A Equação de Onda em Uma Dimensão Ondas transversais em uma corda esticada Já vimos no estudo sobre oscilações que os físicos gostam de usar modelos simples como protótipos de certos comportamentos básicos encontrados na natureza. A utilidade disso se deve a as características desses modelos simples: (1) modelos simples podem ser entendidos com um nível de detalhe muito alto; e () modelos simples exibem comportamentos similares aos de casos reais mais complicados, ajudando a entendê-los (pelo menos qualitativamente). No caso de comportamentos oscilatórios, o modelo simples mais usado é o do sistema massa-mola. Já no caso de comportamentos onlatórios unidimensionais, o modelo simples mais popular é o da corda vibrante 1. Consideremos uma corda esticada, como a corda de um violão por exemplo. Suponhamos que a corda tenha comprimento L e suas extremidades estejam fixas nos pontos x 0 e x L. Vamos também supor que a corda tenha densidade linear (massa por unidade de 1 A corda vibrante é um dos sistemas físicos que vem sendo estudado há mais tempo na história da ciência: o seu estudo é, pelo menos, tão antigo quanto a escola pitagórica (século VI a.c.). 1
comprimento) uniforme, dada por µ dm/dx, e que esteja esticada com uma tensão constante T. Vamos supor que a corda execute vibrações transversais à direção x apenas na direção (note que ela pode ter vibrações transversais também na direção z, mas vamos ignorá-las aqui), de maneira que podemos representar a configuração da corda em qualquer instante de tempo no plano x- por uma função (x, (veja um exemplo na figura abaixo). Vamos fazer mais algumas suposições: A tensão T que estica a corda é tão grande que podemos desprezar a força gravitacional sobre a corda; A corda é perfeitamente elástica, isto é, ela não oferece resistência a dobras; Os deslocamentos da corda, que ocorrem apenas na direção, são de pequena magnitude.
Estamos agora prontos para atacar o problema da corda vibrante. Em algum instante de tempo, um pedaço qualquer da corda estará na posição genérica indicada pela figura abaixo. A massa do pequeno segmento de corda de comprimento x destacado na figura é m µ x. (1) As componentes horizontal e vertical da força resultante atuando sobre esse segmento de corda são: F x ( θ + θ ) cosθ T cos T () e F ( θ + θ ) senθ Tsen T. (3) 3
Estamos supondo que a corda não executa movimentos na direção x (ela se move apenas na direção ). Isto implica que a força resultante na direção x é nula, F x 0. Substituindo isso em () temos: ( θ θ ) cosθ cos +. (4) A força resultante na direção, F, é, pela a lei de Newton: F ( x) a ( x) µ µ, (5) onde expressamos a aceleração a em termos de uma derivada parcial porque é função de as variáveis, x e t. Substituindo (5) em (3) temos: ou Tsen ( + θ ) Tsenθ ( µ x) θ, sen µ ( + θ ) senθ x θ. (6) Vamos agora dividir os dois lados da equação acima pelo mesmo termo: cos θ. Só que isto será feito com base na equação (4), que diz que θ cos( θ + θ ) cos. Portanto, tanto faz dividir por cos θ ou por ( θ + θ ) cos. T 4
O termo sen ( θ + θ ) será dividido por ( θ + θ ) será dividido por cos θ : sen cos Esta equação implica que tan cos, o termo sen θ cos θ e o lado direito será dividido também por ( θ + θ ) senθ x µ ( θ + θ ) cosθ cosθ T x ( + θ ) tanθ cosθ T µ θ. (7) Lembrando das aulas de Cálculo, o coeficiente angular da reta tangente a uma função em um dado ponto do seu domínio é igual à derivada da função neste ponto. Podemos, então, escrever (novamente em termos de derivadas parciais): x x x µ cosθ T ( x + x, ( x,.. (8) Se dividirmos os dois lados da igualdade acima por x teremos, do lado esquerdo, a expressão x ( x + x, ( x, x x No limite em que x 0, esta expressão torna-se a derivada (parcial) em relação a x de x x., que é a derivada parcial segunda. Logo, a equação (8) pode ser escrita como: 5
x 1 µ cosθ T ( x ( x,,. (9) Como última intervenção em nossa manipulação das equações, vamos agora invocar a suposição de que os deslocamentos da corda são pequenos. Esta suposição implica que os ângulos associados a esses deslocamentos também são pequenos: θ << 1. Com esta condição, cosθ 1 e a equação (9) torna-se: x µ ( x ( x, T,. (10) Esta é a chamada equação das cordas vibrantes, que apareceu pela primeira vez de forma impressa em 1747 no artigo do filósofo e matemático francês Jean Le Rond D Alembert (1717 1783), Recherches sur la courbe que forme une corde tene mise en vibration, publicado pela Academia Real Prussiana de Berlim (cujo diretor da seção de matemática à época era Euler). Note que o termo µ/t tem dimensão de 1/(velocidade), de maneira que é costume escrever, x 1 ( x ( x, v,, (11) 6
