CIRANDA INFANTIL DO MST: DE NECESSIDADE ESTRUTURAL À POSSIBILIDADE PEDAGÓGICA NA FORMAÇÃO DE EDUCADORAS E EDUCADORES DO CAMPO

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1 CIRANDA INFANTIL DO MST: DE NECESSIDADE ESTRUTURAL À POSSIBILIDADE PEDAGÓGICA NA FORMAÇÃO DE EDUCADORAS E EDUCADORES DO CAMPO Alex Verdério 1 Janaíne Zdebski da Silva 2 Introdução O tema infância tem tido cada vez mais espaço na produção acadêmica, nos meios de comunicação de massa, na discussão entre especialistas de todas as áreas, na vida cotidiana e nas conversas fortuitas do dia-a-dia. Constantemente os noticiários de todo o mundo apresentam manchetes relacionadas à violência sofrida por crianças, violência esta de todos os tipos e graus, imagináveis e inimagináveis. No Brasil após vinte anos do estabelecimento do Estatuto da Criança e do Adolescente ECA, o diagnóstico não é diferente. Concomitantemente a atualidade do tema infância, verifica-se algumas tentativas, de para além do campo discursivo, buscar na prática a efetivação de esforços orientados para garantia dos direitos infanto-juvenis. Aqui, toma-se a experiência do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST, que através do fazer educativo de seu Setor de Educação vem sendo tensionado, entre outras, à compreensão da infância no contexto da luta pela terra e na terra. 1 Graduado em Pedagogia para Educadores do Campo pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, turma 2004/2008. Assentado no Assentamento Santa Maria / COPAVI, integrante do Setor de Educação do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra MST / PR e integrante do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais GPPS. Atualmente é mestrando do Programa de Pós-Graduação stricto sensu em Educação área de concentração: Sociedade, Estado e Educação, da Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, bolsista CAPES. e-mail: alexverderio@yahoo.com.br 2 Graduanda do quarto ano do curso de Pedagogia da Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, integrante do Grupo de Pesquisa em Políticas Sociais GPPS, estagiária no Curso de Licenciatura em Educação do Campo da UNIOESTE, bolsista do Programa de Extensão Universidade Sem Fronteira no Projeto: Capacitação e Formação Continuada dos Educadores das Escolas Itinerantes do MST e ICV Os ciclos de formação humana nas Escolas Itinerantes do MST. e-mail: janainezs@yahoo.com.br 1

2 A prática educativa relacionada à Educação Infantil, desenvolvida no interior do MST, chamada de Ciranda Infantil, tem se apresentado como demanda que passa a exigir uma reflexão e um fazer educativo que redimensionam a própria percepção e importância das crianças. Tal prática, e as reflexões que ela tem impulsionado, têm possibilitado avanços consideráveis sobre o debate em torno da compreensão da infância, como uma construção social importante da vida do ser humano, sobretudo no interior das lutas travadas por este movimento social. De forma breve, pretende-se apontar alguns elementos sobre o debate da educação no interior do MST, que a partir da necessidade dos Sem Terra, entre outras tantas demandas, tem direcionado sua reflexão e ação à Educação Infantil, para que pais, mães, e as crianças, que integram este movimento social, possam garantir sua participação e formação continua no estar e participar da luta. Neste artigo, será realizada uma aproximação analítica à prática de Educação Infantil realizada pelos Movimentos Sociais Populares do Campo MSP sdoc 3, a partir da necessidade concreta, dentre tantas outras práticas, passam a organizar a Ciranda Infantil nos cursos de graduação para formação de educadoras e educadores do campo, que propostos pelos MSP sdoc, são organizados a partir das necessidades e especificidades das escolas e comunidades do campo. Com este artigo, a perspectiva posta é a de aproximar-se do debate relacionado à Educação Infantil no interior dos MSP sdoc. Para tanto, toma-se como objeto de análise a Ciranda Infantil nos cursos de graduação para formação de educadoras e educadores do campo, que num primeiro momento se apresenta como uma demanda estrutural, para efetiva participação de mães e pais em tais cursos, mas que passam a ter um caráter pedagógico no processo de formação de educadoras e educadores do campo. 