O Determinismo na Educação hoje Lino de Macedo



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Transcrição:

O Determinismo na Educação hoje Lino de Macedo 2010 Parece, a muitos de nós, que apenas, ou principalmente, o construtivismo seja a ideia dominante na Educação Básica, hoje. Penso, ao contrário, que, sempre ou, então, muitas vezes, somos dominados por pensamentos ou práticas deterministas. É que, sobretudo em educação, esta ideia antiga é sempre sedutora e possível de ser usada como arma poderosa contra o que, apesar de sua importância, foge de nosso controle. O que é determinismo e quais são suas diferentes possibilidades de expressão? Qual ou quais delas orientam nossas ações, como educador? Segundo o Dicionário de Psicologia APA (VandenBos, 2010, p. 280-281), determinismo em Filosofia significa a posição de que todos os eventos, físicos e mentais, inclusive o comportamento humano, são o resultado necessário de causas antecedentes, ou outras entidades ou forças. O determinismo requer que tanto o passado, quanto o futuro sejam fixos. Igualmente, o determinismo em Psicologia significa a posição de que os comportamentos humanos resultam de antecedentes causais eficientes específicos, tais como estruturas ou processos biológicos, condições ambientais ou experiências anteriores. As relações entre esses antecedentes e os comportamentos que eles produzem podem ser descritos por generalizações muito semelhantes às leis que descrevem regularidades na natureza. Este dicionário define, ainda, 14 tipos de determinismos: ambiental, biológico, cultural, ético ou moral, físico, genético, linguístico, moderado, psicológico, psíquico, puro, recíproco e social. Segundo Comte-Sponville (2003), trata-se de uma doutrina segundo a qual tudo é determinado, isto é, submetido a condições necessárias e suficientes, que são, elas próprias, determinadas. Neste sentido, o determinismo nada mais é que uma generalização do principio de causalidade. É uma ou várias cadeias de causas a que nada escapa, nem ele mesmo: podemos agir sobre ele, modificá-lo, dominá-lo, mas não sair dele... Não confundi-lo com o prédeterminismo, que supõe a existência de uma cadeia única e contínua de causas, de tal sorte que o futuro estaria inteiramente inscrito no presente, do mesmo modo que o presente resultaria necessariamente do passado. (p. 157-158)

MACEDO, L. O Determinismo em Educação, hoje. Manuscrito não publicado. São Paulo: Maio de 2010. 2 Há muitos modos de pensarmos ou agir de modo determinista. Podemos considerar, por exemplo, que os primeiros anos de vida e as relações vividas pela criança neste tempo serão determinantes de tudo o que será ou se tornará mais tarde. Podemos supor que certas transformações no cérebro, previstas geneticamente, se não acontecerem na puberdade, então a pessoa ficará limitada para sempre. Além do determinismo genético, podemos ter o determinismo social ou cultural, sendo os outros, neste caso, a causa ou a fonte de tudo o que nos tornamos. Não importa o conteúdo valorizado, trata-se, em geral, de um pensamento adulto, definido ou legitimado por uma autoridade na área, cientista, religioso, pensador ou teórico iminente que determina ou explica as causas, que controla o que deve ser. São eles ou as condições que formulam que definem as relações necessárias entre as coisas, e por isto mesmo ditam ou caracterizam suas condições antecedentes e consequentes. O pensamento determinista geralmente pensa as relações entre as coisas, os objetivos e os meios, em termos de causa e efeito, sujeito e objeto. Nele parece que é sempre possível, ou necessário dominar ou controlar as causas do que lhes interessa ter um poder sobre. Este controle pode ser, em muitos casos, o da explicação ou compreensão do fenômeno. - Sei porque é assim, - sei ou alguém deve saber porquê isto aconteceu. Daí o carater sedutor, controlador do pensamento determinista. Ele se orienta pela ideia de que deve haver uma razão, de que é possível, de preferência materialmente, controlar, ou definir o que causa e o que resolve ou supera o problema. E quanto mais grave é o problema, mais se esperam explicações ou saídas deterministas. É o caso atual da necessidade de que todos os jovens e crianças sejam escolarizados, ou seja, aprendam as coisas da escola e desenvolvam habilidades e competencias para isto. Se a educação básica é para todos, é uma necessidade de todos, então deve haver um jeito para conseguir, controlar isto. Os deterministas que prometem ter a solução, ou os deterministas que denunciam ou criticam a fraqueza ou insuficiência das soluções propostas, sobretudo se não deterministas, são valorizados porque sabem criticar, desconstruir, denunciar. É muito difícil não cultivarmos pensamentos deterministas ou não sermos deterministas em situações que, por necessárias ou importantes, ganham estatuto de determinação, acusação. É o caso, por exemplo, hoje da escola. O estudo, na perspectiva do pensamento determinista, pode ser a causa, a razão do sucesso na vida. Se é assim temos de controlar o processo de aprendizagem escolar, temos de encontrar um método ou sistema de ensino capaz de controlar isto, que produza os resultados que esperamos, ou que a sociedade exige. A escola, neste sentido, tornou-se a instituição mais

