TITULO: Turismo Literário em cidades da periferia europeia. O caso de Lisboa e Dublin



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EIXO TEMÁTICO: GT 02 Turismo e Cultura Autores: Cláudia Henriques Laura Henriques chenri@ualg.pt TITULO: Turismo Literário em cidades da periferia europeia. O caso de Lisboa e Dublin RESUMO O presente trabalho visa reflectir sobre o turismo literário, enquanto segmento do turismo cultural, elegendo as cidades como espaços privilegiados deste tipo de turismo. Paralelamente, apoia-se na análise de dois casos de turismo literário, nomeadamente nas cidades de Lisboa e Dublin, duas cidades capitais da periferia da Europa. O intuito é averiguar exploratoriamente algumas das iniciativas levadas a cabo por entidades públicas que se distinguem no domínio do turismo e da cultura. Nesta linha de ideias, o trabalho preocupa-se em averiguar as principais políticas e/ou iniciativas desenvolvidas pelas entidades referidas com o intuito de desenvolver este segmento turístico. Palavras-Chave: Turismo, literatura, Cidades INTRODUÇÃO O trabalho presente visa reflectir sobre a relação cada vez mais estreita entre turismo, cidade e cultura, e nomeadamente sobre a relação entre turismo, cidade e literatura. Consequentemente, preocupa-se em antever a importância do património literário e seu aproveitamento turístico, no contexto do turismo cultural e criativo.

Apoia-se na análise comparativa de dois estudos de caso de turismo literário em duas cidades da periferia europeia Lisboa e Dublin, seleccionando respectivamente dois escritores emblemáticos de cada cidade: Fernado Pessoa e James Joyce. Os estudos de caso reportam-se à consideração das políticas e/ou iniciativas turísticoculturais nomeadamente no respeitante à concepção/divulgação e promoção de percursos/itinerários turístico-literários associados aos escritores mencionados. Pretende-se através da análise dos dois estudos de caso averiguar a importância deste segmento turístico em ascensão, bem como as iniciativas desenvolvidas pelas entidades turístico-culturais neste domínio. 1. Turismo literário: reconhecimento da sua importância cultural nas cidades 1.1. A relação entre turismo, cidade e cultura Turismo, cidade e cultura, enquanto área de investigação conjunta, tem vindo a ser alvo crescente de teorização por parte de vários autores (Urry 1, 1995; Ashworth 2, 2005, 1990; Richards 3, 2001, 2000; Richards e Wilson, 2007; Smith 4, 2003; Britton 5, 1991; Tunbridge 6, 2000, 2007; Howard 7, 2003). O turismo cultural definido enquanto movimento de pessoas dirigido a atracções culturais, fora da sua área de residência habitual com a intenção de obter informação e experiências para satisfazer as suas necessidades culturais (ETC, 2005), tende a constituir-se como uma zona de charneira entre turismo e cultura (Baudrihaye, 1997). 1 Tourist gaze e consumo turístico. 2 Autor de trabalhos enfatizando a relação entre património, gestão e turismo urbano. 3 Contributos sobre o turismo cultural (com especial incidência na Europa) e turismo criativo. 4 Delimitação da problemática sobre o turismo urbano e cultural. 5 Perspectiva crítica sobre a geografia do turismo. 6 Estudo sobre a geografia do património, incluindo as cidades turísticas históricas, a geografia do património e a gestão do turismo nas cidades. 7 Aprofundamento investigacional sobre a relação entre património, gestão, interpretação e identidade, com ênfase na comercialização do património e no papel dos actores envolvidos.

