APONTAMENTOS SOBRE A LEITURA: HISTÓRIA, IMPORTÂNCIA E O TRABALHO REALIZADO NA ESCOLA Caroline Sanchez Massuia (FCT Unesp Faculdade de Ciências e Tecnologia Júlio de Mesquita Filho) Renata Junqueira de Souza (orientadora) (FCT Unesp Faculdade de Ciências e Tecnologia Júlio de Mesquita Filho) Apoio Financeiro: FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo) Atualmente é inegável a importância da leitura na sociedade moderna. Por meio da leitura as pessoas podem se informar, adquirir novos conhecimentos, se distrair e, além disso, o leitor adquire autonomia para fazer suas próprias interpretações de mundo e da realidade. Sendo assim, o presente trabalho tem como objetivo refletir sobre a história da leitura, atentando-se para as mudanças ocorridas ao longo dos anos nas maneiras de se ler, e como a leitura tornou-se um instrumento importante para a conscientização dos indivíduos. Também será realizada uma reflexão sobre o trabalho realizado com leitura nas escolas, que é um espaço privilegiado para formação do leitor, pois sabe-se que muitas crianças só tem contato com a leitura dentro da escola. E ao final serão feitas algumas considerações sobre a leitura dos professores e como esta é trabalhada durante a formação dos educadores. Palavras chaves: Leitura, formação do leitor e letramento. 1
APONTAMENTOS SOBRE A LEITURA: HISTÓRIA, IMPORTÂNCIA E O TRABALHO REALIZADO NA ESCOLA INTRODUÇÃO O ato de ler não surgiu do nada, foi construído lentamente ao longo da história, foi surgindo de acordo com a necessidade das pessoas, que passaram a registrar aos poucos aquilo que não poderia ser esquecido. A maneira das pessoas lerem e fazerem seus registros escritos também foi mudando com o tempo, tornaram-se mais simples e práticas, também se tornaram mais fáceis de serem aprendidas e, além disso, passou a ser ensinada para mais pessoas ao longo dos anos. Souza (1992) aponta que a escrita teve um papel muito importante na sociedade, possibilitou que mensagens fossem transmitidas de geração para geração, e de diversos lugares. E por meio da leitura estas mensagens podem ser compreendidas, mas uma única mensagem não é compreendida da mesma forma por diferentes pessoas. A compreensão não depende apenas do que está escrito, ela depende das experiências vividas e dos conhecimentos prévios do leitor, que interpreta o escrito da sua maneira. Muitas crianças não possuem contato com a leitura e com a literatura em suas casas e outros ambientes fora da escola. É neste local que essas crianças conhecem os diferentes materiais escritos e suas diferentes funções. Com isso cabe à escola ensinar às crianças a importância da leitura, em diferentes situações, e como esta pode auxiliar na vida cotidiana, além disso como a leitura pode representar uma forma de lazer e distração. Muitas pessoas ao tentar conceituar leitura caem no conceito de decodificação (ao decodificar os sinais escritos, a pessoa está lendo), mas diferentes autores tratam da leitura como algo mais amplo e complexo. A leitura é um processo riquíssimo que não cabe em conceituações restritivas. Considerá-la simples decodificação de sinais providos de sentido próprio não basta. Há que se encarar o leitor como atribuidor de significados; e nessa atribuição, leva-se em conta a interferência da bagagem cultural do receptor sobre o processo de decodificação e interpretação da mensagem. (SOUZA, 1992, p.2). É importante para o aluno que a escola tenha a preocupação de trabalhar com diferentes tipos de texto, que tenham diferentes funções (informar, distrair, ensinar, etc.) dessa forma a criança vai se familiarizando com estes materiais e passa a incorporá-los em seus dia-a-dia. 2
