Desafios do Estado na articulação com Organizações da Sociedade Civil para a implementação de políticas públicas: um estudo de caso



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Transcrição:

Desafios do Estado na articulação com Organizações da Sociedade Civil para a implementação de políticas públicas: um estudo de caso Graziella Maria Comini 1 Dalberto Adulis 2 Alexandre Lucas Cukier 3 Artigo selecionado para apresentação no Primeiro Encontro da Rede de Pesquisas sobre o Terceiro Setor na América Latina e Caribe - ISTR ESCOLA DE SERVIÇO SOCIAL DA UFRJ Abril, 1998 1 Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (e-mail: graziella@fiscerdutra.com.br) 2 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Administração da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (e-mail: daldani@uol.com.br) 3 Mestrando do Programa de Pós-Graduação em Administração de Empresas da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (e-mail: acukier@hotmail.com )

INTRODUÇÃO Alguns indicadores mostravam, nos primeiros anos da década de 90, um quadro desalentador no Brasil: altos índices de inflação, diminuição da atividade econômica, déficit público elevado, concentração da renda radicalizando a desigualdade social. Um sistema político fragilizado, depois de 20 anos de ditadura militar, carregava o fardo do autoritarismo e da carência de canais de participação e articulação. A herança do subdesenvolvimento verificava-se na ampliação dos segmentos sociais que engrossavam os contingentes de excluídos. Embora tenha havido avanços na área econômica, a situação social do Brasil continua sendo preocupante. Segundo dados do BIRD (1998) 4, o Brasil apresentava em 1996 uma taxa de analfabetismo de 17%, quando na América Latina a média é de 12%; a proporção de crianças trabalhando entre 10 e 14 anos foi reduzida para 16%, sendo que na América Latina a taxa é de 12%. Este quadro sinaliza as conseqüências de uma profunda crise estrutural pela qual está passando não apenas o Brasil, mas grande parte dos países da América Latina. Esta crise, além de aprofundar os graves problemas sócio-econômicos existentes, ressalta a ineficiência do Estado no atendimento das demandas públicas. A deterioração da capacidade do Estado em oferecer serviços públicos foi reflexo não apenas de uma crise econômica que restringiu os recursos financeiros disponíveis, mas também reflexo do esgotamento de um modelo de gestão que não conseguiu atender com eficácia às demandas da sociedade civil cada vez mais complexas e variadas. Ao mesmo tempo em que o Estado demonstrava sinais de falência, a sociedade não permaneceu imobilizada: houve o florescimento de alternativas à prestação de serviços públicos, em sua maioria específicas em seu escopo e limitadas em sua abrangência, nas áreas de saúde, educação e assistência social, proporcionadas por grupos sociais não-institucionalizados, organizações da sociedade civil, ONGs, fundações privadas, entre tantas outras formas de organização que possuíam as características de serem, simultaneamente, não-governamentais e não-lucrativas. Desde o início do processo de redemocratização, a ideologia implícita nesses movimentos cedeu espaço à atuação específica em programas e ações de cada um deles. Uma vez desvencilhados do componente político, sua lógica local, específica e independente de legitimação representativa tornou-se preponderante. Os vínculos com o setor governamental, que deveriam possuir formato de uma parceria na formulação e implantação de políticas públicas, muitas vezes visavam apenas ao financiamento de suas atividades. 4 FOLHA DE SÃO PAULO, Caderno Dinheiro, p.2/1, 17/04/98 2

Tendo como objetivo a necessidade de repensar o funcionamento das instituições públicas, de forma a propiciar um trabalho articulado e integrado com as organizações da sociedade civil (OSCs), este artigo descreve uma pesquisa realizada junto a OSCs que desenvolvem programas na área de assistência social e geração de emprego e renda no Estado do Ceará. Este levantamento foi realizado junto à Secretaria do Trabalho e Ação Social, representando uma etapa fundamental na implementação de um processo sustentado de transformação organizacional nesta instituição 5. Na primeira parte do artigo é feito um breve histórico das mudanças nas políticas de ação social e trabalho no Estado do Ceará, para em seguida apresentar os resultados obtidos no levantamento com as entidades. Por fim, são feitas considerações que destacam os principais desafios existentes para a viabilização de um trabalho mais integrado entre as instituições públicas e as entidades nãogovernamentais, propiciando assim, maior efetividade das ações na área social. 5 Este processo de transformação organizacional teve início em agosto/96 e contou com o apoio consultivo da Fundação Instituto de Administração da Universidade de São Paulo sob supervisão da Profª. Drª. Rosa Maria Fischer 3