Esta perspectiva pressupõe que os alicerces do turismo cultural se apoiem na motivação em conhecer, pesquisar e analisar dados, obras ou factos, em suas variadas manifestações. Embora vários autores chamem a atenção para que sem cultura não há turismo (Hunziker e Krapf,1942. Apud Baudrihaye, 1997), ou coloquem a tónica no facto de que todo o turismo é cultural (Funari e Pinsky, 2005), é preciso ter presente que nem sempre cultura e turismo têm vindo a caminhar de mãos dadas. A OECD (2009, p. 17) diz-nos: Durante grande parte do século XX, turismo e cultura foram vistos fundamentalmente como aspectos separados dos destinos. Por um lado, os recursos culturais foram vistos como elementos integrantes do património cultural dos destinos, amplamente relacionados com a educação da população local e com o reforço de identidades culturais nacionais. Por outro lado, o turismo foi fundamentalmente perspectivado como uma actividade de lazer separada da vida quotidiana e da cultura da população local. Actualmente, a separação referenciada tem vindo a esbater-se fundamentalmente a partir dos anos 80, à medida que se consolida o reconhecimento da importância da cultura para o desenvolvimento económico e social de locais, regiões e países. Cultura e economia têm então vindo a tornar-se conceitos em interconexão e simbióticos apelando à efectiva valorização de sinergias e/ou cooperação entre a industria cultural e criativa, sector publico e privado, comunidade local, entre outros. A valorização desta relação está bem expressa na seguinte afirmação: Cultura e turismo têm uma relação benéfica mútua que pode fortalecer a atractividade e competitividade de regiões e países. A cultura é um elemento importante no produto turístico que é criador de distinção no mercado global. Ao mesmo tempo, o turismo providencia meios importantes para promover a cultura e criar rendimento que por sua vez pode suportar e fortalecer o património cultural, a produção cultural e a criatividade. Ao criar-se uma forte relação entre turismo e cultura pode-se ajudar os destinos a tornarem-se mais atractivos e competitivos enquanto locais para viver, trabalhar e investir (OCDE, 2009, p. 10). Aprofundar positivamente a relação entre cultura e turismo, conduz a uma abordagem integrada, onde se enfatiza a sabedoria e compromisso das comunidades locais na valorização da sua cultura. Essa valorização passa pela partilha cultural com os turistas,

numa base interactiva de fruição conjunta, enriquecendo simultaneamente a economia da região. O turismo cultural é, segundo a ECORYS (2009, p. 105), um dos maiores e de mais rápido crescimento mercados do turístico global. Simultaneamente, as indústrias culturais e criativas estão de forma crescente a ser utilizadas para promover os destinos e aumentar a sua competitividade e atractividade. Segundo dados da OECD (2009), as férias culturais cresceram de um peso mundial de 17% para 30%. Na Europa, o património cultural detém vantagem competitiva. Como assiná-la ECORYS (2009, p. 106), comparada com outras regiões mundiais, a densa oferta de património cultural na Europa é uma força-chave. Defendendo que este potencial deve ser explorado através de uma melhor promoção através dos organismos de marketing. Reconhecendo as cidades como ambientes atractivos, destaca algumas delas como os potes de mel da Europa, a ECORYS (2009, p.110), nomeadamente Paris, Londres, Roma, Berlim e Barcelona. O turismo cultural tem inserção privilegiada no espaço urbano, pelo que se constitui fundamentalmente enquanto segmento do turismo urbano. Paralelamente, evidencia taxas de crescimento crescentes e perspectivas futuras de valorização, à medida que cultura e território (cidades) se contextualizam em processos de turistificação (vide figura 1). Figura 1. Turismo, cultura e cidade: a problemática

Turistas Qualidade da experiência turística Planeamento e gestão sustentável do Turismo Turistas Turismo Turistificação do Território Turismo Cultural Turistificação da cultura Criatividade Território Melhoria condições vida Planeamento e Gestão do Território educação Cultura Valorização do património cultural Planeamento e gestão do património Residentes Qualidade vida Residentes Fonte: Henriques (2008, p.27) Também o designado turismo criativo tem vindo a destacar-se, sendo apelidado da nova geração de turismo (UNESCO, 2006). Ele oferece aos visitantes a oportunidade de desenvolver o seu potencial de criatividade através de uma participação activa em aprender experiências do destino (Richards e Raymond, 2000, p. 14). Esta definição acentua a importância do acto de consumo enquanto activo e não passivo. Ou seja, enquanto acto que envolver a acção dos consumidores, no contexto da sua respectiva valorização pessoal. Consequentemente, turismo criativo estabelece uma interacção forte entre os destinos e a dimensão educacional, emocional, social e participativa dos mesmos. Esta interacção pressupõe um compromisso e uma experiência mais autêntica com uma participação na aprendizagem das artes, do património, favorecendo a relação dos turistas com os residentes e cultura local (UNESCO, 2006). No que tange à experiência associada ao turismo criativo, Richards e Wilson (2006) põem em evidencia três, nomeadamente: espectáculos criativos, espaços criativos e turismo criativo. No respeitante ao último aspecto existe um forte apelo à participação activa dos turistas em actividades criativas, que podem constituir a base de experiências