onde v é identificada com a velocidade de propagação de ondas na corda esticada: T v µ 1/. (1) Observe que a relação acima implica que a velocidade de propagação aumenta com a tensão na corda e diminui com a sua inércia (massa por unidade de comprimento). A equação (11) não é válida apenas para ondas transversais em uma corda esticada. Na realidade, ela é válida para qualquer onda em uma dimensão. A equação (11) é chamada de equação de onda unidimensional e a equação (10) é apenas um caso particular dela. A equação de onda (para uma dimensão ou mais) é uma das equações mais importantes da física e você irá encontrá-la sempre que estiver estudando fenômenos onlatórios. No apêndice desta aula você encontrará uma deção da equação de onda unidimensional sem fazer referência à corda vibrante. Ela usará apenas o resultado obtido na aula passada de que a equação que descreve uma onda que se propaga para a direita deve ser do tipo 7
( x f ( u) f ( x v,. (13) A equação de onda é uma equação diferencial parcial linear de segunda ordem. A determinação das suas propriedades, no contexto da corda vibrante, deve muito ao trabalho de alguns dos maiores matemáticos do século XVIII: d Alembert, Euler, Daniel Bernoulli (1700-178) e Joseph-Louis Lagrange (1736-1813). No curso de Física Matemática você verá métodos formais para a solução da equação de onda. Aqui, vamos mostrar uma maneira de expressar a solução geral da equação de onda que foi obtida por d Alembert em 1747. As condições de contorno para a equação de onda são: ( 0, 0 e ( L, 0. (14) Notem que elas especificam que a corda tem que estar presa nas suas extremidades. As condições iniciais especificam a configuração inicial da corda (as posições de todos os seus pontos em t 0) e a velocidade inicial da corda (as velocidades de todos os seus pontos em t 0). Essas condições podem ser escritas como, 8
( x,0) ( x,0) 0 ( x) ( x) onde 0 (x) e 1 (x) são as funções arbitrárias. 1 (15) Isto implica que a solução geral da equação de onda unidimensional depende de as funções arbitrárias. Vimos na aula passada que a expressão geral para uma onda unidimensional que se propaga para a direita é ( x v f, onde f é uma função arbitrária. Também vimos que a expressão geral para uma onda unidimensional que se propaga para a esquerda é onde g é uma função arbitrária. ( x v g +, Logo, podemos representar a solução geral da equação de onda por ( x v + g( x ) ( x, f + vt. (16) A solução geral da equação de onda unidimensional pode ser escrita como a superposição de as ondas propagantes, uma propagandose para a direita e outra propagando-se para a esquerda. 9
Exemplo (Nussenzveig, página 106): Suponha que a configuração inicial da corda seja dada pela função 0 (x) e que a velocidade inicial de todos os seus pontos seja nula, 1 (x) 0. Substituindo essas condições na expressão da solução geral (16): ( x) + g( x) ( ) ( x,0) f 0 x e (lembre-se que f ( df )( u ) (17), onde u xm vt ) df ( x) dg( x) d ( x,0) v + v v dx dx dx [ g( x) f ( x) ] 0. (18) A equação (18) é satisfeita se fizermos f(x) g(x). Substituindo isto na equação (17), obtemos: ( x ) ( ) f x 0 0( ) f ( x) g( x) x, o que faz com que a solução geral (16) seja: 1 ( x, 0 0 + vt [ ( x v + ( x )]. (19) Por exemplo, se 0 (x) for um pulso quadrado centrado no meio da corda, a evolução temporal da onda será como mostrada na figura abaixo (note que as amplitudes dos pulsos quadrados idênticos que se propagam em direções opostas são iguais a metade da amplitude inicial). 10
Uma propriedade importante da equação de onda unidimensional, decorrente da sua linearidade, é que as suas soluções satisfazem o princípio de superposição: Sejam 1 (x, e (x, as soluções quaisquer da equação de onda unidimensional. Então, uma combinação linear dessas soluções ( x, b ( x, ) ( x, a +, (0) 1 t onde a e b são constantes arbitrárias, também é solução da equação de onda. Demonstre, como exercício para casa, o princípio de superposição. Para isso, basta substituir a equação (0) na equação de onda unidimensional e assumir que 1 (x, e (x, são soluções da equação de onda. 11
Apêndice: A equação de onda unidimensional Para mostrar que a equação (11) é válida para qualquer onda em uma dimensão, tomemos a expressão geral que descreve qualquer onda que se propague para a direita em uma dimensão (equação 4 da aula 1), ( x f ( u) f ( x v,. (A1) Esta expressão significa que a função que descreve a onda para qualquer ponto x em qualquer instante t só depende dessas variáveis combinadas na forma u x vt. A partir de (A1), podemos calcular a velocidade e a aceleração do deslocamento vertical do ponto x como: e v ( x, ( x, (A) a. (A3) Substituindo (A1) em (A) e usando a regra da cadeia, pois u v. v f ( u) df u df v, (A4) 1
Substituindo (A1) em (A3), a v df v df v d f. Substituindo (A4) nesta expressão, Como a d df a d f v v v. (A5), esta expressão implica que v d f. (A6) Vamos agora calcular as derivadas primeira e segunda de em relação à coordenada espacial x. A derivada primeira é pois, como u x vt, A derivada segunda é df u x x u x 1 df., x x df d df u x d f. (A7) 13
Substituindo esta expressão para d f em (A6), obtemos v x, ou x 1 v que é a equação de onda unidimensional., (A8) 14