3 Ao utilizar o termo Movimentos Sociais Populares do Campo MSP sdoc, conforme Titton (2006) e D Agostini (2009), quando utilizam os termos movimentos sociais confrontacionais e/ou movimentos de luta de classe, a perspectiva posta é a de compreender a atuação de determinados movimentos sociais classistas que se configuram no confronto direto com o capital, rompendo desta forma com uma postura Pós- Moderna, que ao utilizar-se do termo novos movimentos sociais deixa de lado a centralidade da luta de classes, e desvincula a luta destes movimentos sociais da perspectiva de um projeto de sociedade contraposto ao da sociedade capitalista. 2

3 1. A Educação Infantil no MST História de uma criança Sem Terra Era uma casa muito engraçada Era de lona e não de tábua Esta casinha chama barraco Quem mora nela é quem não tem terra. Quem tem uma casa no Assentamento Morou primeiro no Acampamento Hoje tem horta pro seu sustento Porque produz seu alimento. Eu sou criança e quero escola Nela aprender e brincar de bola Sou Sem Terrinha já sei lutar Quero o direito de estudar. Na minha escola vou aprender A contar histórias do meu povo Semear as sementes do amanhã E também colher. Eu sou colona, eu sou criança Tenho orgulho e esperança Que todo mundo tenha saúde Cuide da vida e da natureza Cuidar da vida e cuidar da terra Porque a terra é nossa riqueza... Rosane, 14 anos, RS. Poema premiado no Concurso Nacional Feliz Aniversário MST, 1999. (ITERRA, fevereiro de 2001). Os MSP sdoc têm efetivado constantemente no seu fazer de luta e de tensionamento sobre o sistema capitalista a construção de relações que entram em confronto direto com as relações que dão base a este modo de produção. No contexto da luta pela terra em nosso país, surge o maior e mais reconhecidos dos MSP sdoc no Brasil, o MST 4. Conforme Dalmagro, O MST é fruto da histórica concentração da terra no Brasil, a qual por sua vez, não é desarticulada do desenvolvimento econômico, social e político do país. Mas o MST também é produto de um momento histórico do capitalismo em âmbito mundial, em sua fase madura, ou imperialista. De outro lado, porém, o MST também é produto da organização e luta dos sem terra, de sua capacidade organizativa, de seu contraponto ao 4 Nas palavras de Miguel Carter (CARTA CAPITAL, 2010, p.26) No campo, o MST é o maior deles, o mais reconhecido. Conforme Ribeiro (2010, p.37), levantamento feito pelo MST em 2004 mostrava [...] a existência de 1.640 assentamentos reunindo 105.466 famílias, em 24 Estados da federação. Ainda neste período, conforme a autora havia [...] 124.240 famílias acampadas em 22 Estados brasileiros. 3

4 capitalismo, enfim, como constituinte da classe trabalhadora, cujas formas de luta e organização adquirem dinâmicas próprias possibilitadas e forjadas em cada contexto. (DALAMAGRO, 2010, p.64). O MST desde sua constituição, e na sua caminhada histórica 5 vem se consolidando como um movimento de massas, articulado em nível nacional, no qual assume caráter sindical, popular e político, tendo por objetivos: a luta pela terra; a luta pela Reforma Agrária; e a luta pela transformação social. Este movimento social tem utilizado como principal instrumento para pautar a necessidade da realização da Reforma Agrária e obter conquistas na luta de classes, a ocupação de terras. O MST é um movimento que organiza as famílias Sem Terra para a luta social. Concomitantemente a luta pela terra, os Sem Terra homens, mulheres, adultos, idosos, jovens e crianças, ligados ao MST, identificam a necessidade de lutar em outras áreas: saúde, educação, infra-estrutura para os assentamentos, crédito, agroindústrias... e para tanto passam a se organizar coletivamente na busca por construir respostas que atendam suas necessidades que vêm se concretizando na luta e pela luta. Desta forma, conforme Morissawa, No processo de construção e expansão do MST foram surgindo diversas comissões, equipes, núcleos, setores e outras formas de atividade, enfim bases de reflexão, discussão e encaminhamento das questões ligadas à luta pela terra em todas as suas dimensões. (MORISSAWA, 2001, p.204) Neste sentido, é que o MST, em sua estrutura orgânica, passa a organizar sua militância em coletivos de trabalho, que posteriormente passam, ou não, a ser chamados de setores. Nas palavras de Stédile: Na medida em que vai surgindo uma nova atividade, não se sabe como apelidá-la. Nunca tivemos uma preocupação de ter um organograma certinho [...]