despertar da arte grega



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2 O despertar da arte grega A cultura grega, ao contrário da tradição de outras civilizações antigas, valorizava extremamente o homem e, por esse motivo, até mesmo os deuses passaram a ser representados com formas humanas. marcokenya/shutterstock 1 Civilizações em trânsito Desde o terceiro milênio antes da era cristã, as relações entre os povos que ocupavam as regiões do Oriente Próximo, norte da África e Europa mediterrânea começaram a se estreitar, principalmente por rotas marítimas, nas águas dos mares Mediterrâneo, Egeu, Negro e Adriático. As penínsulas grega e italiana, bem como algumas localidades mais a ocidente, integraram-se cada vez mais ao ritmo das sociedades já constituídas no Oriente, dando início a um processo ainda inédito de circulação de pessoas, bens materiais e ideias. Estabelecia-se, então, uma intensa relação de troca entre os diversos povos e culturas, possibilitando, até mesmo, que se definissem os traços de nossa cultura ocidental. A movimentação dos povos naquele período foi motivada principalmente por interesses comerciais e territoriais. No entanto, um resultado natural desse movimento foi a transmissão de modelos culturais e artísticos, o que nos permite identificar aproximações entre as produções das mais diversas localidades. A apropriação desses modelos, bem como do trabalho dos artistas e suas obras, caracteriza, portanto, um dos aspectos mais importantes para a compreensão da arte que surge nesse contexto. Os gregos foram os motivadores dessa expansão cultural e artística e, antes deles, as civilizações de Creta e Micenas também influenciaram a chamada arte ocidental. A ilha de Creta localiza-se no Mediterrâneo oriental e abrigou uma sociedade com grande habilidade para a navegação e para o comércio, além de dominar a olaria, a ourivesaria e a cerâmica. A forma de governo era uma monarquia palaciana controlada por reis-sacerdotes, inspirada no modelo egípcio. No que diz respeito às crenças, porém, ainda que o rei fosse o sacerdote, eles adoravam a deusa-mãe, que representava o princípio feminino da fecundidade e era protetora dos lares. Fato compreensível em sociedades nas quais a maioria dos homens está envolvida com viagens e atividades comerciais, ficando, portanto, muito ausente do cotidiano da população. Se comparados aos palácios egípcios, as construções cretenses podem ser consideradas modestas. Do palácio mais famoso, erguido na cidade de Cnossos, há vestígios de painéis de pinturas murais. Nas construções, destaca-se o estilo de representação presente nas pinturas: com temática predominantemente marítima, os artistas empregaram uma representação naturalística, com forte ênfase linear que se manifesta nos contornos e ritmos ondulados das figuras. À linearidade dos traços, os cretenses acrescentaram cores puras e vivas, o que ainda hoje é motivo de admiração. As imagens cretenses, leves e graciosas, constituem uma importante herança dessa civilização às culturas que a sucederam. Figura 1 Numa busca pela perfeição, o artista grego cria uma arte intelectual em que predominam o ritmo, o equilíbrio e a harmonia. 12

ZZ1969/Shutterstock A B Kardmar/Shutterstock Figura 2 (A) Interior do palácio de Cnossos, ilha de Creta, 1600 a.c.; (B) Porta dos Leões, Micenas, c. 1300-1250 a.c. A decoração interna do palácio de Cnossos, vivamente colorida, com as delicadas cenas marítimas que caracterizam a arte figurativa cretense, contrasta com o rigor arquitetônico da Porta dos Leões, em uma muralha em Micenas. Forma construtiva característica daquele povo guerreiro, o elemento que traduz certa sensibilidade é o detalhe com dois leões esculpidos e voltados para uma coluna cretense. A civilização micênica desenvolveu-se em uma pequena cidade próxima à costa do mar Egeu. Dirigida por uma aristocracia militar e expansionista, essa