Tratamento de cálculos ureterais por ureteroscopia: experiência em 100 casos da Faculdade de Medicina do ABC



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32 Neto ACL, Gava MM, Mattos MHE, Borrelli M, Wroclawski ER ARTIGO ORIGINAL Tratamento de cálculos ureterais por ureteroscopia: experiência em 100 casos da Faculdade de Medicina do ABC Treatment of ureteral calculi by ureteroscopy: experience of 100 cases at the Faculdade de Medicina do ABC (FMABC Medical School)* Antonio Corrêa Lopes Neto 1, Marcello Machado Gava 2, Mário Henrique Elias de Mattos 3, Milton Borrelli 4, Eric Roger Wroclawski 5 ABSTRACT Objective: To report the experience of treating ureteral calculi by ureteroscopy at the Faculdade de Medicina do ABC SP, with an emphasis on the efficacy and safety of the method. Methods: A retrospective analysis of 100 ureteroscopies performed from January 2001 to August 2003 in 98 patients with ureteral calculi. Results: A 91% success rate was observed with a single procedure using this technique. Intracorporeal lithotripsy was necessary in 61% of cases before removing the stone; in the remaining cases, it was extracted with no disintegration. Endoscopic approach was impossible in only one patient who required conversion to conventional open surgery. The double-j stent was inserted in 73.7% of procedures. Complications were observed in 8% of cases. Conclusion: The present study demonstrated results comparable with those reported in large series in the literature. The high success rates, low morbidity, rapid convalescence and lack of esthetic consequences corroborate the role of ureteroscopy as an attractive alternative for treating ureteral calculi. Keywords: Ureteral calculi/therapy; Ureteroscopy; Lithoytipsy; Lithiasis/therapy; Urether/pathology RESUMO Objetivo: Relatar a experiência no tratamento de cálculos ureterais por ureteroscopia na Faculdade de Medicina do ABC SP, com ênfase em eficácia e segurança do método. Métodos: Análise retrospectiva de 100 ureteroscopias realizadas entre janeiro de 2001 e agosto de 2003 em 98 pacientes portadores de litíase ureteral. Resultados: Observamos taxa de sucesso de 91% com o emprego desta técnica em um único procedimento. Em 61% dos casos foi necessária litotripsia intracorpórea antes da retirada do cálculo; nos demais casos houve extração sem auxílio de fragmentação. Em apenas um paciente a abordagem endoscópica não foi possível e foi necessária a conversão para a técnica aberta convencional. A aplicação de cateter duplo-j ocorreu em 73,7% dos procedimentos. Complicações foram observadas em apenas 8% dos casos. Conclusão: O presente estudo demonstra resultados comparáveis aos encontrados em grandes séries na literatura. As altas taxas de sucesso, baixa morbidade, rápida convalescença e nenhuma alteração estética ratificam o lugar da ureteroscopia como opção atraente no tratamento da litíase ureteral. Descritores: Cálculos ureterais/terapia; Ureteroscopia; Litotripsia; Litíase/terapia; Ureter/patologia INTRODUÇÃO As opções terapêuticas para a litíase ureteral foram ampliadas com o surgimento da litotripsia extracorpórea por ondas de choque (LECO) e o desenvolvimento da ureteroscopia (URS) (1). O tratamento do cálculo ureteral pode variar desde simples observação clínica e aguardo pela eliminação espontânea até aplicação de refinadas técnicas endourológicas para extração do mesmo. O arsenal terapêutico atualmente disponível consta de ureteroscopia e extração do cálculo ureteral com ou sem a necessidade de litotripsia intracorpórea, * Manuscrito desenvolvido no Setor de Litíase Urinária e Endourologia da Faculdade de Medicina do ABC - SP. 1 Assistente da Disciplina de Urologia - Faculdade de Medicina do ABC. Responsável pelo Setor de Litíase Urinária e Endourologia. 2 Residente da Disciplina de Urologia - Faculdade de Medicina do ABC. 3 Preceptor de Ensino da Disciplina de Urologia - Faculdade de Medicina do ABC. 4 Professor Titular da Disciplina de Urologia - Faculdade de Medicina do ABC. 5 Professor Adjunto e Regente da Disciplina de Urologia - Faculdade de Medicina do ABC. Endereço para correspondência:antonio Corrêa Lopes Neto - R. Flavio de Melo, 156 - apto 134 - Vila Mariana - CEP 04117-130 - São Paulo (SP), Brasil. Tel.:/Fax: (011) 5083-8269 e-mail: lopes.neto@superig.com.br Patrocinadores do estudo: nenhum Recebido em 2 de dezembro de 2003 - Aceito em 10 de fevereiro de 2004

