Descritores: Recidiva; Neoplasias do colo do útero; Neoplasias Vulvares; Exenteração pélvica; Complicações pós-operatórias; Resultado de tratamento.



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Transcrição:

Exenteração pélvica total com vulvectomia radical para tratamento de extensa recidiva locorregional de câncer de colo uterino Total pelvic graft with radical vulvectomy for the treatment of extensive local regional recurrence of cervical cancer Juliana Corrêa Dallagnol¹ Jeferson Luis Mattana¹ Fernanda Carneiro Ronchi 2 João Antônio Guerreiro 3 Reitan Ribeiro 3 Sergio Bruno Bonatto Hatschbach 4 Trabalho realizado no Serviço de Ginecologia e Mama do Hospital Erasto Gaertner, em Curtiba (PR). 1. Médicos residentes do programa de Cancerologia Cirúrgica do Hospital Erasto Gaertner. 2. Acadêmica de Medicina e estagiária do Hospital Erasto Gaertner. 3. Membros Titulares do Serviço de Ginecologia e Mama do Hospital Erasto Gaertner. 4. Chefe do Serviço de Ginecologia e Mama do Hospital Erasto Gaertner. Dallagnol JC, Mattana JL, FC Ronchi, JA Guerreiro, Ribeiro R, Hatschbach SBB. Exenteração pélvica total com vulvectomia radical para tratamento de extensa recidiva locorregional de câncer de colo uterino. Rev. Med. Res., Curitiba, v.4, n.2, p. 125-131, abr./jun. 2012. R e s u m o OBJETIVO: O câncer do colo uterino é o segundo tipo de câncer mais frequente entre as mulheres. Após o tratamento, o principal sítio de recorrência é local ou regional. O risco de doença recorrente ou persistente aumenta com o estado clínico mais avançado ao diagnóstico. Algumas pacientes com recorrência local após o tratamento definitivo são potencialmente curáveis. A exenteração pélvica tem sua maior indicação na persistência ou recidiva central do câncer de colo uterino após tratamento primário ou adjuvante com radioterapia ou quimio-radioterapia. Descrevemos um caso de exenteração pélvica total associada a vulvectomia radical para tratamento de extensa recidiva locorregional de câncer do colo uterino. Descritores: Recidiva; Neoplasias do colo do útero; Neoplasias Vulvares; Exenteração pélvica; Complicações pós-operatórias; Resultado de tratamento. I N T R O D U Ç Ã O O câncer do colo uterino é o segundo tipo de câncer mais frequente entre as mulheres, com aproximadamente 500 mil casos novos por ano no mundo, sendo responsável pelo óbito de aproximadamente 230 mil mulheres por ano. Sua incidência é cerca de duas vezes maior em países menos desenvolvidos quando comparada aos países mais desenvolvidos. Mais de 85% dos casos, e mais de 50% do total de óbitos, ocorrem em países em desenvolvimento. A incidência de câncer do colo do útero evidencia- se na faixa etária de 20 a 29 anos e o risco aumenta rapidamente até atingir seu pico, geralmente na faixa etária de 45 a 49 anos(1). O tratamento e prognóstico do câncer do colo uterino dependem do estadiamento da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) ao diagnóstico. Em geral, o tratamento primário do carcinoma espinocelular com cirurgia ou radioterapia com ou sem quimioterapia tem taxas de cura de aproximadamente 80 a 90% nos estádios clínicos iniciais (estádio clínico I e II não volumoso) e de aproximadamente 40 a 60% para doença localmente avançada (estádio clínico II volumoso e estádio III). As pacientes com invasão de órgãos adjacentes ou doença metastática (estádio clínico IVA e IVB) têm sobrevida de 10 a 20% em cinco anos, mesmo com tratamento adequado(2). 1