. As coisas foram acontecendo de acordo com a necessidade. Temos muitas atividades, mas nem todas se caracterizam como setor, porque algumas são mais nacionais, outras mais estaduais. [...] O principal é ir desenvolvendo a atividade. É irrelevante o nome que mais tarde daremos a ela. (STÉDILE & FERNANDES, 2005, p.93). Atualmente o MST, tem instituídos em sua estrutura orgânica sete setores: Setor de Frente de Massa; Setor de Produção, Cooperação e Meio Ambiente; Setor de Educação; 5 O MST como movimento social organizado tem seu 1º Encontro Nacional em 22 de janeiro de 1984, mas a luta dos Sem Terra, que viriam compor as fileiras do MST já se faziam presentes na sociedade brasileira desde a década de 1970. Como marco inicial para constituição do MST, em 1979, tem-se o Acampamento da Encruzilhada Natalino no Rio Grande do Sul. Porém, anterior a isso, e o próprio MST em seus documentos se identifica como herdeiro das lutas das Ligas Camponesas, de Contestado, de Canudos e dos Quilombos. Ver Stédile & Fernandes (2005) e Morissawa (2001). 4

5 Setor de Formação; Setor de Finanças; Setor de Saúde; e Setor de Comunicação e Cultura; e três coletivos: Coletivo de Gênero; Coletivo da Juventude; e Coletivo das Relações Internacionais. O Setor de Educação é o coletivo de militantes do MST que passa a se dedicar à tarefa da educação. Este coletivo é organizado conforme a realidade e as demandas concretas. No estado do Paraná 6, este Setor, organiza-se e efetiva a distribuição de tarefas por frente de trabalho, sendo elas: Educação Infantil; Ensino Fundamental e Médio; Educação de Jovens e Adultos EJA; e Formação de Educadores. O Setor de Educação do MST, tem tido papel fundamental no aprofundamento e difusão do debate relacionado à educação dos Sem Terra tanto no interior do MST, como em outros segmentos da sociedade. Sendo o MST, um dos MSP sdoc que historicamente vem se propondo a discutir a formação humana, a partir de um fazer de luta, que ao mesmo tempo questiona e propõe alternativas, o seu Setor de Educação, ao discutir o papel da educação na formação humana tem tido um papel fundamental na constituição do que vem sendo chamado de Educação do Campo. O que implica, conforme Caldart, na compreensão e na postura de [...] passar a olhar para a experiência educacional do MST não como algo à parte, exótico, e que interessa apenas aos sem-terra, mas sim como parte da história da educação do povo brasileiro (CALDART, 2004, p.286, grifos da autora). A discussão da educação no interior do MST tem seu princípio já nos primeiros acampamentos, anteriores a constituição formal do MST. Com a demanda posta pela necessidade de atendimento educacional às crianças, aos jovens e adultos não alfabetizados. Desta forma, a necessidade do debate sobre educação surge para os Sem Terra no acampamento, e depois, com a conquista da terra, esse debate se efetiva também no assentamento. Para Dalmagro (2010) a discussão da educação no MST esta muito atrelada ao direito à escola. Essa autora identifica que o debate no início do Movimento tem dois vieses: um que evidencia a necessidade da escola ; e o outro que aponta para a escola como necessidade da luta. 6 No Paraná o MST está organizado em coletivos denominados de Brigadas, organizadas a partir da territorialidade de seus acampamentos e assentamentos. Cada Brigada é composta por aproximadamente 500 famílias, tem dois dirigentes políticos (um homem e uma mulher) e um núcleo dirigente composto pelas coordenações dos setores, e representações dos acampamentos e assentamentos (conforme demanda local). O Paraná tem 33 Brigadas organizadas, e em todas há um coletivo responsável pela educação, sendo que estes militantes compõem o coletivo estadual do Setor de Educação. Este coletivo designa dois militantes (um homem e uma mulher) para compor o Coletivo Nacional do Setor de Educação e a Direção Estadual do MST. Em alguns momentos os coordenadores das frentes de trabalho também participam do Coletivo Nacional. 5

