OF/AMUCC-043/2013 - ADV Florianópolis, 02 de maio de 2013. Exmo Sr. Dr. Maurício Pessutto MD Procurador da República Procuradoria da República em Santa Catarina Rua Pascoal Apóstolo Pitsica, nº 4876, torre 01 88025-255 Florianópolis SC Assunto: Referente ao Ofício nº 2138/2013-PRDC-MPF/PR/SC - efetividade da política de prevenção do câncer de mama e de colo de útero em SC. Senhor Procurador, A Associação Brasileira de Portadores de Câncer AMUCC, Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), inscrita no CNPJ/MF sob o nº 04.124.807/0001-97, com a missão de contribuir com o controle do câncer, reduzir o impacto da doença e empoderar o portador de câncer como indivíduo e ativista da causa, vêm respeitosamente manifestar-se, conforme solicitado, a respeito da efetividade da política de prevenção do câncer de mama e de colo de útero em Santa Catarina. A AMUCC em 2012 formou uma rede de organizações que trabalham com câncer chamada Rede de Controle do Câncer de Mama em Santa Catarina RECAM/SC, fruto do Projeto Advocacy em Câncer de Mama, patrocinado pela American Cancer Society e com o apoio da FEMAMA. A RECAM/SC tem por finalidade atuar em advocacy e controle social das políticas públicas. As Organizações que compõem a RECAM/SC coletaram dados sobre o fluxo para o câncer de mama nos Centros de Saúde dos municípios de Florianópolis, Itajaí, Blumenau, Chapecó, Joaçaba, Braço do Norte e Canoinhas. Foram medidos os tempos de espera para atendimento em todas as fases do processo, desde a 1ª consulta até o início do tratamento. O levantamento mostrou falta de efetividade na gestão do fluxo para a prevenção dos cânceres de colo de útero e de mama e que são necessárias medidas urgentes a serem adotadas pelo gestor da saúde pública nos municípios para que se altere a triste situação hoje no Brasil, onde estes cânceres ainda são diagnosticados em estadio avançado, quando as chances de cura se tornam cada vez menores, ceifando vidas desnecessariamente. Considerações sobre o câncer de mama No Brasil, está previsto para 2013 o diagnóstico de 52.680 casos de câncer de mama e 12.852 mortes em decorrência do tumor. Ao ser analisada a taxa de mortalidade por câncer de mama no Brasil, Silva et al, evidenciaram tendência de aumento na mortalidade entre 1980 e 2006, diferente de países desenvolvidos que apresentam redução desde a década de 1985. 1
Relativamente raro antes dos 35 anos, acima desta faixa etária sua incidência cresce rápida e progressivamente. Estatísticas indicam aumento de sua incidência tanto nos países desenvolvidos quanto nos em desenvolvimento. As políticas públicas brasileiras demonstraram maior ênfase no controle do câncer de mama somente a partir de 1997, com o Programa Viva Mulher e, desde então, visam aumentar a cobertura mamográfica e, consequentemente, a redução da mortalidade por câncer de mama. A expectativa é que o aumento da cobertura mamográfica propiciaria acréscimo nas taxas de diagnóstico do câncer de mama em estágios iniciais (estágio I e II), o que reduziria a mortalidade pela doença. No Brasil, o Consenso de Controle para o Câncer de Mama aponta a mamografia e o exame clínico como os métodos de rastreamento na rotina de atenção à saúde da mulher. De fato este método diagnóstico tem sido efetivo para descoberta precoce do câncer de mama e promove maior redução da mortalidade em mulheres com idade igual ou superior a 50 anos. Apesar do aumento no acesso à mamografia, em 2009 a cobertura deste exame para as mulheres de 50 a 69 anos de idade residentes em capitais brasileiras foi estimada em 72,2% nos dois anos anteriores à pesquisa. Apesar de aumento da coberta de mamografia nos últimos anos, ainda persiste dificuldade de acesso ao exame, tanto sociais como geográficas. Conforme Schneider (2013), além de dificuldades de acesso, dentre as razões mais comuns para as mulheres não realizarem a mamografia estão o entendimento que o exame não é necessário e o desconhecimento sobre a importância do mesmo. Daí se conclui que ainda são necessárias amplas campanhas de conscientização. Segundo o Instituto Nacional do Câncer - INCA, a sobrevida média após cinco anos na população de países desenvolvidos tem apresentado um discreto aumento, cerca de 85%, entretanto, nos países em desenvolvimento, a sobrevida fica em torno de 60%. No Brasil, poucos são os estudos que analisam a sobrevida geral de pessoas