Ao ensinar leitura para crianças é preciso mostrar à elas que cada texto transmite uma mensagem e informação, e que ao ler, esta criança poderá fazer sua própria interpretação autonomamente, sem precisar de ninguém para ajudá-la. O significado de um texto também depende do leitor, o texto em si possui um significado (dado pelo autor), mas para Solé (1998) o leitor também constrói o significado do texto que lê, pois compreende a partir de suas próprias experiências, expectativas e conhecimentos prévios. Nas palavras da autora: Para ler necessitamos, simultaneamente, manejar com destreza as habilidades de decodificação e aportar ao texto nossos objetivos, idéias e experiências prévias; precisamos nos envolver em um processo de previsão e inferência contínua, que se apóia na informação proporcionada pelo texto e na nossa própria bagagem, e em um processo que permita encontrar evidência ou rejeitar as previsões e inferências antes mencionadas (SOLÉ, 1998, p.23) Um desafio da escola consiste em ensinar os alunos a ler corretamente, sabe-se que a leitura é extremante importante para se ter autonomia nas sociedades letradas, é também inegável a desvantagem das pessoas que não possuem esse aprendizado. No Brasil, segundo uma pesquisa realizada pelo Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas) e publicada por Claúdia e Jader Resende, revela que em 2008 10% da população era considerada analfabeta, ou seja cerca de 14 milhões de brasileiros acima de 15 anos, são incapazes de ler e escrever um bilhete simples. Observando esses dados é possível notar que no Brasil, ainda há muitas pessoas analfabetas, e segundo a pesquisa realizada, se a diminuição desse índice continuar neste ritmo, o analfabetismo do país só acabará em 20 anos. Isso demonstra que no Brasil há milhares de pessoas que hoje são excluídas, da sociedade letrada, que não utilizam a leitura e escrita diariamente e que com certeza passam por diversos problemas, por não terem autonomia ao lidar com materiais escritos. Para entender melhor a importância da leitura é preciso entender um pouco sobre como ela surgiu, como ela foi construída historicamente e quais foram os fatores que a tornaram tão importante para a vida moderna. DESENVOLVIMENTO 3
Ao estudar um pouco sobre a história da leitura, percebe-se como esta surgiu a partir das necessidades; como ela foi mudando ao longo dos séculos, tornandose mais simples; como ela foi ganhando novas dimensões, passando a incluir novos gêneros, contando histórias para o leitor; como os livros surgiram e o que isso representou para a história da leitura e por fim como a leitura que conhecemos hoje, tornou-se tão importante para a vida na sociedade. Fischer (2006) trabalha com a história da leitura, mas fala um pouco sobre a escrita, que para ele nasceu como testemunha imortal, ela tornou-se necessária para recordar fatos, confirmando-os ou não. Conforme ocorreu o crescimento das cidades surgiu também a necessidade de formas de documentação mais complexas. Fischer também aponta as diferenças entre leitura e escrita, A leitura sempre foi diferente da escrita. A escrita prioriza o som, uma vez que a palavra falada deve ser transformada ou desmembrada em sinais representativos. A leitura, no entanto, prioriza o significado. A aptidão para ler, na verdade pouco tem a ver com a habilidade de escrever. (FISCHER, 2006, p.9). Cagliari faz uma comparação entre a leitura e a escrita, que para ele: a escrita tem como objetivo a leitura. A leitura tem como objetivo a fala. A fala é expressão lingüística e se compõe de unidades, de tamanho variável, chamadas signos e que se caracterizam em sua essência pela união de um significado a um significante (CAGLIARI, 1989, pág.114) Fischer (2006) aponta que a leitura no início consistia em apenas, obter informações visuais com base em algum sistema codificado, bem como na compreensão de seu significado. Mais tarde passou a ser definida como a compreensão de um texto; depois passou a incluir a extração de informações codificadas em telas eletrônicas. Atualmente a leitura envolve a capacidade de extrair sentido de símbolos escritos ou impressos (MITCHELL, D.C. 1982, In FISCHER, 2006, p.11) onde o leitor emprega símbolos para recuperar informações de seu cérebro, para com essas criar uma interpretação do que foi lido. Provavelmente a definição de leitura continuará a ser modificada de acordo com o avanço da sociedade. Sendo assim, segundo Fischer a leitura deixou de ser a união do som ao grafema, que ocorre em um nível mais básico. O significado passa a ser fundamental, e 4