6 Com tais demandas é que o debate de educação no interior do MST passa a dar impulso e exigir a articulação de espaços específicos de discussão. Primeiro nos coletivos de educação em cada acampamento e/ou assentamento, depois com a articulação de todas essas discussões e posterior surgimento do Setor de Educação do MST. Tais discussões se atrelam a necessidade primeira de dar conta da preocupação das famílias e também das coordenações dos acampamentos com o estudo das crianças e das pessoas que não tiveram oportunidades de se alfabetizar, garantindo o acesso das mesmas à espaços de educação/escolarização, mesmo que de maneira não formal. Conforme Morissawa (2001), o Setor de Educação, se constitui em âmbito nacional, e como parte da estrutura orgânica do MST em 1987, no 1º Encontro Nacional de Educação. Os desdobramentos deste encontro, a luta pela terra e as conquistas advindas desta, em todo o país, neste período, geraram a necessidade de discussão da implementação das escolas dos anos iniciais do Ensino Fundamental. A partir daí se solidifica a preocupação e a intencionalidade que o MST dedicaria à educação. Desde 1987 há no MST um Setor de Educação, responsável pela articulação e coordenação nacional tanto das lutas como das formulações político-pedagógicas, que aos poucos vão se constituindo uma proposta de educação para as áreas de reforma agrária em nosso país. (CALDART & KOLLING, 1997, p.224). Desta forma, o surgimento do Setor de Educação como salientam Morissawa (2001), e Stédile & Fernandes (2005), ocorre em decorrência e em conformidade às demandas postas pelas famílias e pela luta do Movimento. Quando surgiu o Setor de Educação, foi para tratar da questão das escolas de assentamentos. Aos poucos este conceito vem sendo ampliado, porque na prática, o Setor de Educação já atua em bem mais frentes do que esta para qual foi originalmente criado. E também as práticas de educação vão bem além do Setor de Educação. Resumindo, então, podemos dizer que atualmente falar de educação no MST inclui pelo menos o seguinte: escolas de 1º grau dos assentamentos; escolas (legais ou não) dos acampamentos; alfabetização e pós-alfabetização de jovens e adultos dos acampamentos e assentamentos; educação infantil (0 a 6 anos) nas famílias, nas creches, nas pré-escolas; escolarização da militância em cursos supletivos ou em cursos alternativos de 1º, 2º e 3º graus; cursos de formação de professores, de monitores, de educadores infantis, de outros formadores. (MST, 1996, p.5). O Setor de Educação do MST, a partir da necessidade da formação e de escolarização do povo Sem Terra, passa a discutir, fazer, refletir e sistematizar uma 6

7 proposta de educação em consonância com a luta do Movimento. Nas palavras de Pedro Tierra: Para o MST, investir em educação é tão importante quanto o gesto de ocupar a terra, um gesto, aliás, que se encontra no cerne da pedagogia do movimento. Aqui, educar é o aprendizado coletivo das possibilidades da vida. As dores e as vitórias são face e contraface do mesmo processo. (apud., CALDART & KOLLING, 1997, p.223). Com tal entendimento, a partir da década de 1990, o Setor de Educação, concomitantemente com a realização de várias experiências e práticas educativas nos acampamentos e assentamentos do MST, sistematiza e publica uma série de documentos e cadernos 7 que delineiam sua proposta político-pedagógica 8. Entre as práticas educativas efetivadas pelo MST está a Ciranda Infantil. A reflexão e a prática de Educação Infantil, no MST, surgem da demanda apresentada pelas famílias Sem Terra, relacionada aos cuidados e a educação das crianças que compõem os acampamento e os assentamentos, e que participam efetivamente, com suas mães e pais, da luta pela terra e da luta na terra, mas, que por isso, não deixam de ser crianças. Desta forma, o debate em torno da Educação Infantil esta atrelado, num primeiro momento à necessidade de participação das mulheres na produção e na militância, a experiência das creches permanentes nas Cooperativas de Produção, e a criação das creches Itinerantes, em