Registro: 2011.0000109745 ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação nº 0004893-36.2004.8.26.0053, da Comarca de São Paulo, em que são apelantes ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES E AMIGOS DO PARQUE DA FONTE e MOVIMENTO DEFENDA SÃO PAULO sendo apelado PREFEITURA MUNICIPAL DE SÃO PAULO. ACORDAM, em 13ª Câmara de Direito Público do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao recurso. V. U.", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão. O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores FERRAZ DE ARRUDA (Presidente) e IVAN SARTORI. São Paulo, 27 de julho de 2011. LUCIANA BRESCIANI RELATORA Assinatura Eletrônica
2 13ª Câmara Seção de Direito Público Apelação Cível n 0004893-36.2004.8.26.0053 Apelante: Apelado: Comarca/Vara: Juiz prolator: ASSOCIAÇÃO DOS MORADORES E AMIGOS DO PARQUE DA FONTE E OUTRO MUNICIPALIDADE DE SÃO PAULO SÃO PAULO/9ª VARA DA FAZENDA PÚBLICA KENICHI KOYAMA VOTO Nº 4.245 Ação Civil Pública Pleito objetivando a implantação de bolsão residencial nos termos da Lei Municipal nº 11.322/92 Direito adquirido Inexistência Recurso desprovido. Trata-se de ação civil pública promovida pela Associação dos Moradores e Amigos do Parque da Fonte e Movimento Defenda São Paulo em face da Municipalidade de São Paulo objetivando a implementação de bolsão residencial no Jardim Barro Branco. 1.018/1.023). A ação foi julgada improcedente (fls. pretendendo a reforma do julgado. Apelam, tempestivamente, os requerentes
3 Recurso regularmente processado e contrariado. A d. Procuradoria de Justiça opinou pelo desprovimento do recurso. É o relatório. Associação dos Moradores e Amigos do Parque da Fonte e Movimento Defenda São Paulo ajuizaram ação civil pública em face da Municipalidade de São Paulo aduzindo que em 25 de novembro de 1993 deram início ao processo administrativo para criação de bolsão residencial localizado no Jardim Barro Branco, nesta cidade, amparados nas disposições da Lei Municipal nº 11.322/92 e Decreto Municipal nº 32.953/92. Sustentaram que o privilegiado aspecto urbanístico da região, considerando que fazem parte da área de transição da área núcleo da Reserva da Biosfera Municipal (Biosfera do Cinturão Verde da cidade de São Paulo), bem como a necessidade de proteção das águas subterrâneas que cortam a região e a amenização do fenômeno das ilhas de calor motivou os moradores da região a pleitearem a criação do referido bolsão residencial. Nessa esteira aduziram que cumpriram todas as etapas obrigatórias para sua criação e que dariam início à fase de execução, sendo que o processo administrativo seria encaminhado à Comissão Avaliadora de Bolsões Residenciais para avaliação técnica do orçamento e do cronograma das obras a ser apresentado pelos interessados (fls. 12),
4 todavia, com a edição em 17 de janeiro de 2002 da Lei Municipal nº 13.303/02, a qual deu novas disposições para a criação de bolsões, o processo administrativo tornou-se mais dificultoso. Sustentaram que em face da conclusão do processo administrativo possuíam direito adquirido a sua implementação, considerando que a nova lei atingiria situação já concluída, pois todas as etapas já haviam sido cumpridas restando apenas medidas práticas para sua implementação. Nesses termos ajuizaram a presente ação objetivando a criação do bolsão residencial em razão de direito adquirido. Houve por bem o MM. Juiz de Direito julgar improcedente ação. Contra esta r. sentença insurgiram-se os requerentes sustentando que para conclusão do processo administrativo era necessária a publicação de uma portaria. Aduziram tratar-se de ato vinculado, razão pela qual impositiva a publicação do ato. Mas sem razão o apelante, ressalvando que as preliminares arguidas pela recorrida ficam afastadas em razão do deslinde de que se dará a causa. A Lei Municipal nº 11.322/92 instituiu os chamados bolsões residenciais na cidade São Paulo, que eram definidos como uma área de reurbanização de forma a estabelecer-se uma hierarquização de suas vias de circulação, destinando-as preferencialmente ao trânsito local, respeitado o determinado no Plano
5 Diretor do Município de São Paulo e assegurada a plena utilização do sistema viário principal e secundário e da rede estrutural de transportes definidos em lei (parágrafo único, artigo 1º). Seu objetivo era a elevação da qualidade de vida dos moradores dessas áreas (artigo 1º). Por seu turno o Decreto Municipal nº 32.953, de 31 de dezembro de 1992, regulando a lei em comento, dispunha sobre a forma de criação dos bolsões trazendo uma série de etapas para sua conclusão até a publicação de portaria pelo Administrador Regional nos termos do artigo 14: Art. 14 Cumpridos os requisitos e estando a documentação dentro do previsto neste decreto, o Administrador Regional expedirá portaria criando o Bolsão. E aqui reside o cerne da controvérsia, considerando que aduz a apelante direito adquirido à implementação, pois quando da edição da Lei Municipal nº 13.302/02 todas as etapas da lei anterior haviam sido cumpridas, razão pela qual insiste na obrigatoriedade da sua criação, sobretudo porque sustenta que o ato administrativo consubstanciado na portaria caracteriza-se por ser ato vinculado, motivo pelo qual obrigatória sua expedição estando os requisitos da lei anterior cumpridos. Por seu turno, a Municipalidade de São Paulo sustenta que o processo administrativo não estava consumado e que a