civilização invadiu a ilha de Creta, absorvendo sua experiência cultural e artística. Além de Creta, os exércitos micênicos alcançaram a costa meridional italiana e a ilha da Sardenha, onde foram encontrados vestígios de sua civilização (cerâmicas, figuras votivas em terracota, ruínas arquitetônicas). Ao contrário dos cretenses, a civilização guerreira de Micenas imprimiu em sua arquitetura o sentido de força e defesa, empregando técnicas construtivas que originaram monumentos pesados e robustos, com destaque para os túmulos onde eram enterrados os reis-guerreiros. Em seu interior, além das ricas peças em ouro que acompanhavam o rei morto (joias e máscaras), a comunidade guardava os preciosos butins de guerra obtidos em suas campanhas. Essa circulação de homens e culturas intensificou-se após a formação dos povos gregos, que se disseminaram rapidamente para o Oriente e para o Ocidente. Os artistas gregos tinham liberdade para circular por onde pudessem encontrar trabalho, atendendo, muitas vezes, a demandas específicas de um mecenato que tendeu a se diversificar entre o século VI e as últimas décadas do século II a.c., momento em que a civilização grega sucumbe ao poder de Roma. A circulação de artistas gregos pelo mundo antigo favoreceu a constituição de um vocabulário de formas, que permanece como referência fundamental para a arte e para a arquitetura ocidentais até os dias de hoje: a tradição clássica. Butim: conjunto de bens materiais e de escravos, ou prisioneiros, que se toma ao inimigo no curso de um ataque, de uma batalha, de uma guerra. Mecenato: apoio econômico oferecido por um patrono a artistas, cientistas ou desportistas. Desde os primeiros tempos romanos, o termo clássico esteve associado ao termo modelo, atribuído a algum tipo de produção artística ou literária. Para a tradição ocidental, clássico assumirá sentido de modelo exemplar, sugerindo um conjunto de regras necessárias para se atingir a perfeição. A palavra remete, igualmente, à ideia de permanência, de estabilidade e de adequação a todo tempo e lugar. Na arte, o termo está associado à experiência estética vivida na Grécia, sobretudo no século V a.c. O termo classicismo refere-se aos outros momentos e situações em que o vocabulário e as regras de composição clássica, nascidas da experiência histórica grega, são recuperados e adaptados a outras condições históricas. Chamamos, assim, de classicismo o que vai acontecer na Itália do Renascimento, na França revolucionária e no Brasil imperial, por exemplo. 13

Figura 3 Os exemplos permitem visualizar as diferenças entre as decorações dos vasos gregos, de acordo com os estilos adotados. (A) Vaso no estilo geométrico, c. 675 a.c., encontrado em Creta. (B) Vaso no estilo de figuras negras, 540 a.c. (C) Vaso no estilo de figuras vermelhas, 515 a.c. Danilo Ascione/Shutterstock Jastrow/Musée du Louvre, Paris (França) A B 2 As bases do despertar da arte grega O ritmo das transformações da arte grega ao longo de tantos séculos (VIII-II a.c.), espalhada por tantas regiões e em contato com tantas culturas distintas, foi muito diverso. Como legado daquela civilização, destaca-se a mudança de perspectiva na representação das formas artísticas de uma arte mais rígida e esquemática para aquela que busca inspiração na postura naturalista de representar as coisas. Podemos afirmar que a dimensão humana substituiu a dimensão divina e isso se traduziu muito claramente na busca da simplicidade e da harmonia em todas as composições da arte grega, ainda que os propósitos religiosos continuassem a orientar grande parte dessa produção. Isso fez uma grande diferença para a arte e para arquitetura daquela civilização, pois já não veremos construções e monumentos colossais, ainda que muitos templos sejam imponentes. Podemos dizer que os gregos passaram a se orientar pelo olhar para elaborar as formas artísticas, buscando fazer com que as imagens