criativas. O desenvolvimento deste tipo de turismo, pressupõe para os autores referidos, a consideração dos seguintes aspectos: clustering, existência de consumidores, comarkership, visibilidade, estimulo da confiança. É preciso ter presente que o planeamento e gestão criativos, são amplamente requisitados, muito embora exista a consciência da dificuldade da sua implementação. Em primeiro lugar porque criatividade não se pode ensinar - cria-se contra a lógica do existente; em segundo lugar porque os poderes públicos locais tendem a conviver com um conjunto de condicionantes burocráticos, legais, orgânicos, entre outros, que dificultam e/ou inibem qualquer processo criativo (Henriques, 2008, p. 33). Este reconhecimento leva-nos a circunscrever o conceito ao que Richards e Wilson (2006) designam por criatividade estrutural e derivada. Num contexto de aumento das atracções culturais e de destinos culturais, Richards e Wilson, (2007) salientam que é cada vez mais comum depararmo-nos com a criação de estruturas icónicas, megaeventos e tematização associadas a rotas de turismo cultural; clusters de turismo cultural; performing arts; pacotes de turismo cultural; festivais e eventos. Paralelamente, também se verifica progressivamente preocupações com o estímulo de novos comportamentos dos turistas (tipologias, motivações, comportamentos), com a conservação do património e organização do espaço (organização física do lugar, organização dos produtos que se vão poder adquirir e toda a logística), com a formação, com o marketing cultural, com a apresentação, interpretação e representação dos lugares como potencializadores de conhecimento e educação, entre outros aspectos. Porém, para que estas preocupações estejam consideradas nas politicas de planeamento e gestão das cidades é requisito fundamental haver uma dinâmica cultural no destino, pelo que caberá à comunidade artística um papel muito importante. O fomento do turismo cultural passa necessariamente pelo estabelecer de nexos culturais na construção da experiência turístico. Esses nexos provêem do domínio cultural e só têm sustentabilidade se a comunidade residente se sentir parte deles. 1.2. Turismo literário e cidades

A valorização crescente da relação entre turismo literário e cidades está bem patente se pensarmos em cidades europeias como Paris (Vítor Hugo), Roma (Virgílio), São Petersburgo (Dostoievski), Praga (Kafka), Dublin (Joyce), Londres (Keats), Edimburgo (Arthur Conan Doyle), Lisboa (Fernando Pessoa), e em não europeias como Nova Iorque (Arthur Miller), Cordisburgo (Gimarães Rosa), Rio de Janeiro (Rui Barbosa), entre muitas outras. A literatura (prosa, ficção, poesia e drama) pode ser considerada enquanto património (literature heritage) (Robinson e Anderson, 2003) e consequentemente um produto a ser vendido. O património literário, como elemento identitário, por excelência de uma cidade, deverá estabelecer uma articulação com outros elementos arquitectónicos, paisagísticos, artísticos, costumes, regionalismos, linguísticos, gastronómicos, entre outros, isto é, deve ter inserção na oferta e procura de turismo cultural. Porém, é preciso não esquecer que na actual sociedade pós-moderna, pós-fordista e global, muitas vezes a evocação do passado passa pela compreensão do presente. Esta vontade de compreender constitui a justificação para a preservação quer da cultura quer de práticas tradicionais enquanto elementos fulcrais de comunicação do que se é, da identidade que se representa aos outros, ou seja aos turistas. Vários autores referem que é aqui que se encontra o cerne do que designam por paradoxo da modernidade. Ou seja, procura-se simultaneamente e de forma crescente o moderno e qualquer coisa antiga, mais autêntica ou tradicional (Appadurai 1981; Cohen 1988; Edensor 2002; Gold e Gold 1995; Halewood e Hannam 2001; Lowenthal 1985; McIntosh e Prentice 1999; Urry 1991. Apud Knox, 2006, p. 256). Nesta linha de raciocínio, o turismo pode potenciar a criação de ilusões/aparências. Henriques (2008, p.33) refere aparência de leitura, aparência de que se leu o livro, de que se é culto, dando a alguns turistas a ilusão que estão a adquirir uma coisa que de facto não estão, ou seja dando a ilusão/aparência de cultura.

