China em 2016: buscando a estabilidade, diante dos consideráveis problemas estruturais

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Transcrição:

INFORMATIVO n.º 43 DEZEMBRO de 2015 China em 2016: buscando a estabilidade, diante dos consideráveis problemas estruturais Fabiana D Atri* Ao longo dos últimos anos, ao mesmo tempo em que a economia chinesa ganhava espaço no contexto mundial, as preocupações com uma possível desaceleração mais brusca foram crescendo. De fato, os desequilíbrios acumulados, especialmente desde a saída da crise, e a busca pelo rebalanceamento do crescimento têm pautado a condução da política econômica do país o que traz muitas incertezas. Mesmo que o setor de serviços tenha ganhado relevância e esteja mostrando certa resiliência, esses ciclos têm se tornado cada vez mais curtos e a tendência é indubitavelmente de um ritmo menor de crescimento ao longo dos próximos anos. Assim, as incertezas são crescentes, especialmente após os ruídos na condução da política econômica ocorridos neste ano (correção da bolsa e intervenção no mercado cambial) e a persistência da tendência de desaceleração, a despeito de diversos estímulos. Isso fez com que aumentassem as dúvidas em relação (i) aos dados (de PIB, reservas, comércio internacional, etc) divulgados pelo governo, (ii) ao avanço na agenda de reformas e (iii) à habilidade estatal em conduzi-las e (iv) ao dinamismo da economia. Ainda assim, a agenda dos próximos anos foi reforçada no mês passado, no Plano Quinquenal, válido para o período de 2016 a 2020. Não há dúvidas da direção a favor de uma economia mais estável e equilibrada, desde os aspectos sociais aos políticos, passando pelos econômicos. Sob essa perspectiva, o sucesso da China parece dependente da forte liderança de Xi Jinping, com intenções claras de internacionalização do país. Dito isso, atualizamos nossa visão para a economia chinesa para ano que vem 1. De forma resumida, entendemos que: A história segue a mesma dos últimos anos: a economia em 2015 está mais fraca que 2014 e 2016 certamente será pior que 2015. Sem colapso, mas com ruídos e volatilidade dos 1 Pautada em recente visita ao país. 1

dados e dos mercados crescente. Ou seja, a probabilidade de uma freada brusca ainda é baixa, porque é difícil enxergar um gatilho, forte o suficiente, para uma crise financeira; Há, de fato, dois ritmos de crescimento da economia. A indústria e o setor de construção, especialmente aquele ligado ao setor imobiliário, mostram desaceleração expressiva, com expansão próxima a 3% ou 4%. Por outro lado, o setor de serviço e, de certo modo, o segmento de infraestrutura, ainda crescem em ritmo ao redor de 6% e 7%. No entanto, temos mais convicção de que a economia velha seguirá em dificuldade do que a economia nova mostrará aceleração; De todo modo, o custo de desalavancar a economia com a relação crédito/pib acima de 200% atualmente é muito alto e o espaço de manobra vem diminuindo. Muitas vezes, o problema de solvência é tratado como um problema de liquidez, lembrando que se incorporarmos a dívida dos governos locais e das estatais à do governo central, a dívida/ PIB saltaria, aproximadamente, de 20% para algo próximo a 70%; O governo tem tentado garantir a estabilidade do crescimento, ganhando tempo para a solução dos problemas financeiros. Os estímulos fiscais e, principalmente, os monetários têm como foco principal a suavização da transição da economia, quando novas fontes de crescimento ajudarão a reduzir a alavancagem acumulada desde a saída da crise. Essa saída virá especialmente das reformas, que levam tempo; O crescimento do PIB no ano que vem, a ser divulgado pelo escritório de estatísticas da China, deverá ficar entre 6,0% e 6,5%, mas a sensação pode ser de algo inferior a isso. Assim, mantemos nossa projeção de expansão de 5,5%; Os riscos continuam assimétricos na direção de uma desaceleração mais acentuada. Esses se concentram nos possíveis ruídos na condução da política, em estímulos excessivos e no descontrole dos defaults de empresas e dos governos locais; Os próximos três anos serão críticos porque se as reformas não avançarem de forma mais emblemática, será muito difícil postergar as dívidas acumuladas nos anos anteriores. Somado a isso, cabem considerações adicionais sobre as expectativas para o curto prazo, os principais vetores de estabilização ou desestabilização da economia, o papel da liderança do presidente Xi Jinping, as perspectivas para o renmimbi e as reformas. O somatório de problemas estruturais é significativo: excesso de estoques de imóveis, elevada capacidade ociosa na indústria, campanha anticorrupção (afetando consumo e investimentos), saída de capital, elevado endividamento dos governos locais e das empresas, avanço das reformas lento do que o esperado, aumento da desigualdade e da mobilidade social, erros/ ruídos na condução da política econômica, baixo retorno dos investimentos, deflação no atacado, queda do lucro das empresas estatais. A despeito disso, as perspectivas de curto prazo parecem ainda compatíveis com uma desaceleração suave e controlada, ainda mais quando comparadas com poucos meses atrás. Há a expectativa de uma estabilização neste trimestre, que deve ser 2

