Caso clínico: Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS) e Síndrome Metabólica (SM) Identificação: NEM 56 anos, masculino, engenheiro, procedente SP QD: Fadiga e sonolência diurna há pelo menos 5 anos HPMA: O paciente refere sempre ter roncado com piora há 5 anos e sem melhora com a perda ponderal recente de 4 kg. O ronco é intenso, diário e audível em outro cômodo da casa mesmo quando da porta fechada do quarto que dorme. Nega sufocação noturna, entretanto a esposa observa a presença de pausas respiratórias durante o sono. Queixa-se de fadiga e sonolência diurna para atividades que requerem ou não atenção tendo dormido na estrada (1 episodio) acordando com a buzina de outro carro e frequentemente dormindo em reuniões. A escala de sonolência de Epworth pontuou 16/24. Nega alterações do humor, atenção ou memória. Dorme em média 7 hs por noite durante a semana estendendo-se por mais 1 hr aos finais de semana. Nega sintomas nasais e queixas de outros distúrbios do sono. O aumento do peso foi de 15kg/15 anos referindo que com 30 anos já era obeso pois pesava 100kg. ESCALA DE SONOLÊNCIA DE EPWORTH Qual possibilidade de você cochilar ou adormecer nas Chance de cochilar - 0 a 3 seguintes situações? Situações 1. Sentado e lendo 2 2. Vendo televisão 2 3. Sentado em lugar público sem atividades como sala de espera, cinema, teatro, igreja 2 4. Como passageiro de carro, trem ou metro por 1 hora sem parar 3 5. Deitado para descansar a tarde 3 6. Sentado e conversando com alguém 2 7. Sentado após uma refeição sem álcool 2 8. No carro parado por alguns minutos no durante trânsito 0 Total 16/24 (nl: até 9) ISDA: S. Genito-urinário: nictúria 2 a 3 vezes e sem queixas de prostatismo Demais sistemas: ndn AP: Nega tabagismo, etilismo socialmente (baixo consumo e só cervejas) HAS há 28 anos e recentemente com glicemia alterada. Sedentário.
Nega cirurgias e internações. Medicações: benicar(40mg) anlodipina (10mg), metformina (1 gr/dia), sinvastatina (10 mg/dia) AF: Pai e irmãos roncadores HAS e obesidade na família Exame Físico: BEG, afebril, acianotico, anictérico e corado Peso: 110kg, Altura: 1,75 kg IMC:35,9 kg/m2; Circunferência pescoço: 48 cm, Circunferência cintura: 128 cm PA: 130 x 90 mm Hg P: 92 (R) FR: 18 BRNF s/ sopros Pulmões: MV nl sem RA Abd: globoso, indolor; fígado não palpável devido ao panículo adposo abdominal Extremidades: sem edema, pulsos: normais Exame do cavum: palato mole e úvula pouco alongadas; S. Mallampati II e discreta retrognatia Rinoscopia: sem alterações Exames gerais recentes: Glicemia jejum e 2 hs (mg/dl) : 101 e 116 ( valores anteriores ha 2 anos 115, 167 ); Hbglicada : 5,7; Colesterol (mg/dl) : total 146; HDL : 40 e LDL: 88; triglicérides (mg/dl) 90. Polissonografias
basal CPAP ( pressão efetiva: 10 cm H2O) Ef sono 85% 82% Lat sono 33 min 5 min Lat REM 82 min 72 min E 1 11, 5% 3% E 2 69% 47% E 3 /4 0% 27,3% E REM 19,7% 22,7% IAH 79,2/h 5,2/h Sat O2 vig 92% 93% média 84,5% 92 % min 63% 88% Microdesp 65/h 10/h Legenda: Ef Sono: eficiência do sono; Lat Sono: latência para o inicio do sono, Lat REM:latência para o sono REM; E1: estágio 1 do sono em porcentagem do tempo total do sono ; E2: estágio 2 do sono em porcentagem do tempo total do sono; E3/4: Estágio do sono em ondas lentas em porcentagem do tempo total do sono; EREM: estágio em sono REM em porcentagem do tempo total do sono; IAH: índice de apneia e hipopneia por hora de sono, Sat O2 vig, média, min: Sat O2 na vigília, média e min no sono, Microdesp: micro-despertares em índice por hora de sono.