De facto, ao se fazer um percurso/itinerário literário não está subjacente que o livro tenha sido lido, compreendido ou mesmo tornado mais acessível. O que está apenas implícito é que, potencialmente, se está a integrar uma experiência de conhecimento e partilha que pode ser, no contexto da economia das experiências (Pine II e Gilmore, 1999) transformadora do indivíduo e consequentemente enriquecedora da sua existência. Valores como os de educação, descoberta do outro, respeito pelo património são aqui postos em relevo. Contudo, para algumas pessoas que façam o percurso/itinerário, ele pode apenas ser um momento divertido sem grande aproveitamento cultural. Esta afirmação leva então a realçar que cabe ao turista não só sentir mas também compreender a experiência que está a viver. Fazer o percurso pode contribuir para sentir e compreender melhor o livro, uma vez que sentimento e compreensão se podem interpenetrar, mesmo que de forma ténue. O pressuposto é de que sentimento pode contribuir para uma maior compreensão do livro e vice-versa. Nesta lógica, vários elementos exteriores (por exemplo, referencia dos escritores a ruas, cafés, monumentos, músicas, etc.) podem contribuir, não para uma maior compreensão do livro mas para um maior sentimento do livro. O livro funciona como o elemento integrador, em que vários elementos exteriores coincidem para lhe dar maior sentimento. No entanto, também pode ocorrer o aproveitamento de percursos culturais existentes através da sua transformação em percursos turístico-culturais, sem que dai o turista retire valor acrescentado de natureza cultural. Depende das tipologias de turistas que o destino capta e do nível de aprofundamento da experiência turísticocultural. Os escritores, nos seus textos, referenciam inúmeros elementos tangíveis e intangíveis, os quais podem ser combinados de modo a propiciar as designadas experiências turísticas transformadoras conducentes ao self development ou transformação (Pine e Gilmore, 1999), o que para Richards e Wilson (2007, p. 17-18) põe a tónica na coordenação do hardware, software e orgaware criativo e cultural.

Estas experiências culturais-criativas-literárias configuram-se sob o pressuposto de que de que a literatura pode desempenhar um importante papel na configuração do turismo cultural-criativo e no sentido do ser turista, ao mesmo tempo que valoriza não só as relações com o texto, mas também as relações para alem do texto. Como referem Robinson e Andersen (2003, p. xiv), na literatura o autor e seu leitor aproximam-se para partilhar arte - The author and the reader are closer to sharing the art. No turismo cultural/criativo, para além de turismo e cultura se associarem, associam-se também os diferentes tipos de cultura através do estabelecimento de conexões entre diferentes elementos de cultura que podem propiciar uma experiência que se quer cultural ou de património (Henriques, 2003). Na associação de elementos culturais pode residir a criatividade do turismo cultural, frequentemente referenciado como turismo criativo (Richards, 2001; Richards e Wilson, 2006). Quanto à experiência que se quer oferecer ela pressupõe um espaço identitário de vivenciamento coincidente com o desejo de (re)construir cidades a partir da literatura, que passa necessariamente por um processo comunicativo. Essa (re)construção está associada a uma multiplicidade de elementos tangíveis (monumentos, lugares, edifícios, objectos materiais) e intangíveis (histórias, sentimentos, costumes, atmosferas, linguística) e à sua respectiva valorização. Estes elementos fazem parte e simultaneamente são os sustentáculos do espírito do lugar (genius loci) e da memória desse espírito. Os elementos referidos contribuem para valorizar o espírito do lugar e sai identidade, no caso as cidades. Esse facto conduz a que o turismo se possa apropriar dos escritores e suas obras, dos seus percursos existenciais, locais e/ou casas bem como das suas personagens. Para além destas perspectivas analíticas de turismo literário ainda se destacam as feiras e festivais literários e ambientes dos salões. Como refere Xicatto (2008, p. 6) a intersecção entre literatura e turismo poderá auxiliar-nos a realizar o caminho em que a realidade imita a literatura com o intuito de criar suas paisagens turístico-literárias.

