MANUAL DE HEPATITES VIRAIS Organização: Vanessa Salete de Paula Marcelle Bottecchia Livia Melo Villar Vanessa Faria Cortes Letícia de Paula Scalioni



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Transcrição:

MANUAL DE HEPATITES VIRAIS Organização: Vanessa Salete de Paula Marcelle Bottecchia Livia Melo Villar Vanessa Faria Cortes Letícia de Paula Scalioni Débora Lopes dos Santos Marcia Terezinha Baroni Rachid Saab Cunha Tainá Pellegrino Martins 1

2 MANUAL de hepatites virais / Organização: Vanessa Salete de Paula, Marcelle Bottecchia, Livia Melo Villar, Vanessa Faria Cortes, Letícia de Paula Scalioni, Débora Lopes dos Santos, Marcia Terezinha Baroni, Rachid Saab Cunha, Tainá Pellegrino Martins. - 1. ed. - Rio de Janeiro: Rede Sirius; OUERJ, 2015. 215 p. : il. ISBN 978-85-88769-90-8 (E-Book) 1. Hepatite por vírus. I. Título. CDU 616.61

Reitor Ricardo Vieiralves de Castro Vice-reitor Paulo Roberto Volpato Dias 3 Sub-reitora de Graduação SR1 Lená Medeiros de Menezes Sub-reitora de Pós-graduação e Pesquisa SR2 Monica da Costa Pereira Lavalle Heilbron Sub-reitora de Extensão e Cultura SR3 Regina Lúcia Monteiro Henriques Apoio Técnico da Rede Sirius Elir Ferrari Diagramação Tainá Pellegrino Martins

BIBLIOTECA DO OUERJ Conselho Editorial Fernando Rodrigues Altino (UERJ) Júlio Nichioka (UERJ) Oscar Rocha Barbosa (UERJ) Rachid Saab (UERJ) Thereza Camello (UERJ) 4 Conselho Executivo Carlos Eduardo Silva (ESS) Jackeline Bahe (ETFCS) Pierre Morlin (PETROBRAS) Manoel Rodrigues (UERJ) Nilo Koschek (INPA) Ricardo Fontenele (AMX) Pauli Garcia Almada (UFF) Ricardo Fermam (INMETRO) Roberto Carvalho (UNESP) Roberto de Xerez (UFRuRJ)

Conselho Consultivo Afonso Aquino (USP) Ana Silvia Santos (UFJF) Carla Madureira (UFRJ) César Honorato (UFF) Cláudio Ivanoff (UERJ) Elcio Casimiro (UFES) Flávia Schenatto (CNEN) Guido Ferolla (FGV) Eduardo Felga (UFPr) Laís Alencar de Aguiar (CNEN) Luiz Gonzaga Costa (UFRuPa) Messias Silva (USP) NeddaMizuguchi (UFRuRJ) NivarGobbi (UNESP) Paulo Sérgio Soares (CETEM) Pauli Garcia Almada (UFF) Ricardo Fermam (INMETRO) Roberto Carvalho (UNESP) Roberto de Xerez (UFRuRJ) 5

6 A BIBLIOTECA OUERJ é composta por diversos volumes em diferentes áreas temáticas. Representa o trabalho de Pesquisa, Magistério, Consultoria, Extensão e Auditoria de inúmeros profissionais de diversas instituições nacionais e extra-nacionais. O objetivo da biblioteca é ser útil como instrumentação e base epistemológica dos Graduandos, Pós-graduandos e profissionais das áreas pertinentes aos temas publicados. Por ser um material didático público poderá ter uso público especialmente para treinamento, formação acadêmica e extensionista de alunos e profissionais. Evidentemente que cada caso da BIBLIOTECA OUERJ deve ser encarado dentro de um contexto a que foi inicialmente proposto. Especialmente deve-se levar em conta as limitações vigentes do estado d arte, das circunstancias e da finalidade inicial a que foi proposta. As derivações e extrapolações podem ser adotadas desde que não se deixe de vislumbrar sempre, estes limites de escopo inicial que norteou estes trabalhos. Nós do OUERJ, agradecemos especialmente aos autores, a todos os profissionais que compõem os Conselhos Editoriais, Executivos e Consultivo do OUERJ. Agradecimento especial a REDE SIRIUS e a Pro Reitoria de Extensão e Cultura da UERJ que possibilita esta publicação. Diretoria do OUERJ

SUMÁRIO O QUE SÃO HEPATITES VIRAIS? 8 HEPATITE A 16 HEPATITE B 48 HEPATITE C 70 HEPATITE DELTA 100 HEPATITE E 118 DIAGNÓSTICO DAS HEPATITES VIRAIS 142 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 152 7

8 INTRODUÇÃO O QUE SÃO HEPATITES VIRAIS?

Entende-se por hepatite os quadros que apresentam uma alteração difusa no parênquima hepático, caracterizadas por uma lesão necroinflamatória dos hepatócitos, de gravidade variável. Mesmo apresentando variações importantes de incidência e prevalência, de acordo com a região geográfica, as hepatites virais representam um problema sanitário da maior relevância, em praticamente todos os países do mundo. Agrupadas, muitas vezes, como doença única, em razão da similaridade de suas manifestações clínicas, as hepatites virais são doenças distintas causadas por diversos vírus que tem o DNA ou RNA como seu material genético, envelopados e não envelopados, com diferentes características funcionais e estruturais. Essas entidades são bem conhecidas e distintas, quanto à etiologia, epidemiologia, evolução, prognóstico e profilaxia (KOONIN & DOL- JA, 1993; ZANOTTO et al, 1996). O conceito de hepatites virais, que é conhecido desde a época de Hipocrates, só foi estudado mais cientificamente após os casos ocorridos posteriormente a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente após a vacinação de trabalhadores do estaleiro de Bremen (Alemanha) contra a varíola (vacina preparada com linfa humana). Dos trabalhadores vacinados, 15% se tornaram ictéricos, sendo evidente a associação desta enfermidade a um agente de transmissão parenteral (LURMAN, 1885). No inicio do século XX, foram relatados surtos de hepatite de período de longa incu- 9