GRÁFICOS POLISSONOGRAFIA BASAL POLISSONOGRAFIA COM CPAP Questão 1- O diagnóstico de SAOS baseia-se na presença de sintomas associados a presença de eventos respiratórios na polissonografia (critérios da Classificação Internacional dos Distúrbios do Sono, 2005) Qual das alternativas está correta? a- Presença de roncos e apneias testemunhadas com IAH > 15 na polissonografia. b- Presença de roncos e nictúria com IAH > 5 na polissonografia. c- Presença de roncos e sonolência excessiva com IAH > na polissonografia sendo que estes sintomas não podem ser justificados por outras doenças clinicas, outros distúrbios do sono e uso de drogas. d- Presença de roncos e alterações cognitivas com IAH > 10 na polissonografia. e- Presença de roncos e sonolência com Sat O2 < 90% em 10% do tempo total de sono detectado na polissonografia. RESPOSTA c
O diagnóstico da SAOS no adulto segundo os critérios estabelecidos na última Classificação Internacional de Distúrbios do Sono (2005) inclui a presença de sintomas com achados da polissonografia, a saber: itens A, B e D ou C e D, conforme descritos abaixo: A. No mínimo uma queixa: sonolência, sono não reparador, fadiga ou insônia; acordar com pausas respiratórias, engasgos ou asfixia; relata ronco alto e/ou pausas respiratórias durante o sono. B. Polissonografia (PSG): 5 ou mais apneia e/ou hipopneia e/ou despertar relacionado ao esforço respiratório (DRER) por hora de sono; com evidências de esforço respiratório durante todo ou parte de cada evento. C. PSG apresentando: 15 ou mais eventos respiratórios obstrutivos detectáveis (de apneia e/ou hipopneia e/ou DRER) por hora de sono; evidência de esforço respiratório durante todo ou parte de cada evento. D. O distúrbio não pode ser melhor explicado por outro distúrbio do sono, doenças médicas ou neurológicas, uso de medicações ou distúrbio por uso de substâncias. (Ref 1) Apenas a alternativa c preenche os critérios acima referidos. Questão 2- O tratamento com o CPAP é considerado padrão ouro na SAOS de grau moderado e acentuada. Qual das afirmativas é verdadeira em relação ao tratamento com o CPAP: a- Resulta em melhora da sonolência (estudos com nível de evidencia nível 1A, 1B e recomendação A). b- Resulta em melhora da HAS com exceção da HAS resistente, caso esteja associada a SAOS. c- Resulta em melhora da hiperglicemia e resistência insulínica caso esteja associada a SAOS. d- Resulta em melhora de varias funções executivas caso esteja associada a SAOS. e- Todas estão corretas Resposta a Para pacientes com SAOS moderada a grave o tratamento de escolha da SAOS é o CPAP pois é o único tratamento capaz de normalizar o IAH e saturação da oxi-hemoglobina e reverter a fragmentação do sono com regressão dos sintomas clínicos. Estudos randomizados e controlados revelam que o CPAP é capaz de reverter a sonolência ( nível de evidencia 1A, 1B e grau de recomendação A). (Ref 2) Assim a alternativa correta é a. Estudos transversais e prospectivos incluindo grandes amostras populacionais revelam que a SAOS é fator de risco independente para a HAS incluindo a forma resistente (Ref 3,4), no entanto O CPAP parece ter efeito discreto na HAS sendo este efeito mais evidente na HAS resistente. (Ref 5-,8) Assim a alternativa b está incorreta.