Pelo referido, e à medida que se reconhece que a cultura é um elemento identitário dos destinos, com os seus efeitos multiplicadores, com impactes no desenvolvimento económico e social dos espaços, o turismo cultural-criativo ganha relevância. Em consequência, assistimos no presente à ascensão da indústria do turismo literário associada a locais detentores do que Tomaszewski (1993. Apud Robinson e Andersen, 2003) designava por cultural property e a que, segundo Weir (2003), cada vez os escritores sejam mais lidos e os ambientes a eles associados valorizados por pessoas que muitas vezes nem leram os seus livros. 2. Turismo literário em duas cidades europeias: Lisboa e Dublin 2.1. Lisboa e Fernando Pessoa Lisboa literária associa-se a uma multiplicidade de escritores, entre os quais referimos Fernando Pessoa, Eça de Queiroz, José Cardoso Pires, António Tabucchi, Camões. Na divulgação de destinos literários encontramos Lisboa associada a todos estes marcos literários. A análise da divulgação de percursos/itinerários turístico-literários associados à cidade de Lisboa conduz-nos a considerar a disponibilização de informação por parte de não só de entidades culturais mas também turísticas. Assim, debruçarmo-nos primeiramente na análise da disponibilização de informação literária sobre escritores portugueses e especificamente sobre Fernando Pessoa num conjunto de entidades culturais, nomeadamente o Instituto Camões (IC, 2009), a Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas (DGLB, 2009), o Centro Nacional de Cultura (CNC, 2008) e o Portal da Literatura (PL, 2009). Seguidamente, analisamos o site da Câmara Municipal de Lisboa (CML), com competências a nível do planeamento, ordenamento e gestão da cidade e também da Associação de Turismo de Lisboa (ATL, 2010, 2008, 2006), enquanto entidade turística promotora da cidade de Lisboa.

O Instituto Camões (IC, 2009, p. 1), no seu centro virtual, considera percursos temáticos, apresentando um (num total de 12) ligado à literatura, designado As casas dos Escritores. Neste percurso faz-se referência à Casa Fernando Pessoa que nos remete para a cidade de Lisboa. Existem outras referencias, mas remetem-nos para outras cidades ou regiões do pais, nomeadamente a Fundação Eça de Queirós, à Casa-museu de Camilo, a Casa-museu de José Régio, à Fundação Eugénio de Andrade, à Casa Fernando Pessoa, à Rota dos Escritores (projecto centrado em sete escritores particularmente ligados à região centro do país) e ao Viajar com (da Delegação Regional da Cultura do Norte, 2009). Quanto à Direcção Geral do Livro e das Bibliotecas (2009) no que designa por sítios úteis identifica igualmente a Casa Fernando Pessoa, para além de fazer igualmente menção à Casa Museu Camilo Castelo Branco, Casa Museu José Régio, Casa- Museu Dr. Anastácio Gonçalves e Mundo Pessoa. Paralelamente também apresenta, no âmbito da promoção da leitura, o programa de promoção à leitura da DGLB, as acções de promoção à leitura/carteira de itinerâncias, leitura sem fronteiras e a hora do conto. No respeitante ao Centro Nacional de Cultura (CNC, 2008), ele apresenta um roteiro intitulado Lisboa de Fernando Pessoa, o qual agrega um conjunto de elementos da cidade e seus bairros. O facto de aqui se fazer menção aos bairros remete-nos para os bairros históricos da cidade, os quais sofreram melhorias significativas no âmbito do planeamento e ordenamento urbanos [Plano Estratégico de Lisboa (1992), Plano Director Municipal (1994) e Planos de Urbanização (1996)] desenvolvidos durante os anos 90, a par do processo de reabilitação urbana integrada (desde 1986 e mais incisivo a partir de 1995). Planeamento urbano e reabilitação urbana contribuíram para dar uma nova face a Lisboa. O CNC (2008) destaca Fernando Pessoa, enquanto poeta muito influenciado pela cidade onde viveu e veio a morrer. No site consta: Lisboa e os seus pormenores aparecem reflectidos na sua vasta obra quer no campo da poesia quer na prosa e, é com base nesses textos, que foi nascendo um roteiro proposto pelo Centro Nacional de Cultura