10 bação (50 a 180 dias), os quais foram observados em muitos países e foram associados às transfusões de sangue, ao uso de medicação injetável com seringas e agulhas não esterilizadas e a administração de vacina, como por exemplo, o surto de hepatite/ icterícia ocorrido entre os militares que foram vacinados contra a febre amarela durante a Segunda Guerra Mundial. MacCallum, em 1947, designou os termos vírus da hepatite A (HAV) e vírus da hepatite B (HBV) referindo-se aos supostos agentes etiológicos das hepatites de período de curta incubação ou infecciosa (18 a 37 dias) e de período de longa in cubação ou soro-homologa (50 a 180 dias), respectivamente. Esta terminologia foi adotada pelo comitê das hepatites virais da Organização Mundial de Saúde (OMS) e é utilizada ate hoje (KRUGMAN, 1989). Embora novos vírus tenham sido isolados e, em algum momento, associados as hepatites (Huang et al. 2000; Hinrichsen et al. 2002) tem-se como certa, a existência de cinco tipos de hepatites virais de importância médica (Tabela 1). O vírus da hepatite B foi o primeiro deles a ser identificado (1970), seguido pelo vírus da hepatite A (FEINSTONE et al, 1973), vírus da hepatite D (HDV) (RI- ZZETO et al, 1977), vírus da hepatite E (BALAYAN et al, 1983) e vírus da hepatite C (CHOO et al, 1989). Outros agentes foram identificados em indivíduos com hepatite pós-transfusional não A-E, porém uma relação causal entre infecção por estes ví-

rus e hepatopatias ainda não pode ser confirmada. Dentre eles, destacam-se o vírus da hepatite G (HGV) (SIMONS et al, 1995), vírus TT (TTV) (NISHIZAWA et al, 1997) e SEN-V (TANAKA et al, 2001). 11 Figura 1. Localização do fígado no corpo humano

12 Diariamente, na clínica encontram-se casos de hepatites que não podem ser atribuídos a nenhum dos vírus conhecidos e por isso é importante o estudo dessa doença. Além disso, ainda existem várias hepatites relacionadas com vírus capazes de produzir quadros definidos (citomegalovírus, vírus do herpes, etc.) assim como vírus considerados exóticos (arenavirus, vírus ebola, etc.). Existem ainda as hepatites cuja origem é atribuída a agentes nocivos não virais, como por exemplo, a hepatite alcoólica que é causada pela ingestão em excesso de bebidas alcoólicas, hepatite medicamentosa que é causada pela ingestão em excesso de alguns medicamentos ou agentes químicos tóxicos para o fígado e as hepatites autoimunes que são causadas pela agressão do nosso próprio sistema imune (HOWARD et al, 1984). De acordo com seu mecanismo habitual de transmissão, as hepatites virais são comumente classificadas em dois grandes grupos: o primeiro corresponde àquelas cuja transmissão se faz pelas vias fecal e oral, englobando as hepatites A e E e no segundo, situam-se as que são transmitidas através de contato direto com o sangue contaminado, representadas pelas hepatites B, C e Delta. Das cinco hepatites virais conhecidas, as mais importantes para a saúde pública são, as causadas pelo HBV e HCV. Isso se deve à combina ção da epidemiologia e clínica dessas doenças. Epide miologicamente, a relevância dessas doenças deve-se à larga distribuição geográfica e ao enorme número de

indivíduos mundialmente infectados. Do ponto de vista clínico, ambas apresentam elevado potencial de cronificação, o que pode levar á cirrose e ao câncer hepático (SHERLOCK & DOOLEY, 1997). A hepatite A tem alta prevalência em regiões onde é precário o saneamento ambiental, o que cria condições propícias para sua disseminação. Essa característica faz com que a hepatite A seja amplamente encontrado no Brasil, apesar de evidências de que a sua transmissão já não acontece tão precocemente quanto em décadas passadas, quando a quase totalidade das crianças tornava-se infectada até os 5 anos de idade (VITRAL et al, 1998). A OMS estima cerca de 400 milhões sejam portadoras crônicas da hepatite B (ZU- CKERMAN, 1999) e que existam de cerca de 170 milhões de portadores crônicos para a hepatite C, fato que tem levado as autoridades de saúde pública a considerar a hepatite C como a grande pandemia do século XXI (SHERLOCK & DOOLEY, 1997). A hepatite Delta possui associação obrigatória com a hepatite B, largamente disseminada em extensas regiões do território brasileiro particularmente na Região Amazônica e pelo grande potencial de gravidade clínica, esse tipo de hepatite reveste-se de grande importância no quadro sanitário nacional (BENSABATH et al, 1987). A hepatite E ocorre em numerosos países em desenvolvimento, onde tem sido associada à epidemias transmitidas por água contaminada com resíduos de 13

14 esgoto (SHERLOCK & DOOLEY, 1997). Normalmente não se associa a casos graves, uma vez que, como a hepatite A, não tem potencial de cronificação. Estudos recentes demonstram a presença da hepatite E em populações brasileiras, mas pouco se sabe sobre a história natural dessa doença no Brasil (TRINTA et al, 2001). É bem conhecido que as hepatites virais ocorrem em todo o mundo, com diferentes prevalências e vias de trans missão (Tabela 2). Entretanto, mesmo com todo o conhecimento acumulado nas últimas décadas, ainda existem lacunas importantes sobre a epidemiologia dessas doenças. Esse fato demonstra que existe ainda um longo caminho a ser trilhado para que se chegue a atingir um conhecimento pleno sobre a epidemiologia dessas viroses. Por essa razão, é importante a continuidade de investigações epidemiológicas. A persistência do HBV é freqüente em recém-nascidos (79%), incomum em adultos (<5%) e intermediária em crianças (THOMAS & ZOULIM, 2012).

15 Figura 2. Campanha de Conscientização do Governo Federal Fonte: Governo Federal

16 CAPÍTULO 1 HEPATITE A

O vírus da hepatite A (HAV) é distribuído mundialmente, devido às mudanças epidemiológicas e os diferentes perfis de endemicidade a doença é um problema de saúde pública. Embora as vias de transmissão sejam bem compreendidas e exitirem vacinas eficazes e seguras, a epidemiologia esta mudando nos países com endemicidade intermediária, onde vem ocorrendo um aumento de pessoas sucetíveis a doença e consequentemente o aumento no número de surtos. Os focos da doença podem ser dificeis de serem controlados, principalmente, devido a casos assintomáticos que podem ocorrer entre as crianças menores de 5 anos de idade. Atualmente, a hepatite A esta se deslocando para as idades mais avançadas e casos em adultos e adolescentes vem ocorrendo com frequencia. Além das pessoas expostas a surtos, e que ingerem água e alimentos contaminados, pessoas que viajam para áreas endemicas e homens que fazem sexo com homens, usuários de drogas e profissionais que trabalham com crianças podem estar em risco se não tiverem imunidade contra o HAV. O quadro clínico é bem conhecida, na maioria das vezes a doença é autolimitada, mas casos de hepatite A fulminatante vem sendo descritos na literatura. No estado do Rio de Janeiro, assim como nos países em deselvolvimento, a prevalência da hepatite A esta relacionada com o perfil socio-economico da população e com as condições de saneamento básico. EPIDEMIOLOGIA A epidemiologia da hepatite A está intimamente relaciona- 17