Estudos também revelam que a SAOS pode ser fator de risco independente para a intolerância a glicose e DM, contudo os estudos são controversos quanto ao beneficio do CPAP nesta condição. (Ref 9-13), assim a alternativa c está incorreta. A SAOS grave também tem sido associada a alterações cognitivas. O beneficio do CPAP em longo prazo (6 meses) foi testado em estudo multicêntrico randomizado e controlado com CPAP sham levando a melhora discreta apenas na função executiva e sem beneficio na memória, aprendizado, atenção e função psicomotora. (estudo APPLES, Ref 14).A resposta d esta incorreta pois apenas a função cognitiva melhora com o CPAP. Questão 3 A SAOS está frequentemente associada a SM, cuja interação promove aumento do risco cardio-metabólico. Entre os mecanismos propostos, podemos afirmar: a- Hipóxia intermitente e fragmentação do sono levam ao aumento da atividade simpática e a hiperaldosteronismo secundário. b- Hipóxia intermitente e fragmentação do sono levam ao aumento da atividade simpática, do stress oxidativo e da atividade inflamatória. c- Hipóxia intermitente e fragmentação do sono levam ao aumento da atividade simpática e redução da atividade do eixo hipotálamo hipófise- adrenal. d- Somente hipóxia intermitente leva a aumento da atividade simpática, do stress oxidativo e da atividade inflamatória. e- As alterações na pressão intra-torácica relacionadas a obstrução da VAS não tem influencia na atividade simpática. Resposta b Os mecanismos implicados no risco cardiovascular pela SAOS decorrem da hipoxemia intermitente e da fragmentação do sono que ativam o sistema nervoso simpático e o eixo hipotálamo-hipófise- adrenal e aumentam o stress oxidativo.(ref 15-17). As oscilações da pressão intra-torácica associada a oclusão da VAS também levam ativação do sistema nervoso autônomo. Embora a hipoxemia possa ser o mecanismo mais importante implicado como o causador destes desfechos, não é o único e portanto a alternativa correta é a b. Diagnóstico: Trata-se da Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono de grau acentuado e Síndrome metabólica tratada. Conduta: A terapêutica baseia-se no uso do CPAP (continuous positive airway pressure) durante o sono noturno na pressão estabelecida durante a polissonografia, que foi 10 cm H2O. O paciente foi orientado quanto ao beneficio clinico do uso deste equipamento bem como dos
possíveis efeitos adversos relacionados ao ressecamento da via aérea superior assim sendo foi sugerido o uso de umidificador aquecido acoplado ao CPAP bem como a lavagem nasal com soro fisiológico e corticoide nasal (budesonida: 50 mcg à noite). O tratamento farmacológico da SM foi mantido e foi enfatizado a mudança de estilo de vida e encaminhamento para nutricionista objetivando a perda ponderal. Evolução: O paciente evolui em 30 dias com boa adesão ao CPAP, usando-o praticamente a noite toda e como efeito adverso referiu discreto ressecamento nasal. Houve desaparecimento da fadiga e da sonolência diurna com redução dos episódios de nictúria para 1 vez/noite. Foi orientado aumentar o grau de umidificação do CPAP e otimizar o tratamento do nariz. Após 1 ano, a adesão terapêutica ao CPAP e aos medicamentos para a SM permanecia adequada com controle da sonolência, fadiga, PAS, glicemia e o colesterol Não ocorreu mudança significativa no estilo de vida já que a pratica de exercício físico era irregular e o peso permanecia o mesmo. Discussão: O paciente em questão apresentava fadiga, ronco intenso e apneias testemunhadas e no exame de polissonografia apresentava IAH> 5/h preenchendo os critérios já referidos para o diagnóstico SAOS sendo esta de grau acentuado. A gravidade da SAOS baseia-se no IAH a saber: leve se 15<IAH>5; moderada se 30<IAH>15 e acentuada se IAH >30 (Ref 1). O diagnóstico de SM, por sua vez, baseou-se no relato de HAS, Diabetes e dislipidemia (desta feita controladas com medicamentos) bem como do aumento da circunferência abdominal e preenchendo os requisitos para SM segundo a National Cholesterol Education Program (NCEP) Adult Treatment Panel III (ATPIII)- (Ref 18) O tratamento com o CPAP foi capaz de normalizar o IAH, a SatO2, os estágios do sono e eliminar os roncos e a fragmentação do sono como demonstrado na PSG para titulação do CPAP. Consequentemente já no primeiro mês de seu uso a sonolência e a fadiga reverteram com melhora da qualidade de vida estando de acordo com a literatura. Também houve redução nos episódios de nictúria oque pode ser explicado pela supressão da produção do hormônio natriurético pelo átrio direito. Durante os eventos de apneias e hipopneias devido a pressão intra-torácica se tornar mais negativa há aumento do retorno venoso para o átrio direito, distendendo-o e levando a produção deste hormônio. A adesão terapêutica foi adequada oque é mandatório para a obtenção dos benefícios clínicos. Há discussão na literatura quanto o numero de horas de uso para os bons resultados clínicos e isto varia com o desfecho avaliado, no entanto o numero mínimo aceitável para melhora da sonolência subjetiva é de 4 horas. (Ref 19) Quanto aos efeitos adversos, estes foram mínimos (ressecamente da VAS) e facilmente controlados com a umidificação da VAS e corticóide nasal.