em um nível mais avançado de percepção, a leitura pode, até mesmo, exprimir significado isoladamente, sem recorrer ao som. 5 Fischer (2006) acredita haver indícios de dois tipos de leitura diferentes: leitura literal ou mediada (aprendizado) onde o leitor atribui som ao sinal. E a leitura visual ou imediata (fluente), onde o leitor atribui sentido diretamente ao sinal, seguido de frases e sentenças curtas. Para o autor todos os leitores iniciantes fazem a leitura mediata, e na medida em que avançam passam para a leitura imediata, pois para Fischer, leitores freqüentes, sempre tornam-se fluentes, os quais passam a minimizar o som e a maximizar o significado. Como já foi citado a leitura não surgiu da maneira como a conhecemos hoje, ela foi evoluindo aos poucos, tornando-se mais simples e mais acessível. Os materiais de leitura também passaram por muitas evoluções, tornaram-se mais fáceis de manusear, sua produção tornou-se mais simples e rápida, deixando-os mais baratos e também acessíveis. Séculos atrás havia outra relação com a leitura e com os materiais de leitura, estes eram muito caros, só os nobres o tinham, pois estes materiais eram copiados à mão por escribas. Durante muito tempo a leitura foi uma atividade para ser realizada em grupo, pois faltavam materiais e era raro encontrar alguém que soubesse ler. Na Antiguidade a literatura era destinada a apenas um seleto grupo e expressava somente o que podia ser decorado. As pessoas liam para depois poderem declamar aquilo que foi lido. Para Fischer (2006) isso demonstra que a leitura e a escrita eram apenas complemento do discurso oral. Fischer trata sobre o caráter passivo da leitura, que antigamente servia apenas para extrair informações do texto lido, a leitura e a escrita serviam apenas para registro de algumas coisas da vida diária. Até o século V a.c., a leitura permaneceu essencialmente passiva. Abrangia na maior parte contas, registros de contas, embarques de mercadorias, conhecimentos de carga e documentos jurídicos e apenas uma quantidade muitos limitada de textos literários. Nenhum desses escritos fazia do leitor um analista-intérprete ativo, mas serviam para ajudar as pessoas a recordar contas simples, informações ou algo que tivesse ficado a cargo da memória (FISCHER, 2006, p.38-39). No caso da literatura, esta costumava ser coletiva. Em jardins e saguões as pessoas costumavam se reunir para escutar a leitura de romances e épicos, agora lidos por um membro da família, e não por um escravo, como se fazia anteriormente. A leitura coletiva acontecia, pois as pessoas costumavam passar o dia todo em grupos, e
além disso eram poucas as pessoas alfabetizadas (uma em cada cem). Além disso os livros também eram raros, tornando-se difícil possuir um exemplar. Ao longo do tempo isso mudou, em várias etapas e por diferentes motivos. Fischer (2006) aponta que a passagem do mundo oral para o letrado ocorreu gradualmente. A Europa ocidental iniciou a transição de uma sociedade oral para uma letrada no início da Idade Média, começando pelas camadas mais altas da sociedade aristocracia e clero e, por fim, incluindo todos os demais cerca de 1200 anos mais tarde (FISCHER, 2006, p.132). A leitura silenciosa foi tornando-se mais comum no século IX, os textos começaram a trazer marcas de pontuação e as linhas eram escritas inteiras por orações e frases, facilitando a leitura. Com a prática da leitura silenciosa, esta passou a ser um ato individual e privado. Tornou-se possível ler em segredo e em silêncio, chegado aos conceitos de modo direto, fazendo com que pensamento corra em um nível superior de consciência. Algo que marcou profundamente a história da leitura, foi a invenção da imprensa, com o surgimento da prensa, que imprimia mais livros em menos tempo, estes aos poucos foram tornando-se algo mais acessível. Fischer (2006) aponta que na Alemanha, em 1450, iniciou-se a Era do Papel, onde os textos passaram a ser impressos. Foi Gutenberg que inaugurou a prensa de parafuso e com isso os materiais, os temas, a linguagem e a prática da leitura começaram a mudar. A invenção de Johann G. Zum Gutenberg de Mainz revolucionou a prática da leitura, pois produzia folhas de papel impressas em massa. Seu objetivo era aumentar as vendas e os lucros. Mas ele acabou criando o método mais eficiente de multiplicar textos escritos, já que ante da prensa os textos escritos eram copiados à mão individualmente, o que dava mais trabalho e aumentava o custo. Entre 1450 e 1500 foram impressos, aproximadamente 27 mil títulos diferentes com esse avanço, a impressão desenvolveu um comercio autônomo próprio, fazendo a produção de cópias à mão terminasse com a Idade Média (FISCHER, 2006, p.192). É importante ressaltar que as primeiras prensas produziam textos curtos, calendários, almanaques e outros materiais. A partir de 1500 havia muitas prensas espalhadas por toda a Europa, com isso foi surgindo uma indústria completa de produção de livros. A imprensa (...) modificou a sociedade de forma fundamental. Oferecendo ao público cópias quase infinitas de textos idênticos, por 6