POLÍTICAS DE AÇÃO SOCIAL E TRABALHO NO ESTADO DO CEARÁ Na primeira gestão Tasso R. Jereissatti (1987-1990) configurou-se um movimento local de empresários, políticos e profissionais, que procurou repensar o papel do Estado em um ótica de modernização e eficiência, visando alavancar o desenvolvimento social e econômico do Ceará. Já nesta ocasião, conforme o relatório do Instituto de Planejamento do Estado do Ceará - IPLANCE, a área de assistência social foi considerada uma das prioritárias, iniciando-se um processo de reestruturação do equipamento técnico e administrativo do Estado, que prestava serviços desta natureza. O aparato então existente refletia a visão fragmentada que o Governo tinha da ação social do Estado: duas fundações dividiam o atendimento social das populações carentes, uma focada em um programa habitacional e outra, genericamente, voltada para o serviço social; mas ambas refletindo, uma postura de ações de caridade da primeira-dama, remanescente das políticas paternalistas e autoritárias prevalecentes no Nordeste. O Governo pretendia, naquela época, modificar a própria estratégia de atuação do Estado nestas áreas, reduzindo a multiplicidade de ações semelhantes e ineficazes e a distribuição clientelista de recursos, empregos e cargos públicos. Uma das mais importantes diretrizes desta mudança era a de erradicar ações dirigidas a indivíduos e/ou problemas sociais isolados, substituindo-as por ações direcionadas às unidades familiares e/ou os grupos comunitários. Esta visão, que permeava a ação do Governo em todos os campos de atuação, inaugurava um modo inovador de conceber o Estado e sua relação com a sociedade civil, o qual, antecipando-se à própria Constituinte, elegia a comunidade organizada como interlocutora e parceira de ação. Ao assumir sua segunda gestão em 1994, Jereissatti encontrou alguns indicadores positivos da continuidade administrativa, como a redução da mortalidade infantil (77 por mil em 1993 para 46 por mil em 1996), a elevação do índice de esperança de vida (de 54,0% em 1988 para 56,8% em 1991) e a diminuição do analfabetismo (de 47,6% em 1985 para 36% em 1995), que podem ser claramente associados aos programas estruturantes de desenvolvimento do Estado. Na Secretaria do Trabalho e Ação Social - SETAS, entretanto, os avanços conseguidos nos primeiros tempos estavam paralisados pela falta de integração interna e pela fragmentação das linhas de ação. Embora permanecessem claras as diretrizes de integrar as políticas sociais no atendimento à família em situação de exclusão, os órgãos componentes da Secretaria tendiam a atuar isoladamente e com focos bem específicos, sem uma articulação eficiente com organizações da sociedade civil atuantes em áreas correlatas. Para compatibilizar em uma visão sistêmica e única estas diversas percepções organizacionais foi dado um primeiro passo na modelagem de gestão da Secretaria, mediante um diagnóstico do 4

contexto interno obtido através do levantamento de opiniões de seus gestores. O aspecto mais recorrente, na opinião dos servidores públicos, apontava para a falta de visão e direcionamento estratégico da Secretaria. Para subsidiar a concepção do direcionamento estratégico, foi realizada uma consulta externa não apenas com a população diretamente atendida pelo Órgão como também com algumas OSCs que desenvolvem programas voltados para ação social e geração de emprego e renda. O objetivo da Secretaria era obter subsídios para implementar políticas sociais mediante uma ação estatal racionalizadora, voltada à geração de resultados, em parceria com as OSCs vocacionadas para a promoção da inclusão social. O levantamento junto à população atendida diretamente pela Secretaria foi realizado com a aplicação de questionários em uma amostra das unidades de atendimento destes órgãos, durante dois dias consecutivos. Foram aplicados 1225 questionários em 34 unidades de atendimento da capital e do interior do estado. No caso das entidades comunitárias, foram realizadas 17 oficinas, contando com a participação de 300 pessoas. A seguir, serão detalhados os principais objetivos e resultados da pesquisa realizada junto às OSCs. OFICINAS COM ENTIDADES A Figura 1 ilustra os principais aspectos metodológicos das oficinas realizadas junto à amostra de organizações da sociedade civil que provêem programas de assistência social e geração de emprego e renda e qualificação profissional em parceria à Secretaria do Trabalho e Ação Social do Estado do Ceará: 5