18 da ao nível de desenvolvimento econômico, ao grau de saneamento básico e as condições de higiene. Portanto, uma relação inversa é encontrada entre o nível socioeconômico e a prevalência de anticorpos anti-hav. Estes fatores levam a diferentes padrões epidemiológicos de hepatite A. Em populações onde as condições sanitárias são inadequadas ou mesmo inexistentes, a maioria das crianças se infecta nos primeiros anos de vida e desenvolve a forma assintomática da doença, de maneira que, acima dos 10 anos, a população quase toda já é imune ao vírus. Este padrão hiperendêmico é verificado nos países em desenvolvimento da Ásia, da África e em certos locais da América Latina. Por outro lado, quando se trata de países bem desenvolvidos, com alto padrão de higiene e saneamento básico, um padrão epidemiológico oposto é verificado, consequentemente existe um grande número de indivíduos suscetíveis, pois a infecção pelo HAV é totalmente ausente até a terceira década de vida. Nestes países as barreiras ambientais impedem o contato com o vírus na infância. Na Europa, observa- -se que a prevalência de anticorpos contra o HAV é baixa em todas as faixas etárias, consequentemente, há um aumento de casos clínicos e de casos fatais da doença, pois a infecção atinge mais a idade adulta, onde a doença se desenvolve de forma sintomática. Em países com economia em transição, como em alguns países em desenvolvimento, aonde as condições de saneamento básico e de higiene vêm melhorando nas últimas décadas, encontra-

-se um padrão epidemiológico de endemicidade intermediária. Nestes locais, vem ocorrendo a redução na prevalência de anti-hav entre crianças e em adultos jovens e consequentemente o deslocamento da infecção pelo HAV para faixas etárias mais elevadas. Segundo dados do inquérito nacional conduzido em 27 capitais das cinco macrorregiões do Brasil, a prevalência global para a infecção pelo HAV (anti- -HAV) foi de 39,5% em indivíduos com idade inferior a 20 anos no país. O percentual de crianças expostas ao HAV na faixa etária de 5 a 9 foi de 27,0% e de 44,1% para o grupo de 10 a 19 anos. Esses resultados apontam para o aumento da exposição com a idade e colocam o conjunto das capitais do Brasil como região de intermediária endemicidade. Apesar disso, o Brasil apresenta regiões com diferentes padrões de endemicidade. A região com maior soroprevalência para anticorpos anti-hav em indivíduos com menos de 20 anos é a do Norte com 58,3%, seguido do Centro Oeste com 54,1%, Nordeste 53,1% e Distrito Federal com 41,6%. Todas essas regiões foram consideradas de endemicidade intermediária. Já a região Sul apresenta a menor soroprevalência com 30,8%, seguido da região Sudeste com 32,5%. Estas regiões são consideradas de baixa endemicidade. Como resultado, uma parcela cada vez maior da nossa população adulta permanece suscetível ao HAV, levando à ocorrência de surtos e casos esporádicos, uma vez que o vírus não foi eliminado do ambiente. Sendo assim, a infecção pelo HAV conti- 19

20 nua sendo a forma mais comum dentre as hepatites virais agudas. ESTRUTURA VIRAL O HAV pertence a família Picornaviridae e é o único membro do gênero Hepatovirus. A partícula viral tem formato icosaédrico, não é envelopada e mede aproximadamente 27 a 32 nm de diâmetro. As partículas são bastante estáveis no ambiente, especialmente quando associadas com matéria orgânica, apresentando um elevado grau de resistência a ph baixos e temperatura elevadas, estas características facilitam a transmissão por via fecal-oral e água e alimentos contaminado. GENOMA VIRAL O genoma é dividido em três regiões: 1) uma região não codificante presente na extremidade 5 (5 NC), com cerca de 735 nucleotídeos, corresponde a 10% do genoma e está covalentemente ligada à proteína viral VPg; que tem importante papel na iniciação da tradução e atua como sítio de entrada do ribossoma; 2) uma região de leitura aberta que codifica proteínas estruturais (componentes do capsídeo) e não estruturais (proteínas importantes para replicação e síntese de novas partículas virais) e 3) uma pequena região não codificante presente na extremidade 3 com cerca de 63 nucleotídeos a qual é pós-transcricionalmente poliadenilada. A tradução da região de leitura aberta do genoma do HAV produz uma poliproteína com cerca de 2.225 a 2.227 aminoácidos, a qual leva à produção de precursores proteicos denominados P1, P2 e P3.

A região P1 é processada em proteínas estruturais VP1, VP2, VP3, e a proteína viral VP4, que é essencial para a formação da partícula viral. A clivagem das regiões P2 e P3 leva à produção de proteínas não estruturais que estão envolvidas com o processo de replicação viral, desenvolvendo funções na síntese do RNA viral e na etapa de montagem do virion. Através da clivagem da região P2 são obtidas as proteínas 2A, que está associada com a morfogênese do nucleocapsídeo, 2B, que está envolvida com o aumento da permeabilidade das membranas celulares e 2C, envolvida na replicação do genoma viral. A P3 é clivada em quatro proteínas não estruturais, 3A, 3B, 3C e 3D. A proteína 3A é altamente hidrofóbica e tem função de ancorar as proteínas 3B e 3C. A proteína 3B é responsável pela iniciação do processo de replicação do genoma viral, a proteína 3C é a protease responsável pela clivagem das proteínas, e a proteína 3D tem a função de RNA polimerase dependente de RNA. 21

