ARTIGO 14 da Lei nº 6368/76: CRIME HEDIONDO! ELIANE ALFRADIQUE O artigo 14 da Lei nº 6.368/76 tem causado certa dificuldade em sua aplicação prática. O enunciado do artigo em questão, tipifica a associação para fins de tráfico, cuja pena é de três a dez anos de reclusão. Atendendo recomendação da Convenção Única sobre Entorpecentes, foi considerado pela lei anterior delito especial, a associação de duas ou mais pessoas, em quadrilha ou bando para o fim de cometer qualquer dos crimes previstos no artigo e seus parágrafos. Dispõe o art. 36, nº 2, a, II da Convenção: Serão considerados delitos puníveis na forma estabelecida ao parágrafo 1º, a participação deliberada, a confabulação destinada à consumação de qualquer dos referidos crimes, bem como a tentativa de consumá-los, os atos preparatórios e as operações financeiras em conexão com os mesmos. O parágrafo 5º do art. 281, na redação revogada não foi feliz, contudo na escolha dos termos. Usou a mesma denominação do art. 288 do Código Penal, quadrilha ou bando, mas reduziu o número necessário de partícipes para dois, de modo que tínhamos uma quadrilha composta de duas pessoas. O novo texto corrigiu o defeito e excluiu os termos quadrilha ou bando, mas trouxe problemas de outra ordem. O artigo exige, para a configuração do delito, apenas a associação de duas ou mais pessoas com o fim de reiteradamente ou não praticarem os delitos do art. 12 ou 13. Ora, poder-se-ia entender que também configuraria o crime o simples concurso de agentes, porque bastaria o entendimento de duas pessoas para a prática de uma conduta punível, prevista naqueles artigos, para a incidência no delito ora comentado, em virtude da cláusula reiteradamente ou não. Há, com absoluta evidência um erro de forma no texto do artigo 14 da Lei comentada, que leva o intérprete a questionamentos sobre a aplicação do texto legal em exame. Para uns, o artigo 14 é delito autônomo e, para tanto, é mister um ânimo associativo, isto é, um ajuste prévio no sentido de formação de um vínculo associativo de fato, em que a vontade de associar-se seja separada da vontade necessária à prática do crime visado. Excluído, pois, está o crime, no caso, de convergência ocasional de vontades para a prática de determinado delito, que determina a co-autoria. Diante, pois, destas considerações o crime de associação (art.14) como figura
autônoma há de ser conceituado em seus estreitos limites definidores. Aqui, é mister inequívoca demonstração de que a ligação estabelecida entre pessoas, tenha sido assentada com esse exato objetivo de sociedade espúria para fins de tráfico, ainda que esse lance final não se concretize, mas sempre impregnada dessa específica vinculação psicológica, de se dar vazão ao elemento finalístico da infração. O novo tipo é especial em relação ao art. 288 do Código Penal; se os delitos visados são os da lei sub examem, aplica-se esta e não o estatuto repressivo genérico. A cláusula reiteradamente ou não é aberrante para a doutrina penal, onde não se concebe quadrilha para a prática de um só crime. É um tipo penal que se tornou híbrido, diante dos fatos que se apresentam para decisão do juiz e, portanto, como não pode haver dúvida sobre os casos em exame, principalmente em matéria penal, onde a liberdade não pode ser fruto de eflúvios ascéticos, tudo leva a crer, que o artigo em exame, perdeu seu fundamento jurídico. O tipo legal do art. 12 da lei, ora comentada, necessita para a sua caracterização, do estado de flagrância, e como entender que o art. 14, resume-se em quadrilha para o fim de tráfico ilícito de entorpecente. É como dissemos anteriormente, o aspecto psicológico que vai definir ou dar contorno para caracterizar o tipo penal do art. 14. Não é entendível que assim seja, verbi gratia, se A e B são presos, sem que estejam em