OBJETO Expectativas de serviços / produtos fornecidos pela Secretaria Nível de satisfação/insatisfação c/ atendimento recebido Expectativas das populações-alvo atendidas p/ entidades Prioridades de atendimento para entidades MÉTODO E INSTRUMENTOS Levantamento interativo de opiniões/ expectativas/ necessidades Grupos de representação de entidades homogêneas quanto a atividades-fim Debates estruturados por eixos-temáticos Coordenação técnica focada em resultados Material coletado submetido a análise de conteúdo OBJETIVOS Relacionamento com Entidades Direcionamento estratégico focado nas necessidades dos atendidos Prioridades de ação para melhoria de parceria Processo de modelagem de redes entre entidades SUJEITO Entidades que não pertencem à Secretaria, mas que atendem diretamente às suas populações-alvo, com quem estabelecem alguma forma de convênio ou parceria LOGÍSTICA Trabalho de campo Grupos agregando 15 a 20 pessoas Eventos facilitados por Servidores da Secretaria, capacitados pela equipe de pesquisadores Figura 1 Metodologia das Oficinas com Entidades A pesquisa foi realizada através de oficinas, com duração de 3 a 4 horas cada, que contaram com a participação de dirigentes de organizações comunitárias cadastradas na Secretaria. Estas oficinas foram coordenadas por técnicos da Secretaria e pesquisadores. Como estas entidades são instâncias de participação social organizada, que canalizam demandas da população para os órgãos públicos e, simultaneamente, executoras de programas e ações voltadas ao atendimento das necessidades das populações carentes, o material resultante deste levantamento foi um insumo importante para o repensar do Direcionamento Estratégico da Secretaria. 6

Nestas oficinas foram tratados os seguintes tópicos: Aspectos positivos e negativos do atendimento da Secretaria; Expectativas das entidades em relação ao Órgão, para poderem atender melhor sua comunidade; Principais necessidades das populações/comunidades atendidas pelas entidades participantes; Prioridades de atendimento das entidades. É importante salientar que não foi oferecida, a priori, nenhuma categorização à qual os participantes deveriam adequar suas proposições e opiniões. Essa divisão ocorreu posteriormente, a partir dos dados brutos coletados, de forma a sistematizar a livre exposição das entidades. Uma primeira atividade consistia na definição, em grupos, de expectativas que essas organizações da sociedade civil tinham em relação à Secretaria. Em seguida, era pedido para que esses mesmos grupos definissem aspectos positivos e negativos desse relacionamento. EXPECTATIVAS DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL As entidades participantes nas Oficinas consideram a Secretaria um importante parceiro na consecução de seus objetivos, uma vez que o oferecimento de programas por parte do Órgão, a forma com a qual que é gerido e as perspectivas de apoio e assessoria às entidades, são aspectos que envolvem e/ou impactam na atuação dessas organizações. Essas OSCs apresentaram grande diversidade de expectativas em relação à Secretaria, que são apresentadas a seguir: 7

Ampliação dos Programas/Atendimento da Secretaria Os participantes das oficinas esperam que a Secretaria amplie os programas de geração de emprego e renda e qualificação de mão-de-obra, a assistência a grupos vulnerabilizados (idosos, drogados, crianças carentes) e a descentralização de cursos profissionalizantes. Intensificação do Apoio a Organizações da Sociedade Civil É fundamental que a Secretaria promova um assessoramento técnico sistemático e regionalizado às entidades comunitárias, incluindo o treinamento e capacitação de lideranças comunitárias (em aspectos como convênios e prestação de contas). Melhorias em Organização, Gestão e Recursos Humanos da Secretaria A Secretaria precisa descentralizar o atendimento às Associações, desburocratizar seus procedimentos, promover a capacitação profissional de servidores, bem como realizar atividades de assessoramento aos municípios na prestação de serviços sociais, através da descentralização das ações e decisões. Maior Volume de Recursos Financeiros As OSCs gostariam que mais recursos fossem destinados ao atendimento de projetos na área social, sendo necessária, menor burocracia na concessão de recursos e na prestação de contas. Auxílio em Melhorias de Infra-estrutura Uma forma importante de apoio da Secretaria às entidades presentes às oficinas poderia se dar através de auxílio na construção e ampliação de instalações físicas e na renovação de equipamentos, com destino de recursos para melhoria da infra-estrutura das entidades. Comunicação/Divulgação As OSCs afirmaram ainda a expectativa de que haja maior transparência da Secretaria na troca de informações entre técnicos e comunidade, assim como a divulgação de informações sobre os programas à oferecidos à população e a assistência oferecida às entidades, foram apresentadas como expectativas. O gráfico abaixo consolida a freqüência de citações em cada categoria analítica: 8

