Identidade e alteridade: processos de inclusão e exclusão escolar



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Transcrição:

Identidade e alteridade: processos de inclusão e exclusão escolar Ana Paula Berberian 1 Daniel Vieira da Silva 2 Claudia Regina Mosca Giroto 3 Podemos acompanhar um descompasso em relação aos avanços expressos nas políticas educacionais brasileiras, mais especificamente, no que tange a inclusão de alunos com deficiências e/ou necessidades educacionais especiais no ensino regular e os conhecimentos e as práticas pedagógicas que tem norteado o ensino de tais alunos. A urgência da análise e da superação dos problemas envolvidos com o descompasso acima referido torna-se tanto mais evidente quando consideramos índices, estatísticas e diversos dados obtidos a partir de pesquisas de pequena e de grande escala que identificam graves problemas que caracterizam o sistema educacional brasileiro. A análise dessa contradição, de maior abrangência, nos oferece elementos para compreender o caráter ideológico envolvido com a constituição dos conceitos de exclusão/inclusão escolar. Ou seja, nos permite considerar que, compatíveis e formulados numa sociedade organizada em classes sociais que naturaliza as desiguais condições, subjetivas e objetivas, de vida da população, tais conceitos são complementares e autoreguladores. Enfim, a exclusão enquanto criação ideológica, não representa falhas/retrocessos que devem ser superados, mas é inerente, necessária e, portanto, previsível nos sistemas capitalistas. Alinhada a essa posição, Patto (2008) acrescenta que grupos populacionais são excluídos para serem incluídos a partir de uma lógica que imprime a exploração humana e a desigualdade social como regras estruturantes de tais sistemas. Diante dessa perspectiva, pode-se afirmar que alunos que apresentam limitações e restrições relativas às condições de acesso, de apropriação e uso, por exemplo, da linguagem escrita ou outros conteúdos escolares, não estão excluídas mas, absolutamente, incluídas num sistema que oferece distintas e desiguais condições de acesso e de relação com os bens simbólicos e materiais, fatos que, por sua vez exercem influência decisiva nas formas precárias de inserção e participação social. 1 Universidade Tuiuti do Paraná. 2 Universitário Internacional UNINTER/Curitiba 3 Faculdade de Filosofia e Ciências FFC/Unesp/Campus de Marília/SP

Portanto, a partir de tal perspectiva de análise propõe-se que reflexões em torno dos conceitos de exclusão e inclusão escolar cedam espaço para análises que, comprometidas com a crítica, a recusa e a superação das desigualdades e injustiças sociais, reconheçam que as formas de inclusão escolar, tradicionalmente marginais e precárias, ao invés de resultarem mudanças radicas, via de regra, causam a degradação (PATTO, 2008). Consideramos, portanto, que propostas, efetivamente includentes só poderão ser efetivadas quando assentadas em ações que subvertam a idéia de inclusão social/escolar como adaptação e normatização. Para aprofundarmos nossas análises, cabe destacar que o paradigma da inclusão escolar tem se sustentado, predominantemente, a partir de uma perspectiva constituída, por um lado, com base em argumentos e proposições formulados pela negação de conceitos e práticas considerados excludentes, por outro, pela afirmação e defesa da diferença como um traço, que identifica pessoas e grupos sociais. Para aprofundarmos nossas análises acerca de tal perspectiva, teceremos inicialmente considerações acerca da tendência de afirmação e defesa à(s) diferença(s). Nota-se que a determinados agrupamentos sociais tem sido atribuída uma identidade de grupo, a partir de uma lógica que delimita o diferente como critério de inclusão. Ou seja, aspectos orgânicos, psíquicos, linguísticos, culturais, religiosos, de gênero, de origem, de raça, dentre outros, são elencados e adotados para agregarem pessoas por semelhanças. Nessa direção, dimensões e/ou aspectos, que de forma integrada e complexa constituem os seres humanos e a vida em sociedade, tendem a ser tratados como fragmentos identitários, os quais passam a direcionar abordagens teórico-práticas que incidem sob o desenvolvimento, direitos, deveres e, portanto, sob as condições de vida dos sujeitos pertencentes a grupos específicos. Considerando que a diversidade não é um aspecto que caracteriza determinados sujeitos, em relação/comparação a outros, mas diz respeito à alteridade 4 que confere aos homens a sua dimensão humana e seu potencial criador e transformador, há de se analisar determinantes histórico-ideológicos relacionados a definições e ações que atrelam diversidades/identidades a grupos específicos/especiais. 4 Com base nos estudos de Bahktin (1896; 2010), alteridade se refere ao lugar que o outro ocupa/assume no processo interativo/discursivo ao ter, através de uma relação de mútua constituição, papel fundamental na constituição do sujeito.