parecessem mais vivas, numa representação direta da realidade. O início das artes pictóricas Contrastando com o mármore branco, as estátuas vivamente coloridas e a decoração mural dos edifícios públicos transformavam os templos em recintos de grande esplendor. Objetos do dia a dia (louças, placas de madeira, pedra ou metal, tecidos e tapeçarias) eram enriquecidos por imagens pictóricas. Os vasos de cerâmica constituem importante fonte de referência para os estudos da iconografia grega antiga. Em pequenas e irregulares superfícies, neles eram representados fatos religiosos ou mitológicos, histórias legendárias e épicas, bem como cenas da vida e dos costumes. Os exemplares mais antigos, datando de c. 900-700 a.c., pertencem ao chamado período geométrico. São vasos de variados formatos e tamanhos, geralmente destinados à guarda de vinho ou azeite, com decoração zoomorfa, posteriormente acrescida de figuras humanas, sobre fundo geométrico. Museu Nacional, Atenas (Grécia) C Jastrow Figura 4 Corinto e Atenas foram as cidades que mais produziram pinturas sobre painéis de diversos materiais. Esta placa votiva coríntia data de c. 540 a.c., é de madeira policromada, está no Museu Nacional de Atenas e mostra alguns praticantes devotos aproximando-se de um altar. Note as inscrições pintadas na placa, que trazem os nomes dos praticantes e também do artesão que a confeccionou. A presença de assinaturas nas obras de arte é uma questão complexa na arte antiga, aparecendo de forma intermitente. 14

A evolução da pintura em vasos mostra que, entre os séculos VII e VI a.c., o estilo geométrico deu lugar ao estilo com figuras pretas. Pintadas sobre o fundo rosado da argila cozida, as figuras pretas eram obtidas por meio do emprego de um fino verniz à base de óxidos de ferro, que escurecia após breve período de queima do vaso. O rosto das figuras femininas, porém, era pintado com verniz branco. No fim do século VI a.c., também encontramos exemplares pertencentes ao estilo com figuras vermelhas, ou seja, da própria cor do vaso, com o fundo pintado de preto. Além da pintura em vasos e recipientes de cerâmica, a partir do século VII a.c. registram-se também pinturas realizadas em métopas, com temas mitológicos. Na Anatólia ocidental, região também influenciada pela arte grega, ainda é possível vermos restos de pinturas murais, mais uma forma de arte pictórica na estendida Grécia Antiga. Fazem parte, ainda, desse grande acervo os painéis pintados em argila, bronze, pedra e madeira, com fins votivos ou funerários. Os primeiros passos da escultura A arte escultural grega pode ser encontrada sob forma de grandes esculturas e painéis de relevos nos templos e estatuetas e placas feitas de metais preciosos, marfim, bronze, madeira e terracota, estas produzidas por escultores motivados por um forte e poderoso mecenato. Sua função era, basicamente, religiosa, podendo ser dividida em subcategorias: esculturas de templos, votivas e funerárias. No entanto, a maior parte dessa rica e numerosa produção artística foi destruída pelas civilizações que sucessivamente ocuparam o território grego após a sua incorporação ao Império Romano. Além disso, muitas peças eram feitas de materiais valiosos (ouro, bronze, marfim ou prata) e acabaram sendo objeto de roubo ou butim. A chamada fase arcaica da arte grega estende-se de 625 a 480 a.c., aproximadamente. Essa fase apresenta esculturas ainda muito submetidas a esquemas e fórmulas, o que, para alguns especialistas, era uma maneira de compensar o momento de instabilidade da vida na Grécia. Os exemplos mais citados dessa fase escultórica grega são as imagens de Kouros e Kore, das quais ainda existem alguns exemplares, e que estavam destinadas à decoração de monumentos funerários ou espaços de devoção. A nudez do corpo masculino dos Kouroi (plural de Kouros, que significa moço, homem jovem ) revela como essas figuras guardam a rigidez, a