Após o tratamento, o principal sítio de recorrência é local ou regional. O risco de doença recorrente ou persistente aumenta com o estádio clínico mais avançado ao diagnóstico, bem como o risco de metástases a distância(3,4). Algumas pacientes com recorrência local após o tratamento definitivo são potencialmente curáveis. O tipo de tratamento e o prognóstico depende da terapia inicial instituída, local da recidiva e intervalo livre de doença, além de outros fatores, incluindo o performance status e comorbidades(5,6). A exenteração pélvica tem sua maior indicação na persistência ou recidiva central do câncer de colo uterino após tratamento primário ou adjuvante com radioterapia ou quimiorradioterapia. Nas pacientes já submetidas à radioterapia, não candidatas à nova irradiação, a exenteração pélvica é a única medida com potencial curativo, com taxas de sobrevida em torno de 30 a 60%(6-15). R E L AT O D O C A S O O presente relato de caso foi realizado com o consentimento da paciente que assinou termo de consentimento informado e foi submetido à aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa do Hospital Erasto Gaertner. TEZ, feminina, 43 anos, admitida no Serviço de Ginecologia e Mama do Hospital Erasto Gaertner, Curitiba, em 24/10/2007, por sangramento vaginal. Tinha história de etilismo e tabagismo e fazia uso de drogas ilícitas. Negava outras comorbidades ou uso de medicamentos. Ao exame, apresentava extensa lesão vegetante e ulcerada do colo uterino com aproximadamente 5cm e com infiltração do paramétrio esquerdo junto ao colo uterino. A biópsia da lesão confirmou o diagnóstico de carcinoma espinocelular do colo uterino e os exames de estadiamento não evidenciaram metástases a distância. Foi estadiada como estádio clínico IIB da FIGO e submetida a tratamento com radioterapia exclusiva (50.45 Gy em campo pélvico seguida de braquiterapia). A quimioterapia concomitante foi contraindicada pelo histórico de drogadição e má aderência ao tratamento. Após o tratamento, a paciente fez seguimento irregular, com diversas faltas às consultas de revisão. Em 16/08/2010, compareceu para consulta com queixa de dor pélvica, disúria e lesão inguinal dolorosa, já em uso de altas doses de morfina, sem melhora. No exame físico, apresentava- se em bom estado geral, sem outras queixas e com Karnofski Performance Status de 80%. No exame ginecológico observava-se lesão elevada com centro ulcerado de aproximadamente 2cm em grande lábio direito, associado a lesão satélite na região do monte pubiano, linfonodomegalia inguinal direita e área de necrose central no colo uterino, que se encontrava infiltrado, endurecido e com franca invasão da parede do reto e de paramétrios bilateralmente até a metade da pelve (Figura 1). A biópsia da lesão confirmou o diagnóstico de carcinoma espinocelular do colo uterino recidivado. 2

Figura 1. Carcinoma espinocelular de colo do útero recidivado com disseminação superficial. Aspecto da lesão e marcação cirúrgica pré-operatória. A Tomografia Computadorizada (TC) da pelve evidenciou extensa lesão do colo uterino com invasão do terço superior da vagina, extensão lateral parametrial e invasão da parede posterior da bexiga e reto, sem dilatação pielocalicial. Os exames laboratoriais mostraram função renal preservada e os demais exames de estadiamento (tomografias de crânio, tórax, abdome e pelve) não evidenciaram metástases a distância. 3

Figura 2. Aspecto final, mostrando a ressecção completa dos órgãos pélvicos e de toda a vulva até a parede pélvica, associada à linfadenctomia inguinal bilateral. Figura 3. Peça cirúrgica onde se observa a ressecção em monobloco da bexiga, útero e paramétrios, reto, vulva e linfonodos inguinais bilaterais. 4

Figura 4. Aspecto final após a ressecção. Utilizou-se colostomia úmida de duplo conduto para derivação intestinal e urinária. O oco pélvico e o defeito perineal foram fechados com retalho de grácil bilateral, fechados em tubo de forma similar a neovagina. Em 15/12/2010, a paciente foi submetida à exenteração pélvica total infraelevadora associada à vulvectomia radical com linfadenectomia pélvica e inguinal bilateral (Figura 2). O achado operatório foi de extenso tumor do colo uterino com extensão para bexiga e reto e invasão extensa dos paramétrios, sem invasão da parede pélvica. Foi possível ressecção completa da lesão e utilizou-se colostomia úmida de duplo conduto para derivação intestinal e urinária (Figura 3). O fechamento do defeito cirúrgico do assoalho pélvico e do períneo foi feita com retalho grácil bilateral fechado em tubo de forma similar a neovagina (Figura 4). A paciente evoluiu com fístula urinária no quinto dia de pós-operatório e íleo paralítico prolongado, necessitando de uso de sonda nasogástrica e jejum prolongado, porém sem alteração de eletrólitos ou do leucograma e sem necessidade de reabordagem cirúrgica. Houve deiscência parcial do retalho à esquerda e infecção local tratada com antibioticoterapia e trocas de curativos. No nono dia de pós-operatório, apresentou síndrome de abstinência com delirium, alucinações, agitação psicomotora e agressividade, tracionando drenos e sondas e apresentou broncoaspiração de conteúdo gástrico. Necessitou de sedação e, após, evoluiu com pneumonite química, porém recuperou-se bem e recebeu alta hospitalar no vigésimo terceiro dia de pós-operatório. O exame anatomopatológico da peça evidenciou carcinoma espinocelular do colo uterino recicivado, com invasão do reto e bexiga e extensão parametrial bilateral, além de invasão ganglionar pélvica e inguinal bilateral e carcinoma espinocelular da vulva. As margens foram livres, porém exíguas (menor que 1mm). Três dias após a alta, a paciente reinternou por febre e desidratação e deiscência e infecção da ferida operatória, necessitando desbridamento da porção medial da ferida inguinal à esquerda, com necrose cutânea, sem necrose completa do retalho. Evoluiu com síndrome da angústia respiratória (SARA) e necessidade de intubação, seguida de broncopneumonia associada à ventilação mecânica por germe multirresistente e foi a óbito por sepse no quadragésimo segundo dia de pós-operatório. 5