Interessa-nos analisar como essas definições e ações, (re) produzidas no contexto educacional brasileiro, reiteram um paradoxo que tem gerado avanços e retrocessos nas políticas e práticas educacionais formuladas em nome da inclusão escolar. Ao agregarem/classificarem os sujeitos supostamente semelhantes, para serem tratados como os diferentes (a exemplo daqueles pertencentes à categoria de alunos com necessidades educacionais especiais), tais iniciativas simplificam e circunscrevem as possibilidades dos sujeitos de ser e de participação social àquelas identificadas como próprias aos grupos que pertencem, ou seja, aos de: surdos, deficientes visuais, super dotados, deficientes intelectuais, negros, índios etc. Para verticalizarmos a análise acerca dessa lógica classificatória, recorremos às colocações de Miotello (2011), uma vez que nos permitem compreender como os mecanismos acima descritos são decorrentes de uma visão dicotômica e reducionista de pensamento e sistematizados a partir do princípio de contraste e oposição. Nessa direção esse autor nos oferece elementos para compreender como os conceitos de diferença e identidade, instituídos por oposição binária e pela abstração e generalização de coordenadas representativas deste ou daquele conjunto, embora confiram ao sujeito uma suposta condição de identificabilidade, por não reconhecer a alteridade como constitutiva das relações sociais, enfraquece a noção de igualdade social e os movimentos pela construção de uma sociedade de direito. Ou seja, a diferença, uma vez destacada como traço de identidade e encerrada em e por grupos específicos, deixa de ser concebida como constitutiva do humano e passa a ser tratada como uma abstração. Miotello (2011), com base nos preceitos de Bakhtin (2010), evidencia como o destaque e a valorização de uma determinada diferença anula e/ou torna indiferente outras diferenças constitutivas dos sujeitos. Nessa medida, nos convoca a refletir como das diferenças oficialmente reconhecidas (surdos, negros, cegos, mulheres, homossexuais etc.) decorrem relações sociais conflitantes e contraditórias, [...] nas quais a alteridade de cada um é apagada, e nas quais, na melhor das hipóteses, vigora a tolerância do outro, mas sempre, do outro em geral, cuja diferença é a da identidade do conjunto a que pertence (p.18-19). O pertencimento a este ou aquele agrupo, determinado por esse ou aquele traço distintivo, acaba por ser influenciado por formas de controle e normatização de mobilidade social ou categorial (se for considerada a classificação dos distintos grupos

sociais formados ou em formação) intrinsecamente relacionadas com as formas autorizadas / reconhecidas de participação social. Ou seja, a diferença passa a se constituir em fator/critério de homogeneização cultural, constituída/instituída ao sabor das políticas e tendências mercadológicas que conferem, entre outras características, maior ou menor organização, maior ou menor prestígio aos inúmeros grupos sociais. Portanto, a maior ou menor relevância atribuída aos componentes identitários dita o trânsito/inclusão de um a outro grupo ou mesmo forjam novos agrupamentos e novas formas de pertencimento. Em decorrência, a inclusão do diferente/da diferença se constitui em mais um mecanismo de adaptação e normatização. Se tomarmos por base as políticas públicas educacionais mais atuais, uma das críticas mais recorrentes com a qual nos deparamos na literatura se refere, justamente, ao engessamento de princípios, metas e proposições que, em nome da universalização do ensino, visam muito mais uniformizar/normatizar, do que propriamente garantir diferentes possibilidades de se promover o acesso e permanência estudantil no sistema educacional, por si só excludente. No sistema educacional inclusivo, assim denominado muito mais no plano da legislação do que no plano da realidade cotidiana com a qual nos deparamos, tem sido possível acompanhar a exclusão de alunos que, pelo direito inalienável à educação também adquirem o direito a assim serem reconhecidos, para serem incluídos numa categoria ampla constituída pelos alunos de inclusão, por sua vez dividida em subcategorias de: alunos com necessidades educacionais especiais ; alunos com deficiências ; alunos que não aprendem ; entre outras, determinadas por essa homogeneização das diferenças, que anula as particularidades de cada um desses alunos no processo de acesso e permanência estudantil nesse sistema. Isso ocorre contraditoriamente à condição da diferença/do singular como aspecto inerente à heterogeneidade que marca o público que frequenta tal sistema. Se Miotello (2011) nos convida a analisar o fato da diferença, uma vez adotada de forma emblemática, anular as particularidades constitutivas das trajetórias de vida dos sujeitos, julgamos necessário estender nossa análise para uma outra implicação decorrente de tal fato: o apagamento da dimensão histórica e coletiva desses mesmos sujeitos. Isso porque essa implicação impede a tomada de consciência de que as desigualdades e injustiças sociais estão, historicamente, atreladas às precárias formas de