frontalidade e o esquematismo das estátuas egípcias. Já as Korai (plural de Kore, que significa moça ), representadas vestidas, apesar do modelo frontal, permitem admirar a beleza dos panejamentos e dos finos traços de seus rostos. Nessa época, a elite se valia da arte para seus objetivos pessoais. Os gregos encomendavam imagens femininas e masculinas e relevos diversos inspirados em si mesmos e em membros de suas famílias, fazendo com que esses trabalhos fossem reconhecidos pela referência direta a sua família ou que proclamassem sua riqueza, brilhantismo e piedade diante das divindades e de sua cidade e não mais exaltassem os deuses ou governantes. Ricardo André Frantz/Museu Arqueológico Nacional de Atenas (Grécia) Métopa: termo que designa uma das partes do friso decorativo que compõe o entablamento de um templo. Entablamento é o nome que se dá à estrutura horizontal colocada acima das colunas de um edifício. Panejamento: o termo é usado para nomear a representação dos tecidos que vestem as figuras pintadas ou esculpidas, assim como o caimento, as dobras, pregas e o efeito dos panos que o artista procura reproduzir. Figura 5 As estátuas dos Kouroi marcam o início do desenvolvimento do nu masculino na arte grega, gênero que se tornaria central na escultura da Grécia Antiga. Em geral, sua figura é jovem, sedutora, traduzindo felicidade e beleza. Também as Korai refletiam essa condição, para a qual contribuiu a descoberta dos escultores gregos de elevar os cantos dos lábios e dos olhos, produzindo um efeito de alegria na fisionomia da personagem. As figuras femininas, porém, raramente seriam representadas nuas na arte grega. Museu da Acrópole, Atenas (Grécia) 15

3 O despertar da arte grega e a pólis Os antigos gregos não tinham obsessão da vida após a morte, mas preocupavam-se com o conforto de sua existência terrena e sempre buscavam imortalizar suas próprias ações e crenças por meio da arte. Essa valorização do humanismo e do tempo presente foi o alicerce para o desenvolvimento do pensamento grego clássico, o qual iria inspirar a civilização ocidental, tal qual a conhecemos hoje. A organização e o fortalecimento das cidades-estado gregas, as pólis, facilitaram esse desenvolvimento, e a cidade de Atenas é um caso emblemático, cujo papel é incomparável na história da evolução das formas artísticas dessa civilização. Ao longo dos séculos, muitos escritores e estudiosos têm atribuído o alto grau de desenvolvimento da arte e da arquitetura na Grécia Antiga, sobretudo seu período clássico ateniense, ao clima favorável que reinava na península e à beleza incomparável de seus habitantes. Esse nível de perfeição também era associado ao equilíbrio político e social alcançado na pólis, após a instituição da democracia ateniense. É certo que, a partir de 480 a.c., com a vitória dos gregos sobre os persas e a posição de supremacia alcançada por Atenas entre os povos gregos, a cidade se destaca. Seu momento de ouro, porém, aconteceria durante o governo de Péricles, a partir dos anos 460 a.c. Péricles foi responsável pelo projeto mais ambicioso da história da Grécia Antiga: a reconstrução da Acrópole, um dos maiores símbolos da superioridade ateniense. Durante esse período, Atenas tornou-se o berço de uma das maiores revoluções que a história da arte já registrou, com sinais evidentes na arquitetura, tanto quanto nas obras pictóricas e escultóricas. Sua principal manifestação é a descoberta das formas naturais e do escorço. O governo democrático instalado em Atenas deu continuidade, em certo sentido, ao mecenato estatal já atuante desde o período arcaico, quando os chamados tiranos, governantes dos diversos reinos gregos, investiam na construção de monumentos e encomendas de obras de arte. Algumas mudanças, porém, serão emblemáticas dessa nova fase da arte grega: as descobertas que revolucionaram a representação pictórica, a formulação de um