estado de flagrância, como se afirmar, que tais pessoas estivessem com o propósito de estarem associadas para fins de tráfico. Há decisões de Tribunais Estaduais e juízos monocráticos, que entendem que : EMENTA: Entorpecentes. Possibilidade, ainda que rara, de coexistirem os delitos dos arts. 12 e 14 da Lei de Entorpecentes. Vigência do tipo do art. 14 da Lei de Tóxicos face a Lei de Crimes Hediondos. O Acórdão da lavra do eminente Des. Gama Malcher, em seu teor esclarece que: É inegável que mesmo face ao art. 8º, parágrafo único da Lei dos Crimes Hediondos, subsiste o tipo do art. 14 da Lei especial: naquele preceito, ao se referir o legislador ao crime de participação em quadrilha ou bando para permitir redução da pena em face de delação do participante e associado, não atinge o parceiro do art. 14 da lei de tóxicos, já que neste tipo não quadrilha ou bando, mas simples associação. (Apel. Criminal nº 1.295/91- Trib. de Justiça RJ). Neste caso, o concurso material foi aplicado, somando-se a pena fixada,pela incidência, extreme de dúvida do art. 12 com a pena do art. 14 da Lei especial. Aqui, a decisão consolidou o convencimento de que o art. 14 é delito autônomo, com peculiaridades próprias. Mas, a dificuldade em casos concretos, continua sendo a tônica do dia a dia forense. Com efeito, o art. 14 da Lei nº 6368, que o define, não se concilia com a natureza do instituto, pois, o que ali se contém, envolve antes um concurso de agentes: Associarem-se duas ou mais pessoas, para o fim de praticar reiteradamente ou não, qualquer dos crimes previstos nos arts. 12 ou 13 desta lei.
Ora, o núcleo do tipo associar-se doutrina HUNGRIA quer dizer, reunir-se, aliar-se ou agregar-se, estável ou permanentemente, para a consecução de um fim comum, isto é, para a perpetração de uma indeterminada série, cuja nota de estabilidade ou permanência é essencial. ( Com. ao Código Penal, IX, nº 89). Toda essa digressão, não nos parece suficiente para definir a real interpretação da mens legis do art. 14 da referida Lei. Interpretar é essencialmente determinar o sentido aspiracional, e então, fazer com que esse significado, porte a resposta à indagação sobre o que essa aspiração significa para o conflito em exame. Na observação daqueles que tem sobre si a missão de analisar o art. 14 em questão, cabe, verificar as circunstâncias de cada caso, para que não hajam decisões antagônicas, que venham em benefício de uns e em prejuízo de outros. Estudando a matéria, vê-se que a grande realidade, é a que define o artigo em questão,como delito autônomo. Em caso de concurso de pessoas, há de se aplicar o art. 18, III da Lei especial, que preceitua: se qualquer deles decorrer de associação... É uma causa de aumento de pena. Difícil tem sido na prática, imputar a alguém, tão somente o art. 14. E, é o que mais tem ocorrido. Quando em concurso com o art. 12, nenhum problema surge, eis que a solução e a interpretação, concluem para caracterização de concurso material e as penas são somadas. A Jurisprudência dos Tribunais Superiores têm se firmado em sentidos diversos, mas todos levam a um só sentido: PROCESSO PENAL- HABEAS CORPUS- Condenação que incorreu em bis in eadem-crime de Associação (Art. 14 da Lei nº 6368/76). Não EQUIPARAÇÃO AO CRIME HEDIONDO para efeitos do art. 2º, parágrafo 1º da Lei nº 8.072/90 O crime de associação para fins de tráfico de entorpecente é delito autônomo, não sendo equiparado a crime hediondo para efeitos do art. 2º, parágrafo 1º, da Lei nº 8.072/90. Possível assim, a progressão de regime e a substituição da pena, se cabível. (HC nº 12744/RJ- 5ªTurma do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Felix Fischer). Concedeu a ordem somente para que o Egrégio Tribunal a quo, tendo em vista que o delito em tela não se equipara a crime hediondo para os efeitos da progressão do regime, anistia, graça, e indulto e proibição de substituição da pena, aprecie devidamente tais pedidos. PENAL Processo Penal Habeas Corpus Art. 14 da Lei de Tóxicos- Associação. Execução. A associação estável de duas ou mais pessoas, na forma do art. 14 da Lei de Drogas, encontra-se em vigor, com a cominação de pena prevista no art. 8º da Lei nº 8.072/90 (Precedentes da 3ªSeção-STJ e do Pretório Excelso). A execução de pena privativa de liberdade do delito previsto no art. 14 não sofre a incidência do contido no art. 2º,