MACEDO, L. O Determinismo em Educação, hoje. Manuscrito não publicado. São Paulo: Maio de 2010. 3 poderosa e dela cobram que cumpra o seu papel. Pobres dos professores, gestores, Secretarias de Educação ou Diretorias de Escola que não lograrem os resultados esperados. Pobres dos professores construtivistas, se não conseguirem provar que têm o poder de resolver um problema de tal importância e complexidade. Diante deste quadro pode-se perguntar o que não é determinação, como combater este tipo de pensamento, este desejo de que é possível controlar, produzir os resultados esperados? Talvez possamos encontrar uma resposta para isto, aprofundando a compreensão do que é determinismo e reconhecendo que ele pode ter outras significações menos radicais ou exigentes do que a que foi analisada até aqui. Uma segunda possibilidade de pensarmos o determinismo é concebê-lo em sua condição múltipla. Neste caso, diante de um sistema tão complexo como o da educação implica reconhecer que é determinado por muitos e diferentes fatores, não sendo um deles o único responsável por seu sucesso. Há muitas possibilidades de algo ser em um sistema, os fazeres, os modos de pensar e as criações humanas podem provir de várias fontes, que não estão em um único ou melhor lugar. Não há uma pessoa, grupo ou sistema de ensino capaz de controlar ou garantir um processo ou, mais do que isto, seus resultados, por mais esperados ou importantes que sejam. Daí a necessidade de avaliações, internas e externas à escola, que possibilitem observar, regular, acompanhar processos, analisar resultados tomando-os como indicadores dos progressos obtidos. Daí importância de se adotar múltiplas referências para dizer sobre a melhoria dos alunos, dos ganhos que obtiveram em sua educação básica. Daí necessidade de um currículo, de muitos recursos metodológicos e propostas de atividades visando abarcar um universo tão grande por sua diversidade e desafio de superação. Em outras palavras, multideterminação corresponde ao pensamento e à prática de considerar as coisas humanas, ou vivas como podendo se estabelecerem, ou não, de muitos modos, pois variam, dependem de uma coreografia de possibilidades, procedimentos, ou formas de se constituir. Uma terceira possibilidade é pensarmos o determinismo como indeterminação. Segundo Cunha (1991, p. 258), determinar é marcar termo a, delimitar, fixar, definir e In- tem duas significações: como advérbio e preposição quer dizer em, dentro de (p.428), e como prefixo, exprime a negação ou a privação. Daí talvez porque seja comum duas significações para indeterminação. Indeterminação como determinado por dentro, ou seja, pela tessitura das relações que produzem um acontecimento, já que externamente ele pode ter muitas causas ou circunstâncias que o determinam. Trata-se do pensamento de que certos fenómenos por sua complexidade, beleza, dificuldade,