vocabulário arquitetônico clássico e, finalmente, uma nova concepção a respeito da arte e do papel do artista na sociedade. A partir daí, percebemos que os artistas e o público passam a reconhecer o valor artístico das obras, e não apenas sua adequação às funções a que estavam destinadas. A arte torna-se, então, um assunto de debates entre os filósofos e gregos educados em geral, dando início à tradição de escritos sobre arte, base de toda a historiografia artística ocidental. Inaugurando o clássico No plano da representação, os artistas gregos da fase clássica, situada cronologicamente entre 480 e 330 a.c., vão desenvolver maneiras de alcançar uma representação ideal da forma humana. Partindo da observação da realidade, o objetivo será alcançar o belo ideal por meio de fórmulas e regras geométricas que evitassem o supérfluo, mantendo apenas o essencial de cada forma. A intenção, portanto, não era representar a realidade tal qual ela se apresentava aos seus olhos, mas criar, a partir dela, uma forma ideal. Acrópole: o termo designa a área sagrada da cidade grega, erguida em seus pontos mais altos e onde estão concentrados os santuários para o culto às divindades. Contrapunha-se à ágora, parte baixa da cidade, onde se desenrolava a vida cotidiana social, mercantil e política. Escorço: forma de representar a figura humana ou qualquer objeto, lançando mão das leis da perspectiva. O objetivo dessa técnica é criar a impressão de tridimensionalidade da figura. Figura 6 Cópia romana do Doríforo, de Policleto (mármore, c. 450 a.c.). Policleto alcançou equilíbrio e ritmo em suas esculturas. Grande estudioso da anatomia humana, elaborou um conjunto de regras de proporções com base na relação entre as diversas partes do corpo. O Doríforo resulta da aplicação dessas regras, cujo ritmo sugerido pela inclinação da cabeça e pela flexão da perna não compromete a tranquilidade da figura. A linha levemente sinuosa que percorre a escultura verticalmente equilibra-se com as curtas horizontais, que garantem a proporção entre suas diferentes partes. bip 16

Urban/British Museum, Londres (Inglaterra) Figura 7 Fragmento do friso norte do Partenon, c. 447-433 a.c., oficina de Fídias. A partir do século V a.c., os artistas gregos pretendiam demonstrar o domínio sobre o movimento, resultando numa arte que podia não se preocupar com a representação de todos os elementos de uma cena, como faziam os egípcios, mas selecionar um ponto de vista e, a partir dele, compor a cena. Como se pode perceber neste relevo, a naturalidade da composição obriga o escultor a sobrepor imagens, a omitir determinados aspectos e ângulos dos elementos, para garantir o aspecto real da cena. Para alcançar esse resultado, os artistas buscaram romper com o rigor egípcio e valorizar o naturalismo em suas obras. Podemos dizer que o artista grego desistiu de fazer com que sua obra fosse uma síntese de tudo o que existia, com todos os objetos claramente representados, em suas formas mais características. Ao contrário, o artista grego permitia- -se a liberdade de escolher o que iria privilegiar em sua representação, assumindo um ponto de vista a partir do qual realizaria sua composição. Seria incorreto, porém, afirmar que a escultura grega clássica nada manteve das antigas regras. Muito de sua grandeza e força se deve à observância das antigas fórmulas de representação, sobretudo quanto à clareza didática das partes do corpo humano. A diferença, no entanto, estava em que, para os gregos, essas regras não significavam proibição à sua liberdade. A exigência de se evidenciar a estrutura do corpo, por exemplo, levou os artistas gregos a estudar a anatomia humana, alcançando um nível que nos permite imaginar os movimentos dos ossos e músculos sob a roupagem das figuras. A linguagem clássica, como se vê, manifesta esse equilíbrio entre a adesão às regras e a liberdade de criação dentro dessas mesmas