22 Figura 3. Vacina infantil contra Hepatite A. Fonte: Ministério da Saúde

REPLICAÇÃO VIRAL A entrada do vírus no organismo ocorre através da ingestão de partículas virais que infectam o trato digestório, a replicação do HAV ocorre no fígado, no citoplasma dos hepatócitos. A replicação é iniciada com a interação do HAV a receptores específicos presentes na superfície da célula hospedeira, após o reconhecimento pelos receptores o vírus é internalizado por endocitose. No citoplasma da célula, o vírus perde o capsídeo proteico, e o genoma de RNA fita simples e polaridade positiva passa a atuar como RNA mensageiro (RNAm) para a síntese da poliproteína viral. O sítio de entrada interna do ribossomo (IRES), presente na região 5 NC, direciona a tradução do genoma viral usando a maquinaria ribossomal da célula hospedeira. A tradução da poliproteína se inicia com a ligação do IRES à subunidade 40S do ribossomo celular. Proteínas não estruturais do HAV (2B-3Dpol) sintetizam uma cópia do RNA complementar de polaridade negativa (replicativo intermediário), que servirá de molde para a síntese de novas fitas de polaridade positiva, que sintetizarão novas proteínas virais. Após a tradução e síntese das proteínas estruturais e não estruturais as fitas positivas são empacotadas para a formação de novas partículas virais e depois sofrem clivagem de maturação na região de junção entre as proteínas VP2 e VP4. Após este processo, a partícula viral é montada, as partículas completas são sintetizas contendo um capsídeo icosaédrico com 60 cópias de cada proteína estrutural e com o RNA de 23

24 polaridade positiva; as partículas incompletas são sintetizas sem o RNA do HAV, ambas as partículas são secretadas pelos hepatócitos. VARIABILIDADE GENÉTICA Os primeiros experimentos para verificar a variabilidade genética do vírus da hepatite A foram realizados através do sequenciamento da região VP1/2A. As distâncias genéticas encontradas entre as cepas do HAV sequenciadas foram distribuídas de forma desigual, permitindo a classificação do HAV em diferentes genótipos. Nesta região, os genótipos apresentam variabilidade nucleotídica superior a 15%. Inicialmente o HAV foi classificado em sete genótipos I a VII, mas posteriormente os genótipos da hepatite A foram reclassificados em seis genótipos, I a VI, com base em sequências derivadas da região VP1 completa. Os genótipos I, II e III são divididos em subgenotipos A e B, com a diferença genética de 7 a 7,5% entre os subgenotipos da região VP1/P2A. Recentemente, um novo subtipo C foi proposta no genótipo I. Os genótipos I-III são associados com infecções em humanas, enquanto genótipos IV-VI estão associados com infecção em símios. Os genótipos do HAV e subgenotipos apresentam uma distribuição geográfica específica. Em todo o mundo, o genótipo I é o mais prevalente, e o subgenotipo IA é mais comum do que o subgenotipo IB. O subtipo IA circula na America do Norte e Sul, Ásia e África. O subtipo IB é predominante no Oriente Médio e África do Sul. No Brasil a co-circulação dos subge-

notipos IA e IB foi observada. Os isolados do genótipo II foram inicialmente identificados na França em Serra Leoa na década de 70 e 80. No entanto, atualmente a detecção deste genótipo é raramente relatada. O subgenotipo IIA pode ter sido originado na África Ocidental. O genótipo III tem uma distribuição global, cepas pertencentes ao subtipo III, foram identificadas em países da Ásia e Europa, bem como em Madagáscar e Estados Unidos. Um aumento na distribuição do genótipo IIIA foi relatado recentemente na Coréia, Rússia e Estónia. Na Índia, surtos de hepatite A notificados foram causados pelo genótipo IIIA. No Japão, os subtipos IIIA e IIIB co-circulam amplamente com cepas dos genótipos IA e IB. TRANSMISSÃO A hepatite A é adquirida principalmente pela via fecal-oral, incluindo o contato pessoa-a-pessoa e ingestão de água ou alimentos contaminados por fezes de indivíduos infectados. Em raras ocasiões, o HAV também pode ser transmitida através da transfusão de sangue ou hemoderivados provenientes de doadores infectados e assintomáticos que doam sangue no período de viremia O HAV é altamente transmissível, portanto, a ocorrência de surtos é freqüentemente relatada, especialmente nos locais onde a imunidade na população é baixa. TRANSMISSÃO POR ÁGUA OU ALIMENTOS CONTAMINADOS O surtos de hepatite A por água ou alimentos con- 25

26 taminados a partir de um fonte única são caracterizados por um aumento brusco do número pessoas com icterícia em um curto período de tempo. À contaminação pela água ocorre comumente entre pessoas que bebem água contaminada ou nadam em águas contaminadas por esgoto. A transmissão de origem alimentar ocorre quando a pessoa que manipula o alimento esta contaminada e não tem medidas de higiene adequadas, principalmente quando não lava as mãos após ir ao banheiro, neste caso o HAV é transferido para os alimentos atráves da mão contaminada durante a preparação ou quando as plantas destinadas para alimentar torna-se contaminada com fezes durante colheita ou processamento antes de chegar ao estabelecimento de serviço de alimentação ou em casa. A contaminação por alimentos, também pode ocorrer através da ingestão de frutos do mar infectados, principalmentes ostras e mexilhões. A detecção e seqüenciamento de HAV RNA de amostras de água, alimentos e dos pacientes infectados são ferramentas úteis para a identificação da fonte de transmissão de HAV. TRANSMISSÃO PESSOA-PESSOA A forma mais comum de transmissão do HAV ocorre quando existe o contato pessoal prolongado e próximo entre individuos infectados e suscetíveis. A eliminação prolongada do HAV nas fezes, antes e depois o aparecimento dos sintomas, facilita a transmissão pessoa

- pessoa. Este tipo de transmissão é comum ocorrer no contato intradomiciliar, em instituições fechadas, como escolas, creches e berçários, lugares que existem aglomerações de pessoas, compartilhamento de objetos, condições de higiene inadequadas e alta proporção de indivíduos suscetíveis à hepatite A. Surtos intradomiciliares ocorrem com frequência devido ao compartilhamento de objetos e contato das pessoas que vivem em uma mesma residência. As crianças assintomáticas facilitam a transmissão do HAV. Na transmissão pessoa-pessoa pode ser detectado apenas uma genotipo ou mais de um genótipo se diferentes fontes de infecçãoo estiverem envolvidas no surto. HOMENS QUE FAZEM SEXO COM HOMENS (HSH) A transmissão sexual por si só não é uma via de transmissão do HAV. Contudo a tranmissão pode ocorrer entre homens que fazem sexo com homens como conseqüência direta da relação sexual oral anal e o contato com fezes contaminadas pelo HAV. A eliminação dos vírus nas fezes ocorre antes do início dos sintomas e continua além da fase sintomática, a disseminação prolongada do HAV nas fezes facilita a transmissão através do contato oral-anal. USUÁRIOS DE DROGAS INJETÁ- VEIS (UDI) O aumento da transmissão do HAV entre os usuários de drogas pode ser associado com precarias condi- 27

28 ções sanitárias e de higiene pessoal, e fatores relacionados ao estilo de vida e comportamento sexual (sexual oral-anal). O HAV não é considerado um patógeno com transmissão através do sangue nas mesmas extensão que HBV e HCV. No entanto, a tranmissão percutânea não pode ser excluído devido ao compartilhamento freqüente de agulha e seringas entre usuários de droga. Na Noruega foi relatado surtos da hepatite A do subgenotipo IIIA entre usuários de drogas.