temporária (e que pode até frustrar tendo em vista os dados já conhecidos para o período), mantendo a tendência de desaceleração ao longo de 2016. Vale lembrar que entre junho e setembro, tivemos uma sequência de ruídos na condução da política e pressão de baixa para a economia: correção da bolsa, intervenção na moeda, explosão de diversas fábricas em Tianjin (afetou parte relevante da produção industrial e o porto que responde por 5% das exportações chinesas) e parada militar do início de setembro (muitas fábricas ficaram fechadas para ajudar a qualidade do ar). Sem esses ruídos e com o alívio monetário (que deve seguir presente neste e no ano que vem, com mais cortes da taxa de juros e do depósito compulsório e injeção de liquidez), a economia deveria melhorar discretamente o que, por ora, ainda não se mostrou como verdadeiro. Além disso, os bancos de desenvolvimento estão injetando muitos recursos nas províncias e os governos locais estão sendo pressionados a acelerar os projetos. Trazendo estabilidade em outras frentes, como no mercado acionário, o governo conseguiu desencorajar a saída de capital (seja porque voltou a apreciar a moeda, interrompendo a depreciação anunciada no começo de agosto, seja porque aumentou de forma considerável o controle da saída de recursos). A meta de crescimento do PIB para 2016, por sua vez, deve ser anunciada só em março. Como o governo já falou de expansão, ao menos, de 6,5% de 2016 a 2020, acreditamos que o cenário mais provável seja de manutenção da meta de 7,0% 2. Por fim, a campanha de controle à corrupção ainda não se esgotou, estendendo-se recentemente ao mercado financeiro. Mesmo com essa visão menos negativa para o curto prazo, devemos reconhecer os fatores estruturais da economia, que podem favorecer ou atrapalhar o objetivo atual de estabilização da economia e dos mercados. Destacamos o papel do mercado imobiliário, das finanças dos governos locais e do mercado de trabalho. De forma resumida, sobre o setor imobiliário, entendemos que a pior parte do ajuste já aconteceu sobre a atividade econômica (a contribuição do setor sobre o PIB deve ter sido negativa entre 1 a 1,5 p.p. neste ano). Talvez esse tenha sido o maior ajuste estrutural que foi feito na economia, mas o setor deverá continuar fraco pelo menos até 2017-2018. De todo modo, ao menos por ora, pode deixar de contribuir negativamente para o PIB. O fato é que houve melhora nos últimos meses das vendas, mas lançamentos e investimentos seguem em queda. Há também um aumento da polarização das regiões: cidades grandes estão rodando bem, com potencial ainda de demanda genuína (questão demográfica é fundamental, já que concentração de vendas está entre os 25 e 35 anos); por outro lado, as cidades menores vão levar muito tempo para fazer ajustes. Isso fez com que os estoques, na média nacional, tenham recuado de 19 para 15 meses recentemente. Vale ainda ressaltar que a correção do segmento imobiliário ajuda a explicar boa parte do atual ciclo da economia. Enquanto não ajustar estoques, a economia chinesa seguirá desacelerando. Em 2017, poderemos observar alguma recuperação quando estoques deverão estar ajustados. Mas, mesmo assim, acreditamos que a demanda por imóveis parece ter atingido o pico. Por isso, 2016 deverá ser tão desafiador quanto este ano. 2 A chance de anunciarem um intervalo entre 6,5% e 7,0% é muito baixa, porque é mais confortável dizer ao redor de 7,0% ou de 6,5%. 3

