Resenha do livro O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek adaptado por Lys Lenhart do original de Thobias Zamboni, ambos associados do IEE



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Transcrição:

Resenha do livro O Caminho da Servidão, de Friedrich Hayek adaptado por Lys Lenhart do original de Thobias Zamboni, ambos associados do IEE O economista austríaco Friedrich Hayek publicou uma das suas principais obras, O Caminho da Servidão (Road to Serfdom), em 1944, momento complexo sob o prisma da política global. Os países ainda estavam se recuperando do final da Segunda Guerra Mundial, e as políticas socialistas tinham grande apoio na Europa. Com coragem nesse momento difícil, Hayek ressaltou que o conteúdo do livro era de cunho político, e não um ensaio de filosofia social. A obra foi um alerta contra os movimentos políticos (da esquerda e direita) que então se expandiam na Europa continental, ameaçando crescentemente a liberdade e os direitos individuais. As ideias socialistas que estavam em voga no momento dificilmente seriam deixadas para trás. O que o autor temia era que a própria Inglaterra se tornasse socialista, visto o grande apoio de intelectuais e pensadores a essa tese. O livro surgiu de um pequeno paper que Hayek publicara em 1938 sob o título de A liberdade e o sistema econômico (Freedom and Economic System), posteriormente ampliado como um dos Panfletos de política governamental. A obra foi dedicada a todos os socialistas, visto que teve origem nas discussões com os colegas do autor que se inclinavam à esquerda. Hayek desejou mostrar que a intenção de substituir a ordem espontânea e complexa de mercado por uma ordem criada por um sistema de planejamento central resultaria inevitavelmente na miséria e na servidão. No prefácio, Hayek iniciou suas considerações destacando a importância de observar as experiências vividas por outros países para demonstrar as aplicações de certas ideias que levaram as nações a prosperar ou a empobrecer. Apesar de a História nunca se repetir, o aprendizado com o passado seria fundamental para evitar a reiteração de muitos dos erros cometidos. Portanto, bastaria observar o que aconteceu nas economias socialistas para saber os resultados práticos dessas ideias caso elas fossem aplicadas em outras nações. Como bem disse o autor, Se, a longo prazo, somos os criadores do nosso destino, de imediato somos escravos das ideias que criamos. A própria ascensão do nazismo e do fascismo foi resultado das tendências do pensamento socialista da época. Apesar da grande evolução propiciada pelo liberalismo no passado, as ideias e vontades que haviam determinado as grandes mudanças da vida

social passaram a ser vistas como erradas. Houve a renúncia progressiva ao liberalismo e ao individualismo herdados das gerações anteriores. A liberdade, na sua essência, estava ligada ao florescimento do comércio e devia-se a um imprevisto, não sendo resultado de um planejado desenvolvimento da liberdade política. Graças à liberdade econômica, todas as classes sociais tiveram grande evolução e progresso. O uso das forças espontâneas da sociedade, sem recorrer aos poderes coercitivos do Estado, foi essencial para o desenvolvimento das nações. Com o passar do tempo, foi o sucesso do próprio liberalismo que se tornou a causa de seu declínio. O homem passou a cada vez mais não tolerar os males ainda existentes, que, em dado momento, pareciam insuportáveis e desnecessários. Dessa forma, a atitude da sociedade mudou totalmente no transcorrer dos anos. Com as novas gerações, o interesse voltava-se para algo novo, e as ideias liberais sofreram grande queda, embora em passos imperceptíveis. Até 1870 o liberalismo havia atingido seu ápice e, de lá em diante, começou a retroceder. A Inglaterra perdeu a liderança intelectual, e a Alemanha assumiu o papel preponderante no centro das novas ideias. Foi na Alemanha que o socialismo se aperfeiçoou e alcançou desenvolvimento completo. A palavra ocidental passou a significar o mundo a oeste do Reno, e era entendida como sinônimo de liberalismo e democracia, capitalismo e individualismo, livrecomércio e toda forma de internacionalização ou amor à paz. Porém, com o decorrer do tempo, o Ocidente passou a importar as ideias alemãs, considerando o livre-comércio uma doutrina inventada para defender os interesses ingleses, os quais já estavam ultrapassados. Para os socialistas alemães, a liberdade de pensamento era a origem de todos os males da sociedade do século XIX. Foi o pensador político Alexis de Tocqueville quem primeiro citou a contradição entre a essência do individualismo das sociedades ocidentais e o socialismo. Enquanto em um sistema democrático se procurava a igualdade na liberdade, no socialismo procurava-se a igualdade na repressão e servidão. Na época a maior marca da propaganda socialista foi usar a bandeira de mais liberdade. Por essência, o socialismo traria uma liberdade autêntica e sincera, passando a ser visto como o herdeiro aparente da tradição liberal. Entretanto, em contrassenso, o socialismo mostrou o caminho não para a liberdade, mas para a ditadura. Não havia meios de alcançar o socialismo sob a bandeira da democracia. Para os totalitaristas, o verdadeiro inimigo a ser enfrentado era o liberal da velha escola. Quando Hitler subiu ao poder, o socialismo havia aniquilado o liberalismo. Na própria Inglaterra, berço do liberalismo, já havia a ideia de que socialismo e liberdade poderiam ser conciliados.