D I S C U S S Ã O Nos estádios clínicos FIGO II e III, as taxas de cura do câncer de colo uterino giram em torno de 40-60%(2,9). Espera-se em torno de 10-20% de recidivas em pacientes em estádio IB-IIA sem invasão linfonodal tratados com cirurgia ou radioterapia e de até 70% em pacientes de estádios mais avançados ou com envolvimento ganglionar(6). No caso apresentado, a paciente encontrava-se em estádio clínico inicial FIGO IIB e havia recebido tratamento exclusivo com radioterapia. Para este estádio clínico, espera-se em torno de 20-30% de recidivas pélvicas(6,10) e índices ainda maiores quando o tratamento recebido inicialmente pela paciente não incluiu quimioterapia associada à radioterapia(16-18). Sabe-se que o principal sítio de recidiva da doença é local ou locorregional e que, nas recidivas pélvicas centrais sem evidências de metástases a distância e sem invasão da parede pélvica, a exenteração pélvica é a única possibilidade de tratamento com chances de cura, desde que permita ressecção completa da lesão(6-15,20-23). Os índices de cura após a cirurgia de resgate giram em torno de 20-73%, dependendo de fatores prognósticos como: intervalo livre de doença, tamanho da recorrência e fixação do tumor à pelve lateral no pré-operatório(6,9,10). O melhor benefício parece estar nas pacientes com intervalo livre de doença maior que seis meses, recorrência menor que 3cm de diâmetro e ausência de fixação lateral na pelve(6,19,20). O valor da exenteração pélvica em pacientes com invasão linfonodal diagnosticada no pré-operatório é questionável e ainda motivo de controvérsia na literatura(12,13,20). Fotoppouloc C et al. estudaram as complicações e resultados de 77 pacientes submetidas à exenteração pélvica por câncer de colo uterino. Neste estudo, 23% das pacientes possuíam doença linfonodal volumosa no pré-operatório e, apesar de terem resultados piores que os da literatura, observou-se que a ressecção completa das lesões ofereceu melhor sobrevida global e sobrevida livre de doença. Os autores concluíram que, em pacientes selecionadas, com bom performance status, os procedimentos radicais podem ser indicados para melhor controle local e paliação dos sintomas(13). A paciente tratada em nosso serviço tinha doença ganglionar inguinal evidente ao diagnóstico da recidiva e considerou-se a possibilidade de proporcionar maior sobrevida e melhor paliação dos sintomas no momento da indicação cirúrgica. Nas pacientes já submetidas à radioterapia, não candidatas à nova irradiação, a exenteração pélvica é a única medida com potencial curativo, porém ainda com altas taxas de morbimortalidade( 6-15,20-22). A evolução das técnicas anestésicas e de preparo pré e pós-operatório reduziu em muito as taxas de mortalidade das cirurgias pélvicas de resgate, chegando a índices de 0 a 5,3%(7,8,11,13,15), porém com taxas de complicações e morbidade importante que variam de 38-84%(7,12-15,22). Uma importante complicação exclusiva das exenterações relaciona-se com a presença das paredes e pavimento pélvico desnudados, favorecendo a celulite pélvica e abcesso ou a oclusão intestinal e fistulização por fortes aderências que se formam às paredes pélvicas( 8). As complicações mais comumente encontradas são as relacionadas ao trato urinário e gastrintestinal, girando em torno de 50,4% e com a hidronefrose e fístulas urinárias entres as mais comuns(7). Na maioria das vezes, não existe necessidade de reintervenção cirúrgica nas complicações urinárias(7,13,15), corroborando com a evolução da paciente deste relato de caso Neste relato, apresentamos um caso em que a paciente evoluiu com fístula urinária como complicação precoce e infecção de ferida operatória e do trato respiratório como complicação tardia, levando-a a óbito. Os casos mais bem indicados para procedimentos extensos como a exenteração pélvica com vulvectomia realizada em nosso serviço são aqueles de pacientes motivadas e com bom suporte psicológico e adequado apoio domiciliar(7). A paciente em questão era etilista e ex-usuária de drogas, tinha relação familiar conturbada e mostrou-se, no pós-operatório, pouco colaborativa com o tratamento, fator que parece ter tido grande repercussão no desfecho final do caso. Não existem trabalhos prospectivos randomizados mostrando benefício ou prejuízo da abordagem cirúrgica das recidivas extensas do colo uterino. A abordagem destas lesões e das lesões metastáticas isoladas permanece motivo de controvérsia( 12,13,20). A possibilidade de proporcionar maior sobrevida e melhor paliação de sintomas para a paciente deste relato de caso motivou a indicação cirúrgica, porém, como já previamente discutido, as taxas de complicações deste tipo de cirurgia são altas e a paciente evoluiu com fístula urinária e, mais tardiamente, complicação infecciosa e óbito. Já foi pontuado que a seleção criteriosa de pacientes, os avanços recentes em radiologia diagnóstica e as melhorias das técnicas cirúrgicas, aliados a suporte 6