meados da década de 1990, impulsionaram as primeiras discussões sobre a Educação Infantil no interior do MST. Tal discussão teve vários desdobramentos, levando à reflexão sobre a própria nomenclatura a ser adotada para se referir a Educação Infantil, e que necessariamente teria que ajudar na reflexão sobre a infância no interior deste movimento social. Com tal entendimento é que, Com o passar do tempo, a partir de um longo processo de discussão nos coletivos de educação estaduais e nacional, passamos a chamar nosso espaço de Educação Infantil de Ciranda Infantil, nome que se refere à nossa cultura popular, às nossas danças, às brincadeiras, e à cooperação, à força simbólica do círculo, ao coletivo e ao ser criança. (MST, 2004, p.24). 7 Tais documentos encontram-se reunidos no Caderno de Educação Nº 13, edição especial: Dossiê MST Escola: Documentos e Estudos 1990 2001, organizado e publicado pelo Setor de Educação do MST em agosto de 2005. 8 Em 1996, o Setor de Educação do MST publica o Caderno de Educação nº 08: Princípios da educação no MST, no qual apresenta a sistematização da concepção pedagógica do MST. 7

8 Com tal compreensão é que o MST passa a identificar na fase do ser criança a vontade de conhecer, na qual o lúdico apresenta papel fundamental e o imaginário e o real se complementam. É na infância que a criança tem sede de conhecimento, o poder do canto, do representar, da imaginação, da fantasia, da poesia, da beleza. Por isso, é importante pensar a concepção de infância e crianças, como também, os espaços pedagógicos para que as crianças construam suas relações e nestas construam o seu tempo de infância [...]. (MST, maio de 2007, p.09). Entretanto, ao ponderar sobre a infância Sem Terra, é necessário considerar o contexto da luta pela terra e da luta na terra, no qual ela está inserida. Pois, para compreender a infância é necessário compreender sua natureza histórica, cultural, de classe social, sendo que tais elementos são os que determinam a sua condição de sujeitos concretos. O que possibilita a compreensão de que não existe uma concepção de infância estática e imutável, mas que esta concepção se atrela ao espaço na qual é concebida, estando imersa nas condições e possibilidades de transformações sociais. A partir do dado concreto, o qual permite afirmar que a infância é produzida em outros espaços, além dos tradicionais família e escola, é que as crianças passam a ocupar um lugar específico na luta do MST, nas palavras de Caldart, [...] já há alguns tempos as crianças estão sendo notadas como parte da dinâmica e do projeto do Movimento, e a educação tem sido identificada como o espaço mais próprio de sua emergência como sujeito (CALDART, 2004, p.298). Sendo assim, o próprio MST passa a direcionar um olhar mais atento em relação à infância, e o modo de lidar com essa fase da vida. Pois as crianças passam a ocupar seu lugar 9, e a exigir sua condição de sujeito. Neste sentido, que a Ciranda Infantil, tem se consolidado num desses espaços, onde as crianças do MST, os Sem Terrinhas, conquistam o seu espaço de ser criança no contexto da luta pela terra e da luta na terra. A Ciranda Infantil e a formação de educadoras e educadores do campo 9 Ao considerar a caminhada histórica do MST, é perceptível, de forma contundente, o espaço que as crianças e adolescentes foram conquistando. Exemplo disto é que no 1º Congresso Nacional do MST realizado em 1985 participaram 1.500 delegados adultos, já em 2007 no seu 5º Congresso Nacional, o MST reuniu 18.000 delegados, dos quais 1.000 eram crianças e adolescentes. 8