Os socialistas acreditavam que era possível conciliar liberdade e organização. O socialismo buscava abolir a iniciativa privada e a propriedade privada dos meios de produção, criando um sistema de economia planificado no qual o lucro do capitalista seria substituído pelo planejamento central. A planificação econômica só seria alcançada com o planejamento centralizado. O coletivismo era considerado também uma forma de socialismo. Grandes divergências entre socialistas e liberais davam-se em relação aos métodos para alcançar os objetivos, e não aos fins específicos. Para os socialistas conseguirem executar seus planos, precisavam manter-se no poder e obrigavam-se a se tornar opressores e tirânicos. Os socialistas viam o conceito de planejamento como essencial para poder planejar toda a atividade econômica de acordo com um plano único, a fim de alcançar finalidades determinadas. Já o planejamento no liberalismo seguia um conceito diametralmente antagônico, uma vez que buscava dar condições aos indivíduos para que elaborassem seus próprios planos. No sistema liberal, a concorrência era vista como o meio de coordenar os esforços humanos. O bom uso da concorrência substituía a intervenção coercitiva na vida econômica e auxiliava o seu funcionamento. A tentativa de controlar os preços ou quantidade de mercadorias impedia que a concorrência promovesse uma coordenação de esforços individuais, transmitindo informações nada confiáveis para os indivíduos e distorcendo a base para suas orientações e ações. Hayek ressaltou que, até aquele momento, todas as instituições legais que poderiam fazer o sistema competitivo funcionar de maneira eficiente tinham sido negligenciadas, e até então não havia estudos sobre sua importância. Ou seja, era fundamental criar condições para que a concorrência fosse tão eficiente quanto possível, com uma estrutura legal adequada, elaborada com inteligência e sempre em evolução. O que unia os socialistas de direita e esquerda era a hostilidade quanto ao sistema de concorrência, já que visavam substituí-la por um sistema de economia dirigida. A ideia da inevitabilidade da planificação surgiu com a noção de que as transformações tecnológicas acarretavam substituição da concorrência pelo planejamento. Hayek reconheceu que existia um crescimento progressivo dos monopólios nos últimos anos, e havia, sim, uma restrição cada vez maior à concorrência. O resultado dos monopólios, oriundos da intervenção governamental, era a criação de conluios e destruição da concorrência estabelecida anteriormente. O monopólio era favorecido pelo protecionismo e também por estímulos diretos, objetivando o controle de preços e vendas. Afirmar que os monopólios surgiram devido à evolução tecnológica e à complexidade da civilização era distorcer os fatos que mostravam o quanto era malévola a intervenção

governamental. O sistema de preços desempenhava papel fundamental no regime de concorrência. A descentralização era o sistema que mais atendia à coordenação econômica, em comparação com o dirigismo central, que era primitivo e de alcance limitado. A divisão de trabalho moderno deu-se sem a necessidade do planejamento central. Uma das características principais do Estado dirigido centralmente era o ressentimento de especialistas frustrados, que poderiam, via planejamento central, impor suas ideias. Os gêneros de coletivismo, como comunismo e fascismo, pretendiam organizar a sociedade sob uma finalidade única, negando assim a soberania dos indivíduos. Os totalitários eram inseparáveis dos coletivistas. Nos regimes totalitários, a submissão das vontades individuais a uma perspectiva social única era imperativa. O individualismo surgiu daí, não arrogando que o homem era necessariamente egoísta, mas, sim, que os limites da imaginação das pessoas as impediam de colocar em uma escala de valores as suas vontades. O indivíduo e seus valores deveriam ser soberanos, e a sua escala de valores deveria guiar sua conduta. Ajustar todos à mesma escala de valores não satisfaria ninguém. A grande vantagem do liberalismo era a redução da gama de questões que dependem de consenso. No momento em que a democracia fosse dominada pelo coletivismo, ela destruiria a si mesma. A democracia era um instrumento para salvaguardar a paz interna e a liberdade individual. O mais importante em uma democracia era a limitação de poder dos governantes, ou seja, a atuação do Estado era limitada por normas pré-definidas, não havendo assim espaço para decisões arbitrárias. Para Hayek, era necessário reduzir tanto quanto possível o arbítrio concedido aos órgãos executivos, que poderiam exercer o poder de coerção. O indivíduo deveria ser livre para perseguir suas metas e desejos pessoais, sem a intervenção do governo. O Estado deveria restringir-se a estabelecer normas gerais, deixando os indivíduos livres, pois somente eles saberiam as circunstâncias relativas das suas ações. O Estado de Direito existia para salvaguardar a igualdade dos indivíduos perante a lei. O filósofo Immanuel Kant já afirmava: O homem é livre quando não tem de obedecer a ninguém, exceto às leis. Assim, o Estado de Direito limitava-se pelo campo legislativo, restringindo sua ação às normas conhecidas como direito formal: o Estado só poderia agir em casos prédefinidos. As questões econômicas não podiam ser vistas como de importância secundária na vida dos cidadãos. Se havia a busca por dinheiro, era porque ele daria opções de escolha mais amplas para aproveitar os resultados dos esforços individuais. Para o autor,