Tratamento de cálculos ureterais 33 ureterolitotripsia percutânea, ureterolitotomia laparoscópica ou convencional aberta e LECO. Dependendo do quadro clínico, localização e dimensões do cálculo, patologias associadas e disponibilidade de material optamos por alguma destas acima citadas (2-4). O advento dos procedimentos minimamente invasivos nos proporciona intervenções menos dolorosas, recuperação mais rápida e melhor resultado estético, o que justifica a preferência por técnicas endourológicas em relação às cirurgias convencionais. Apresentaremos a experiência com o emprego da ureteroscopia na condução destes casos no Serviço de Urologia da Faculdade de Medicina do ABC (FMABC). Figura 1. Posição do paciente para realização de ureteroscopia à esquerda. MÉTODOS No período de janeiro de 2001 a agosto de 2003 foram realizadas no Serviço de Urologia da FMABC 100 ureteroscopias em 98 pacientes portadores de litíase ureteral. A idade dos pacientes variou entre 19 e 68 anos, com mediana de 40 anos. O sexo masculino predominou, representando 55,1% dos casos (tabela 1). Tabela 1. Disposição de pacientes segundo faixa etária e sexo Idade Sexo 19 a 68 anos (mediana: 40 anos) Masculino 54 (55,1%) Feminino 44 (44,9%) O tamanho dos cálculos mensurado através do raio X simples de abdome variou de 10 a 400 mm 2, com mediana de 50 mm 2. Os cálculos estavam localizados no segmento proximal, médio e distal do ureter conforme demonstrado na tabela 2. Tabela 2. Distribuição dos cálculos conforme segmento ureteral Local N. de cálculos % Proximal 6 6 Médio 18 18 Distal 76 76 Utilizamos ureteroscópio semi-rígido (Storz) 7,5 Fr com canal de trabalho 4 Fr. Quando necessário, empregamos litotridor pneumático (Lithoclast ) para a fragmentação dos cálculos. Todos os procedimentos foram realizados em centro cirúrgico, sob rigor de assepsia e cobertura antimicrobiana, com o paciente sob bloqueio raquidiano em posição de litotomia com o membro inferior ipsilateral ao cálculo mais baixo e retificado, enquanto o membro inferior contralateral apresentava-se elevado e hiperabduzido (figura 1). Os procedimentos tinham início com a realização de videocistoscopia e introdução retrógrada de fio guia 0.035 no ureter em questão sob controle radiológico (fluoroscopia). A seguir, o ureteroscópio era introduzido sob fluxo contínuo de solução fisiológica tendo o fio guia como orientador. Vale ressaltar que em nenhuma ocasião foi necessária a dilatação ureteral prévia à introdução do aparelho. Progressão cuidadosa até identificação do cálculo e estimativa visual de seu tamanho. Dependendo de sua dimensão aproximada e estimativa de compatibilidade com a luz ureteral, decidíamos entre extração direta ou aplicação de litotripsia intracorpórea e extração de fragmentos. A drenagem vesical durante o procedimento, prevenindo sobredistensão vesical, era realizada através de sonda plástica uretral. A aplicação de stent ureteral (duplo J) ao término do procedimento dependia das condições locais e do grau de dilatação do trato urinário superior: nos casos de extensa manipulação, lesão ureteral, grande edema de mucosa ou via excretora muito dilatada utilizamos rotineiramente um cateter duplo J, de permanência por período variável de acordo com o grau de traumatismo ureteral e dilatação a montante. Estes pacientes receberam alta em 24 horas, realizando acompanhamento ambulatorial com avaliação clínica, laboratorial (análise de sedimento urinário e cultura de urina) e radiológica (radiografia simples abdominal e ultra-sonografia urinária). Na suspeita de cálculos residuais ou dilatação persistente de via excretora, indicávamos urografia excretora no 3º mês pósoperatório. RESULTADOS Em 38 cálculos (38%) realizamos somente extração endoscópica, sem necessidade de fragmentação. Neste grupo, os cálculos variaram de 10 a 100 mm 2 de tamanho (mediana 30 mm 2 ). Nos 61 cálculos restantes (61%) foi