QUADRO CLÍNICO A hepatite A é caracterizada como uma doença aguda e na maioria das vezes auto-limitante; os sintomas podem variar de uma forma assintomática rápida ou até hepatite fulminante (<1%). Após a infecção ocorre o período de incubação ou pré- -clínico, geralmente neste período o paciente não apresenta os sintomas característicos de hepatite. Este período é caracterizado pelo tempo entre a exposição ao vírus e o início dos sintomas, esta fase pode variar de 15 a 50 dias, com uma média de 30 dias, onde ocorre a replicação viral ativa e excreção viral nas fezes. A transmissão do vírus pode ocorrer durante a fase pré-clínica devido à elevada carga viral que é excretada. A segunda fase, conhecida como fase prodomica, é caracterizada pelo aparecimento de sintomas não específicos e pode variar desde alguns dias até mais do que uma semana antes do início da icterícia. Em mais da metade dos pacientes, este período é caracterizado por anorexia, febre, fadiga, mal-estar, mialgia, náuseas e vómitos. Os sintomas inespecíficos como coriza, tosse, dor de cabeça e dor de garganta também podem estar presentes. Os sintomas observados na fase prodomica tendem a diminuir com o aparecimento da icterícia, contudo o mal-estar e a anorexia podem persistir. A terceira fase ictérica ou de hepatite viral aguda começa com o aparecimento de urina escura devido à excreção de bilirrubina, fezes claras e amarelamento da pele e mem- 29

30 branas mucosas. A fase ictérica começa dentro de 10 dias após os primeiros sintomas e é observada em mais de 85% dos casos de infecção pelo HAV. Entre as crianças com idade inferior a 5 anos de idade, apenas 50% apresentam sintomas de hepatite viral aguda, a maioria dos casos é assintomático o que facilita a transmissão silenciosa do vírus. A icterícia não é observada em todos os casos sintomáticos da hepatite A; hepatite anictérica pode ocorrer. O paciente geralmente se recupera completamente dentro de 2 meses. Na literatura não há registros de formas crônicas da doença, embora tenha havido casos em que a doença se estendeu por mais de 6 meses. Ocasionalmente, lesões mais extensas do fígado podem ocorrer, levando a lesão hepática grave, a que se refere à insuficiência hepática como aguda ou hepatite fulminante, que é uma complicação rara, caracterizada por febre alta, dor abdominal, vômitos e icterícia. A hepatite fulminante seguida de morte pode ocorrer, mas tais casos são raros, e tendem a ocorrer mais comumente em indivíduos mais velhos. Manifestações extra-hepáticas de HAV são incomuns, mas podem ser observadas. Aproximadamente 5-15% dos pacientes têm esplenomegalia. Existe também uma forma rara de hepatite, hepatite colestática e ictérica, que pode ser grave e pode persistir por vários meses antes da resolução completa da doença. Em alguns pacientes, a anorexia e diarreia ocorrem periodicamente.

A recorrência da doença ocorre entre 3 e 20% de casos de hepatite aguda e pode ser mais ou menos grave do que a manifestação original, e geralmente acontece de 4-15 semanas depois que os sintomas iniciais foram resolvidos. Após o desaparecimento dos sintomas os pacientes podem continuar eliminando o HAV nas fezes em baixas quantidades. PATOGÊNESE A infecção por hepatite A geralmente ocorre após a ingestão do HAV em material contaminado com fezes. O HAV entra pela via gastrointestinal é absorvido e se prolifera na mucosa digestiva. Após a proliferação o HAV circula na corrente sanguínea e através da circulação portal e sistêmica chega ao fígado onde inicia a replicação viral nos hepatócitos. Nos hepatócitos o RNA do HAV tem função de RNA mensageiro e é utilizado para a síntese de novas partículas virais. As novas partículas virais são eliminadas pelos hepatócitos e chegam aos canalículos biliares; em seguida são encontradas na bile e no intestino, onde infectam as fezes com uma elevada concentração (109 a 1010 copies/ml). As partículas são eliminadas nas fezes no inicio da infecção, antes do aumento da alanina aminostransferase (ALT) e aparecimento dos sintomas ou icterícia. Os pacientes infectados com o HAV que são assintomáticos também eliminam os vírus das fezes e podem ser fonte de infecção da doença. Durante a infecção, no período de viremia o HAV é detectado no sangue com carga viral 31

32 de 2 a 4 logs menores do que é geralmente encontrado nas fezes. O vírus é eliminado na circulação sanguínea pela membrana basolateral. A viremia precede o aparecimento dos sintomas clínicos pelo menos duas semanas antes e os títulos virais declinam após o aparecimento dos sintomas, contudo o HAV RNA pode ser detectado no sangue até 10 semanas após o inicio da infecção. Estudos com infecção experimental em primatas detectaram o HAV-RNA nas glândulas salivares e na orofaringe sugerindo uma replicação inicial nesses locais. Contudo, a carga viral detectada na saliva foi menor do que a encontrada no sangue. Os estudos com primatas não humanos são importantes para esclarecer a patogênese do HAV, porém vários aspectos ainda precisam ser elucidados. O DIAGNÓSTICO LABORATORIAL Diagnóstico bioquímico Os testes bioquímicos da função hepática podem ser usados como auxiliar para o diagnóstico da hepatite A, entretanto não é um teste especifico, apenas indica que o paciente apresenta alterações bioquímicas que podem estar relacionadas à inflamação no fígado. Entre os testes bioquímicos incluem a medição da bilirrubina total no soro, fosfatase alcalina (ALT) e aspartato aminotransferase (AST), mas apenas ALT é um teste específico para a hepatite. Em pacientes sintomáticos, as elevações de ALT e AST ocorrem com frequência. O diagnóstico labora-