que tiveram diagnóstico de câncer, em especial o câncer de mama. Em Santa Catarina, o estudo de Schneider e D orsi (2009) com 1.008 mulheres com o diagnóstico de câncer de mama nos registros hospitalares de câncer, demonstrou uma sobrevida geral de 76,2% após cinco anos. A baixa cobertura mamográfica no Brasil, em parte, pode explicar o alto percentual de diagnósticos em estadios avançados, cerca de 45%, identificados nos Registros Hospitalares de Câncer do Brasil, de 1995 a 2002, e cerca de 35% nos serviços de Florianópolis (SC), de 2000 a 2002, e a não redução das taxas de mortalidade. O diagnóstico em estadios avançados da doença pode estar relacionado com dificuldades de acesso aos serviços e programas de saúde, a baixa capacitação dos recursos humanos envolvidos na atenção oncológica, a falta de capacidade do sistema público de saúde de absorver a demanda e a dificuldade dos gestores em definir e estabelecer um fluxo assistencial nos diferentes níveis de atenção, que permita o manejo e o encaminhamento adequado de casos suspeitos. Outro fator que pode estar associado ao diagnóstico tardio é o elevado percentual de mulheres com idade inferior a 50 anos com diagnóstico de câncer de mama, uma vez que essas mulheres não estão incluídas na política de diagnóstico precoce do INCA. Análise de dois Registros Hospitalares de Câncer de Florianópolis mostraram que 27,5% das mulheres tinham entre 40 e 49 anos e 12,8% menos de 40 anos. Devido à inexistência de um rastreamento estruturado no Brasil, a mortalidade pode estar aumentando em decorrência do retardo no diagnóstico e no início de terapêutica adequada. Isto é visto, quando se analisa o atraso na condução dos casos de câncer de mama. 2
Sobre a Mamografia, esclarecemos: A mamografia é usada como ferramenta diagnóstica para examinar pacientes sintomáticas ou técnica de rastreamento para o câncer de mama. É efetiva para diagnóstico precoce de doença invasiva que pode levar de 5 a 7 anos para progredir, podendo detectar 80-90% dos casos de câncer de mama em mulheres assintomáticas. A Organização Mundial da Saúde reconhece a mamografia como método para rastreamento do câncer de mama por reduzir o diagnóstico em estágio avançado, aumentar a sobrevida e diminuir a mortalidade. O desempenho da mamografia de rastreamento é diferente segundo as faixas etárias, mas em todas há evidência de redução da mortalidade. Em mulheres de 40 a 49 anos, se o rastreamento é realizado a cada dois anos, pode ocorrer redução de até 15% na mortalidade por câncer de mama, mas nestas há alta taxa de falsos positivos com necessidade de exames adicionais. Redução semelhante na mortalidade é encontrada em mulheres de 50 a 59 anos, assim como taxa de falsos positivos. E o melhor desempenho é encontrado na faixa etária de 60 a 69 anos, com maior redução da mortalidade, 32%, e da taxa de falsos positivos. A frequência com que as mulheres são rastreadas é uma decisão que deve ser planejada. Este intervalo depende da história natural da doença, e também dos recursos disponíveis para o programa. Existem evidências que o rastreamento bienal mantém a redução da mortalidade. Mas existem entidades científicas, como a American Cancer Society que defende a recomendação anual a partir dos 40 anos. Esta entidade aponta, entre os benefícios da mamografia anual, a redução do risco de morte por câncer de mama, assim como cirurgias e terapias adjuvantes menos agressivas, devido ao diagnóstico precoce das lesões. No Brasil, a Sociedade Brasileira de Mastologia e a Comissão Nacional de Qualidade em Mamografia do Colégio Brasileiro de Radiologia e Diagnóstico por Imagem também mantêm a recomendação de realização anual da mamografia a partir dos 40 anos. Entretanto a política pública brasileira segue as recomendações do Instituto Nacional de Câncer. Este recomenda que rastreamento do câncer de mama por mamografia seja realizado em mulheres entre 50 e 69 anos, com no máximo dois anos de intervalo. Entretanto, o rastreamento se dá de forma oportunística, no qual a solicitação do exame dependerá do interesse da mulher em procurar o serviço de saúde. Além disto, não há controle de qualidade da mamografia e certificação de que o programa de controle do câncer de mama seja efetivo, pois não há triagem das mulheres que fazem o exame, tampouco monitoramento e avaliação, conforme ocorre nos rastreamentos organizados. No