meios mecânicos, ela transformou uma sociedade cujo acesso ao conhecimento era limitado em outra cujo acesso era quase ilimitado. (...) Não seria exagero afirmarmos que o advento da imprensa foi tão importante para a humanidade quanto o domínio do fogo e da roda (FISCHER, 2006, p.196). No século XIX as nações desenvolvidas já tinham a leitura como algo comum, como parte integrante da vida diária das pessoas. Na igreja, nas ruas, nas lojas haviam palavras, nomes e textos a serem lidos. A partir disso percebe-se que a leitura e a escrita, foram sendo construídas historicamente, surgiram a partir da necessidade do registro para que não fosse esquecido facilmente. Lentamente elas foram se aperfeiçoando, tornaram-se mais simples e necessárias, ganharam força e tornaram-se indispensáveis na vida de muitas pessoas, principalmente daquelas que vivem nas sociedades letradas e necessitam da leitura e da escrita a todo momento para comunicação, informação, lazer e outros. Ao falar sobre a importância da leitura e também da escrita, para quem vive em sociedades modernas entramos na questão do letramento, ou seja, pensamos no que faz uma pessoa ser letrada e por que isto é desejável. Antes de tudo é preciso caracterizar o que se entende por letramento. Magda Soares (2002), em seu livro letramento um tema em três gêneros considera que a palavra letramento é a versão para o português da palavra da língua inglesa litercy. Esta por sua vez, significa a condição de ser literate, que significa educado, especialmente capaz de ler e escrever (p.17). Soares (2002) explica que literacy é o estado de quem sabe ler e escrever. Juntamente com esse conceito está a idéia de que a escrita traz conseqüências sociais, culturais, políticas econômicas, cognitivas e lingüísticas para o sujeito e para o grupo no qual está inserido. Sendo assim, o indivíduo letrado adquiriu o estado de quem se apropriou da leitura e da escrita, incorporando-as como práticas sociais. A nova palavra (que já existia, mas que ganhou um novo significado), só agora tornou-se necessária, pois para ser letrado não basta saber ler e escrever, é preciso saber fazer uso da leitura e da escrita, respondendo às exigências da sociedade. A partir dessas considerações é possível entender o fato de um analfabeto (aquele que não sabe ler nem escrever) poder ser letrado, se fizer uso da leitura e da escrita com a ajuda de alguém que possui estes aprendizados e o auxilia lendo jornais e 7
correspondências, lendo livros, escrevendo cartas, etc. Nessas condições o analfabeto pode ser letrado, pois utiliza a leitura e a escrita e se envolve nessas práticas sociais. Por fim a autora conceitua letramento como sendo: resultado da ação de ensinar e aprender as práticas sociais de leitura e escrita. O estado ou condição que adquire um grupo social ou um indivíduo, como conseqüência de ter-se apropriado da escrita e de suas práticas sociais. (SOARES, 2002, p.39) Por fim é preciso considerar que aquele que se apropria da leitura e da escrita, torna-as próprias, assumindo-as como propriedade e as incorpora em sua vida, fazendo uso contínuo dessas práticas. Sendo assim, Soares (2002) aponta que uma pessoa alfabetizada não é necessariamente letrada, pois ela pode não utilizar a leitura e a escrita em suas atividades diárias. Paulo Freire foi um dos primeiros educadores a escrever sobre o poder revolucionário do letramento. Quando afirmou que o educando pode usar a leitura e a escrita para tomar consciência da realidade, e transformá-la, onde o letramento liberta ou domestica o homem. A partir do que foi discutido anteriormente o papel de realizar