9 A Ciranda Infantil proposta e mantida pelo MST se constitui como um espaço de educação não formal, constituído a partir da demanda do trabalho educativo com as crianças Sem Terra. Para o MST a Ciranda Infantil é Um espaço educativo organizado, com objetivo de trabalhar as várias dimensões de ser criança Sem Terrinha, como sujeito de direitos, com valores, imaginação, fantasia, vinculando as vivências do cotidiano, as relações de gênero, a cooperação, a criticidade, e a autonomia [...]. São espaços educativos intencionalmente planejados, nos quais as crianças aprendem, em movimento, a ocupar o seu lugar na organização de que fazem parte. É muito mais que espaços físicos, são espaços de trocas, aprendizados e vivências coletivas. (MST, 2004, p.25) Essa prática vem sendo desenvolvida em vários espaços, seja, nos Assentamentos, nas Cooperativas de Produção, nos Acampamentos, nas marchas, nas mobilizações, nos encontros de formação, nas reuniões organizativas, nos cursos formais e não formais, nos centros de formação e escolas mantidos e acompanhados pelo MST. Desta forma, a Ciranda Infantil é o espaço educativo que possibilita o atendimento às crianças. Tem como perspectiva possibilitar a participação na luta e no estudo de homens e mulheres, que tem filhos. Constitui-se como o espaço das crianças na luta, que com o direito de estar junto a seus pais tem o direito também de viver o seu ser criança. Para tanto, É fundamental que as crianças tenham seu espaço garantido, por que fazem parte da luta, e, desde pequenas devem aprender a amar e a compreender a organização a qual fazem parte, bem como a luta de seus pais e mães, e a convivência é a melhor forma de ensinar. (CHAGAS et all, 2008, p.129). Com tal entendimento, é que os MSP sdoc, ao atuarem na perspectiva da constituição de espaços formativos para os adultos e jovens, sejam eles formais ou não formais, são tensionados à articular junto a estes a Ciranda Infantil. Sendo assim, a Educação Infantil se impõem como necessidade estrutural, que se vincula a necessidade continua de formação e da luta dos adultos e jovens que compõem os MSP sdoc. Ao mesmo tempo em que a Educação Infantil se impõe como demanda, passa a exigir uma reflexão mais profunda sobre a infância e sua condição no contexto da luta. A Ciranda Infantil vem possibilitando esse aprendizado aos adultos e jovens, e de modo geral ao MSP sdoc, mas sem deixar de se concretizar em espaço onde [...] as crianças vêm participando e vivenciando práticas no coletivo infantil, ou seja, na coletividade. Este fator leva as crianças a vivenciarem valores como a solidariedade, companheirismo, despertando o amor pela 9

10 vida, pela terra, pelo trabalho, o amor pelas pessoas, pela luta, pelo Movimento Sem Terra, isso sem perder a dimensão do SER CRIANÇA. (MST, maio de 2007, p.10). O que inevitavelmente coloca a criança em condição de luta, ou seja, na qual ela passa a ser vista e participar da luta, sem deixar de ser criança e vivenciar a infância. Esta demanda tem se apresentado nos cursos de formação de educadoras e educadores do campo realizados na Universidade Estadual do Oeste do Paraná UNIOESTE, nos cursos de Pedagogia para educadores do Campo e Licenciatura em Educação do Campo. Tais cursos se fundamentam, dentre outros elementos, no regime ou sistema de alternância que consiste na estruturação curricular fundada em dois tempos/espaços distintos, mas que se inter-relacionam, o Tempo Escola TE e o Tempo Comunidade TC (VERDÉRIO, 2009, p.04). Sendo que no TE, que ocorre na universidade os educandos ficam um longo período distante de suas comunidades, permanecendo reunidos, vivendo coletivamente, com a tarefa prioritária de dedicar-se aos estudos e às atividades do curso. O curso de Pedagogia para educadores do Campo está organizado em dez etapas, sendo quatro de aproximadamente cinquenta dias e seis de trinta dias. Já o curso de Licenciatura em Educação do Campo esta organizado em oito etapas de aproximadamente cinquenta e cinco dias cada. Dada esta condição estrutural dos cursos de formação de educadores do campo na UNIOESTE, é imprescindível a articulação da Ciranda Infantil para que seja garantida a permanência dos educandos e educandas, pais e mães nos cursos, e que não tem condições de ficar períodos tão longo longe dos filhos. Com tal compreensão é que os MSP sdoc, juntamente com a coordenação dos referidos cursos passam a orientar esforços no sentido de garantir o espaço da Ciranda Infantil dentro da universidade. A experiência da primeira turma do curso de Pedagogia para educadores do Campo, realizado entre 2004 e 2008 no Campus de Francisco Beltrão, materializou pela primeira vez esta necessidade junto à UNIOESTE. A Ciranda Infantil Pequenos Girassóis contou com a participação de vinte e cinco crianças filhos e filhas dos educandos do curso, que vinham para as etapas do TE em diferentes momentos no decorrer dos quatro anos do curso. Com a continuidade do curso de Pedagogia para educadores do Campo, em sua segunda turma, iniciada em maio de dois mil e nove e com a consolidação do curso de Licenciatura em Educação do Campo, em junho de dois mil e dez, ambos no campus da 10