34 33 35 Programas da Secretaria Organização, Gestão e RH da Secretaria Apoio às OSCs 17 Recursos Financeiros 10 12 0 10 20 30 40 Infra-Estrutura Comunicação/Divulgação Gráfico 1 Expectativas de Entidades em Relação à Secretaria, por Categoria Analítica, em número de citações Como se pode observar, maior ênfase foi dada à ampliação dos próprios Programas da Secretaria, que obteve um total de 35 citações; Organização, Gestão e RH da Secretaria, corresponderam a 34; e, Apoio às Organizações da Sociedade Civil, com 33 afirmações. Esse resultado mostra que a atenção das entidades parceiras está centrada nos papéis desempenhados e na forma de gestão da Secretaria. Os Papéis da Secretaria A Secretaria desenvolve, principalmente, 2 tipos de atividades-fim: Prestação de serviços e execução de programas e projetos; Assessoria e apoio a OSCs parceiras do Órgão. 9

Nas oficinas realizadas, foram levantadas diversas opiniões relativas ao desconhecimento dos serviços que o Órgão oferece, a dificuldade em obter informações sobre serviços existentes, a falta de divulgação de programas, os obstáculos para acompanhar os processos em tramitação; evidenciando a alta freqüência das deficiências nos canais de comunicação entre a Secretaria e a comunidade. As entidades participantes esperam que a Secretaria divulgue mais intensamente os serviços e formas de assistência oferecidas e que a troca de informação entre o Órgão e a comunidade seja realizada de maneira transparente e contínua; inclusive com retorno dos levantamentos, pesquisas e planejamentos realizados em parceria. As indicações mais freqüentes relacionadas aos Programas desenvolvidos pela Secretaria se referiram a cursos profissionalizantes e atividades de apoio a grupos produtivos, sugerindo que as entidades participantes do levantamento os consideram tão importantes quanto os serviços assistenciais. Os principais aspectos positivos dentre as atividades desenvolvidas pela Secretaria, segundo as OSCs, seriam próprios Programas que aquela oferece. Foram referidas as atividades de formação profissional, de atendimento aos meninos de rua, a intermediação de emprego, a atenção com idosos, entre outros tipos de atendimento às populações-alvo relevantes. Se o atendimento é, em geral, considerado de boa qualidade, existe a opinião de que ele é insuficiente no volume e abrangência, devido às limitações de capacidade e à concentração do atendimento na capital, em detrimento do interior e zona rural. Além disso, foi dada ênfase à necessidade de intensificação de programas de capacitação ou qualificação profissional, que assegurem à população condições de acesso ao trabalho. 10

O outro papel da Secretaria, assessoria e capacitação de entidades comunitárias, é caracterizado pela realização de eventos e/ou do deslocamento de técnicos para a prestação de assessoria personalizada às organizações da sociedade civil. A assessoria na formação de conselhos e o incentivo à participação das comunidades têm sido considerados como aspectos positivos da atuação do Órgão pelas OSCs participantes das oficinas. As expectativas por essas entidades concentram-se na ampliação dos recursos disponíveis para projetos de ação social, atendendo diversas populações. Entre as referências negativas, destaca-se essa insuficiência dos recursos repassados, a limitação de sua obtenção e o atraso no repasse. Modelo e Forma de Gestão dos Parceiros: Estado e OSCs A percepção sobre o grau de proximidade da Secretaria e a possibilidade de participação das entidades está fortemente associada à atuação dos técnicos e servidores do Órgão que interagem com estas entidades. Percebe-se que a relação Secretaria/entidades é positiva e próxima, quando o relacionamento com os servidores que fazem o trabalho de campo é mais freqüente. Estes funcionários são, geralmente, vistos como profissionais capacitados, comprometidos, disponíveis e atenciosos, que desenvolvem boas relações com as pessoas e as entidades, chegando, algumas vezes, a uma personalização do trabalho e da relação. As deficiências atribuídas aos técnicos do Órgão referem-se à falta de capacitação e, principalmente à alocação inadequada, em detrimento do interior e da zona rural do Estado, caracterizando uma concentração excessiva dos programas na Capital, aspecto já mencionado anteriormente. Devido à falta de visitas dos técnicos, acentua-se a percepção da Secretaria como um órgão distante e a crítica à inadequação dos serviços prestados. Dada a personalização da relação entre Secretaria e entidades, a substituição de técnicos tende a interromper os trabalhos iniciados, levando ao desperdício de recursos, à descontinuidade das atividades e ao acirramento das condições de carência das populações atendidas. Nas oficinas, poucos aspectos positivos sobre a organização e gestão da Secretaria foram citados, mesmo porque trata-se de aspectos somente lembrados quando as coisas não funcionam ; e, sobre o qual as entidades não têm conhecimento suficiente. A queixa generalizada refere-se à burocracia e falta de organização, levando à perda de agilidade, falta de flexibilidade e de capacidade de resposta dos órgãos. Paralelamente, as organizações da sociedade civil enfrentam, atualmente, um desafio de profissionalização, que pode ser ilustrado por uma demanda específica: a concessão de remuneração a presidentes de entidades comunitárias que trabalham em período integral para a organização e não têm fonte alternativa de renda. Quando estas se restringem ao voluntarismo altruísta é limitado seu potencial de atuação. O diferencial de competitividade das organizações 11