intitulado Lisboa de Fernando Pessoa. O roteiro agrega um conjunto de elementos da cidade tais como: Largo de São Carlos 8, Café A Brasileira 9, Basílica de Nossa Senhora dos Mártires 10, Martinho da Arcada 11, Casa Museu Fernando Pessoa 12. Destacam-se ainda bairros, ruas e praças da cidade, nomeadamente: Chiado, Rua dos Douradores, Praça da Figueira. Quanto ao Portal da Literatura (2009), ele disponibiliza de A a Z informação sobre escritores portugueses, bem como títulos de obras e pensamentos. No entanto, não disponibiliza itinerários associados especificamente a cidades ou a qualquer outro espaço. A análise das iniciativas de promoção turística da literatura através da consulta do site da Câmara Municipal de Lisboa (CML, 2009), leva à verificação de que apenas consta um percurso literário, nomeadamente do escritor Fernando Pessoa. No entanto, cabe salientar que a informação a ele relativa é pouco aprofundada. Também na agenda cultural e noutras publicações camarárias existe a referência à Casa de Fernando Pessoa. Em termos de organismos turísticos relativos à cidade de Lisboa, destaca-se a Associação de Turismo de Lisboa (ATL). A ATL, no seu site, em 2006, destinado à consulta por parte de potenciais turistas nacionais e estrangeiros, não faz qualquer referência a roteiros ou percursos literários. O que se encontra nos pontos turísticos é a sugestão de percursos a pé onde se sugerem percursos que apontam para bairros muito associados a Pessoa como o Baixa Chiado e Bairro Alto Cais do Sodré, porém não existe referência ao poeta. 8 ó sino da minha aldeia/dolente na tarde calma/cada tua badalada/soa dentro da minha alma inspirado pelo campanário da Basílica dos Martíres que avistava do prédio onde o poeta morava no largo de S. Carlos. 9 Ponto de encontro de poetas e pensadores portugueses muito frequentado pelo poeta. 10 Igreja avistada por Pessoa do prédio onde vivia no Largo de S. Paulo. 11 Foi neste estabelecimento que Pessoa escreveu parte dos seus poemas e, entre eles, os que fazem parte do livro Mensagem. 12 A casa possui uma biblioteca e um arquivo onde o visitante encontra alguns dos objectos pessoais de Pessoa onde se destaca a carta astral do escritor. Regularmente o quarto do poeta é recriado em termos cénicos. As salas da casa apresentam exposições permanentes e temporárias versando sempre os poetas, as suas vidas e obras.

Em 2008, nestes percursos pedestres recomendados, nomeadamente no referente à Baixa Chiado existe uma referência breve ao poeta 13. Em 2010, no conhecer Lisboa, percursos a pé no âmbito do percurso pelo bairro Baixa/Chiado existe uma referencia breve a Pessoa (ATL, 2010): Beba uma 'bica' ou almoce no bicentenário Café Martinho d'arcada, local frequentado pelo poeta Fernando Pessoa, e passe por baixo do neo-clássico Arco da Vitória, onde se inicia a Rua Augusta, reservada a peões. Aprecie ali o comércio das grandes 'griffes' até chegar à Praça D. Pedro IV, a que os lisboetas chamam Rossio. Também se encontram algumas referências a Lisboa literária de Fernando Pessoa em roteiros sugeridos em jornais ou revistas. 2.2. Dublin e James Joyce Dublin, enquanto capital da Irlanda, constitui-se como cidade periférica europeia. Até ao início dos anos 90, a sua imagem cultural é fraca. Porém, fundamentalmente a partir de 1995, dá-se a re-invenção ou re-criação de Dublin como um destino cultural (Quinn, 2003) apoiada num conjunto de políticas de planeamento e ordenamento do território bem como de reabilitação e regeneração urbana (projecto de Temple Bar: Temple Bar Renewal Project: 1991-1999 e Projecto HARP (Historic Area Rejuvenation Project 14, 1995-1999). A re-invenção de Dublin passa inequivocamente por uma aposta no turismo cultural por parte da Dublin Tourism 15. A cultura e suas diferentes formas de expressão são reconhecidas como detendo efeitos multiplicadores importantes na valorização da cidade. Consequentemente o património literário e musical da cidade vão ser apropriados pelo turismo. 13 Consta: beba uma bica ou almoce no bicentenário Café Martinho d Arcada frequentado pelo poeta Fernando Pessoa (in http://www.atl-turismolisboa.pt). 14 De salientar que este projecto se contextualizava como um plano integrado, com estratégias-chave que visavam: 1.expandir o investimento e os usos do solo; 2. melhorar o ambiente; 3. melhorar a mobilidade e a gestão do tráfego; 4. assegurar o desenvolvimento sócio-económico das comunidades; 5. assegurar a conservação do ambiente construído; 6. promover o turismo. 15 Agência estatal oficial com as competências de desenvolvimento, marketing do turismo na região de Dublin.