34 Neto ACL, Gava MM, Mattos MHE, Borrelli M, Wroclawski ER Tabela 3. Relação entre método utilizado para tratamento e segmento ureteral acometido Local Extração endoscópica Fragmentação com litotridor Proximal 1 5 Médio 4 14 Distal 32 43 Nota: Um caso convertido a técnica aberta convencional. necessária fragmentação prévia à extração. Neste grupo, os cálculos variaram entre 25 mm 2 e 400 mm 2 (mediana 66 mm 2 ). Em 1 único cálculo (1%) não foi possível o acesso endoscópico em razão de grande edema nas proximidades do cálculo, impedindo a progressão do fio guia e do endoscópio. Optou-se por ureterolitotomia aberta convencional. O método de tratamento utilizado em relação ao segmento ureteral acometido está demonstrado na tabela 3. Obteve-se 91% de sucesso na resolução completa dos cálculos ureterais, com uma única ureteroscopia. Para a resolução completa de 2 cálculos (2%) foi necessária realização de um segundo procedimento endoscópico. Em 6 ureteroscopias (6%) ocorreu migração dos cálculos ureterais para pelve renal (push up). Nestes casos foi colocado cateter duplo J e realizada LECO posteriormente em 3 casos. Os outros 3 pacientes eliminaram espontaneamente seus cálculos passados 2 dias. Os resultados estão apresentados na tabela 4. Tabela 4. Resultados Método Intervenções (n) (%) Sucesso após uma única intervenção endoscópica 91 (91) Sucesso após duas intervenções endoscópicas 2 (2) Impossibilidade de tratamento endoscópico 1 (1) (necessidade de ureterolitotomia aberta, convencional) URS com push-up e eliminação espontânea a seguir 3 (3) URS com push-up e resolução com LECO 3 (3) (uma sessão) O índice de sucesso em relação a localização do cálculo variou conforme demonstrado na tabela 5. O tempo de cirurgia variou de 10 a 180 minutos com mediana de 65 minutos. Ocorreram duas perfurações ureterais (2%) e 1 conversão para cirurgia aberta; 5 pacientes apresentaram pielonefrite no pós-operatório (5,1%), tratados clinicamente com sucesso. Sendo assim, ocorreram 3 complicações diretamente relacionadas à técnica (3%) e 5 complicações infecciosas (5,1%). Tabela 5. Resultados conforme localização do cálculo Local N. de casos Successo Proximal 6 50% Médio 18 84% Distal 76 98% O cateter duplo J foi colocado em 73 ureteroscopias (73,7%), permanecendo por um tempo que variou de 2 a 60 dias. Os cateteres que permaneceram por mais tempo foram aqueles aplicados em casos de perfuração ureteral. Alguns pacientes permaneceram com o cateter por um tempo um pouco maior que o habitual por dificuldades de agendamento e retorno dos mesmos. Dos 38 procedimentos endoscópicos realizados com extração do cálculo sem fragmentação prévia foram colocados cateteres duplo J em 26 (68,4%), e dos 62 restantes com uso do litotridor foram colocados cateteres duplo J em 47 casos (75,8%). DISCUSSÃO O rápido avanço da endourologia, com o aprimoramento dos ureteroscópios, criação de instrumentos auxiliares e desenvolvimento de novas técnicas usadas em litotripsia ureteral, tem feito os métodos tradicionais de tratamento da litíase ureteral se tornarem menos freqüentes (5). O surgimento de ureteroscópios semi-rígidos e flexíveis com canal de trabalho que permite o manuseio de pinças e instrumentos no seu interior torna possível, seguro e eficaz o tratamento de cálculos ureterais endoscopicamente (6-7). Diferentes