11 UNIOESTE em Cascavel, a demanda da Ciranda infantil se impõe de maneira vigorosa, pois os filhos e filhas das educandas e educados de ambos os cursos, estão na universidade. Conforme depoimento de uma mãe e educanda da primeira turma de Pedagogia para educadores do Campo a Ciranda Infantil passa a ser a condição para poder realizar o curso. Dentro de tal contexto a Ciranda Infantil assume o caráter de demanda da coletividade da turma, e não mais uma preocupação individual das mães e dos pais, o que resulta em um grande aprendizado para todas e todos. A Ciranda Infantil permite que fiquemos próximos de nossos filhos e Eles são bem cuidados. O Fernando, hoje com dois anos, com certeza tem sua história de vida marcada por muitos momentos vividos na Pedagogia da Terra na Ciranda Infantil Pequenos Girassóis e que são lembrados no seu dia-a-dia, as musiquinhas, as estórias, os seus coleguinhas... Quando ele vê as fotos se alegra e rapidamente diz o nome de todos os rostos... Quando fui surpreendida pela segunda gestação, em nenhum momento pensei em desistir da caminhada. Penso que os filhos são motivos de persistência e por eles preciso concluir o curso. É lógico que os desafios serão grandes com a chegada da Letícia, mas acredito firmemente, que em 2008 estarei com o coletivo na formatura da turma e então receber o terceiro diploma. Sim, o primeiro o Fernando, depois a Letícia e, por fim, o meu canudo. Isso só é possível pela organização do espaço da Ciranda Infantil, que os Movimentos Sociais Populares do Campo consideram como importante para possibilitar que mães e pais camponeses, tenham acesso à Universidade. Isso, com certeza, não seria possível se fosse um curso regular e o sonho de fazer a faculdade seria barrado pela vontade também de ser mãe. [...] a Ciranda Infantil é um espaço educativo muito importante dentro do nosso curso. (RABELO, Amaro Korb; et all, 2008, p.56). Sendo assim, a Ciranda Infantil nos cursos de graduação para formação de educadoras e educadores do campo da UNIOESTE, ao mesmo tempo em que se impõe como uma demanda estrutural de tais cursos passa a exigir e possibilitar uma reflexão mais profunda sobre a infância no âmbito da formação das educadoras e educadores do campo. Na estrutura organizativa de tais cursos, a coletividade das turmas, compostas pelas educandas e pelos educandos de cada curso, passam a se organizar em equipes de trabalho, para que possam suprir as diversas demandas que vão se concretizando no desenrolar de cada curso. Dentre estas equipes de trabalho, está a equipe da Ciranda Infantil, a qual tem a tarefa de articular educadores junto às comunidades camponesas, fazer o acompanhamento pedagógico aos educadores infantis, orientando o planejamento, sugerindo atividades a serem desenvolvidas, bem como, possibilitar o diálogo entre as demandas da Ciranda Infantil, as mães e pais, e o conjunto da turma. 11

12 Na realidade atual, dos cursos de formação de educadoras e educadores do campo, a Ciranda Infantil vem sendo organizada com a participação de educadoras e educadores infantis, que a partir da organização dos MSP sdoc, se dispõem em atuar nestes espaços. A Ciranda Infantil, nos cursos de graduação para formação de educadoras e educadores do campo na UNIOESTE, conta com uma estrutura dentro da universidade e com o acompanhamento da Frente de Educação Infantil do Setor de Educação do MST / PR. No entanto, muitos são os limites a serem enfrentados: a universidade não dispõe de espaços adequados para a permanência e para a realização de atividades específicas com as crianças; os recursos didático-pedagógicos são escassos; os educadores e educadoras que se propõem à realização desta tarefa, mesmo com muita boa vontade e compromisso, apresentam limites na formação, não tem recursos para se manter, contando apenas com a colaboração