Em relação ao endividamento dos governos locais, entendemos que os problemas ainda são significativos, decorrentes (i) do baixo lucro e da baixa qualidade dos ativos (projetos ruins), (ii) do excesso de dependência da receita da concessão de terras (que caiu muito diante da desaceleração do setor imobiliário), (iii) do fato de que essas dívidas já foram reestruturadas em 2013, (iv) da baixa credibilidade dos governos locais e (v) da confusão entre projetos públicos e de empresas. A principal preocupação está nos veículos de financiamento dos governos locais, que hoje chegam a mais de 7.000 e mais da metade desses (cerca de RMB 15,4 trilhões) precisa ser transformada em títulos 3, dentro do programa do governo federal de reestruturação das dívidas dos governos locais. Neste ano, o programa de swap já conseguiu transformar RMB 3,2 trilhões de dívida em títulos (e deve reestruturar mais de RMB 11,5 trilhão nos próximos dois anos), sabendo que os bancos comerciais e as seguradoras são os principais compradores. O maior obstáculo para o sucesso desse programa que tem como objetivo central alongar a dívida, a um custo mais baixo é a falta de transparência dos governos locais, uma vez que existem províncias boas e outras muito ruins. A visão consensual é que isso vai funcionar ao longo dos próximos 3 a 5 anos, ainda que tenhamos que reconhecer que algumas províncias, na maioria do nordeste e sudoeste da China, vão dar defaults. 3 O restante tem capacidade de se financiar. 4

