 186/703 - Súmula 279/STF), prevalecendo, nesse domínio, o caráter soberano do pronunciamento jurisdicional dos Tribunais ordinários sobre matéria de fato e de prova. Precedentes. - Ausência, na espécie, de demonstração inequívoca, mediante prova idônea, da efetiva ocorrência dos prejuízos alegadamente sofridos pela parte recorrente. Não-comprovação do vínculo causal registrada pelas instâncias ordinárias (RE nº 481.110/PE, Segunda Turma, Relator o Ministro Celso de Mello, DJ de 9/3/07). RE: descabimento: debate relativo à existência de nexo de causalidade a justificar indenização por dano material e moral, que reclama o reexame de fatos e provas: incidência da Súmula 279 (AI nº 359.016/DF-AgR, Primeira Turma, Relator o Ministro Sepúlveda Pertence, DJ de 7/5/04). Ressalte-se, por fim, que o tema concernente à aplicação do artigo 1º- F da Lei nº 9.494/97, com a redação da Lei nº 11.960/09, não foi objeto de debate pelo acórdão recorrido, razão pela qual carece do necessário prequestionamento, sendo certo que não foram opostos embargos de declaração para sanar eventual omissão no acórdão recorrido. Incidem na espécie as Súmulas nºs 282 e 356 desta Corte. Ante o exposto, conheço do agravo para negar seguimento ao recurso extraordinário. Publique-se. Brasília, 18 de setembro de 2015. Ministro DIAS TOFFOLI 6
Relator Documento assinado digitalmente 7