comunitárias na prestação de serviços sociais, quando comparadas aos órgãos governamentais, não pode limitar-se à maior eficiência na utilização dos recursos às custas de trabalho não remunerado; contudo, profissionalizá-las às custas de verbas orçamentárias do Estado, evidentemente, não é uma solução. Outros problemas que impactam indiretamente na gestão das OSCs surgiram de queixas e insatisfações referentes à inadequação ou falta de espaço e instalações para a realização do trabalho com a população atendida surgiram em várias das oficinas. As críticas distribuem-se entre necessidade de manutenção de instalações e adequação de estrutura - inexistência, insuficiência ou má alocação - para atividades de lazer, creche; cursos e outros. Articulação da Secretaria com a Sociedade Civil Esse resultado indica um reconhecimento, por parte das entidades, da importância dos programas oferecidos pela Secretaria, sendo necessária, contudo uma descentralização das ações, através do desenvolvimento de um modelo de gestão mais flexível, levando à melhoria do atendimento e à maior rapidez de resposta. 12

Apesar de menor volume de referências, as afirmações sobre desconhecimento dos serviços que o Órgão oferece, dificuldade em obter informações sobre serviços existentes e falta de divulgação de programas, evidenciam deficiências nos canais de comunicação entre a Secretaria e a comunidade. As entidades participantes esperam que a Secretaria divulgue mais intensamente os serviços e formas de assistência oferecidas e que a troca de informação entre o órgão e a comunidade seja realizada de maneira transparente e contínua; inclusive com retorno dos levantamentos, pesquisas e planejamentos realizados em parceria. 13

CONSIDERAÇÕES FINAIS A opção do Estado de estabelecer parcerias com as organizações da sociedade civil, estimulando a transparência, a democratização do espaço público e a ampliação do compromisso mútuo, requer a implementação de mecanismos de auscultação de demandas e expectativas e a construção de vias de comunicação de mão dupla. O levantamento realizado permitiu aferir a potencialidade deste tipo de trabalho contribuir para o aumento da eficácia da ação social e o aperfeiçoamento das articulações institucionais. Contudo, é primordial a flexibilização do modelo de gestão das instituições públicas e que estas estejam dispostas a realizar alianças estratégicas com organizações da sociedade civil, de forma a racionalizar e intensificar as ações na área social. Essa articulação/parceria não deve ser confundida com mero repasse de recursos, mas suporte técnico e apoio à gestão destas entidades. Não basta a consciência do setor público sobre a necessidade de articulação com a sociedade civil no fornecimento de serviços públicos: é necessário o desenvolvimento de mecanismos de cobrança de resultados que contemplem, simultaneamente, o controle sobre metas e a elaboração de indicadores de resultados. As organizações da sociedade civil, por sua vez, devem assumir sua porção de responsabilidade na promoção da inclusão social, atuar focada em resultados e cobrar do Estado todas as condições necessárias para atenderem à comunidade com qualidade e eficiência. 14

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRESSER PEREIRA, L. C. e SPINK, P. (org.) Reforma do Estado e Administração Pública Gerencial. Rio de Janeiro: Editora FGV, 1997. FERNANDES, R. C. Privado porém público: o Terceiro Setor na América Latina. Rio de Janeiro, Editora Dumará, 1994. FISCHER, R. M. e FALCONER, A. P. Desafios da parceira governo e terceiro setor. Revista de Administração da USP, v.33, n.1, jan./mar., 1998. FUNDAÇÃO INSTITUTO DE ADMINISTRAÇÃO, Programa de Modelagem da Gestão da Secretaria do Trabalho e Ação Social do Ceará, relatório final, abr., 1997. KLIKSBERG, B. Como Transformar o Estado - Para além de Mitos e Dogmas. Brasília, ENAP, 1992. 15