torial deve incluir hemograma completo, tempo de atividade da protrombina (ATP) e transaminases séricas. Em pacientes com falência hepática aguda três variáveis são avaliadas para definir o prognóstico da insuficiência hepática fulminante: (1) idade, menor que 11 anos ou maior de 40 anos; (2) duração da icterícia, antes do início da encefalopatia superior a 7 dias; e (3) elevação das enzimas séricas, bilirrubina e o tempo de protrombina que indicam um mau prognóstico. Tipicamente, os níveis totais de bilirrubina no soro permanecem abaixo de 10 mg/dl, mas os níveis de 20 mg/dl podem ocasionalmente ser observados. As concentrações de ALT e AST fornecem uma avaliação quantitativa de danos no fígado durante a infecção aguda. ALT está localizada principalmente no fígado, e é limitado para o citosol dos hepatócitos, enquanto AST é encontrada na mitocôndria (80%) e citosol (20%). Esta compartimentalização das enzimas pode explicar parcialmente o padrão de transaminases observado em muitas formas de doenças hepáticas, uma vez que durante a hepatite aguda, os níveis de ALT são significativamente mais elevados do que os níveis de AST, resultando em uma maior proporção dos níveis de ALT/AST (> 1,4). A lesão hepatocelular torna-se evidente devido à acentuada elevação dos níveis das transaminases hepáticas, em muitas vezes maior do que 500 UI/L, logo após o período prodromico. No entanto, exceções podem ocorrer em situações em que o paciente de- 33

34 senvolve grave necrose tecidual, resultando em um aumento da liberação de AST no sangue. O aumento das transaminases ocorre na fase prodromica, atingindo um pico ao mesmo tempo em que ocorrem os sintomas clínicos, neste período as concentrações acima de 1.000 UI/L são comuns. Em dois meses, 60% dos pacientes têm testes bioquímicos normais, atingindo quase 100% em 6 meses. Como a albumina é a principal proteína secretora produzida pelo fígado, e é importante para a regulação de concentração osmótica, ela também é útil para acompanhar o prognóstico da doença. Os testes bioquímicos não permitem que a diferenciação da hepatite A de outras formas de hepatite aguda, de modo que os testes sorológicos são necessários para identificar o agente etiológico. O diagnóstico sorológico Ensaios imunoenzimáticos (ELISA) O diagnóstico laboratorial do vírus da hepatite A pode ser feito através de testes sorológicos específicos para a detecção de anti-hav IgM. A presença destes anticorpos na maioria dos indivíduos aparece após o período de incubação viral e detecção do anti-hav IgM é um dos testes mais importante para o diagnóstico da hepatite A. Os anticorpos anti-hav da classe IgM são detectados por testes imunoenzimáticos (ELISA), a partir do início dos sintomas, geralmente aumentam rapidamente entre 4 e 6 semanas após a infecção e, em seguida, caem para níveis indetectáveis dentro

de 4 a 6 meses, raramente persiste por mais de 12 meses, em média permanecem detectáveis durante 3 meses. A sensibilidade e a especificidade da detecção de anticorpos anti-hav IgM nos testes comerciais geralmente são superiores a 99%. Na maioria dos casos as transaminases séricas normalizam antes de anti-hav IgM se torna indetectável. Os anticorpos anti-hav da classe IgG são detectados por testes imunoenzimáticos que detectam anti-hav total, estes testes detectam anticorpos IgM e IgG simultaneamente. Os anticorpos anti-hav IgG persistem por anos e fornecem proteção contra a reinfecção. Apesar da detecção deste anticorpo não distinguir infecção aguda recente de uma infecção passada, esses anticorpos indicam imunidade contra a doença, e sua detecção pode ser usado para estudos epidemiológicos de prevalência da infecção pelo HAV, bem como a avaliação de resposta vacinal. Os anticorpos anti-hav IgM e IgG podem ser detectadas simultaneamente de 1 a 2 semanas após o início dos sintomas. Os títulos de anti-hav IgG podem subir gradualmente, atingindo níveis elevados durante a fase de convalescência e diminuírem após a fase o aparecimento dos sintomas, contudo os títulos de anti-hav IgG persistirem conferindo imunidade contra reinfecção. A detecção de anticorpos anti-hav total é utilizado para determinar o estado imune de um indivíduo após a vacinação ou infecção. Pacientes imunocomprometidos e transplantados po- 35

36 dem desenvolver infecção aguda sem anti-hav IgM. Ensaio imunocromatográfico Os ensaios imunocromatográficos, conhecidos como teste rápido, podem ser utilizados para detecção de anti-hav IgM e IgG, estes testes são eficazes quando aplicada ao diagnóstico clínico devido à sua simplicidade, rapidez e especificidade. Contudo, estes testes são mais indicados quando o paciente apresenta altos títulos de anticorpos. A maioria dos testes imunoenzimáticos para a detecção de anti-hav total são ensaios competitivos e por isto detectam simultaneamente anti-hav IgM e IgG, enquanto que o teste rápido detectam IgM e IgG separadamente. Diagnóstico molecular Os métodos moleculares como amplificação em cadeia da polimerase (PCR), PCR em tempo-real e sequenciamento não são utilizados rotineiramente no diagnostico da hepatite A, mas são ferramentas uteis para estudar o curso clínico da doença, genotipagem, caracterização viral do HAV e fazer um diagnóstico precoce e diferencial. Como o vírus da hepatite A é um vírus de RNA, para fazer a amplificação do HAV-RNA é necessário fazer uma reação de transcrição reversa antes da técnica de PCR e PCR em tempo-real. Estudos utilizando PCR de transcrição reversa (RT-PCR) têm demonstrado que HAV RNA pode ser detectado no sangue mais cedo do que os anticorpos, e que a viremia

pode estar presente por um período muito mais longo que a fase de convalescência da hepatite A. A amplificação do RNA viral por PCR é realizada em duas reações (RT-PCR e nested PCR). Esta técnica é atualmente utilizada para a detecção de HAV RNA em diferentes tipos de amostras como em soro, plasma, saliva, suspensão fecal, água e alimentos contaminados. Embora seja observada uma carga viral elevada do HAV nas amostras de fezes, a detecção, quantificação e genotipagem do HAV RNA na maioria das vezes são realizadas em amostras de soro, devido à presença de inibidores de fezes que podem interferir com a detecção do material genético de HAV. A detecção por PCR ou PCR em tempo real tem um papel importante no diagnóstico precoce de infecção, especialmente no período de janela imunológica, durante surtos e em casos de hepatite aguda de etiologia desconhecida, atualmente estas são as técnicas mais sensíveis e específicas para a detecção do HAV em amostras clínicas. A detecção de RNA do HAV antes de IgM anti-hav pode ser utilizado como um método de diagnóstico precoce durante surtos de hepatite A e ou em pacientes com sintomas de hepatite sem sorologia definida. Contudo, o diagnóstico molecular de hepatite A ainda não é usado em laboratórios clínicos e de bancos de sangue, como é atualmente realizado para hepatite B e hepatite C. O PCR em tempo-real permite a detecção e a quantificação simultânea do HAV e pode ser utilizado para o diagnóstico de pacientes 37

38 sem anticorpos específicos para hepatite A e para a monitorização da infecção em casos excepcionais ou em trabalhos de investigação sobre o HAV. A velocidade e a elevada sensibilidade desta técnica permite a análise rápida de amostras em larga escala, como em surtos epidêmicos. Estudos de correlação entre carga viral, marcadores sorológicos e bioquímicos são utilizados em estudos longitudinais para determinar a quantificação do RNA do HAV, duração viremia e período excreção do HAV nas fezes. O sequenciamento é utilizado para genotipagem viral e investigação de surtos epidemiológicos, onde amostras de pacientes, água e ou alimentos contaminados podem ser sequenciadas para investigação da fonte de infecção.