o letramento é da escola, já que muitas crianças não possuem contato com as práticas da leitura e da escrita em suas casas. Soares (2002) aponta que na escola o letramento é mais um processo do que um produto, dessa forma a escola pode avaliar o progresso de seus alunos, não precisando escolher um único ponto que defina se o aluno é letrado, ou não. Mas o problema é que o conhecimento escolar é fragmentado, assim algumas habilidades e práticas de leitura e escrita são selecionadas e então, organizadas em grupo, ordenadas e avaliadas periodicamente, através de um processo de testes e provas tanto padronizadas, quanto informais (SOARES, 2002, p.85). Britto (2003) é outro autor que discute um pouco sobre o valor da leitura para o ser humano, refletindo se a leitura seria realmente um requisito essencial para participação na sociedade. Em relação à falta de leitura, Britto acredita que grande parte desse problema é causado pelas condições de acesso ao livro e à informação e não pela falta de vontade e interesse das pessoas. Para Britto (2003) a escrita possibilitou a formalização do pensamento, onde a memória passou a ser registrada. Esse processo permitiu o avanço das ciências e 8
estabeleceu uma cultura da escrita, que por sua vez fez emergir novos produtos culturais e novas formas de participação na sociedade. Essas observações remetem à percepção de que o fenômeno da cultura escrita ou mais exatamente, da sociedade de cultura escrita tem uma dimensão que vai além daquela em que se situam os indivíduos. O desenho urbano, as formas de interlocução no espaço público, as expressões de cultura, os princípios e constrangimentos morais, as leis, a organização da indústria e do comércio, tudo isso é parte da sociedade de cultura escrita (BRITTO, 2003, p.50) Quanto mais o sujeito participa da cultura escrita, mais ele utilizará textos escritos e realizará uma leitura autônoma deste conviverá melhor com raciocínio abstrato e utilizará a escrita para registro próprio. Nas palavras do autor: Por isso pode-se dizer que participar da sociedade de escrita implica conhecer e poder utilizar os objetos e discursos da cultura escrita, o que implica deter a informação, saber manipulá-la e inseri-la em universos referenciais específicas (BRITTO, 2003, p.51). Mais uma vez voltamos à questão de que a leitura precisa se ensinada nas escolas, pelos professores, nessas condições o professor tem um papel de grande importância de formador do leitor. No ensino da leitura e no processo de formação do leitor é de grande importância o papel do professor, que para formar leitores precisa ser também um leitor, pois só assim ele conseguirá transmitir aos alunos, a importância da leitura e como ler pode ser interessante e divertido. Muitos pesquisadores tem se atentado para a leitura dos professores e dos futuros professores (o que estes tem lido, textos teóricos? literatura? são leitores?) Ane-Marie Chartier (1999) é uma autora que trata sobre a falta de leitura dos futuros professores, para ela, estes lêem poucos livros, além dos exigidos para sua formação. Muitos alunos consideram desperdício de tempo se dedicar à outras leituras que não dizem respeito à suas disciplinas. Isso pode ser conseqüência do grande número de leituras indicadas e exigidas pelos formadores de professores, aponta Chartier (1999), muitos livros indicados são aqueles que o professor não tem tempo para trabalhar na sala de aula, que indica como leitura extra. Além das leituras os futuros professores ainda precisam 9
freqüentar as aulas, fazer estágios e trabalhos, sobrando pouco tempo para leitura por fruição. 