a liberdade econômica possibilitaria que os indivíduos decidissem o que era mais importante. De outro lado, no planejamento central, quem iria resolver todos os problemas dessa ordem era o dirigismo central, em detrimento da comunidade e do indivíduo. No planejamento central, o cidadão teria de se adaptar aos padrões do Estado. Os indivíduos passariam a ser os meios usados pelos planejadores centrais para alcançar o bem-estar social e o bem da comunidade. Os socialistas almejavam a satisfação coletiva, preparando assim o caminho para o totalitarismo e privando as pessoas da liberdade de escolha. Em um regime de concorrência, as oportunidades para progredir eram mais limitadas para os pobres do que para os ricos. Porém, nesse ambiente, o pobre teria uma liberdade maior para prosperar, podendo assim sair do seu status quo. Enquanto a propriedade estivesse dividida entre muitas pessoas, nenhuma delas poderia ter direito coercitivo sobre outra. O sistema de propriedade privada era a mais importante garantia da liberdade; ninguém iria dispor de poder absoluto sobre os demais. A falta de previsão dos fenômenos econômicos tornava difícil o seu planejamento. Em razão disso, o planejador era incitado a ampliar seus controles até atingirem todos os aspectos da sociedade. Foi o próprio Lenin quem introduziu a expressão Quem, a quem?, com a qual sintetizava o problema universal da sociedade socialista. Quem planejava a vida de quem? Quem dirigia a vida de quem? Em uma sociedade plenamente planificada, a separação artificial da economia e da política exigia que a política dominasse a economia. A igualdade pregada no socialismo nunca funcionou. A distribuição de renda era na realidade mais injusta do que nas sociedades capitalistas. O objetivo dos planejadores não era recompensar os méritos e o esforço individual, mas sim propiciar uma justa remuneração a todos. O preço desse planejamento, contudo, era a liberdade. Os regimes totalitários deviam-se à causalidade histórica de terem sido estabelecidos por canalhas e bandidos. Por essa razão, os homens inescrupulosos tinham mais chances de chegar ao poder em uma sociedade que tendesse ao totalitarismo. A luta de classes incitada pelos governantes era ingrediente fundamental para qualquer ideologia capaz de unir um grupo visando à ação comum. Foi assim no nazismo, com os anticapitalistas, nos kulaks, na Rússia. Agir em prol do interesse de um grupo determinado parecia libertar os homens de muitas restrições morais que regiam seus comportamentos. A intensa emoção moral envolvida em um movimento nacional-socialista ou comunista era parecida com a verificada em grandes movimentos religiosos. Na