39 Figura 4. Rotas dos Vírus Fonte: Revista Pesquisa (FAPESP)

PREVENÇÃO E CONTROLE Higiene Como o vírus da hepatite A é transmitida de pessoa para pessoa por via fecal-oral, bons hábitos de higiene como lavar as mãos após ir ao banheiro e antes de preparar os alimentos é fundamental para a prevenção, além de condições sanitárias favoráveis. As pessoas que viajam para áreas endêmicas devem evitar a exposição à hepatite A, evitando a ingestão de alimentos mal lavados e água não filtrada. 40 Vacinação Atualmente existem vacinas atenuadas e inativadas para hepatite A. A vacina atenuada é utilizada na China. As vacinas que são mais utilizadas e licenciadas na maioria dos países é a inativada. Essas vacinas contêm partículas virais que são produzidas em cultura de células, purificadas e inativadas com formalina, e adsorvido a um adjuvante de hidróxido de alumínio. Devido ao lento crescimento do vírus e o baixo titulo em cultura celular a vacina tem um preço elevado. Contudo, o HAV apresenta apenas um sorotipo, as vacinas inativadas são altamente imunogênicas e protegem contra a infecção. Geralmente a vacina é administrada em duas ou três doses dependendo do fabricante. Os países desenvolvidos recomendam a vacinação contra hepatite A para as pessoas com maior risco de adquirir a doença,

incluindo os viajantes para regiões de alta endemicidade de hepatite A, os usuários de drogas ilícitas, pessoas que estão em maior risco de desenvolver a doença fulminante, tais como pessoas com infecção crônica de HCV. Contudo, nos últimos anos, alguns países como Estados Unidos adotaram a imunização universal de crianças e os casos diminuíram em mais de 95%. Da mesma forma, em Israel, um país de endemicidade intermediária para o HAV, após a política de vacinação do HAV, foi observado em todo o país a diminuição na incidência de hepatite A e nas taxas de casos agudos, graves e fulminante. Nos países de endemicidade intermediaria onde as condições socioeconômicas e sanitárias estão melhorando e o número de indivíduos suscetíveis aumentou consideravelmente nas últimas décadas, existe uma grande discussão sobre a implementação da vacina no calendário infantil devido ao alto custo da vacina, mas estudos tem mostrado que a imunização universal impacta favoravelmente e que e o ônus com a doença é maior que os benefícios da vacina. Na Argentina apenas uma dose foi administrada na vacinação universal, as taxas de soroconversão foram satisfatórios e esta estratégia pode ser utilizada em países onde houve uma transição de alta para baixa endemicidade nas últimas décadas e onde o vírus ainda é encontrado no meio ambiente. No Brasil, a vacina está disponível na rede particular e recentemente foi aprovado a incorporação da vacinada da he- 41

42 patite A na rotina nacional do programa de imunização do sistema único de saúde (SUS). Assim como ocorreu nos outros países que já adotaram a vacina no calendário de vacinação infantil futuramente espera-se uma redução dos casos esporádicos de hepatite A e nos surtos epidêmicos. Nos países com alta endemicidade a vacinação não é recomendada, pois a maioria da população teve contato com o vírus na infância e adquiriram imunidade. Como mencionado acima, as recomendações para a vacinação estão diretamente relacionadas a prevalência e incidência da hepatite A; e as mudanças na epidemiologia da doença pode alterar a perspectiva de futuro sobre a imunização em países onde o saneamento está passando por uma rápida melhora.

PREVENÇÃO DOS CASOS SECUNDÁRIOS DE HEPATITE Caso confirmado É o caso que corresponde à definição de caso clínico (paciente com doença aguda com um início discreto dos sintomas e icterícia ou níveis elevados de aminotransferases) e é confirmado laboratorialmente (anticorpos anti-hav IgM reagente). Caso provável Pessoa assintomática ou com sintomas discretos e que tem uma relação epidemiológica com a pessoa com resultados laboratoriais confirmados de hepatite A ou esteve exposta a surto ou alimentos e água contaminada durante os 15-50 dias antes de início dos sintomas. Quando um caso clinico é confirmado, o caso índice e seus familiares devem receber orientação verbal e escrita sobre a importância de lavar as mãos após usar o banheiro e antes de preparar alimentos. É importante que todos os membros da família pratiquem os hábitos de higiene, pois alguns podem já ter adquirido a hepatite A e estar excretando o vírus da hepatite A nas fezes. Indivíduos cuja higiene pessoal é inadequada (por exemplo, crianças ou pessoas com graves dificuldades de aprendizagem) devem ser vigiados para garantir que eles lavam as mãos corretamente após a defecação. Objetos como copos, talheres, pratos, mamadeira, chupeta devem ser utilizados apenas pelo doente. A pessoa com hepatite A deve ser dispensada do trabalho, da 43

44 escola ou creche para evitar a disseminação do vírus e surtos entre os indivíduos suscetíveis. Uma avaliação deve ser realizada para tentar identificar a possível fonte de infecção; por exemplo, história de viagem à país endêmico ou história de contato com um caso conhecido de hepatite A durante o período de incubação, ingestão de água ou alimento contaminado. Se nenhuma fonte evidente de infecção for identificada, e o caso índice frequenta um ambiente de acolhimento de crianças de pré-escola ou na escola primária, a infecção pode ter sido adquirida de uma criança infectada assintomática. Nestas circunstâncias, podem ser necessárias medidas de saúde pública no ambiente onde há suspeita do foco da infecção onde esta ocorrendo o surto da hepatite A.