Brasil, dados dos Registros de Câncer de Base Populacional brasileiros, de 1993 a 2006, mostram que as taxas de incidência de câncer de mama em mulheres de 40 a 49 anos são semelhantes àquelas de 50 anos ou mais. Parte do aumento da taxa de incidência nesta população pode ser devido aos programas de rastreamento por mamografia detectando lesões iniciais. A utilização da mamografia é diferente nos diversos segmentos e a falta de rastreamentos organizados no Brasil faz com que muitas mulheres deixem de realizar os exames na periodicidade recomendada. Reconhecer os fatores que levam as mulheres a não realizarem a mamografia nas faixas etárias de maior risco para o câncer de mama é de extrema importância para que se desenvolvam estratégias específicas para este público. 3
Considerações sobre o Câncer do Colo do Útero Estão previstos 17.540 casos novos e 4.986 óbitos para o câncer de colo de útero em 2013, provavelmente decorrentes do diagnóstico tardio. O câncer do colo do útero se configura como um importante problema de saúde pública no mundo. É o terceiro tipo de câncer mais comum entre as mulheres, com uma estimativa de cerca de 529 mil casos novos para o ano de 2008, sendo responsável por 13% dos cânceres que acometem as mulheres. Sua incidência é cerca de duas vezes maior em países menos desenvolvidos, quando comparada aos países mais desenvolvidos. É responsável pelo óbito de 275 mil mulheres em 2008. Cerca de 88% desses óbitos ocorreram em países em desenvolvimento. O câncer do colo do útero, também chamado de cervical, demora muitos anos para se desenvolver. As alterações das células que podem desencadear o câncer são descobertas facilmente no exame preventivo (conhecido também como Papanicolau), por isso, é importante a sua realização periódica. A principal alteração que pode levar a esse tipo de câncer é a infecção pelo papilomavírus humano, o HPV, com alguns subtipos de alto risco e relacionados a tumores malignos. Segundo o INCA, é o segundo tumor mais frequente na população feminina, atrás apenas do câncer de mama, e a quarta causa de morte de mulheres por câncer no Brasil. Por ano, faz 4.800 vítimas fatais e foram previsto 17.540 novos casos para 2012, sendo 380 em Santa Catarina. Prova de que o país avançou na sua capacidade de realizar diagnóstico precoce é que na década de 1990, 70% dos casos diagnosticados eram da doença invasiva. Ou seja: o estágio mais agressivo da doença. Atualmente 44% dos casos são de lesão precursora do câncer, chamada in situ. Mulheres diagnosticadas precocemente, se tratadas adequadamente, têm praticamente 100% de chance de cura. No Brasil o rastreamento do câncer do colo de útero e de mama ainda não é feito de forma organizada, é apenas oportunístico, isto é, a mulher realiza o exame em algum serviço médico exame clínico das mamas, mamografia e Papanicolau. Informações gerais A Presidente da República, Dilma Rousseff, no dia 22/03/2012, participou do lançamento do Programa de Fortalecimento da Rede de Prevenção, Diagnóstico e Tratamento do Câncer de Colo do Útero e de Mama. Um dos objetivos do Programa é garantir a ampliação do acesso aos exames de rastreamento do câncer de mama com qualidade a todas as mulheres com idade entre 50 e 69 anos (população-alvo). O Ministério da Saúde (MS) publicou portaria no Diário Oficial da União de 1º de novembro-2011 em que aprova as Diretrizes Brasileiras para o Rastreamento de Câncer do Colo do Útero. O objetivo da portaria é estabelecer mecanismos de acompanhamento de uso e avaliação de resultados, garantindo assim a segurança e a eficácia dos diagnósticos e tratamentos. Também foi considerada a necessidade de se atualizar as diretrizes do Programa Nacional do Câncer do Colo do Útero, coordenado pelo INCA. Até 2014, o Programa Nacional de Controle do Câncer de Mama pretende ampliar a cobertura de mamografia na população-alvo; aumentar o percentual de mamografias em conformidade com os parâmetros e aumentar a proporção de mulheres diagnosticadas com câncer que iniciam o tratamento em, no máximo, 60 dias. 4