tipos de litotridor para fragmentação endoscópica dos cálculos ureterais são disponíveis: eletro-hidráulico, ultra-sônico, laser e o litotridor balístico pneumático. O eletro-hidráulico foi o primeiro litotridor disponível para a prática clínica. Existe a possibilidade de danos teciduais consideráveis, visto que seu princípio baseia-se na liberação de uma faísca elétrica em meio aquoso, originando uma bolha de cavitação que forma uma onda de choque. É menos eficaz em cálculos resistentes. O contato com a via excretora pode levar à lesão térmica da mesma e a onda de choque à lesão mecânica local (8-9). A litotripsia ultrasônica é bastante efetiva em cálculos de consistência endurecida, porém é menos eficiente que o litotridor pneumático. Seu princípio baseia-se na conversão da energia elétrica em energia acústica, cujas vibrações se transmitem pela haste do probe até o cálculo gerando sua fragmentação (8). Já a litotripsia com a utilização

Tratamento de cálculos ureterais 35 de laser apresenta-se como uma alternativa atraente para a terapia endoscópica da litíase urinária, pois apresenta boa eficácia e pode ser aplicada com ureteroscópios flexíveis e semi-rígidos de fino calibre. Esta técnica, porém, é uma modalidade com um custo inicial bastante elevado. O litotridor balístico pneumático utiliza um método extremamente simples através de ar comprimido e de custo menor com excelentes resultados (9-10). Adotamos, quando necessário, este último, em razão de suas vantagens: simplicidade, confiabilidade e fácil manuseio, associado ao menor custo inicial e operacional. Ao lado da ureteroscopia, a litotripsia por ondas de choque (LECO) se coloca como outra opção terapêutica de ampla utilização no tratamento dos cálculos ureterais. Existem diversos trabalhos comparativos na literatura, tentando definir qual destas apresenta melhores resultados. Diversos autores relatam uma taxa significativamente menor de pacientes livres de cálculos após LECO em relação à remoção ureteroscópica (11-13). Kupele (14), em sua experiência com 1.970 pacientes comparando LECO e tratamento ureteroscópico da litíase ureteral, relata 91,4% de sucesso com a ureteroscopia, contra 58,3% no tratamento com a LECO. Este autor conseguiu equiparar os índices de sucesso apenas após três sessões de LECO. Este dado demonstra que a taxa de retratamentos ou número de procedimentos auxiliares necessários para o paciente ficar livre de cálculo é maior na LECO. Pearle (15) relata mesmo índice de pacientes livres de cálculos após LECO e ureteroscopia, 91% em cada grupo, porém não especifica o número de retratamento ou procedimentos auxiliares para resolução da litíase. No entanto, este mesmo autor dá preferência à ureteroscopia devido à recuperação mais precoce, satisfação do paciente, baixo índice de complicações e menor número de retratamentos. Apesar destes resultados favoráveis a ureteroscopia, Segura et al. (1) realizaram metanálise comparando a eficácia destes métodos e não encontraram diferença estatisticamente significativa nas taxas de sucesso. Sendo assim, ao avaliar o melhor método de tratamento para litíase urinária, não devemos apenas considerar a taxa de pacientes livres de cálculos, mas também o número de procedimentos necessários para tal, taxa de morbidade e custos. Nossos resultados foram semelhantes à literatura, quanto ao sucesso da ureteroscopia no tratamento do cálculo ureteral. Uma série de 378 pacientes demonstrou taxa de sucesso de 88,3% após uma sessão endoscópica (16). Após nova ureteroscopia e LECO, outros 11,6% tiveram eliminação do cálculo, tendo a taxa de sucesso elevada a 99,5%. Apenas 2 casos (0,5%) necessitaram de ureterolitotomia aberta. Estes dados se equiparam à nossa casuística, onde tivemos 90,81% de sucesso após 1 URS e em apenas 1 caso (1%) foi necessária ureterolitotomia. Outras casuísticas demonstram excelentes resultados