No respeitante ao património literário, ele apoia-se na tradição literária da cidade, conhecida por se associar a três prémios Nobel da literatura (Yeats, Beckett e Shaw) e a figuras proeminentes como James Joyce e Oscar Wilde. Paralelamente, do ponto de vista cultural, a pub culture e o património musical, também são valorizados. No respeitante a James Joyce e divulgação de percursos/itinerários turístico-literários a ele associados, caberá referir que num dos sites turísticos de Dublin 16 existe referência e divulgação da história literária da cidade, do autor, sua obra, bem como ao Bloomsday e ao Bloomstime. O Bloomsday reporta-se ao dia 16 de Junho. Este dia é celebrado revivendo-se o dia da personagem principal do livro Ulisses, fazendo o mesmo percurso que a personagem fez pelas ruas de Dublin. É um dia muito especial, uma vez que atrai leitores de Joyce chegados de todo o mundo. O Bloomstime envolve um conjunto de eventos de naturezas várias como simpósios, conferências, representações teatrais, exposições, percursos culturais, visitas nocturnas à cidade, entre outros 17. De salientar que no domínio cultural, antes da década de 90, já havia a tradição de leitores e admiradores da obra Ulisses se reunirem e fazerem os itinerários subjacentes ao livro. Porém este encontro circunscrevia-se ao domínio cultural. Só mais tarde essa reunião/confraternização de pessoas passou mais tarde a ter aproveitamento turístico e a ser contextualizada no planeamento e gestão públicos, à medida que esta dinâmica cultural e criativa foi posteriormente integrada pela entidade responsável do marketing e desenvolvimento turístico da cidade. 16 Vide: http://members.virtualtourist.com/m/42540/48455/4/ 17 Por exemplo, os JOYCEAN PICS 2004 envolviam: 1 Dublin IJJF Symposium "Bloomsday 100", 2 Dublin and Joyce: Bloomsday Centenary Festival, 3 Dublin and Joyce: Balloonatics Theatre Company, 4 Dublin and Joyce: Joyce's Dublin Houses, 5 Dublin and Joyce: Joyce Day Tour C, 6 Dublin and Joyce: Nighttown, 7 Dublin and Joyce: miscellanea, 8 Dublin: miscellanea, 9 Clongowes Wood College, 10 Galway, 11 Tokyo JJSJ Conference, 12 Seoul JJSK Conference, 13 Culture Tour to Yeoju and Icheon (http: //p-www.iwate-pu.ac.jp/ãcro-ivo).

No respeitante ao percurso literário efectuado pela cidade, ele é amplamente divulgado em vários roteiros turísticos da cidade e envolve um conjunto de ruas. De assinalar que os roteiros se compõem por uma multiplicidade de elementos tangíveis e intagíveis associados ao espírito do lugar (vide ICOMOS, 2008). Henriques (2008) salienta: vários elementos, de natureza distinta, articulam-se criando rede(s) simbólica(s) e semiótica(s). Estes elementos contribuem, no seu conjunto, para construir a interpretação joyceana e turística na cidade de Dublin. O roteiro Fodor s 18 sugerindo percursos em Dublin Rejoice! A walk Through Joyce s Dublin indica as seguintes ruas: Prince s Street, O Connel Street, Parnell Square, Dorset Street, Eccles Street, Gardiner Street, Great Denmark Street, North Great George s Street, Railway Street, Ormond Quay, Grafton Street, Molesworth Street, Lincoln Place. Outros roteiros de Dublin literária fazem igualmente referência a imprescindíveis literários 19. No que tange apenas a Joyce os imprescindíveis mais destacados são: estátua de James Joyce, Pub Egan s, Pub Davy Byrne, Grafton Street, Itinerário de Ulisses 20 ; Torre Martello, Dublin Writters s Museum 21, Colégio Belvedere, ruas, Hotel New Ormond, Jornal Freman s, National Library, Farmácia Sweny s. Destaca-se ainda o James Joyce Center, James Joyce Tower, James Joyce House e James Joyce Bridge. A importância cultural e literária da Dublin de Joyce é uma realidade que capta cada vez mais interesse, não sendo de estranhar o aumento da oferta de cursos destinados a quem quer aprofundar o seu conhecimento de Ulisses. Por exemplo, o Duchesne College (University of Queensland) oferece cursos (de Verão) que são visitas guiadas ao livro Ulisses 22. 18 Vide: http://www.fodor s.com/miniguides 19 Vide: http.//www.el-mundo.es 20 A jornada apelidada Bloomsday inicia-se em Middle Abbey e termina em Kildare Street. Há sinais nas baldosas que indicam a página em que essa parte da cidade está mencionada no livro. 21 O museu possui edições, documentos e objectos de grandes escritores irlandeses como Yeats, Swift, Shaw, Beckett, Stocker, Joyce. 22 No programa de um dos cursos consta: No coração da Escola de Verão está uma série de seminários, nos quais, com a contribuição de guias turísticos experimentados, iremos progressiva e colectivamente descobrir através da leitura o nosso caminho ao longo de uma parte substancial do livro, corporizando as características dos personagens, da cidade e das acções, bem como do catálogo de invenções estilísticas, pelas quais Joyce faz reviver tudo isto. Esta visita guiada através do livro irá envolver discussões,