10 Chartier apresenta três tipos de leituras que considera essenciais: Leitura universitária, de textos de informação e reflexão em campos disciplinares definidos; Leitura de textos prescritivos que podem ser usados em sala de aula, fichários, manuais, preparações de seqüências publicadas em revistas, etc. e Leitura da cultura profissional, ou seja, leituras de debates atuais sobre o papel da escola, por exemplo. É possível perceber, também, que o problema da leitura se inicia já na formação dos professores, e continua durante a vida profissional, é fácil encontrar pesquisas muitas vezes divulgadas pela mídia, dizendo que os professores não lêem, escrevem mal e que não são capacitados para exercer a profissão. Batista (1998) fala sobre as diversas pesquisas que concluem que os professores não são leitores, que ao serem entrevistados não conseguem citar obras, autores ou nomes de revistas que costumam ler. Para o autor isso revela que o professor tem sido excluído da cultura escrita, e que não a utiliza, fato que dificulta a formação de alunos leitores, não contribuindo de modo positivo para sua inserção destes no mundo da cultura escrita. Ao refletir se os professores são leitores Batista chega à conclusão que eles aos leitores, devido à algumas constatações. Como o fato dos professores viverem dentro de uma sociedade letrada, e é improvável que eles não sejam leitores, já que estão inseridos em maior ou menor grau nesta sociedade. Muitos cursos de licenciatura não formam o professor que consiga estabelecer uma relação não-escolar com a leitura, dessa forma ele não se apropriou da cultura legítima. E por fim, apesar desse fracasso relativo sua imagem como leitor é atacada a todo momento pela imprensa, pela pesquisa e pelos formadores de professores. nas palavras do autor: Para Batista os docentes precisam acreditar no seu papel e no seu trabalho, mas os docentes devem, ao mesmo tempo, criar para si mesmos e para os outros a crença em suas competências em matéria de cultura legítima, evitando denunciar a si mesmos e ao blefe cultural que na verdade mantêm (BATISTA, 1998, p. 58) Britto (1998) também participa da discussão fazendo a famosa pergunta É o professor um não-leitor?, sabendo que esta é quase uma ofensa para os educadores, pois atualmente, ser leitor é uma qualidade positiva, que torna as pessoas mais críticas e
conscientes. Com isso, ser um não-leitor seria uma situação vergonhosa, principalmente para um professor, que cursou ensino superior, em uma instituição baseada na cultura letrada. Mas para Britto (1998) só é possível compreender devidamente os dados e se for considerado as condições do exercício da profissão e da formação e comportamento intelectual do professor. Isto é, cabe ainda explicar por que o professor não lê, se é que não lê (p. 62) Antes de continuar é preciso explicar o que significa para Britto a expressão não-leitor. A leitura está presente em todos os lugares da vida moderna, a multiplicação dos materiais escritos e desenvolvimento dos meios de comunicação impõe a toda população a necessidade da leitura, nesta sociedade procedimentos e regras são estabelecidos e administrados pela escrita. Assim para ser leitor é preciso mais do que conhecer o código escrito, ou ter domínio de certos protocolos sociais de base escrita. O leitor é quase sempre retratado como alguém imerso na leitura, que lê por prazer, distante da situação real, vivenciando as emoções e sentimentos descritos em seu livro. Nas palavras do autor: 11 o leitor será alguém que tenha o hábito de ler, hábito gratuito, quase sempre ligado à curiosidade intelectual ou a tipo superior de entretenimento e da reflexão, e acima um comportamento individual. Ler reconforta, instrui, permite o recolhimento e o autoconhecimento (BRITTO, 1998, p. 66-67). A partir desta concepção o professor seria um não-leitor, por não possuir o hábito gratuito da leitura, ou por não gostar de ler. Mas estas concepções apresentadas aponta o tornar-se leitor como um ato individual, é um hábito que cada um deve adquirir, ignora o fato da leitura ser uma prática social inscrita nas reações histórico-sociais. Para se tornar leitor o sujeito precisa ler com certa desenvoltura, mas principalmente precisa incorporar um conjunto de valores e de representações que o permitam ingressar, e ingressar apropriadamente, no universo da leitura (BRITTO, 1998, p. 69) Leitor é aquele que possui domínio do código escrito e que tenha domínio dos códigos e valores da cultura escrita. A leitura é, portanto, uma forma de