6 entidade deveria cumprir as novas disposições trazidas pela lei em comento, não se vislumbrando a existência de direito adquirido. Nesse diapasão pertinente colação do ensinamento de José Afonso da Silva o qual lecionava que para compreensão do direito adquirido, cumpria antes relembrar o que se disse acima como sobre o direito subjetivo: é um direito exercitável segundo a vontade do titular e exigível na via jurisdicional quando seu exercício é obstado pelo sujeito obrigado à prestação correspondente. Se tal direito é exercido, foi devidamente prestado, tornou-se situação jurídica consumada (direito consumado, direito satisfeito, extinguiu-se a relação jurídica que o fundamentava). Por exemplo, quem tinha o direito de casar de acordo com as regras de uma lei, e casou-se, seu direito foi exercido, consumou-se. A lei nova não tem o poder de desfazer a situação jurídica consumada. A lei nova não pode descasar o casado, porque estabeleceu regras diferentes para o casamento. Se o direito subjetivo não foi exercido, vindo a lei nova transforma-se em direito adquirido, porque era direito exercitável e exigível à vontade de seu titular. Incorporou-se no seu patrimônio, para ser exercido quando convier. A lei nova não pode prejudicá-lo, só pelo fato de o titular não ter exercido antes. Direito subjetivo é a possibilidade de ser exercido de maneira garantida, aquilo que as normas de direito atribuem a alguém como próprio. Ora, essa possibilidade de exercício continua no domínio da vontade do titular em face da lei nova. Essa possibilidade de exercício do direito subjetivo foi adquirida no regime da lei velha e persiste garantida em face da lei superveniente. Vale dizer
7 repetindo: o direito subjetivo vira direito adquirido quando a lei nova vem alterar as bases normativas sob as quais foi constituído. Se não era direito subjetivo antes da lei nova, mas interesse jurídico simples, mera expectativa de direito ou mesmo interesse legítimo, não se transforma em direito adquirido sob o regime da lei nova, que por isso mesmo, corta tais situações jurídicas subjetivas no seu iter, porque sobre elas a lei nova tem aplicabilidade imediata, incide (grifos nossos). 1 Assim, incabível falar em direito subjetivo da Associação na implementação do bolsão residencial, mas sim interesse jurídico na sua criação, não se podendo considerar como incorporado em seu patrimônio. Nas palavras de Alexandre de Moraes o direito denominase adquirido quando consolidada sua integração ao patrimônio do respectivo titular, em virtude da consubstanciação do fator aquisitivo (requisitos legais e de fato) previsto na legislação. E citando Limongi França, o constitucionalista ressalva que a diferença entre a expectativa de direito e direito adquirido está na existência, em relação a este, de fato aquisitivo específico já configurado por completo. 2 Ora, nesse sentido, como bem se depreende da prova coligida aos autos, não houve a expedição de portaria de criação do bolsão pela autoridade competente, ao teor do quanto disposto no artigo 14 da lei revogada. Em suma, não existia bolsão, mas mera expectativa de sua criação diante de processo administrativo que ainda não havia sido finalizado. 1 Curso de Direito Constitucional Positivo, Malheiros, 19ª edição, p. 436/437. 2 Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional, Editora Atlas, 8ª edição, p. 217.
8 Ademais, nos termos do artigo 1º da Lei Municipal nº 11.322/92, ficava o Poder Executivo autorizado a criar na área urbana do município de São Paulo os bolsões residenciais, o que afastava sua obrigatoriedade, mais se aproximando então de análise de sua criação sob os critérios da oportunidade e conveniência. E mesmo que analisado sob a ótica de eventual ato vinculado, como faz crer os recorrentes, Hely Lopes Meirelles discorrendo sobre a questão leciona que na prática de tais atos o Poder Público sujeita-se às indicações legais ou regulamentares e delas não de pode afastar ou desviar sem viciar irremediavelmente a ação administrativa. Isso não significa que nessa categoria de atos o administrador se converta em cego e automático executor da lei. Absolutamente, não. Tanto nos atos vinculados como nos que resultam da faculdade discricionária do Poder Público o administrador terá de decidir sobre a conveniência de sua prática, escolhendo a melhor oportunidade e atendendo a todas as circunstâncias que conduzam a atividade administrativa ao seu verdadeiro e único objetivo o bem comum. 3 (grifos nossos). Nessa esteira, houve por bem o SEMPLA (Secretaria Municipal de Planejamento Urbano) determinar que, ante a inexistência de ato normativo que criava o bolsão, os interessados deveriam cumprir as exigências da Lei nº 13.302/2002 (legislação que 3 Direito Administrativo Brasileiro, Editora Malheiros, 29ª Edição, p. 165.
9 revogou àquela na qual se amparavam os recorrentes) (fls. 921/926), mormente considerando que a nova lei trouxe um número maior de requisitos a serem cumpridos para a criação dos bolsões, considerando a necessidade de anuência além dos proprietários situados na área interna do bolsão (antiga redação do inciso II, artigo 4º, da lei) dos proprietários situados na área impactada. Destarte ante a inexistência de direito adquirido dos recorrentes, inexistem razões para reforma da r. sentença, na esteira dos bem lançados pareceres dos D. Representantes do Ministério Público, em primeiro e segundo grau. Para fins de pré-questionamento tem-se por inexistente qualquer violação aos dispositivos constitucionais e infraconstitucionais pertinentes à matéria versada nestes autos. Luciana Bresciani Relatora