parágrafo 1º da Lei nº 8.072/90 (Precedentes). À unanimidade foi concedida a ordem, afastada em sede de execução, quanto a este delito, a restrição inserida no art. 12, parágrafo 1º da Lei 8.072/90. (HC 10913/RJ- 5ªTurma, Ministro Felix Fischer). Penal- Processo Penal. Habeas Corpus. Crime de Associação (art.14 da Lei nº 6368/76) Não equiparação aos crimes hediondos para efeitos do art. 2º, parágrafo 1º, da Lei nº 8.072/90. Uma vez afastada, no julgamento do writ anterior, a equiparação do crime de associação para fins de tráfico de entorpecentes aos crimes hediondos, conforme o art. 2º da Lei nº 8.072/90, por se tratar de delito autônomo, não poderia o E. Tribunal de origem se negar a apreciar o direito do réu à substituição da pena e à progressão de regime. Á unanimidade, foi concedida a ordem para que fosse expedido o alvará de soltura em favor do paciente, bem como a substituição da pena. (HC 14321/RJ, 5ª Turma, Min. Felix Fischer). Precedentes: ERESP 149768-SP - (STJ), HC 72862-SP, HC 73119-SP (STF), RHC 8078-RJ, RHC 8292-RJ (STJ), RHC 7881-RJ, HC 10636-SP, HC 9208-RJ, HC 9316-SP,HC 9618-SP, RHC 8078 RJ,HC 10913-RJ (STJ),HC 75978-SP(STF). A Revista Brasileira de Ciências Criminais, p. 291, referentes ao mês abril e junho do ano 2000, assim comenta o art. 14: O crime definido na Lei de Tóxicos, em seu art. 14, diz respeito à associação de agentes que não chegam a praticar qualquer dos outros delitos previstos em norma incriminadora. Assim, tal dispositivo é de se considerar como subsidiário em relação a outros delitos mais graves, motivo pelo qual somente cabe a sua configuração nos casos de não demonstrada a prática dos denominados delitos principais. ( HC 68.793-8/RJ, 1ªTurma- STF Rel. Ministro Moreira Alves. Demonstrou Alberto Silva Franco: O texto do art. 8º da Lei nº 8.072/90 é explícito demais para que possa admitir a subsistência do tipo do art. 14 da Lei nº 6368/76. Se a lei mais recente aborda a questão da associação para fins de tráfico ilícito de entorpecente e drogas afins, é óbvio que uma figura anterior, que verse sobre a mesma matéria, logicamente foi revogada. Depois, porque a equivocada referência ao art. 14 da Lei nº 6368/76, feita no art. 10 da Lei nº 8.072/90, não basta para garantir-lhe sobrevida. A regra do art. 10 do mesmo diploma legal refere-se, com exclusividade, à questão de prazos procedimentais e não é suficiente para ressuscitar, em nível penal, um tipo que o art. 8º da mesma lei deu por morto.
A conclusão deverá ser simplista: a- Não há dúvidas que o art. 14 da Lei nº 6368/76, não está equiparado aos crimes hediondos, e, portanto, o direito à progressão de regime, anistia, graça e indulto e quando possível à substituição de pena; b- Em caso de incidência do art. 14 com o arts. 12 ou 13 da Lei Antitóxicos, há que se aplicar o concurso material de delitos, pela natureza do delito do art. 14, que é crime autônomo ; c- Em caso de concurso de agentes na figura típica do art. 12 da Lei nº 6368/76, aplica-se a causa de aumento de pena previsto no art. 18, inciso III da mencionada lei. Bibliografia: Jurisprudência do Supremo Tribunal Federal Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça Alberto Silva Franco (Direito Penal) Revista Brasileira de Ciências Criminais.