conhecimento e de inserção social articulada com outros conhecimentos e expressões da cultura. Britto (1998) aponta que as classes sociais privilegiadas possuem um padrão de leitor que além de possuir o domínio da leitura, adquire comportamentos específicos e até profissões características. Neste caso a leitura representa um capital cultural/individual com valor de mercado e de status na sociedade. Na escola cabe ao professor transmitir conhecimentos já estabelecidos e legitimados para os alunos, para isso é preciso que o professor tenha total domínio desses saberes, conhecendo também diferentes formas de ensiná-los. É fácil perceber que os professores do ensino fundamental tem menores salários, menor tempo de formação e é este professor que atua nos primeiros anos de escolarização. Sobre a questão se o professor é ou não um não-leitor, Britto aponta que o professor não é um não-leitor, pois vive em uma sociedade letrada, convive e manipula diversos materiais escritos. Mas isso não faz do professor propriamente um leitor, pois sua leitura limita-se basicamente à materiais da cultura escolar (como livros didáticos e paradidáticos). Quando se lê livros literários são voltados para a idade de seus alunos. É certo que o professor não se encaixa nos modelos de leitor apresentados anteriormente (que lêem por prazer, em momentos de fruição). O professor como cidadãos tem pouco acesso a textos literários, devido sua condição socioeconômica e também por questões culturais. Com isso Britto (1998) chega à seguinte conclusão; mais do que ser leitor ou não-leitor, o professor é um leitor interditado. Isso por que o professor aos poucos foi sendo excluído do mundo e das práticas de leitura, o trabalho, o tempo, os baixos salários, foram fazendo que o professor deixasse de ser aquele leitor, conceituado historicamente como que lê horas e horas por prazer, sem compromisso a não ser com si mesmo e com o livro. Como já foi apontado por Batista (1998) o professor costuma ler materiais próprios do mundo escolar, e também utiliza a escrita dentro da escola, nas práticas próprias da escola. Como já foi citado é difícil falar que um professor não lê, devido o lugar onde ele se encontra na sociedade, mas é possível falar que o professor já não representa mais aquele leitor que lê por simples prazer, como apontou Britto (1998). Ao falar sobre a formação do leitor, é muito importante considerar como os professores vê realizando o trabalho com leitura na escola. 12
Normalmente os trabalhos realizados na escola não demonstram preocupação com a formação do gosto do aluno pela leitura, se preocupando muito mais com o cumprimento de tarefas, como fichas de leitura ou interpretação de textos do livro didático. Além disso, a escola se preocupa muito com a leitura oral dos alunos, com a boa dicção, para que estes leiam em voz alta corretamente, mas não há nenhum tipo de preocupação com a compreensão do texto lido, que vá além dos exercícios do livro didático. Souza e Santos (2004) apontam que o gosto pela leitura se constrói por meio de um longo processo em que sujeitos desejantes encontram nela uma possibilidade de interlocução com o mundo (p.81), as autoras ressaltam que o ato da leitura proporciona uma maior compreensão da realidade e do mundo que se vive. Sendo assim, para que se forme o leitor na escola, as autoras apontam que o professor precisa ser mediador entre os alunos e os materiais de leitura, que incentive os alunos a ter maior contato com os livros. Para isso é necessário que o professor também seja um leitor, que também goste de ler, para transmitir aos alunos o gosto e o interesse pela leitura, reconhecendo bons materiais de leitura, que agradem seus alunos. É importante ressaltar que para formar o leitor que aprecie obras consagradas não pode-se impor leituras ao sujeito todo momento, é preciso que o leitor escolha seus próprios livros e em alguns o professor pode sugerir alguma leitura que considere importante. É preciso dar liberdade ao leitor, para que ele escolha aquilo que lhe interessa, pois se ele tiver muitas leituras impostas ao invés de se tornar um leitor, este terá repulsa pela literatura e pelos livros. A escola constitui um espaço privilegiado para a formação do leitor, e para que isso aconteça é preciso que ela promova o contato dos alunos com livros de caráter estético, estes permitem à criança vivenciar a história e as emoções, colocando-se em ação por meio da imaginação (SOUZA e SANTOS, 2004, p.81), tendo assim, uma visão mais crítica do mundo. Não é possível realizar esse trabalho utilizando livros didáticos e paradidáticos (estes combinam informação com ficção). Por sua vez, estes são os materiais mais utilizados na escola, e como aponta Souza e Santos (2004) esse tipo de obra é pedagogizante, pragmática e tenta converter a narrativa artística em um artefato de utilidade imediata (p.82). 13