perspectiva coletivista, o completo desrespeito à vida e à felicidade dos indivíduos era imperativo. Qualquer princípio moral que se conhecia poderia ser violado. Na sociedade totalitária, a intimidação, a duplicidade, a espionagem eram imprescindíveis, havendo, assim, por parte do Estado, uma dominação geral sobre os cidadãos. A propaganda dos regimes totalitários buscava um único alvo: todos os instrumentos de propaganda eram coordenados de modo a conduzir os indivíduos na mesma direção e a produzir a mesma característica. Objetivava-se manipular mentes da forma mais sagaz e oportuna. Todas as regras morais eram destruídas, acabando com o senso de verdade e o respeito a elas. Criavam-se mitos para justificar as ações dos líderes. Usavam-se velhas palavras para incorporar novos significados. Havia uma completa perversão da linguagem, com a mudança de sentido das palavras que expressavam os ideais dos novos regimes. A palavra mais deturpada era liberdade, em nome de uma suposta nova liberdade prometida ao povo. Toda a linguagem era esvaziada, e as palavras eram despojadas de qualquer significado preciso. Era bastante característico do espírito do totalitarismo condenar toda atividade humana exercida por prazer, sem propósitos ulteriores. A ciência pela ciência, a arte pela arte, eram igualmente abomináveis pelos nazistas, por nossos intelectuais socialistas e pelos comunistas. Toda atividade devia ser justificada por um objetivo social consciente. Não deveria haver atividade espontânea, não dirigida, porque esta poderia levar a resultados imprevistos, não contemplados pelo plano poderia propiciar o surgimento de algo novo que a filosofia do planejador nem sequer antecipou. Na Alemanha foi a junção dos anticapitalistas de direita e de esquerda que destruiu tudo o que era liberal. Assim, o nazismo foi resultado direto da ausência da burguesia e do progresso do socialismo. Guerrear contra a Inglaterra era guerrear pelo sistema oposto. A ideia mercantil e de liberdade era expressão dos ingleses, enquanto a do socialismo totalitarismo era o planejamento central. A organização era a palavra-chave para os socialistas. A guerra econômica mundial era a guerra contra a vida burguesa da Inglaterra. Na conclusão da sua obra, Hayek enfatizou a necessidade de destruir os empecilhos impostos pelos governos que obstruíram o nosso caminho a fim de deixar os indivíduos livres para criar condições favoráveis ao progresso, ao invés de deixar os governantes planejarem o progresso. Se, em determinados períodos da História, algumas sociedades fracassaram na tentativa de criar um mundo de homens livres, é preciso tentar novamente. A política de liberdade para o indivíduo é a única capaz de fato de produzir progresso permanente.

Biografia Friedrich August von Hayek nasceu em Viena, na Áustria, no dia 8 de maio de 1899, em uma família de cientistas e professores acadêmicos. Apesar do seu interesse pela psicologia, Hayek optou por estudar economia. Seu doutorado em direito e em economia foi cursado na Universidade de Viena, em 1920, onde foi aluno de Ludwig von Mises, um dos expoentes mais conhecidos da Escola Austríaca de Economia. Em 1931, Hayek tornou-se professor de economia da Faculdade de Economia de Londres. Nos anos seguintes, publicou uma série de livros sobre a teoria do capital, teoria monetária e sistemas econômicos comparativos. Sua polêmica poderosa contra o socialismo, O Caminho da Servidão (Road to Serfdom), foi publicada em 1944 e tornou-o famoso e notório. Em 1947, ele convidou um grupo de economistas de renome, filósofos e historiadores para uma reunião no Mont Pelerin, na Suíça, onde eles concordaram em formar a Mont Pelerin Society, da qual Hayek era o presidente. Os membros fundadores incluíam seu professor von Mises, seu amigo e colega na LSE, o filósofo Karl Popper, e alguns economistas famosos do que veio a ser conhecido como a Escola de Chicago, incluindo Frank H. Knight, e os Prêmios Nobel Milton Friedman e George Stigler. Hayek mudou-se para a Universidade de Chicago em 1950, onde foi professor de História do Pensamento. Retornou à Europa em 1961 para ser professor de economia na Universidade de Freiburg e Salzburg até se aposentar, em 1973. Hayek foi agraciado com o Prêmio Nobel de Economia em 1974, por seus estudos em relação à economia (interdependência entre fenômenos econômicos, sociais e institucionais e teoria da moeda). Ele morreu em Freiburg no dia 23 de março de 1992. É amplamente reconhecido como um dos expoentes da Escola Austríaca de Economia e um dos mais importantes pensadores liberais do século XX. Suas principais obras são A teoria monetária e o ciclo do comércio (1929), Preços e produção (1931), Planejamento econômico coletivista (1935), Nacionalismo monetário e instabilidade internacional (1937), A teoria pura do capital (1941), Cientismo e o estudo da sociedade (1942-1944), Individualismo e ordem econômica (1948), The sensory order (1952), Capitalismo e os historiadores (1954), Os fundamentos da liberdade (1960), Desestatização do dinheiro (1976), Direito, legislação e liberdade (vol. I,1974; vol. II,1976; vol. III,1979), Studies in philosophy, politics and economics (1980), Desemprego e política monetária (1981) e A arrogância fatal: os erros do socialismo (1989).