As Diretrizes Operacionais do pacto pela vida, em defesa do SUS e de Gestão, Documento pactuado na reunião da Comissão Intergestores Tripartite do dia 26 de janeiro de 2006 e aprovado na reunião do Conselho Nacional de Saúde do dia 09 de fevereiro de 2006, publicado pelo ministério da Saúde em 2006, coloca o controle do câncer de mama entre as seis prioridades pactuadas e tem como metas ampliar para 60% a cobertura de mamografia e realizar a punção em 100% dos casos necessários, conforme protocolo. Atualmente, os novos sistemas de informação na saúde pública, como o SISMAMA - Sistema de informação de câncer de mama e SISCOLO - Sistema de informação de câncer de colo de útero, têm condições de organizar o rastreamento com carta-convite e chamar as mulheres para realizar estes exames conforme as diretrizes nacionais do Instituto Nacional do Câncer (INCA). Não há auditoria interna nem externa nos laboratórios de citopatologia e a forma de se fazer o seguimento para lesões de colo de útero NIC 3 e NIC 4 não está clara. Conclusão Não há efetividade na gestão do fluxo para a prevenção dos cânceres de colo de útero e de mama e são necessárias medidas urgentes a serem adotadas pelo gestor da saúde pública nos municípios de Santa Catarina. A AMUCC embasada, inclusive nos dados coletados pela RECAM/SC, entende que as medidas elencadas a seguir trarão forte impacto na redução da mortalidade por câncer de mama e de colo de útero: 1. Que todos os Centros de Saúde devem ter clareza do fluxo de atendimento à mulher desde a 1ª consulta até o seguimento para tratamento; Cada município deve disponibilizar à população o Fluxo de Atendimento para o rastreamento e para a detecção precoce do câncer de mama, assim como os serviços oferecidos e pactuados, especificando todos os tipos de atendimento, procedimentos disponíveis, exames e o local onde serão realizados. O Fluxo irá orientar os próprios funcionários dos Centros de Saúde quanto aos procedimentos disponíveis o que facilitará a informação aos usuários sobre os serviços ofertados. Assim procedendo, o município não só estará cumprindo o preceito legal de informar aos seus munícipes, como também dará à mulher o poder de cobrar o cumprimento do fluxo ofertado, buscando o tratamento no tempo certo. 2. Que as mulheres sejam informadas sobre o seu direito à saúde e seu dever de procurar o Centro de Saúde para realização da mamografia; 3. Que seja definido um cronograma de rastreamento (busca ativa) para as mulheres na faixa etária entre 50 e 69 anos, assim como campanha de mobilização para adesão. 4. Que os Centros de Saúde disponibilizem a mamografia; 5. Que os resultados dos exames que apresentam lesões suspeitas sejam encaminhados para o Centro de Saúde de origem do paciente assegurando rapidez no seguimento; 6. Que o acesso ao diagnóstico por meio de ultrassom e biópsia para lesões suspeitas, não passe de 30 dias; 7. Que 100% dos casos diagnosticados sejam encaminhados para tratamento imediato; 5
8. Que seja implantado o rastreamento organizado, com carta-convite, chamando as mulheres para realizar os exames mamografia e preventivo do colo do útero conforme as diretrizes nacionais do Instituto Nacional do Câncer (INCA). 9. Que seja implantado o Programa Nacional de Qualidade das Mamografias no Estado de Santa Catarina; 10. Que ocorra o monitoramento da qualidade interna dos laboratórios de citologia pelos responsáveis pela sua contratação (Secretarias Municipais de Saúde), que também deve seguir os parâmetros recomendados pelo INCA e somente contratar os laboratórios que façam pelo menos 15.000 exames anuais. 11. Que a Secretaria Estadual de Saúde providencie o monitoramento externo dos exames citológicos destes laboratórios, realizando a releitura de 10% destes, como forma de garantir a qualidade dos exames coletados. 12. Que a Secretaria de Estado da Saúde monitore a implantação do Sistema Nacional de Regulação SISREG. O SISREG é um sistema on-line, criado para o gerenciamento de todo Complexo Regulatório indo da rede básica à internação hospitalar, visando à humanização dos serviços, maior controle do fluxo e otimização na utilização dos recursos. Finalizando, entendemos que o acompanhamento da efetividade desses Programas pelo Ministério Público Federal certamente fará com que as medidas sugeridas sejam implementadas com rigor e agilidade, fazendo com que os administradores públicos da saúde assumam plenamente suas funções no sentido de gerir o SUS conforme preconizado constitucionalmente. Na oportunidade, reiteramos a V.Exa. nossos votos de estima e consideração. Leoni Margarida Simm Presidente da AMUCC margaridasimm@amucc.com.br Fone: 48 9963-3055 48 30257185 SMSL,JRS,LMS/lms,smsl 6