regras. A partir do século V a.c., percebemos o domínio total da perspectiva, do movimento e do escorço, elementos que o artista grego controlava, de acordo com suas próprias intenções e expectativas. Esta é mais uma característica do período: os artistas não se prendiam às regras já estabelecidas, buscando soluções pessoais e, muitas vezes, contrárias àquelas impostas por seus contemporâneos. Um caso emblemático desse embate é o que opõe os escultores Praxíteles e Lísipo, ambos atuantes no século IV a.c. Praxíteles criou o tipo antiatlético, alcançando grande naturalismo e leveza em suas figuras de deusas e deuses. Introduziu na escultura grega um conceito mais sensual da beleza física, obras hoje apreciadas em cópias romanas, importantes referências dessa liberdade defendida pelo escultor, em nome de uma escultura que rompesse com a impressão de rigidez e falta de vitalidade. Tal liberdade, porém, parece não ter agradado a Lísipo, que condenava, 17

Marie-Lan Nguyen/Museo Pio-Clementino, Roma (Itália) National Museum of Rome, Roma (Itália) A B C especialmente, a displicência e indolência das formas adotadas por Praxíteles. Suas esculturas resultam de uma grande investigação sobre o movimento e sobre a figura articulada no espaço. Ainda que suas regras sejam mais livres em relação às de Policleto, Lísipo manteve a articulação centralizada das diferentes partes do corpo humano. A progressiva aproximação da realidade não significou que os artistas houvessem desistido de buscar a expressão dos valores universais de perfeição e beleza. Por isso, mais do que pensar em uma cópia da aparência real dos objetos e figuras humanas, é preciso considerar a noção de verossimilhança. A famosa escultura do Discóbolo de Míron permite entender a questão. Apesar de o original ter se perdido, várias cópias dessa obra podem nos dar uma ideia do cuidado de Míron ao representar o movimento do atleta no momento de lançar o disco. Como vimos, o domínio do movimento faz parte das conquistas da arte clássica grega, possível a partir de uma série de outras descobertas, tais como a representação em escorço e o estudo aprofundado do corpo humano. Por isso temos essa impressão de um realismo absoluto ao admirar o Discóbolo, que se confunde com a própria realidade observe o cuidado de Míron ao representar o movimento do atleta no momento de lançar o disco. Somos levados a crer que qualquer atleta, para lançar um disco, deve se colocar nessa posição. A escultura de Míron seria, assim, um modelo universal; no entanto, algumas considerações devem ser feitas. A primeira delas chama atenção sobre as permanências das preocupações da estatuária antiga, que faz com que o artista mostre o corpo do atleta segundo os planos visuais mais característicos de suas partes: o tronco em vista frontal, braços e pernas, em vista lateral. No entanto, em vez de adotar essas regras de maneira esquemática e rígida, Míron usou um modelo para compor a cena e adaptou-a livremente para obter a sensação do corpo em movimento, sem perder a clareza da composição. Por isso, não se deve considerar se o movimento do Discóbolo é o mais adequado para quem deseja aprender a lançar um disco, mas que, ao combinar regras antigas e novos procedimentos, Míron alcançou a perfeita representação do movimento, ideal das obras de arte gregas. A partir do século V a.c., portanto, podemos afirmar que uma verdadeira revolução aconteceu no mundo da arte, traduzida pelo apego dos gregos à realidade, ao humanismo e à razão. Desde então, a tradição artística e o pensamento ocidentais têm recuperado, de tempos em tempos, a herança dessa revolução e seus resultados, adaptando-a aos seus próprios interesses, necessidades e condições. Staaltliche Atikensammlungen UndGlyptothek, Munique (Alemanha) Figura 8 (A) Afrodite, deusa do amor e da beleza, aparece pela primeira vez nua, em um trabalho de Praxíteles. O que vemos é