financeira da turma durante o período em que estão na Ciranda Infantil. Todavia, a realidade tem tensionado a universidade, as coordenações dos cursos, os MSP sdoc, as comunidades, os pais e mães, as turmas para que construam alternativas e se comprometam com a Educação Infantil, para além do campo discursivo, fazendo-os propor e consolidar espaços que dêem conta da demanda imposta pela presença das crianças no espaço do curso, que como sujeitos que são, passam a exigir, a sua maneira, condições dignas de viver sua infância junto a suas mães e seus pais. Essa realidade implica que as educandas e educandos dos cursos de Pedagogia para educadores do Campo e Licenciatura em Educação do Campo, passem a tratar a Educação Infantil de maneira concreta buscando refletir sobre as concepções de infância que nos rodeiam e sobre a nossa ação em relação à infância. Tais elementos tem implicado em compreender o espaço da Educação Infantil na organização de tais cursos para além de sua condição de necessidade estrutural, assumindo concomitante a isso sua condição de possibilidade pedagógica na formação de educadoras e educadores do campo e contribuir na reflexão e no fazer educativo junto aos MSP sdoc. 1.4 Referencias Bibliográficas CALDART, Roseli Salete. Pedagogia do Movimento Sem Terra. 3ª ed. São Paulo: Expressão Popular, 2004. CALDART, Roseli Salete; KOLLING, Edgar Jorge. O MST e a Educação. In: STÉDILE, João Pedro (Org.). A Reforma Agrária e a luta do MST. Petrópolis: Vozes, 1997. 12

13 CHAGAS, Clemair das; et all. Educação Infantil: Ciranda Infantil como prática educativa do MST. In: RABELO, Amaro Korb; et all. Vivência e práticas pedagógicas: sistematizando a Turma Antonio Gramsci: Pedagogia da Terra 2004 2008. Cascavel, PR: Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 2008. D AGOSTINI, Adriana. A educação do MST no contexto educacional brasileiro. 2009. 205 p. Tese de Doutorado Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2009. DALMAGRO, Sandra Luciana. A escola no contexto das lutas do MST. 2010. 235 p. Tese de Doutorado Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Ciências da Educação, Florianópolis, 2010. ITERRA Instituto Técnico de Capacitação e Pesquisa da Reforma Agrária. Pra soletrar a liberdade. Caderno dos educando nº 2, Veranópolis RS: ITERRA, fevereiro de 2001. MORISSAWA, Mitsue. A História da luta pela terra e o MST. São Paulo: Expressão Popular, 2001. MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; Setor de Educação. Princípios da educação no MST. Caderno de Educação nº 08. São Paulo: MST, 1996. MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; Setor de Educação. Educação Infantil. Caderno de Educação nº 12, novembro de 2004. MST Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra; Setor de Educação. Tecendo e Construindo Saberes: refletindo a infância e a criança de hoje num processo histórico. Setor de Educação, documento interno para discussão, maio de 2007. RABELO, Amaro Korb; et all. Vivência e práticas pedagógicas: sistematizando a Turma Antonio Gramsci: Pedagogia da Terra 2004 2008. Cascavel, PR: Universidade Estadual do Oeste do Paraná, 2008. REVISTA CARTA CAPITAL. Democracia agrária: entrevista com Miguel Carter por Rodrigo Martins. 07 de Abril de 2010, ano XV, nº 590 São Paulo: Editora Confiança, 2010. RIBEIRO, Marlene. Movimento Camponês: Trabalho e Educação. São Paulo: Expressão Popular, 2010. STÉDILE, João Pedro; FERNANDES, Bernardo Mançano. Brava Gente: A trajetória do MST e a luta pela terra no Brasil. 3ª reimpressão. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2005. TITTON, Mauro. Organização do trabalho pedagógico na formação de professores do MST: realidade e possibilidades. 2006. 183 p. Dissertação de Mestrado Programa de Pós-Graduação em Educação da Faculdade de Educação da Universidade Federal da Bahia, Salvador, 2006. VERDÉRIO, A. O Tempo Comunidade: uma possibilidade nos cursos de graduação para formação de educadoras e educadores do campo em parceria com as Instituições Públicas de Ensino Superior. In: RIZZOTO, M. L. F. 4º Seminário Estado e Políticas Sociais no Brasil. Tema Central: Políticas Sociais na América Latina. Cascavel: Edunioeste, 2009. 13