É assunto de relevante interesse a interação da SAOS com a SM. Observa-se também que o fenótipo mais comum da SAOS é o mesmo da SM. Em pacientes com SM, a prevalência de SAOS moderada a grave é extremamente alta e está em torno de 65%.Isto pode ser explicado exclusivamente por conta da obesidade central, que é um componente central na própria definição de SM é também um dos principais fatores de risco para SAOS. Assim, Wilcox et al em 1988 propuseram que a Apneia Obstrutiva do Sono fizesse fazer parte do espectro da SM sugerindo então o nome de Síndrome Z para esta associação. (Ref 20) O grande desafio está no entendimento se a SAOS é um epifenômeno da obesidade e da SM ou se tem efeito em agravar o risco cardiometabólico da obesidade e da SM. Há evidencias experimentais e clinicas que a interação da hipoxemia intermitente com a obesidade intensifica a ativação dos mecanismos fisiopatogênicos para doença cardiovascular Neste contexto a SAOS pode levar ou agravar a HAS e a intolerância a glicose/dm com menos evidencias sobre as dislipidemias (Ref 21). Quanto ao efeito do CPAP sobre tais alterações metabólicas, alguns estudos foram positivos e outros negativos, não havendo consenso na literatura quanto ao seu uso para o tratamento destas alterações. Sobre seu efeito no peso, este não foi ainda devidamente avaliado na literatura. No referido paciente a PAS, a hiperglicemia e a dislipidemia estavam controlados com os medicamentos e não houve relato de redução destes medicamentos nem de perda ponderal com o uso do CPAP. Há mais de uma década National Cholesterol Education Program (NCEP) Adult Treatment Panel III (ATPIII) e, mais recentemente, a I Diretriz Brasileira de Diagnóstico e Tratamento da Síndrome Metabólica (Ref 22) consideram a realização de um plano alimentar para a redução de peso associado a exercício físico como terapias de primeira escolha para o tratamento de pacientes com SM. Ainda que o paciente não tenha perdido peso e nem modificado seu estilo de vida, tais medidas foram e devem continuar sendo fortemente recomentadas, pois melhoram não somente a SM mas também a SAOS e o risco cardiometabólico. Referencias 1- American Academy of Sleep Medicine - AASM. International Classification of Sleep Disorders 2nd Edition: Diagnostic and Coding Manual (ICSD-2). Westchester, IL, American Academy of Sleep Medicine, 2005. 2- Giles TL, Lasserson TJ, Smith B, White J, Wright JJ, Cates CJ. Continuous positive airways pressure for obstructive sleep apnoea in adults (Review). The Cochrane Library 2008, Issue 4. 3- Peppard PE, Young T, Palta M, Skatrud J. Prospective study of the association between sleep-disordered breathing and hypertension. N Engl J Med. 2000; 342:1378 1384. 4- Nieto FJ, Young TB, Lind BK, Shahar E, Samet JM, Redline S, D'Agostino RB, Newman AB, Lebowitz MD, Pickering TG. Association of sleep-disordered breathing, sleep apnea, and hypertension in a large community-based study. Sleep Heart Health Study. JAMA. 2000 12; 283(14):1829-36.
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