uma das muitas cópias existentes dessa escultura, mas podemos bem perceber o ritmo imposto pelo escultor à figura da deusa. O mesmo ocorre com Hermes, submetido a uma pose sinuosa, descentrada em relação ao eixo vertical. O naturalismo perseguido por Praxíteles causa instabilidade na figura, que precisa de um apoio para compensá-la. (B) As preocupações de Lísipo estão claramente traduzidas nessa escultura: articulação da figura com o espaço (destaque para os braços projetados para a frente), equilíbrio garantido pelo pé esquerdo firmemente apoiado no chão, e o corpo que se articula mais livremente em relação ao eixo central da figura. As pernas, mais longas que o tronco, produzem um efeito geral de elegância e esbelteza. (C) Discóbolo, de Míron (cópia romana em mármore, século V a.c.). 18

ATIVIDADES 1 Explique a revolução ocorrida na arte grega, a partir do século V a.c. 2 (UFMS) Sobre a arte grega, assinale a alternativa correta. a) A estatuária grega representa os mais baixos padrões técnicos e estéticos já atingidos pelo homem. b) As pinturas dos vasos gregos representavam apenas pessoas mortas. c) No período arcaico, os gregos começaram a esculpir, em mármore, grandes figuras de homens. d) A característica mais evidente dos templos gregos é a assimetria entre o pórtico de entrada e as janelas. e) Os principais monumentos da arquitetura grega são os templos, as praças e os aquedutos. Exercícios complementares 3 (U. F. São Carlos-SP) Há muitas maravilhas, mas nenhuma é / tão maravilhosa quanto o homem. / [ ] / Soube aprender sozinho a usar a fala / e o pensamento mais veloz que o vento / e as leis que disciplinam as cidades, / e a proteger-se das nevascas gélidas, / duras de suportar a céu aberto [ ] SÓFOCLES. Antígona. Tradução de Mário da Gama Kury. Rio de Janeiro: Zahar, 1993. p. 210-211. O fragmento transcrito, apresentação do Coro de Antígona, drama trágico de autoria de Sófocles, manifesta uma perspectiva típica da época em que os gregos clássicos: a) enalteciam os deuses como o centro do Universo e submetiam-se a impérios centralizados. b) criaram sistemas filosóficos complexos e opuseram-se à escravidão, combatendo-a. c) construíram monumentos, considerando a dimensão humana, e dividiram-se em cidades-estados. d) proibiram a representação dos deuses do Olimpo e entraram em guerra contra a cidade de Troia. e) elaboraram obras de arte monumentais e evitaram as rivalidades e as guerras entre cidades. 4 Desenvolva uma ideia relacionada a cada um dos itens seguintes, sobre o despertar da arte grega. a) arte e cidade-estado; b) naturalismo; c) humanismo. 5 Segundo o filósofo Sócrates, os artistas deveriam, em suas obras, representar a grande atividade da alma, observando como os sentimentos afetam o corpo em ação. Qual das alternativas a seguir indica a maneira como os artistas gregos atenderam à demanda do filósofo? a) Mantendo-se fiéis às formas de representação egípcias. b) Representando o corpo humano de maneira naturalista. c) Respeitando regras e métodos de representação. d) Representando apenas os rostos das figuras, para enfatizar a fisionomia. e) Inserindo textos explicativos nas imagens. Vá em frente Leia BENDALA, Manuel. Saber ver a arte grega. São Paulo: Martins Fontes. Volume que expõe, em linguagem simples e agradável, detalhes a respeito da organização histórica e das atividades artísticas e arquitetônicas na Grécia Antiga. Acesse http://www.theacropolismuseum.gr/?pname=home&la=2 (acesso em 10 mar. 2011) Site oficial do Museu da Acrópole, em Atenas, que disponibiliza imagens de seu acervo, com obras oriundas dos templos da Acrópole. http://www.namuseum.gr/ (acesso em 10 mar. 2011) Site oficial do Museu Nacional Arqueológico de Atenas, Grécia. Considerado um dos maiores museus do mundo com acervo de arte grega antiga. Nele podemos acessar, também, obras de arte de outras civilizações antigas, como a arte micênica. 19