MACEDO, L. O Determinismo em Educação, hoje. Manuscrito não publicado. São Paulo: Maio de 2010. 4 importância ou transcendência não provém de um único e melhor lugar, pois suas fontes são indetermináveis e apenas seus efeitos observáveis. Neste século o pensamento por indeterminação é muito comum. Trata-se, neste caso, de valorizar os acasos, as contingências, as múltiplas possibilidades de algo ser ou acontecer. Pode ocorrer daí o problema de uma leitura, agora negativa, da indeterminação. Como as coisas não são determináveis, nem controláveis por suas causas e efeitos, pode-se cair também em certo ceticismo. Segundo o dicionário de Psicologia APA (VandenBos, 2010, p. 171) ceticismo corresponde em filosofia, à posição de que certo conhecimento pode nunca ser encontrado. Pais, por exemplo, podem desenvolver esta descrença, ou dúvida, sobre as possibilidades de a escola cuidar ou ensinar seu filho. Deterministas convictos, igualmente, duvidam das possibilidades ou utilidade do construtivismo na escola, já que ele não pode garantir - nos termos exigidos por eles - as consequências de seus modos de intervenção. Em educação este pensamento pode ser desastroso, se levar à ideia de que não há jeito, de que é impossível se educar as crianças e jovens no mundo de hoje. Desastroso porque alimenta a ideia de que só os mais aptos podem ter lugar na escola, só eles têm condições de receber o melhor que ela tem para oferecer. Uma quarta possibilidade de pensarmos o determinismo é o compreender como autodeterminação. Por exemplo, segundo Inwood (1997), em Hegel, autodeterminação se refere ao desenvolvimento ou funcionamento autônomo de algo, por exemplo, a vontade, em contraste com sua determinação por forças externas (p. 93). Ainda que tal termo não seja utilizado por Piaget, suponho que ele corresponde ao que designa por autorregulação ou processos de equilibração (Piaget, 1975), pelos quais o ser humano em interação interdependente com seus pares e as coisas podem aperfeiçoar, superar, ainda que pouco a pouco, conflitos, dificuldades, que perturbam ou impossibilitam o que se deseja compreender ou realizar. Para este autor (Piaget, 1998), de fato, autonomia e self-government, cooperação e trabalho em grupo compõem o quaterno que possibilita relações entre pessoas, apoiadas no respeito mútuo, reciprocidade, descentração de pontos de vista, responsabilidade, liberdade e pertencimento. Autodeterminação de uma pessoa ou grupo implica saber desenvolver disciplina, ter vontade, desejo de conclusão ou enfrentamento dos problemas, ter espírito de projeto. Significa disponibilidade para compartilhar, argumentar, compreender, construir conhecimento ou objetos que o expressam. O quaterno determinação, multi-determinação, indeterminação e autodeterminação são formas de explicar, compreender ou realizar, são modos de conhecer e

MACEDO, L. O Determinismo em Educação, hoje. Manuscrito não publicado. São Paulo: Maio de 2010. 5 produzir conhecimento, de ensinar, aprender, avaliar e se desenvolver. Qual ou quais delas escolhemos para orientar nosso pensamento e ações? Em nome de qual ou quais delas cumprimos nossa função de educador? Defendemos uma educação básica para todos ou apenas para os mais aptos, aos que atendem plenamente nossas expectativas? Preferimos culpar professores e gestores por seus fracassos ou compartilhamos com eles, de modo determinado, mas não determinista, o desafio proposto por tal imensa e importante tarefa: uma educação básica para todos? Referências Comte-Sponville, A. Dicionário Filosófico. São Paulo: Martins Fontes, 2003. Cunha, A. G. Dicionário Etimológico da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1991. Inwood, M. Dicionário Hegel. Rio de Janeiro: Zahar, 1997. Piaget, J. O desenvolvimento do pensamento: Equilibração das estruturas cognitivas. Lisboa: Dom Quixote, 1975. Piaget, J. Sobre a pedagogia. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1998. VandeBos, G. R. (Org.) Dicionário de Psicologia da APA. Porto Alegre: Artmed, 2010.