3. Conclusão O turismo literário constitui-se enquanto segmento do turismo cultural e tem vindo a ganhar crescente importância. Este tipo de turismo tem inserção privilegiada nas cidades, nomeadamente naquelas onde a dinâmica cultural é tradicionalmente maior. De facto, no contexto de processos como os da turistificação da cidade e da cultura, também a literatura, enquanto património cultural tende a ser apropriada pelo turismo, enquanto elemento de identidade e do genius loci das cidades. De salientar que o património literário, no contexto do seu aproveitamento turístico, se alicerça numa multiplicidade de elementos tangíveis e intangíveis referidos no livro ou que nos reportam á vida e obra do autor em referência. Ou seja, apoia-se numa rede de elementos integradores de uma rede simbólica e semiótica que contribui para a interpretação do que dada cidade é e representa. Os elementos da rede podem ser quer elementos urbanístico-patrimoniais da cidade (como por exemplo ruas, pontes, monumentos, etc), literários, estatuários, musicais, entre muitos outros. Todos eles se conjugam para a cidade se conhecer melhor e se dar a conhecer aos seus visitantes, entre os quais os turistas. A consideração de duas cidades Lisboa e Dublin - e da divulgação/promoção de percursos/itinerários associados respectivamente a Fernando Pessoa e James Joyce com valências turísticas, conduz-nos a verificar que Dublin se encontra numa etapa mais avançada de turismo literário. Em Lisboa os percursos temáticos com valências turístico-culturais-literárias são em número restrito e com fraca integração em redes culturais-turísticas com visibilidade, tal como atesta a consideração de um conjunto de sites de entidades culturais. conversas, música, e as vistas e sons da Dublin de hoje e de 1904 (in http://www.emsah.uq.au/conferences/joyce).

Nesta cidade, estão ainda a ser dados os primeiros passos no estabelecimento mais sistemático de um debate sobre a memória da cidade com base nas narrativas de escritores procurando potencializar a vertente do turismo cultural-criativo. A integração de itinerários literários na dinâmica sócio-económica da cidade está ainda numa fase inicial, estando ainda muito circunscrita ao domínio cultural, como se pode verificar na apreciação do site do CNC, entidade cultural da cidade. Como se verifica, embora no domínio restrito dos académicos da literatura ou de algumas entidades culturais nacionais existam itinerários associados a Fernando Pessoa, quando se remete para o seu aproveitamento por parte da indústria turístico-cultural ou pelas entidades turísticas ou camarárias, ele é muito restrito, coincidente com fluxos muito restritos para os locais e elementos (tangíveis e intangíveis) referenciados pelo escritor. Em Dublin, a realidade do turismo literário é substancialmente diferente. Os itinerários associados a James Joyce deixaram de estar apenas circunscritos ao domínio cultural e passaram a ser referenciados no marketing turístico da cidade. De reter que o Bloomsday e o Blomstime captam um número importante de pessoas interessadas na ambiência cultural da cidade. O próprio facto do planeamento e gestão da cidade ter apostado no aumento da organização de eventos associados a este escritor revela a aposta na cultura e no património literário como elemento identitário da cidade. Os cursos de Verão sobre a obra Ulisses de Joyce e outras iniciativas revelam todo um conjunto de elementos tangíveis e intangíveis que se estruturam num olhar sobre a cidade, numa narrativa sobre aquilo que a cidade. 4. Referências ASHWORTH, G., Managing the Cultural Tourist, in Ashworth, G., Dietvorst, A., (ed.), 1995, Tourism and Spacial Transformations Implications for Policy and Planning, Cab International, pp.265-284, UK, 1995 ASHWORTH, G., Tourist-Historic City, Belhaven Press, 1990

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