O mercado de trabalho, por sua vez, tem trazido baixas preocupações, especialmente para o governo. Isso porque a oferta de trabalhadores principalmente de menor qualificação (em função das questões demográficas) ainda é baixa e consegue realocação no setor de serviços. Além disso, muitos desempregados eram migrantes e estão voltando para suas casas, onde têm suas terras rurais. Também não devemos deixar de mencionar que, mesmo sabendo que isso não é sustentável por muito tempo, muitas empresas estatais continuam produzindo e empregando, mesmo sem vender. Mas as questões estruturais e a necessidade de reformas serão ditadas pelo cenário político, diante da consolidação e centralização de poder do presidente Xi Jinping. Diversos são os sinais da consolidação do poder e das ambições estratégicas da atual liderança chinesa. No âmbito políticomilitar, podemos citar a Parada militar ocorrida no início de setembro para relembrar o final da 2ª Guerra Mundial, os avanços no Mar do Sul da China, o aperto dos controles relacionados a questões cibernéticas. No âmbito internacional, a agenda do presidente de viagens internacionais vem crescendo de forma significativa (EUA, Reino Unido, Vietnã, aproximação com Taiwan, visitas dos líderes da Alemanha e da França, Angela Merkel e François Hollande em Beijing, além dos acordos comerciais feitos entre China, Coreia e Japão). Ao mesmo tempo, a campanha de controle à corrupção segue avançando, mas isso tem trazido resistências dos grupos de interesses nos ministérios, nos governos locais e nas estatais o que ajuda a entender o avanço mais lento das reformas. Esse contexto, em que as ambições políticas vão à frente dos objetivos econômicos, tem implicações importantes. Para a economia, entendemos que a estabilidade é prioridade e o governo vai evitar uma desaceleração mais brusca que não comprometa a agenda principal. Acordos de comércio também devem se intensificar (inclusive como resposta ao TPP), sendo que o crescimento de longo prazo estará condicionado a esse ambiente de segurança nacional. A moeda torna-se um tema importante, tanto de curto como longo prazo, diante da necessidade de estabilização e internacionalização do país. No curto prazo, após a tentativa de o governo alterar o mecanismo de flutuação da moeda e da depreciação, aumentaram as incertezas em relação ao rumo do renmimbi. Diante da expectativa de continuidade da depreciação, a saída de recursos do país se intensificou e o governo optou pela estabilização da moeda, a fim de reduzir ao máximo as incertezas e a volatilidade. Entendemos que a saída de capital teria continuado forte, puxada pelas empresas (diante da expectativa de aumento dos juros nos EUA, do endividamento denominado em dólar e da própria expectativa de depreciação da moeda chinesa). Contudo, o governo tem sido bastante cauteloso, controlando essa saída (haja vista a estabilização das reservas em outubro), mas tem um dilema em não fechar completamente, porque não quer abandonar o plano de abertura da conta capital. A inclusão do renmimbi no SDR (Special Drawing Rights) do FMI é bastante emblemática, refletindo o novo papel econômico e geopolítico exercido pela China atualmente. Segundo o FMI, para a inclusão não foram necessários um regime de câmbio flutuante e a abertura conta capital, nem estão focados na diferença entre CNH e CNY (os mercados offshore e onshore, respectivamente). Na nossa visão, no curto prazo, a pressão ainda é de depreciação e será bastante moderada, entre 2% e 4% e acontecerá gradualmente ao longo de 2016, como sinalizado inclusive pelo banco central do país. 5

Finalmente, mesmo defendendo que a desaceleração não será interrompida, cabe nos questionarmos o que poderia trazer volatilidade em 2016? Além das questões estruturais já mencionadas e o ciclo dado pelo setor imobiliário e pelo alívio das condições monetárias e, principalmente fiscais, há sinais que nos preocupam. Destacamos: (i) o mercado de bonds (que começou a crescer muito rapidamente depois da correção da bolsa e que expõe mais uma vez a alavancagem), (ii) os possíveis defaults de empresas (que não vão conseguir honrar suas dívidas diante da forte desaceleração do setor imobiliário e industrial) e (iii) as intenções do banco central em intervir na taxa de juros de mercado (ao desejar estabelecer uma taxa interbancária de referência e reduzir essa taxa, alinhada com a queda das taxas de referência, iniciada em novembro do ano passado). As reformas também merecem ser monitoradas, frente à necessidade de transformar a economia nos próximos anos, como forma de liquidar o endividamento acumulado desde a saída da crise. Por ora, o avanço tem frustrado as expectativas, em diversas frentes, como fiscal, da terra rural, das estatais 4. Com isso, devemos nos perguntar se algum desses eventos de volatilidade poderia ser um gatilho para uma crise sistêmica. Até agora, a resposta é negativa, uma vez que, na nossa visão, apenas uma saída significativa de capital (afetando a liquidez do sistema) e/ou uma perda generalizada de confiança dos chineses poderia comprometer a sustentabilidade da China, tendo em vista o fato de ser uma economia fechada. Assim, uma abertura precipitada, 4 Sobre a reforma das estatais, nossa visão é que a reforma implicará a adoção de diversos formatos. No entanto, para os setores estratégicos e com objetivo de internacionalização, deve prevalecer a fusão de diversas estatais, como vem acontecendo no setor de alimentação, de ferrovia, aéreo. 6

em qualquer frente, também poderia suscitar correções drásticas no país o que não parece estar no radar no governo chinês. 7

* Fabiana D Atri é atualmente economista coordenadora do Departamento de Pesquisas e Estudos Econômicos do Bradesco e Diretora de Economia do CEBC. 8