vida de parcela significativa da população brasileira e não restritas apenas a determinados grupos sociais classificados como diferentes e/ou especiais. Ainda que sejam necessárias ações generalizadas, direcionadas a grupos específicos de sujeitos, em razão da forma como o sistema educacional se encontra organizado na atualidade, tais ações deveriam ser tidas como transitórias, de forma que a precarização geral da qualidade de vida que, por consequência, se reflete no campo educacional, dentre tantas outras instâncias, pudesse realmente ser considerada como aspecto central. A precarização do ensino tem gerado índices alarmantes de alfabetização que contribuem para a homogeneização de grupos, a exemplo dos letrados e não letrados, alfabetizados e não alfabetizados, dos que aprendem e dos que não aprendem, dos que se profissionalizam e dos que não se profissionalizam etc. Bem como tem gerado, em nome dessa organização do sistema educacional, equívocos que recaem, por exemplo, sobre os índices que se referem aos alunos com necessidades educacionais. Se considerarmos as condições de letramento da população em geral, em decorrência dessa precarização da qualidade de vida que acentua as desigualdades de condições de acesso aos bens simbólicos e materiais, possivelmente grande parte dos alunos de inclusão representa os alunos sobre os quais recaem as consequências da naturalização [..] das desiguais condições, subjetivas e objetivas, de vida da população (GIROTO; BERBERIAN; SANTANA, 2013, p.110), bem como da organização de uma sociedade na qual são fundantes a exploração humana e a desigualdade social (PATTO, 2008). Giroto, Berberian e Santana (2013, p. 110), ao criticarem a naturalização das diferenças apontam que a precarização no acesso aos bens simbólicos e materiais [...] exercem influência decisiva nas formas precárias de inserção e participação social. Essas autoras referem que: [...] propostas efetivamente includentes só poderão ser efetivadas quando assentadas em ações que subvertam a ideia de inclusão como adaptação e normatização. (GIROTO; BERBERIAN; SANTANA, 2013, p. 110).

REFERÊNCIAS BAKHTIN, M. M.. Marxismo e Filosofia da Linguagem. 3ª. Ed. São Paulo: Hucitec, 1986. BAKHTIN, M. M. Para uma filosofia do ato responsável. Mikhail M. Bakhtin. [Tradução Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco]. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010 GIROTO, C. R. M.; BERBERIAN, A. P.; SANTANA, A. P. Saúde, Educação e Educação Especial: princípios e paradigmas norteadores das práticas em saúde no contexto educacional inclusivo. In: GIROTO, C. R. M. et al (orgs). Serviços de apoio em Educação Especial: um olhar para diferentes realidades. Alcalá de Henares: Servicio de Publicaciones de la UAH, 2013, p. 101-24. MIOTELLO, V. Discurso da Ética e a ética do Discurso. São Carlos: Pedro & João Editores, 2011. PATTO, M.H.S. Políticas atuais de inclusão escolar: reflexões a partir de um recorte conceitual. In: BUENO, J.G.S.; MENDES, G.M.L.; SANTOS, R.A. (orgs.). Deficiência e Escolarização: novas perspectivas de análise. Junqueira & Marin editores, 2008, p.25-42. PONZIO, A. A. concepção bakhtiniana do ato como dar um passo. In: Para uma filosofia do ato responsável. Mikhail M. Bakhtin. [Tradução Valdemir Miotello & Carlos Alberto Faraco]. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010.