Ou seja quando se trabalha com a leitura não é recomendado fazer relações com outros conteúdos trabalhados em sala de aula, a leitura precisa ser trabalhada de maneira agradável atendendo aos interesses e necessidades dos alunos. Não é preciso ressaltar os sentidos da obra, pois cada um interpreta da maneira como lhe for possível, agradável e necessário. O uso de livros didáticos e paradidáticos e a falta de leituras do professor revelam vários problemas presentes na escola, segundo Souza e Santos. As autoras também consideram que muitas escolas não possuem bons livros de literatura para serem utilizados pelos professores, que acabam utilizando o que tem em mãos. Outro fator possível de ser verificado é a falta de formação específica do professor para o trabalho com literatura infantil (como escolher bons livros, de acordo com os interesses da criança e como realizar o trabalho em sala de aula). Souza e Santos (2004) consideram que uma alternativa possível para começar a resolver os problemas da leitura na escola seria formar o professor, inicialmente, como leitor de literatura infantil, instrumentalizá-lo para estabelecer relações dialógicas entre texto e leitor (p. 84). Dessa forma o professor seria um conhecedor da literatura infantil e poderia reconhecer nestas obras discussões e temas diversos para serem incluídos em suas aulas. CONSIDERAÇÕES FINAIS Atualmente a leitura chegou às telas dos computadores, milhares de pessoas têm acesso à internet e realizam a leitura para se informar e também podem baixar diversos livros e diversos outros tipos de materiais pelo computador. Livrarias e até algumas bibliotecas públicas tem se preocupado em oferecer ao leitor um espaço agradável, onde ele tenha autonomia para escolher o livro de sua preferência. Portanto é interessante para escola se atentar para o ensino da leitura, não como apenas emitir o som das palavras corretamente, e sim ensinar a compreender o texto lido. Fazendo com que os alunos compreendam o que é lido, percebendo a mensagem transmitida pelo texto e consciente do porque aquela mensagem está sendo transmitida daquela forma. Dessa forma a escola estará formando um leitor capaz de conhecer e dialogar com diferentes obras, sendo capaz de reconhecer o valor de cada uma. 14
Sabe-se que para se formar alunos leitores é preciso que os professores sejam também leitores, pois só um professor que conhece literatura consegue transmitir o prazer que a leitura pode oferecer e como esta também é importante para a vida moderna. Além disso um professor leitor reconhece bons materiais para serem oferecidos aos alunos. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AGUIAR, Vera Teixeira de. O leitor competente à luz da teoria da literatura. Revista Tempo Brasileiro. Rio de Janeiro, 1996. BATISTA, A. G. Os professores são não leitores?. In: MARINHO, M. & SILVA, C. S. R. da. Leituras do professor. Campinas: Mercado das Letras, 1998. BRITTO. L. P. Leitor interditado. In: MARINHO, M. & SILVA, C. S. R. da. Leituras do professor. Campinas: Mercado das Letras, 1998. BRITTO, L. P. Sociedade e cultura escrita, alfabetismo e participação. In: RIBEIRO, V. M. Letramento no Brasil. São Paulo: Global, 2003. CAGLIARI, L. C. Alfabetização & Lingüística. São Paulo: Scipione, 1989. CHARTIER, A. M. Os futuros professores e a leitura. In: BATISTA, A A. G. & GALVÃO, A. M. de O. (orgs.) Leitura, práticas, impressos, letramento. Belo Horizonte: Autentica, 1999. FISCHER, Steven R. História da leitura. Tradução: Cláudia Freire. São Paulo: Editora Unesp, 2006. SOARES, Magda. Letramento um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica: 2002. SOUZA, Renata J. Narrativas infantis: a literatura e a televisão de que as crianças gostam. Bauru, EDUSC, 1992. 15
SOUZA, Renata J. & SANTOS, Caroline C. Silva dos. A leitura da literatura infantil na escola. In: SOUZA R. J. (org.) Caminhos para a formação do leitor. São Paulo, DCL, 2004. 16