psicológico e social no pós-operatório, constituem-se nos principais pilares para a redução de complicações e maior sucesso cirúrgico(7,8). No caso apresentado, observamos que inicialmente a evolução da paciente ocorreu conforme o esperado e a complicação urinária não teve grande repercussão clínica. Atribuímos, porém, grande parte da evolução desfavorável do caso à condição psicológica e sociofamiliar da paciente e entendemos que, nestes casos, é extremamente importante ponderar o benefício da indicação de cirurgia do porte da exenteração pélvica com vulvectomia, especialmente quando a chance de aumento de sobrevida é pequena. C O N C L U S Ã O Conclui-se que é necessário pesar a relação custo-benefício caso a caso na indicação de cirurgias deste porte para tratamento de recidiva locorregional de câncer de colo uterino. Estudos prospectivos são necessários para avaliar a real indicação e benefício dos procedimentos cirúrgicos de resgate para câncer do colo uterino. A b s t r a c t Cervical cancer is the second most common cancer among women. After treatment, the major site of recurrence is local or regional. The risk of persistent or recurrent disease increases with more advanced clinical stage at diagnosis. Some patients with local recurrence after definitive treatment are potentially curable. Pelvic graft is indicated for the persistence or recurrence of the central cervical cancer after primary treatment or adjuvant radiotherapy or chemo-radiotherapy. We describe a case of total pelvic graft combined with radical vulvectomy for the treatment of extensive local regional recurrence of cervical cancer. Keywords: Recurrence; Uterine cervical neoplasms; Vulvar neoplasms; Pelvic exenteration; Postoperative complications; Treatment outcome. R E F E R Ê N C I A S 1. Ministério da Saúde (Brasil); Instituto Nacional do Câncer. Estimativa 2010 [homepage na Internet]. Rio de Janeiro: INCA; 2010 [Acesso em 12 de Jul 2011] Disponível em: http://www.inca.gov.br/estimativa/2010/. 2. Quinn MA, Benedet JL, Odicino F, Maisonneuve P, Beller U, Creasman WT, et al. Carcinoma of the cervix uteri. FIGO 6th Annual Report on the Results of Treatment in Gynecological Cancer. Int J Gynaecol Obstet. 2006 Nov;95 Suppl 1:S43-103. 3. Muram D, Curry RH, Drouin P. Cytologic follow-up of patients with invasive cervical carcinoma treated by radiotherapy. Am J Obstet Gynecol. 1982 Feb 1;42(3):350-4. 4. Morice P, Deyrolle C, Rey A, Atallah D, Pautier P, Camatte S, et al. Value of routine follow-up procedures for patients with stage I/II cervical cancer treated with combined surgery-radiation therapy. Ann Oncol. 2004 Feb;15(2):218-23. 5. Eifel PJ, Jhingran A, Brown J, Levenback C, Thames H. Time course and outcome of central recurrence after radiation therapy for carcinoma of the cervix. Int J Gynecol Cancer. 2006 May- Jun;16(3):1106-11. 6. Friedlander M, Grogan M; U.S. Preventative Services Task Force. Guidelines for the treatment of recurrent and metastatic cervical cancer. Oncologist. 2002;7(4):342-7. 7. Maggioni A, Roviglione G, Landoni F, Zanagnolo V, Peiretti M, Colombo N, et al. Pelvic exenteration: ten-year experience at the European Institute of Oncology in Milan. Ginecolol Oncol. 2009 Jul;114(1):64-8. 8. Pinelo S, Petiz A, Domingues C, Lopes C, Alves A, Fael R. Exenteração pélvica no cancro ginecológico: retrospectiva de dez anos. Acta Med Port. 2006 Mar-Abr; 19(2):99-104. 9. Lai CH. Management of recurrent cervical cancer. Chang Gung Med J. 2004 Oct;27(10):711-7. 10. Houvenaeghel G, Buttarelli M, Grégoire E, Moutardier V. [Locorregional recurrence of cervical and endometrial carcinoma: role of surgical resection] [Article in French]. Bull Cancer. 2005 Sep;92(9):782-8. 7

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