com URS, como vemos na tabela 6 (14,16-17). Tabela 6. Relação de importantes séries da literatura com sua % de sucesso no tratamento do cálculo ureteral Autor Successo Puppo (16) 88.3% Kupeli (14) 80.1% Jeromin (17) 86.6% Séries atual 91% Quando o cálculo se encontra no ureter distal, os índices de resolução são expressivos. Isto é demonstrado em nossos casos, nos quais obtivemos 98% de eliminação do cálculo. A tabela 7 demonstra a experiência de outros centros e confirma tais resultados. Tabela 7. Relação de importantes séries da literatura com sua % de sucesso no tratamento do cálculo ureteral distal Autor Successo Netto (18) 95.6% Jeromin (17) 93.3% Harmon (19) 97% Tawfiek (6) 100% Hollenbeck (20) 99% Série atual 98% Sendo assim, existe uma forte tendência à realização de URS para tais casos em relação à LECO. A extração de cálculos de pequeno tamanho do ureter distal com utilização exclusiva de pinça Dormia (18) como um método seguro, eficaz e menos complexo, apresentando índice de sucesso de 98,1%. Observamos que cálculos de até 100 mm 2 puderam ser extraídos por esta técnica, desde que livres na luz ureteral. Além disso, notamos que se trata de cálculos menores e o manuseio instrumental neste segmento é mais simples. Vários trabalhos tiveram por objetivo definir se a colocação de duplo J após ureteroscopia é necessária a fim de evitar dor no pós-operatório, obstrução e facilitar eliminação de fragmentos residuais (19). Chen et al. (20) defendem a não cateterização ureteral após procedimentos ureteroscópicos, porém em sua experiência relataram casos com cálculos ureterais menores que 10 mm, sem dano tecidual ao ureter e com breve manipulação. Hoskin (21) defende a cateterização ureteral como rotina, pois acredita que esta prática diminui as taxas de estenose ureteral e minimiza a dor no pós-operatório. Uma série de 295 procedimentos randomizados em dois grupos, tendo o

36 Neto ACL, Gava MM, Mattos MHE, Borrelli M, Wroclawski ER primeiro sido cateterizado e o segundo não (22), mostrou que, nos casos em que ocorre grande manipulação, edema e lesão de mucosa ureteral, deve-se realizar a cateterização ureteral. Em nossa casuística, a necessidade de cateterização ureteral nos casos de extração endoscópica é menor (68,4%) do que se realizada fragmentação com litotridor (75,8%), demonstrando ser a extração endoscópica um método menos danoso ao ureter. Com a curva de aprendizado em nosso Serviço, a utilização de duplo J nos casos em que ocorreu apenas extração endoscópica vem diminuindo, pois notamos boa evolução destes pacientes. Na literatura existe uma incidência variada de complicações que se deve a inúmeros fatores, entre eles podemos citar os critérios utilizados como complicação e fase de treinamento da ureteroscopia (23-25). Nossos índices de complicações são semelhantes aos de outros grupos. Infecção pós-operatória imediata ocorreu em 3% dos procedimentos e em 7% após 4º pós-operatório (26). Em nosso trabalho tivemos 5,1% dos casos apresentando pielonefrite. Tivemos apenas dois casos de perfuração ureteral (2%) estatisticamente semelhante a Jeromin (17), que teve 2,3% de perfuração em 1982 procedimentos. CONCLUSÃO A ureteroscopia é uma modalidade altamente efetiva, segura e factível para tratamento dos cálculos ureterais, apresentando altas taxas de sucesso com baixos índices de complicações. Nossa casuística é semelhante à literatura, apresentando dados que nos dão segurança quanto ao tratamento da ureterolitíase por este método. REFERÊNCIAS 1. Segura JW, Preminger GM, Assimos DG, Dretler SP, Kahn RI, Lingeman JE, Macaluso JN Jr. Ureteral Stones Clinical Guidelines Panel summary report on the management of ureteral calculi. The American Urological Association. J Urol. 1997;158(5): 1915-21. 2. Marshall VF. Fiberoptics in urology. J Urol. 1964;91:11-14. 3. 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