PROFILAXIA PRÉ-EXPOSIÇÃO A vacinação da hepatite A pré-exposição oferece proteção contra a infecção pelo vírus da hepatite A (HAV). É recomendado para pessoas que estão em maior risco de infecção e para qualquer pessoa que pretenda obter imunidade. Pessoas que buscam proteção imunológica, mas são alérgicas aos componentes da vacina devem receber Ig. A administração deve ser repetida se a proteção é necessária para períodos superiores a 5 meses. Para as pessoas que necessitam de repetidas doses de Ig, o rastreio do seu estado imunológico é útil para evitar doses desnecessárias de Ig. 45 A PROFILAXIA PÓS-EXPOSIÇÃO Nas pessoas que tenham sido expostas ao HAV e que não tenham sido previamente vacinados deve ser administrada uma dose de Ig (0.02ml/kg) dentro de duas semanas após a exposição. Pessoas que receberam uma dose de vacina contra hepatite A pelo menos 2 semanas antes da exposição HAV não precisam receber Ig. A vacinação em massa pós - exposição para conter a propagação de HAV em surtos tem se mostrado eficaz para bloquear a expansão do surto epidêmico. A sorologia de triagem de contatos de pessoas infectadas para anti-hav, antes de serem dadas Ig não é recomendada porque a triagem pode atrasar a sua administração.

46 HEPATITE A NO RIO DE JANEIRO No Rio de Janeiro casos de hepatite A ocorrem com frequência, principalmente durante o verão, onde as pessoas tem mais contato com águas contaminadas, observa-se a ocorrência de surtos intradomiciliares, em creches, escolas e em comunidades fechadas. Assim como tem sido observado no Brasil, o Rio de Janeiro vive uma mudança do perfil epidemiológico da hepatite A e os casos estão se deslocamento para faixas etárias mais elevadas. Como a prevalência da doença esta relacionada com os padrões econômicos e de saneamento básico, é comum observar no Rio de Janeiro padrões de endemicidade diferentes de acordo com a população estudada, geralmente nos bairros e cidades onde o poder aquisitivo é maior a prevalência é menor. Contudo, com as melhorias no saneamento básico, mesmo nas populações menos favorecidas encontra-se um número elevado de crianças e jovens sem imunidade prévia ao HAV. Como descrito anteriormente, a hepatite A é auto-limitada e em crianças menores de 5 anos geralmente ocorre de forma assintomática; com a mudança no perfil epidemiológico de alta para médio-baixa endemicidade a doença ocorre em adolescentes e jovens-adultos onde a maioria dos casos é sintomático. Devido ao aumento de casos agudos também tem sido observado casos de hepatite A fulminante no Rio de Janeiro (<1%). No Rio de Janeiro ocorre a cocirculação dos genótipos IA e IB, os dois genótipos são en-

contrados no meio ambiente e em surtos epidêmicos; contudo, nos casos esporádicos da doença a maioria dos pacientes se infectam com HAV do genótipo IA. Os casos de hepatite fulminante podem estar relacionados ao genótipo IA ou IB, mostrando que a gravidade da doença não esta associada ao genótipo do vírus e sim as características do hospedeiro. Para fins de vigilância epidemiológica são considerados dados confirmados de hepatite A, os casos notificados de indivíduos com anti-hav IgM confirmado ou que preencham as condições de caso suspeito e ou que tenham vinculo epidemiológico com caso confirmado de hepatite A. Em estudo de base populacional foi encontrada uma baixa prevalência nas capitais da região Sudeste, entre indivíduos de cinco e 19 apenas 32,5% das crianças e jovens tinham anticorpos anti- -HAV total. De acordo com o Sistema de notificação de agravos (SI- NAN), entre os casos confirmados de hepatite A de 2007 a 2012 na região sudeste, 34,9% ocorreram no Rio de Janeiro. Com a implementação da vacina no calendário infantil espera-se que o número de casos notificados diminua. 47

48 CAPÍTULO 2 HEPATITE B

A hepatite B é a mais perigosa das hepatites e uma das principais doenças do mundo. Os portadores da hepatite B podem desenvolver doenças hepáticas graves tais como a cirrose e carcinoma hepatocelular. O vírus provoca hepatite aguda em um terço dos atingidos, e um em cada mil infectados pode ser vítima de hepatite fulminante. Em 10% dos casos a doença torna-se crônica, sendo esta situação mais frequente em homens (WHO, 2014). Ao examinar milhares de amostras de soro de diferentes áreas geográficas do mundo foi observado que uma amostra de soro de um aborígene da Austrália continha um antígeno que reagia especificamente com um anticorpo presente no soro de um paciente hemofílico dos Estados Unidos. Estudos posteriores revelaram que este antígeno Austrália era relativamente raro na população da America do Norte e no oeste europeu, porém era prevalente em algumas regiões africanas e asiáticas e entre pacientes com leucemia, síndrome de Down e hepatite aguda (BLUM- BERG et al, 1967; BAYER et al, 1968). Em 1968 foi estabelecida a correlação entre o antígeno Austrália (agora designado antígeno de superfície do vírus da hepatite B ou HBsAg) e a infecção pelo vírus da hepatite B (PRINCE, 1968; OKOCHI & MURAKAMI, 1968). Posteriormente, a purificação do vírus da Hepatite B (HBV) foi realizada a partir do soro de portadores do HBsAg e a partícula completa (vírion) foi detectada por microscopia eletrônica (DANE et al, 1970). O HBV pertence à família 49

50 Hepadnaviridae, a qual compreende um pequeno numero de vírus que compartilham varias características em comum, tais como: o tamanho, ultraestrutura do vírion, organização genômica e um mecanismo particular de replicação do DNA viral. A separação dessa família é dada em dois gêneros: Orthohepadnavirus e Avihepadinavirus; este último representando os vírus que infectam as aves (patos, garças, gansos e cegonhas) e no primeiro, estão incluídos os vírus que infectam os mamíferos (seres humanos, esquilos, marmotas e primatas não-humanos) (KIDD- LJUNGGREN et al, 2002). Epidemiologia da infecção De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS) aproximadamente 240 milhões de pessoas estão cronicamente infectadas pelo HBV no mundo. Estes portadores crônicos servem como fonte de infecção para outros indivíduos (WHO, 2014). A infecção pelo HBV exibe altas prevalências para o HBsAg (8% a 15%) no Sudeste asiático, China, Filipinas, África, bacia amazônica e Oriente Médio. Prevalência intermediaria (2-7%) é observada no leste europeu, Ásia central, Japão, Israel e ex-união Soviética, enquanto que prevalências baixas (<2%) são encontradas na América do Norte, Europa Ocidental, Austrália e sul da América Latina (MARGOLIS et al, 1991).